(Continuação)
A frase, atribuída a Winston Churchill, de que a democracia é a pior das formas de governo, exceptuando todas as outras, não possui a profundidade que se lhe dá – transformando uma boutade num quase axioma. Porque a democracia, em si ou seja – um governo do povo – não significa nada se não forem definidos os instrumentos institucionais que vão possibilitar o funcionamento desse governo do povo.
A democracia representativa que tem sido o tema central desta série de pequenos textos, tendo como primeira experiência, no século XVIII, o Parlamento inglês, foi sofisticando os seus mecanismos funcionais, o sufrágio universal, a alternância no poder, a total liberdade de reunião, o funcionamento dos meios de comunicação. Convertendo-se num sistema bipartidário, a maioria dos cidadãos eleitores vai elegendo ora um ora outro dos partidos do poder. Como quatro anos de governo geram descontentamento no eleitorado e desgaste de imagem, o partido da oposição vai capitalizando esse descontentamento e, sobretudo, explorando os escândalos que, mais ou menos escabrosos, eclodem ou são inventados ou exagerados pela máquina do adversário.
Entre nós onde, apesar de toda a liberalização e evolução de mentalidades, a homossexualidade continua a ser um estigma infamante, põe-se a nu ou inventa-se casos dessa natureza. País onde a usurpação de título não é crime (os juízes, simples licenciados, são em pleno tribunal, suposto templo da justiça, designados por «senhor doutor juiz»), descobrem-se fragilidades no curricula académicos dos adversários. Em último caso, deprecia-se a sua licenciatura, por ter sido obtida numa privada sem prestígio…
Ou seja – vale tudo. Sem generalizar, pode dizer-se que ao mundo da política vão desaguar cidadãos sem qualidade moral, corruptos e intelectualmente pouco aptos. Gente que teria dificuldade, sem os compadrios partidários, de singrar profissionalmente. Dizer-se que este sistema é mau, mas não existe outro melhor, revela, no mínimo, falta de cultura política, de imaginação e, sobretudo, de esperança no futuro.
Estamos a aproximar-nos de mais um aniversário da Revolução de 25 de Abril. Muitos de nós, tendo nascido e vivido em ditadura, queríamos queimar etapas e não passar aqui por este simulacro de democracia. As três palavras chave da Revolução Francesa estavam presentes no nosso espírito. Durante algum tempo respirou-se uma atmosfera de grande fraternidade. Todos, ricos e pobres, sentíamos o alívio de ver erradicado o fascismo. A liberdade chegara, de facto, e não nos cansámos de a saudar – os primeiros dias a seguir à Revolução, foram de festa. Foi quando exigimos a igualdade que tudo se estragou.
Muitos dos que lutavam contra a ditadura, faziam-no apenas para obter a liberdade de expressão e o direito de associação. Por isso, muitos dos aliados do ante 25 de Abril, foram descobrindo nos dias que se seguiram que uma nova clivagem se perfilava no horizonte. E esta iria dividir os democratas, os antifascistas. Em um de Maio, seis dias depois da Revolução, a divisão estava consumada e os inimigos dos revolucionários não eram já os fascistas. Os fascistas tinham-se evaporado. Soube de legionários que se filiaram em partidos. Ouvi defensores do salazarismo, louvar a democracia e reconhecer que a ditadura não podia persistir.
Ora bem. Hoje fiz uma pausa nas citações, nas referências a Karl Popper que, a pedido de Mário Soares, veio aqui defender o modelo de democracia representativa, a Jean-Jacques Rousseau, a quem bastou um exemplo para perceber que democracia representativa não é democracia; a Castoriadis e a Bobbio que preconizou a associação da democracia representativa e da directa. Amanhã talvez vos fale de uma perspectiva interessante sobre o tema – a de Alain Touraine.
(Continua)
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