Quinta-feira, 9 de Junho de 2011

Saiu o primeiro número da Revista de Estudos Literários, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

É com grande honra e prazer que o VerbArte publica esta mensagem do Centro de Literatura   Portuguesa, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que nos chegou através do estrolabio Professor Doutor Manuel Simões.

 

 




Muito agradecemos a presença e a divulgação, pois esperámos muitos anos por este momento!

 

Acaba de sair o primeiro número da Revista de Estudos Literários, editada pelo CLP/FCT/Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Este número, coordenado por António Apolinário Lourenço e Osvaldo Manuel Silvestre, é dedicado aos estudos literários em Portugal no século XX.
A revista será apresentada pelo Doutor António Sousa Ribeiro, no dia 9 de Junho de 2011, às 18 horas, no Centro de Literatura Portuguesa (7.º piso da FLUC).


Contamos com a presença dos colegas neste importante acontecimento do CLP.

 

O Coordenador do Centro de Literatura Portuguesa,

José Augusto Cardoso Bernardes

--

Pires Laranjeira
Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas/PORTUGUÊS

Centro de Literatura Portuguesa

Faculdade de Letras/Universidade de Coimbra

Praça da Porta Férrea
3004-530 Coimbra - Portugal
Tel. (351) 239 859 990
Fax. (351) 239 836 733

pires.laranjeira@gmail.com

www.uc.pt

 

Saber ensinar

É esquecer o que lembras

No minuto errado

 

***

Não queiras a fome

A rondar a liberdade

Pois podes matá-la 

 

(Suffit Kitab Akenat)

 




publicado por João Machado às 15:00
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Terça-feira, 1 de Março de 2011

Agenda Cultural - XIII Semana Cultural da Universidade de Coimbra

Rui de Oliveira

 

UC.PT

 

Universidade de Coimbra . University of Coimbra

 

 

 

University of Coimbra 8789

 

Universidade de Coimbra

 

XIII Semana Cultural da Universidade de Coimbra 

 

XIII Semana Cultural da Universidade de Coimbra

Banner UC



Dia 1 | Ter

 

 



9h | Capela S. Miguel (UC) 

Missa Solene, com a participação do Coro da Capela.


9h-18h | UC 

DIA ABERTO da Universidade de Coimbra

Org.: Faculdades da UC.


Todo o dia | Cafés, livrarias e lojas da cidade

“Ciência onde menos se espera”

Desafios e experiências científicas para realizar autonomamente em locais inesperados. Org.: Museu da Ciência.


publicado por João Machado às 10:00

editado por Luis Moreira às 09:25
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Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2010

"O 25 de Abril foi uma oportunidade perdida pela cidade", disse Boaventura de Sousa Santos em entrevista ao diário As Beiras

Sociólogo, Boaventura de Sousa Santos é um dos universitários portugueses com maior reconhecimento académico e científico dentro e fora do país, desenvolvendo investigação em temas como a democracia, interculturalidade, globalização e direitos humanos. Fundou e dirige o Centro de Estudos Sociais da UC. Em entrevista, aponta rumos a Coimbra e ao país. O retrato que faz da Europa é demolidor.


P – Acabado de jubilar, a sua ligação à Universidade de Coimbra (UC) prossegue ainda pela via da investigação, no CES e no Centro de Documentação 25 de Abril. Sendo uma das suas personalidades de referência, dentro e fora do país, lamenta nunca ter concorrido à reitoria da UC?


R – Não lamento porque, se tivesse concorrido ao lugar e tivesse ganho as eleições, interromperia a minha atividade científica no país e no estrangeiro, a minha maior prioridade desde sempre. Nas instituições que ajudei a criar, como o CES e o CD25, construi equipas e modos de gestão que obrigaram a trabalho muito intenso mas não afetaram significativamente o meu trabalho científico de que afinal todas os meus colaboradores e colaboradoras beneficiaram. O CES é hoje uma instituição científica de renome internacional, uma boa parte dos nossos estudantes de doutoramento são estrangeiros e temos um corpo de investigadores igualmente internacionalizado. Temos uma sede em Lisboa e foram criadas duas instituições irmãs com quem colaboramos fraternalmente, o CES-América Latina (sediado no Brasil) e o CES-Aquino de Bragança (sediado no Maputo). O CD25 é uma instituição que honra a Universidade e o país pelo profissionalismo e pela isenção com que acolhe e trata a documentação sobre o acontecimento mais importante da nossa contemporaneidade, a Revolução do 25 de Abril.


P – Quais são hoje os grandes desafios que se colocam à UC, em Portugal e no mundo, particularmente nos países de língua portuguesa?


R – A UC não aproveitou como devia e quando devia a energia libertadora criada pelo 25 de Abril. Durante demasiado tempo viveu das glórias do passado e deixou-se iludir pela armadilha da história. Quando se deu conta de que tinha sido ultrapassada por outras universidades (algumas delas criadas por antigos professores de Coimbra que aqui não encontraram espaço para a sua criatividade), não só no plano científico como no plano de influência pública como ainda na capacidade para atrair os melhores alunos, os tempos eram de vacas magras e o arrocho orçamental impediu que as mudanças pudessem recuperar o tempo perdido. A adaptação ao processo de Bolonha deu-se nas piores condições, com pouca visão estratégica e sem capacidade para transformar o nosso único recurso – o sermos uma das mais antigas universidades da Europa – numa alavanca de transformação da tradição em inovação. Assombrados pela culpa histórica do colonialismo não soubemos transformar o espaço de língua oficial portuguesa no espaço por excelência da expansão da universidade onde muitas das elites pós-coloniais tinham sido formadas. Esperámos que elas viessem ter connosco enquanto o Brasil adotava uma política ativa e muito bem financiada de cooperação com os PALOP. Os desafios hoje são enormes porque estamos integrados num sistema universitário europeu onde seremos certamente periféricos. Temos de valorizar tudo o que temos, que é muito, em termos de capacidade científica instalada; temos de acarinhar as práticas científicas e os centros de investigação que nos prestigiam no mundo; temos de superar a estúpida rivalidade entre a universidade e a cidade e fazer de Coimbra a cidade do mundo que mais investe na sua universidade e, do mesmo passo, fazer da Universidade de Coimbra a universidade do mundo que mais recursos traz para a cidade onde está sediada. Unidas, Coimbra e a Universidade podem aspirar a alguma presença mundial. Separadas, estão condenadas ambas à mediocridade provinciana. O regresso da Universidade ao coração da cidade, ao Colégio da Graça, em que o reitor Seabra Santos tanto se tem envolvido, pode ser o augúrio mais promissor de uma nova simbiose Universidade – Cidade. Temos de transformar cada diretor e cada professor num embaixador ou numa embaixadora da UC no Brasil e nos PALOP. Temos de ir buscar aí a vantagem comparativa para nos transformarmos na universidade europeia que traz para dentro da Europa uma parte cada vez mais significativa do mundo. Só essa vantagem comparativa nos livrará da marginalização total no seio do sistema universitário europeu.


P – Em Coimbra, os movimentos cívicos, que tiveram em Boaventura de Sousa Santos um grande impulsionador, sobretudo no Conselho da Cidade e na Pro-Urbe – que, recorde-se, assumiram lutas como a da co-incineração – esvaziaram-se nos últimos anos. A que se deve tal situação?


R – Dediquei a Coimbra a maior parte da minha atividade cívica durante muitos anos. Perdi todas as lutas em que me envolvi na cidade que me viu nascer e que muito amo. Perdi a luta contra a eliminação dos carros elétricos, perdi a luta contra a demolição do Teatro Avenida, perdi a luta contra a amputação e abandono do Choupal, perdi em boa parte a luta contra a co-incineração, perdi a luta pela criação de instrumentos de democracia participativa no governo municipal, e sobretudo perdi a luta contra a especulação urbana, a corrupção dos serviços, a distração do MP e da Polícia Judiciária, a apatia dos tribunais que no conjunto deixaram criar a monstruosidade urbana que domina a cidade e onde se chegou ao cúmulo do mau gosto ao aprovar-se um projecto arquitétonico de centro comercial na colina oposta à Universidade, imitando grotescamente o seu perfil. Quando eu e o Dr. Carlos Encarnação andávamos juntos na luta contra a co-incineração, e eu desabafei que era escandalosa a promiscuidade entre os interesses imobiliários e o PS, o Dr. Encarnação respondeu-me com total candura “Oh Professor Boaventura, o problema é que no meu partido as coisas não são melhores”. Os anos seguintes vieram a confirmar que o Dr. Encarnação sabia do que estava a falar. Inicialmente lutei como indivíduo. Tendo chegado à conclusão que individualmente e sem querer concorrer a lugares de governo autárquico pouco lograria, decidi promover a criação da Pro-Urbe que durante anos animou o debate urbano. Os resultados não foram muito melhores. As lealdades partidárias acabaram por liquidar o impulso da democracia de base.


P – Encontra uma relação de causa-efeito entre esse esvaziamento de participação cívica e a acentuada perda de relevo de Coimbra – cidade e comunidades académica, política, cultural –, no contexto nacional?


R – Tal como aconteceu com a universidade, o 25 de Abril foi uma oportunidade perdida pela cidade. A cidade continuou a esperar que o governo nacional trabalhasse para ela, tal como acontecera na ditadura. Nem sequer reparou que a cumplicidade da cidade (e da universidade) com o regime de Salazar tinham criado uma certa animosidade nacional contra a cidade. Ao longo dos anos foi-se dando conta da marginalização e do desinvestimento e não soube reagir. Paralelamente, à medida que os anos passaram , a presença nos governos de políticos oriundos de Coimbra foi rareando e a influência mediática dos professores de Coimbra foi desaparecendo. Na cidade tudo passou a durar décadas para ser conseguido, de espaços para congressos a metros urbanos e suburbanos. A imagem mais patética da perda de relevo da cidade é o “apeadeiro” de Coimbra-B. Pode Coimbra aspirar a ter importância no futuro quando os visitantes ao descer dos comboios recuam um século?


P – Coimbra – cidade da cultura, do conhecimento, da inovação, diz-se –, parece ainda não ter assumido um caminho. Que caminho defende para a sua cidade no século XXI?


R – Autarcas inovadores, serviços tecnicamente competentes e não corruptos, a opção estratégica por uma cidade-universidade, centrada na qualidade de vida, nos espaços verdes e pedonais, na harmonia visual das paisagens urbanas, na revitalização do centro histórico e do comércio urbano que transporta a memória da cidade, nos transportes públicos de qualidade. Uma cidade que sabe aliar atividades de promoção científica às artísticas e musicais, à valorização da gastronomia tanto do centro como do espaço da lusofonia. Uma cidade que não figure nos manuais de urbanismo como um exemplo de más práticas, onde não é possível o absurdo urbano dos Jardins do Mondego.

P – Nesta nova etapa da sua vida académica, assumiria uma experiência política concreta com uma candidatura à Câmara Municipal



R – No tempo da Pro-Urbe os meus críticos sempre me acusaram de querer usar a associação como trampolim para o governo municipal. Fui-os desiludindo.


P – Olhemos agora o país e a Europa. Enquanto sociólogo – logo observador privilegiado – que análise lhe merece o desvario financeiro e económico, que, desde logo, implica o social, em que o espaço europeu está mergulhado?


R – A crise é grave porque os que a produziram (o capital financeiro) são quem está a ditar a sua “solução”. Sem regulação dos mercados financeiros caminharemos todos para o desastre, primeiro o Sul da Europa e depois o Norte da Europa. Países com economias fracas integradas num sistema de moeda forte e sem a capacidade (nem a vontade) dos governos para tomar medidas que animem o investimento e criem emprego caminharão para a estagnação económica, o aumento do desemprego, o empobrecimento geral. Há de haver um momento em que os cidadãos se sentirão abandonados pelos seus dirigentes e reagirão. Se a reação for pacífica, como espero, e for acompanhada por outras reações do mesmo teor um pouco por toda a Europa, talvez os dirigentes europeus acordem para a realidade: não é justo que tantos sofram para que uns poucos continuem a enriquecer escandalosamente; não é justo que as dificuldades de um país sejam motivo de especulação para os abutres financeiros e se agravem sem limite só porque não há limite para a voragem da especulação.


P – As consequências sociais das duras medidas de austeridade a que os mercados obrigam os Estados “incumpridores” começam a apresentar-se em toda a extensão. O que é que os portugueses podem esperar do futuro próximo?


R – Se os mercados financeiros não forem regulados, os bancos não sentirem a ameaça de nacionalização, se continuarem a especular com a miséria dos cidadãos, se a UE continuar a mostrar que está refém da lógica do FMI, que é a lógica dos interesses dos credores e não dos interesses dos devedores, os portugueses só podem esperar o empobrecimento coletivo no futuro próximo.


P – No plano nacional, qual a melhor solução política – pressupondo as eleições presidenciais e uma previsível mudança governativa – para atravessar a crise presente?


R – No país com um dos maiores índices de desigualdade social da Europa é perigoso pensar que a política de austeridade deve ser conduzida com o extremismo que os chamados mercados financeiros exigem. Podemos caminhar para uma convulsão social e para a evitar são necessários dirigentes que saibam dizer basta(!) às exigências financeiras quando elas significam a ruína da grande maioria das famílias portuguesas. Precisamos de um novo nacionalismo democrático, solidário e de esquerda na base de um governo que tenha a ousadia de mostrar aos dirigentes europeus que, não sendo possível avançar para o federalismo europeu, tão pouco é possível imaginar que os portugueses vão tolerar que a sua economia não cresça anos a fio e que os portugueses continuem a empobrecer enquanto os irmãos alemães não sabem onde aplicar o excesso do dinheiro que têm. Tudo isto com a ficção que pertencemos à casa comum da União Europeia. Para criar uma governação deste tipo, Manuel Alegre está mais próximo do objetivo que Cavaco Silva ou Fernando Nobre, uma aliança entre o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista está mais próxima deste objetivo que uma aliança do PS com o PSD e o PP.


P – Apesar da crise ou para além dela, Portugal continua a confrontar-se com falhas graves e estruturais a diversos níveis. A educação é um deles. A justiça é outro. Mas também o seu sistema político e um Estado que cresceu para dentro ignorando cada vez mais os cidadãos. Em primeiro lugar, o que fazer relativamente à educação?


R – No meio da crise o país tem sabido continuar a dar prioridade à investigação científica e isso não é pouca coisa. Mas, contraditoriamente, o Governo não tem sabido reconhecer que a investigação não se faz sem investigadores e que estes durante muitos anos continuarão a vir das universidades portuguesas. Para isso os professores não podem ser proletarizados pelos excessos de trabalho docente e desestimulados com reduções de salários e carreiras fechadas. A todos os níveis o investimento na educação tem de ser prioritário num país que perdeu quase meio século nesse como noutros domínios. Mas a educação tem de ter uma orientação estratégica e esta não pode limitar-se a conceções estreitas de cultura científica. Um país pequeno às portas da Europa tem de promover uma educação para o cosmopolitismo e para a interculturalidade. Um país com pouca cultura democrática tem de promover uma educação para a cidadania e a democracia.


P – E o sistema político versus Estado?


R – Alterar o sistema eleitoral de modo a tornar os deputados mais diretamente vinculados aos que neles votam. Reformar o sistema de financiamento dos partidos de modo a evitar a captura do sistema político pelos interesses económicos. Promover mais mecanismos de democracia direta desde referendos a consultas, à revogação de mandatos, às leis de iniciativa cidadã, como o brilhante exemplo da Lei da Ficha Limpa no Brasil. Articular mais e mais a democracia representativa com a democracia participativa e deliberativa. Estimular a sociedade civil a organizar-se em defesa de formas mais intensas de democratização. Encontrar mecanismo para promover o maior pluralismo no comentário político nacional hoje dominado por comentadores conservadores. Democratizar os meios de comunicação social. Defender eficazmente os jornalistas da redução do seu nobre trabalho à fabricação de conteúdos. Democratizar a sociedade (da família à escola e às empresas) como parte integrante de democratização do sistema político. Enquanto só o sistema político for democrático e a sociedade continuar a ser regulada no seu quotidiano por pequenos e grandes despotismos não haverá verdadeira democracia.


P – Relativamente à justiça – matéria em relação à qual tutela um observatório permanente –, quais são as grandes questões a que o país tem de dar resposta sob pena da ineficácia e descredibilização total?


R – Criar uma nova cultura judiciária através de um investimento forte na formação de magistrados. Uma cultura que faça de cada operador judicial um defensor e promotor responsável da democracia. Investir na gestão dos tribunais, um dos serviços do Estado mais mal geridos. Tornar a justiça acessível aos cidadãos baixando os custos e alterando o sistema de patrocínio judiciário. Levar adiante reformas importantes na área do mapa judiciário (a distribuição territorial dos serviços judiciais). Mudar os sistemas informáticos de modo a garantir a compatibilidade entre serviços e o uso fácil pelos cidadãos. Criar um clima de responsabilização democrática que leve às lideranças institucionais e profissionais dirigentes com sentido de Estado e com capacidade de articulação com os diferentes corpos que constituem o mundo judiciário. Criar uma nova relação entre sistema judiciário e meios de comunicação social.


P – Boaventura de Sousa Santos tem uma família toda ligada ao mundo científico. À ciência social igualmente a sua esposa – Maria Irene Ramalho – e às ciências bioquímicas os seus dois filhos – João e Miguel Ramalho Santos. Convivem harmoniosamente estes dois mundos?


 R– Temos muito em comum. Por exemplo, o termos todos interesses literários e sermos mesmo criadores literários com obra publicada.



(Entrevista concedida ao Diário As Beiras, em 20 de Novembro de 2010)
de Coimbra em 2013?
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Há mais vida para além da Universidade.


Foto de José Magalhães

Coimbra, capital do Distrito de Coimbra, é a maior concentração urbana da subregião do Baixo Mondego, com uma população que ultrapassa os cem mil habitantes. Os estudantes representam cerca de 30% dessa população. Recheada de referências históricas e culturais, foi Capital Nacional da Cultura em 2003. Coimbra, a Lusa Atenas, designação vulgarmente usada, tem indústrias, comécio - a sua área de influência estende-se por ume região com cerca de dois milhões de habitantes. Tem vida para além da Universidade.

É uma cidade com um grande peso histórico e sede de uma região de signiificativa importância económica.  Hoje, às 21 horas publicaremos uma entrevista  com o Professor Boaventura de Sousa Santos (concedida ao Diário As Beiras) onde é ponderada a ligação estratégica da urbe à Universidade. E chama a atenção para a «cumplicidade da cidade (e da universidade) com o regime de Salazar» que terá criado uma certa animosidade nacional contra Coimbra. Na verdade, o regime de Salazar e o seu serviço de Propaganda, prolongaram pelo século XX uma visão da realidade coimbrã herdada do século XIX - a de estudantes, tricanas e futricas, como no In Illo Tempore  de Trindade Coelho. Animosidade que, segundo o Sociólogo, se reflectiram numa certa marginalização e desinvestimento. E conclui assim o raciocínio: «à medida que os anos passaram , a presença nos governos de políticos oriundos de Coimbra foi rareando e a influência mediática dos professores de Coimbra foi desaparecendo. Na cidade tudo passou a durar décadas para ser conseguido, de espaços para congressos a metros urbanos e suburbanos. A imagem mais patética da perda de relevo da cidade é o “apeadeiro” de Coimbra-B. Pode Coimbra aspirar a ter importância no futuro quando os visitantes ao descer dos comboios recuam um século?»

Palavras a não perder, logo às 21 horas.
publicado por Carlos Loures às 02:00
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Quinta-feira, 25 de Novembro de 2010

Dicionário Bibliográfico das Origens do Pensamento Social em Portugal (42)


A Revolta de Ontem nas Palavras de Hoje

Vários


Porto, s. d.

Reúne este opúsculo onze discursos proferidos no 78.° aniversário do 31 de Janeiro cujas comemorações estão (e estarão, até quando?) intimamente ligadas à longa e árdua luta de emancipação político-social de todo um povo. Calou entretanto, e para sempre, uma das vozes que aqui se englobam: Mário Sacramento. Foi sua vontade que a breve mensagem dita no Porto tivesse por complemento o discurso que proferiu em Aveiro, não obstante já ter sido publicado. Se tantos outros não houvessem, restar-nos-iam esses dois actos bem recentes a afirmar da perseverança de quem se integrara desde a juventude no parapeito duma trincheira comum, e da lucidez do combatente que nas horas de opção sabia discernir a falácia

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A Revolta do Grelo


Vasco Pulido Valente


Assírio & Alvim, 1974

Apedrejaram-se o matadouro e as lojas para os obrigar a fechar, as oficinas e fábricas ainda abertas e até casas particulares, onde presumivelmente moravam fiscais de impostos conhecidos. Centenas de manifestantes dirigiram-se também ao liceu local e à Universidade, invadiram-nos pela força, interromperam as aulas o pediram o apoio dos estudantes, que logo lhes foi dado. Naturalmente, a multidão atacou a «repartição do selo» (a Repartição de Finanças), assaltou-a e partiu mobília e vidros.
Durante todos estes acontecimentos, os gritos que se ouviram – «Abaixo os do selo, os impostos a ladroeira! O povo não quer pagar mais» limitaram-se quase exclusivamente à questão que suscitara o protesto. Apenas alguns «vivas à liberdade» - na verdade, pouco frequentes

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publicado por Carlos Loures às 18:00
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Quarta-feira, 24 de Novembro de 2010

Atenção Coimbra: Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC,

O grupo de docentes da FEUC dinamizador e organizador do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC, este ano intitulado Reflexões sobre a economia global em crise: migrantes, cidades, mercados, governação, vem com o presente texto dar a conhecer o programa da segunda sessão do Ciclo que tem como tema específico Migrações, dinâmicas do capitalismo e a crise actual, a realizar nos dias 25 e 26 de Novembro de 2010.


Esta sessão, por razões ligadas à disponibilidade da sala de cinema do TAGV, irá decorrer em dois dias, no dia 25 na FEUC, com as conferências de Alícia Puyana e Joaquin Arriola, e com a projecção do filme O último comboio para casa, no TAGV no dia 26 de Novembro.

Programa


Dia 25 de Novembro

15 horas

Sala Keynes, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Abertura - Núcleo de Estudantes da AAC

Alícia Puyana: Migrações, dinâmicas do capitalismo e a crise actual: uma perspectiva da América Latina

Joaquin Arriola: Migrações, dinâmicas do capitalismo e a crise actual: uma perspectiva europeia

Comentários: Maria da Conceição Ramos (FEP), Carlos Santos (Univ. Católica, Porto)


Dia 26 de Novembro



21h 15min

Teatro Académico de Gil Vicente

Curta Metragem: Alitas (Little Wings), Gabriela Palacios, México, 2010



Documentário: O último comboio para casa, Lixin Fan, 2009



Debate com Joaquin Arriola, Alícia Puyana, Carlos Santos e Maria da Conceição Ramos

Sem outro assunto, e certos do vosso apoio na divulgação de mais esta iniciativa que antecipadamente agradecemos , queiram aceitar osn nossos cumprimentos

Pela Comissão Organizadora


Jùlio Marques Mota


Texto explicativo sobre algumas das razões para esta inciativa

Questões sobre migrações e sobre a crise: razões para esta sessão

Nesta sessão tal como é habitual, no TAGV será distribuído gratuitamente um caderno de textos de apoio sobre a temática do documentário. Abre com uma reportagem do Washington Post sobre a realidade chinesa onde o autor é claro ao considerar que os grandes medos das oligarquias chinesas, no aparelho de Estado ou fora dele, vêm dos mais pobres da China rural, os cento e cinquenta milhões de camponeses chineses, que, sob o regime de migração interna com passaporte para circular no próprio país (o regime houku — que torna ilegal no seu próprio país quem não consegue aceder-lhe) alimentam e sustentam a máquina da fábrica do mundo, expressão esta que é símbolo do modelo neoliberal levado ao extremo e à escala planetária. Neste mesmo caderno, seguem-se pequenos textos que abordam a temática do documentário e que, sem falta de rigor, seguem na esteira do tema das crianças deixadas para trás por nós tratado num anterior caderno de textos de apoio e disponível no nosso site. A terminar o caderno publicamos um texto de análise sobre o sistema neoliberal à escala mundial e a forma por este assumida, a sua emanação, na China, através de um sistema caracterizado pelo capitalismo de Estado Chinês. Esta análise toma como seu suporte a empresa Foxconn, que só na China emprega 900.000 trabalhadores. Aqui são analisadas as condições sociais e técnicas de produção, as condições de repartição do rendimento e de apropriação do excedente naquela que é inegavelmente um dos mais emblemáticos ícones do que é a globalização hoje, regida ou ignorada nos seus efeitos pelas grandes instâncias internacionais, chamem-se elas Banco Mundial, FMI, OMC, ou União Europeia.

Ora, sabemos a importância que a China assume hoje na desertificação dos grandes espaços industriais a Ocidente, sabemos igualmente que esse poderio lhe advém sobretudo dos seus baixos salários e das deslocalizações de tecnologias, desde as banalizadas às de “quase de ponta”, as da penúltima geração, feitas pelo Ocidente; sabemos igualmente que estes baixos salários são mantidos por fluxos migratórios intensos, legais e ilegais no interior do próprio país; sabemos igualmente que o maior volume destes fluxos migratórios são de gente jovem, daí o poder falar-se de cidades eternamente jovens. A partir disto e por esta via colocamos então as migrações no centro do debate sobre a crise económica actual e, com ela, a grave problemática do emprego a Ocidente, onde já se considera que a geração dos 16 aos 25 anos de hoje é uma geração perdida, uma “lost generation”.

Estranha, muita estranha mesmo, a situação que se atravessa e as coincidências que a percorrem quanto à problemática da juventude nas economias de hoje, regidas sob o modelo económico neoliberal e condicionadas pelos objectivos do custo mínimo e do lucro máximo a apropriar pelo sistema financeiro, independentemente dos efeitos sobre a indústria, sobre o sector industrial propriamente dito, sobre a estrutura produtiva e sobre o emprego nacional. O exemplo desta lógica encontramo-lo exactamente na Foxconn, onde os salários são de miséria e onde a taxa de lucro para uma empresa que mobiliza um milhão e meio de empregados em todo o mundo, pasme-se, situa-se na ordem dos 4%, margem bruta de lucro. Os elementos reguladores aí são as intensidades de trabalho, o aumento das horas de trabalho e os salários apesar de extremamente baixos, onde a maioria dos trabalhadores jovens nem sequer direitos de cidadania tem, nem sequer direitos de trabalhadores na indústria tem. Aqueles dois objectivos, o de custo mínimo e lucro financeiro máximo, são a cara e a coroa do actual modelo de sociedade que a todos está a ser imposto e são estes mesmos objectivos que determinam e moldam a nossa forma de viver e de estar. Moldam-na assim desde há décadas, desde que a lógica neoliberal passou a ser determinante, desde a ascensão de Thatcher e Reagan ao poder. As violências desta lógica não param de surgir! Provavelmente hoje o caso mais evidente é o que se está a passar na Foxconn, na China, com suicídios de trabalhadores em série que são interpretados como uma forma brutal de protesto de uma geração que assim estará a assumir as suas formas mais radicais algumas vezes pensadas contra a sociedade que lhes rouba o direito a ter futuro. Falamos de futuro das novas gerações na China. Como se assinala no caderno de textos de apoio: “As zonas recém-industrializadas e as cidades na China apresentam numerosos dormitórios colectivos, onde um prédio de cinco andares pode albergar várias centenas de trabalhadores. Nas noites ventosas, as roupas dos trabalhadores, nos corredores do dormitório, esvoaçam como as bandeiras coloridas das multinacionais nos mastros. Estas e essas bandeiras são as bandeiras da nova classe de trabalhadores da China, simbolizando o fluxo de capital sem fronteiras e a miséria na terra socialista”. Bandeiras espalhadas por todo um grande país, a China, bandeiras que assinalam também o sacrifício de uma geração em que os seus anos de juventude como trabalhadores “são completamente queimados com o ritmo das máquinas, à medida que as suas peças e componentes vão funcionando, à medida que estas vão trabalhando. Os tempos livres e até mesmo as próprias vidas nisso são sacrificadas”. A juventude encontrará as suas formas correctas de protesto, aquelas que a História mais cedo ou mais tarde imporá ou, como assinala o professor Beverly J. Silver, “se os comportamentos do passado podem dar alguma indicação para o futuro, então poderemos esperar mais vagas, mais ondas, de mal-estar e de protesto feitas pelos trabalhadores (do tipo das descritas por Marx) na indústria e a ocorrerem nas regiões que foram sujeitas a uma mais rápida industrialização e proletarização. (Deste ponto de vista, o caso da China é da mais alta importância histórica a nível mundial)”. Curiosamente, em Dezembro de 2009, a revista Time ao eleger o povo chinês como candidato a personalidade do ano afirmava: “Near the factory we found some of the people who are leading the world to economic recovery: Chinese men and women, their struggles in the past, their thoughts on the present and their eyes on the future”.

Pouco tempo depois, muito pouco tempo mesmo, começaram a verificar-se os suicídios de jovens na fábrica símbolo do capital total: a Foxconn. A juventude começava a dar mostras de ver o futuro de forma completamente diferente do que assinalava e premiava a revista Time, por se começar a sentir sem futuro.

Estranhas coincidências, dizemos nós, se olharmos agora para a nossa juventude, que nos parece ser a outra face e do mesmo modelo aplicado geograficamente em pontos diferentes. Com efeito, em Abril de 2010, a OCDE, depois a OIT e mais tarde o FMI e a OIT em conjunto lançaram textos de alarme que nos mostravam que o modelo de sociedades de hoje está perigosamente a criar uma “lost generation”, na faixa etária das pessoas entre os 16-25 anos. Estranha situação quando em nome do futuro dessa geração, que sente ela mesma que o não tem, se obrigam agora sob a tutela das Instituições comunitárias, os Estados-membros a políticas de austeridade que reduzem os volumes de emprego, a políticas de austeridade que, pela mesma lógica, aumentam o tempo de vida activa de quem está a trabalhar, reduzindo, por essa via, ainda mais a viabilidade de referida geração vir a ter o direito de ter futuro, a ter trabalho. Ou será que as Instituições europeias com isto estão a criar condições para efectivar o mercado único ao nível do trabalho, ou seja, criando concorrência entre os jovens europeus na procura de trabalho, constituindo-se por aí o cadinho das novas migrações no espaço europeu, sonho dos arquitectos da actual construção da União Europeia.

Qual será então a dinâmica de crescimento do capitalismo europeu? Será que se quer centrar na mesma dinâmica da Alemanha, assente nas exportações a partir de uma política de desinflação competitiva, de contenção dos níveis salariais? Mas sendo assim, será que o que queremos é ser competitivos com a China ou antes ser competitivos na China? Ou em ambas as situações? E quando se fala de aumentos de competitividade estamos a falar de contenção de custos salariais por unidade produzida, estamos a falar do aumento da intensidade de trabalho em que se inscreve a desregulação dos mercados de trabalho ou estamos a falar dos efeitos do progresso técnico com melhoria de bem-estar das populações, as de hoje e as de amanhã? Desta última hipótese, não se está a falar, seguramente. Por onde passa então a dinâmica do capitalismo na Europa?

Nas antípodas em termos geográficos, também cá o modelo neoliberal está a atirar a juventude para becos sem saída. Todas estas questões de contornos complexos têm que ser discutidas pela e na sociedade para que se possam encontrar respostas globais convincentes que ponham em causa a continuação das bases estruturantes do modelo económico neoliberal que nos encaminharam para a situação presente e não respostas como as que têm sido dadas, nomeadamente pela União Europeia, que não só se inscrevem neste mesmo modelo como ainda o reforçam. A continuar nesta via, nada de fundamental e estruturante se irá alterar. A ilustrar o que acabamos de dizer, basta ver o que se está a passar com a regulamentação dos hedge funds, agentes especuladores por excelência e agentes extremamente importantes na dimensão da crise actual, no âmbito da União Europeia. O que as Instituições europeias estão a fazer não é nada mais do que dar corpo à ideia expressa pelo príncipe Fabrízio di Salina, personagem de Lampedusa, de que é necessário de que alguma coisa mude para que tudo possa ficar na mesma. Com efeito, como assinala Jean Claude Paye:

Ao contrário das instituições financeiras, bancos, seguradoras, fundos de investimento que utilizam as poupanças obtidas junto do público, os hedge funds não têm controladores específicos. Estes podem fazer uma plena utilização das isenções previstas nos textos legislativos. No entanto, se os hedge funds não são a causa da actual crise, a facilidade na obtenção do crédito bancário e a criação monetária que este induz, o risco sistémico que os hedge funds representam para todo o sistema financeiro, esse foi claro. De facto, para atingirem elevados resultados, os hegde funds utilizam a alavancagem. Eles contraem grandes empréstimos junto dos bancos para compensar a pequena dimensão dos fundos próprios aplicados em cada acção e, assim, induzem, em caso de problema, um efeito multiplicador sobre os desequilíbrios. Ao não enquadrar a possibilidade de recorrerem ao crédito e de criarem bolhas financeiras, a União Europeia não está a resolver a questão central. A directiva sobre os hedge funds aponta, formalmente, um bode expiatório para a crise, os hedge funds, sem que, no entanto, aumente a sua vigilância sobre os mesmos, antes pelo contrário, elimina, de facto, as possibilidades de controlo das autoridades nacionais sobre os mesmos.

Não é um passo em frente na criação de um espaço financeiro europeu. Em vez disso, a directiva estende o nível nacional de acreditação destes fundos, permitindo que as organizações domiciliadas num Estado-membro tenham, sem autorização de cada autoridade nacional, acesso ao conjunto de todo o espaço que constitui a União Europeia. Ao contrário do efeito anunciado, o texto reforça a nação dominante ao nível financeiro e, portanto, a posição da City londrina, que gere a maioria dos hedge funds localizada em solo europeu.

A directiva é igualmente apresentada como estando inscrita na luta contra os paraísos fiscais, enquanto, na realidade, através da City, ela abre as portas da União Europeia, sem qualquer controlo por parte dos Estados-membros, excepto das autoridades britânicas, bastante indulgentes.



Que tudo fique na mesma, parece pois ser o lema das Instituições europeias, quanto aos mercados financeiros. A crise, os outros que a paguem. E é neste quadro que não se vislumbra uma política capaz de dar resposta às graves questões do emprego que na juventude atinge já taxas que rondam o insuportável.Juventude de um lado, na China, massacrada pelo trabalho até ao limite físico, ao limite do insuportável, juventude do outro, na Europa, sem futuro por não ter trabalho, eis a situação que o neoliberalismo no quadro da economia global nos está a impor, e que são pois as duas faces da mesma moeda. Contra a globalização económica? Ou contra o modelo que a sustenta? Ou contra as duas coisas? Dê-se a palavra a um dos mais importantes ideólogos do neoliberalismo, Pascal Lamy, e sigam-se os seus conselhos actuais, que ele não segue seguramente:

Não, a globalização não é necessariamente uma ameaça à identidade, um rolo compressor que tudo esmaga, tudo destrói, que aniquila as identidades. Não, a “identidade de resistência” não é uma fatalidade. Se as relações entre a globalização e a identidade são concebidas e discutidas a nível global, com um espírito de abertura e sensibilidade, se os espaços são reorganizados para permitir que as identidades se expressem num contexto global, a globalização também pode ser uma hipótese, uma oportunidade. Uma globalização que respeite os valores, as culturas, as histórias múltiplas que formam o tecido social do nosso mundo é possível. Cabe a cada um de nós trabalhar nesse sentido para uma “identidade de projecto”.



Contra esta globalização seguramente. Uma globalização respeitadora do homem é possível, mas não é seguramente esta e nisto estamos de acordo com Pascal Lamy, que agora afirma: “Nos últimos anos, interrogo-me sobre as raízes culturais e antropológicos do capitalismo de mercado que é estruturalmente injusto e que tende a destruir os recursos humanos e naturais”.

Falamos de novo de uma geração perdida no lado de cá, no lado da Europa, e quanto a isto o que tem vindo a desenhar desde há anos no quadro europeu? Vê-se, por um lado, uma política de ensino e formação redutora da juventude, banalizando-a na sua maior parte, assentando a sua política de ensino e formação na depreciação dos trajectos escolares e na desclassificação dos diplomas e dos diplomados que não encontram emprego correspondente à formação adquirida, e criando profundas desigualdades ao nível do ensino superior deixando as melhores carreiras a uma elite cada vez mais pequena. A depreciação da maioria da juventude, vista pela redução dos seus custos de formação como objectivo de base, é, por outro lado, inserida num projecto mais vasto de políticas, o projecto ou modelo que rege globalmente a União Europeia: o modelo neoliberal em toda a sua dimensão.

Agora, apesar da crise presente, vê-se, por outro lado, que a política global das instâncias comunitárias continua a ser a de reforçar e a de endurecer os mecanismos que foram também eles determinantes na criação da crise da dívida soberana dos seus Estados-membros, quase todos eles na mesma situação, continuando a virar as costas ao crescimento económico e, por essa via, também ao emprego decente, também ao emprego dos mais jovens, a “lost generation”. Face à crise da dívida soberana resultado ela própria da incapacidade da União em regular seja o que for nestes mercados, como se viu acima com os hedge funds. Em vez de fazer como o Banco do Japão ou como o Fed, as Instituições comunitárias tornam os Estados dependentes dos mercados de capitais, o que faz disparar as taxas, disparar os encargos, a bola de neve da dívida pública instala-se e instala-se assim a crise da dívida soberana. Instalada ou criada a crise da dívida soberana que querem fazer agora as Instituições comunitárias? Simplesmente mais austeridade, simplesmente mais desemprego, simplesmente menores défices públicos, simplesmente menor actividade do Estado na reconstrução social que a crise dramaticamente abalou, simplesmente menor peso da dívida pública e esta que há um ano não era identificada como problema para ninguém, é agora o objectivo número um destas mesmas Instituições porque foi assim que os mercados o desejaram. Mas beneficiará a “lost generation”? Vejamos então, com mais detalhe o que pretendem as Instituições europeias, a senhora Merkle, o Presidente Sarkosy, o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e os seus comissários, assim como o Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy. Vejamos pois a lógica de uma proposta da Comissão Europeia aprovada a 18 de Outubro, que deverá ainda ter o acordo dos Chefes de Estado e de Governo. Como assinala Sterdyniak, “o risco é grande de que a proposta aí seja aprovada, uma vez que os países mais pequenos não quererão ser alvo das iras dos mercados financeiros”, dependentes que estão dos mercados obrigacionistas e dos seus leilões de títulos. A Espanha, por exemplo, com um défice público de 11,1% do PIB em 2009 e que tem que recorrer no próximo ano ao mercado de capitais para levantar 192 mil milhões de euros dos quais 150 mil milhões para refinanciamento. Qual a sua margem de manobra face ao quadro institucional que as Instituições europeias deixaram criar? Possivelmente, estará a fazer um plano B ainda mais restritivo para acalmar as iras dos mercados e para lhes garantir que em 2011 será capaz de colocar o défice público em cerca de 6%. Na sequência da proposta feita pela Comissão e aprovada pelo Conselho de ministros da Economia e das Finanças, o Ecofin, admitamos um país, com um ratio da dívida pública relativamente ao PIB de 90%. Pelas regras agora aprovadas o país terá que reduzir um vinte avos por ano a diferença existente entre este ratio e o ratio de 60% de referência do Pacto de Estabilidade e Crescimento; esta mesma diferença, ou seja, 30%, a dividir por 20, leva pois, a que se reduza o ratio da dívida em 1,5% ao ano. Neste caso, este ratio da dívida não poderá ultrapassar 88,5%. Seja então uma taxa de inflação de 2% e uma taxa de crescimento de 1%, neste contexto de crise. O ratio da dívida automaticamente reduz-se para o valor dado para 90% a dividir por (1+0,2+0,1), ou seja, reduz-se para 87,38%. Como o ratio da dívida não pode ultrapassar os 88,5% e como a dívida real desce apenas para 87,38% então o défice não poderá ultrapassar a diferença (88,5 - 87,38), ou seja, o ratio do défice público não poderá ultrapassar 1,12% e assim se vai embora até a triste regra dos 3%. Como se ilustra, esta é a situação que a Comissão quer agora impor com a proposta recentemente aprovada que é ilucidativa da sua submissão aos mercados financeiros e às agências de rating privadas, cada uma propriedade de uma família, na sua submissão ao senhor Murdoch (detentor da Moodys’s), ao senhor McGraw-Hill (detentor da Standard & Poor’s) ao senhor Marc Ladreit de la Charrière (detentor da Fitch). Os mecanismos que querem ver aplicados têm associados um conjunto de parâmetros a ter também em conta, como a competitividade, o défice externo, a dívida pública e privada, mas curiosamente nesses parâmetros não está a taxa de desemprego.

Olhemos para os números de taxas de desemprego na Europa para quem tem menos de 25 anos (dados corrigidos de sazonalidade) e segundo o EUROSTAT, em Setembro de 2010.



Taxa de desemprego (%)

Setembro de 2010

União Europeia a 27 20,3

União Europeia a 15 19,7

Zona euro 20,0

Bélgica 24,4

Irlanda 29,1

Grécia 32,1*

Espanha 42,5

França 24,4

Itália 26,4

Portugal 19,8

Finlândia 21,0

Suécia 24,9

Reino Unido 19,2*

* Dados do mês de Agosto



As taxas de desemprego dos mais jovens são elucidativas, para não se poder compreender este desejo de submissão total aos mercados em vez de os regular, o que leva a poder afirmar que cá como lá e por formas diversas se está a criar uma massa de gente disponível para percorrer mundo, para migrar à procura de trabalho. É essa a Europa do mercado único? Não sabemos.

As migrações maciças de gente jovem na China são, afinal, entre vários, um verdadeiro suporte da não empregabilidade das camadas jovens correspondentes do outro lado do planeta, na Europa, possivelmente candidatos também eles a migrantes, agora. De resto, já não é por acaso que os nossos melhores alunos, os nossos melhores licenciados, deambulam por essa Europa à procura de fazer carreira, suprindo as falhas existentes nos outros países, pela mesma má qualidade do ensino também aí e pela razão, a redução dos custos sociais ao nível dos Estados, o aumento dos resultados financeiros. Migrantes desvalorizados de um lado, na China e algures, e potenciais candidatos a migrantes no outro, na Europa, eis pois uma estranha situação, mas só na aparência, pois ela é o resultado lógico da globalização económica dado o modelo de políticas que a sustenta. Com efeito, “a China pode ser a fábrica do mundo [e a Foxconn, a fábrica de material electrónico do mundo], a Índia pode ser o escritório do mundo, mas nós, os ingleses e os americanos, somos o centro dos capitais do mundo. E isto não foi por acaso, foi por opção”, disse em tempos Gordon Brown enquanto primeiro-ministro da Inglaterra. É essa opção que uns e outros continuam a impor na Europa e na China. Na Europa, pelo capital financeiro e pelas Instituições comunitárias; na China também, pelo capitalismo de Estado associado ao capital internacional e, porque não dizê-lo, pela repressão. É essa opção que gera os desempregados jovens do lado de cá, também eles sem futuro. É esta opção que gera os jovens esmagados pelo trabalho, do lado de lá, que na lógica da actual divisão internacional do trabalho e do modelo export led-growth imposto e depois aceite, estão eles também a deixar que o seu futuro seja destruído pelo trabalho intenso das máquinas da fábrica do mundo. É contra esta globalização económica que todos estamos contra até porque desde há muito tempo que defendemos os pontos de vista subjacentes nas declarações de Pascal Lamy.
publicado por Carlos Loures às 19:30
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Sábado, 24 de Julho de 2010

Reflexões sobre Bolonha-2

Júlio Marques Mota*


(Continuação)

A reforma de Bolonha é ela desde o seu princípio inscrita na mesma lógica de redução de despesas e do papel do Estado, mas tal como com a crise, o melhor é pensar que se algo está mal na Universidade está algures e não na reforma de Bolonha imposta pelo neoliberalismo, não no sistema que gera a situação de crise económica ou no sistema que gera a crise dos saberes e das aprendizagens. De novo a analogia da eficiência dos mercados financeiros com Bolonha é imediata. Que sentimos nós com estes três anos de Bolonha? Que trabalhamos muito mais, mas mesmo muitíssimo mais, e com uma certeza, ensinamos muito menos e os estudantes, esses, inegavelmente aprendem muito menos. Ensinamos menos. É então disso que se deve falar. E a que assistimos nós? À discussão sobre a aplicação de novas metodologias dentro de Bolonha, ou então à discussão sobre a reestruturação dos saberes, antes de se definir de que saberes é que estamos a falar ou, ainda melhor, de que aquisição de saberes é que queremos para os filhos deste país. Tal como na crise, estamos a passar ao lado do que é fundamental e, neste caso, pensamos que o que é urgente é a desconstrução da reforma de Bolonha. Só assim, cremos, se pode redefinir a Universidade de hoje para um melhor ensino de amanhã. Aproveito então para apelar que se faça e com urgência uma profunda reflexão sobre os impactes da reforma de Bolonha na qualidade do ensino que hoje é prestado nas Universidades.


Adicionalmente, devemos encarar a hipótese de que Bolonha seja em si um absurdo se considerarmos que as sociedades modernas são cada vez mais globais, estão cada vez mais assentes no conhecimento de que emergem a seguir as competências. Bolonha inverteu a lógica do conhecimento e da aprendizagem. A redução de Bolonha a um nível de três anos (a licenciatura) depois mais dois (mestrado) e eventualmente mais três (doutoramento) é caricata e vejamos porquê. Bolonha, inicialmente falava de dois níveis de ensino. Vejamos então um excerto do texto da Convenção de Bolonha:

“Adopção de um sistema baseado essencialmente em duas fases principais, a pré-licenciatura e a pós-licenciatura. O acesso à segunda fase deverá requerer a finalização com sucesso dos estudos da primeira, com a duração mínima de 3 anos. O grau atribuído após terminado a primeira fase deverá também ser considerado como sendo um nível de habilitações apropriado para ingressar no mercado de trabalho Europeu. A segunda fase deverá conduzir ao grau de mestre e/ou doutor, como em muitos países Europeus”.

Então Bolonha propõe, e o texto é claro: “O grau atribuído após terminado a primeira fase deverá também ser considerado como sendo um nível de habilitações apropriado para ingressar no mercado de trabalho Europeu”. Propõe que, em vez de um ensino em profundidade, com uma base de conhecimentos que permitam com pouco custo a sua renovação ao longo do tempo, ao longo da vida, e que hoje necessariamente deveria ser assim, se faça um ensino com base em formações curtas, em formações profissionais facilmente desvalorizáveis. No primeiro caso, o do ensino em profundidade, há uma exigência, a de os estudantes que aprendem a saber, aprendam também a rapidamente serem capazes de fazer, e há também uma certeza, a de que o saber teórico tem também uma eficácia na prática. Por outras palavras, não há competências se não houver conhecimento . Conhecer é o dado fundamental para se aprender a fazer, para se adquirirem competências. Bolonha, em vez disso, vem inverter a situação: primeiro, o saber fazer, depois o aprender a saber, a conhecer ! O drama é que esta segunda fase é diminuída pela pressão da primeira e depois, num país de fracos recursos, ou não se tenta a segunda ou, quando se tenta, para muitos deles, já é tarde, muito tarde mesmo. Por isso, muitos dos efeitos nefastos de Bolonha são irreversíveis, marcam a geração que os sofre e que com eles foi criada. Bolonha esquece e com ela grande parte dos professores que esse esquema defendem, que o saber , enquanto que abstracto, teórico, é também saber gerador de eficiência, é saber gerador de capacidades para na prática trabalhar com os dados da realidade e de ser capaz de a transformar. Bolonha ignora que não há competências ganhas fora do conhecimento, do saber. Por isso há quem diga que Bolonha não é só a inversão dos planos é também a inversão de funções, uma vez que faz das Universidades apenas apêndices das empresas. Para os críticos de Bolonha, entre os quais me situo, as Universidades têm como missão a de ensinar a aprender, enquanto as empresas tem uma outra função, complementar, que é a de ensinar a fazer. Creio mesmo que agora até há Universidades ou Faculdades que agora fazem essa função das e para as empresas, relegando nas suas funções o ensino de construção reconstrução da formação intelectual e técnica de base, das suas licenciaturas. Aqui e de novo, mais uma confusão de papéis: as empresas são insubstituíveis nesta função, a de ensinar a fazer.

Aliás, há dias numa troca de correspondência com Martin Wolf , a propósito de um seu artigo, pedi-lhe a demonstração de uma das suas conclusões e a razão era muito simples: não tinha dúvidas quanto ao que ele afirmava, mas queria passar o seu texto aos meus alunos e fazê-lo só tinha sentido se estes fossem capazes de reconstruir, desde a base, o seu raciocínio, o raciocínio do autor. Essa é a função também do professor e, como tinha dúvidas sobre a via que este tinha seguido e quanto à referência bibliográfica utilizada, solicitava que me esclarecesse. Mas isto não tem nada, mas nada a ver com formação profissional, ainda por cima, com as formações curtas agora aplicadas, tem a ver sim, com o sentido de Universidade. De uma outra maneira, tem a ver com a criação de inteligência e essa, que me desculpem os arianos deste país, também se “produz”, desde que dêem às Universidades, os meios financeiros porque os meios os humanos, os professores, e “a matéria-prima”, os alunos, para a sua “produção” tudo isto existe mas agora, a degradar-se pela má utilização, pela má definição dos objectivos que são inerentes a Bolonha.

Mas levemos a lógica um pouco mais longe, não é preciso muito: como é possível ter ciclos de mais dois anos e com muita qualidade, também eles curtos em horas de ensino, pois os alunos até já são mestres, se não pode haver ensino de profundidade dado o nível de saída do primeiro ciclo, a licenciatura, e dado o pouco tempo de que se dispõe, menos que antes, quando a base de partida era muito mais sólida em conhecimentos e em maturidade. Questão tanto mais enigmática quando uma regra de ouro preside a todo o ensino: só se ensina, de facto, o que alunos estão em condições de poder aprender. Por isso, duas perguntas aqui deixo: qual a filtragem na saída no primeiro e no segundo Ciclo, qual a filtragem na entrada para o Ciclo seguinte? Respostas difíceis, porque agora, em diversas Faculdades, as pautas já não são públicas, cada aluno recebe apenas por email a informação da sua nota e apenas da sua, como se o aluno na sua relação com a sua faculdade não seja membro de um colectivo, em que neste assume particular relevo a sua inserção nas turmas de que fez parte, e que agora, na lógica do neoliberalismo e do individualismo que o caracteriza, deixa de existir e passando a ser proibido que o aluno nesse colectivo se reveja.

É por estas razões que não vejo saída da crise no quadro do modelo que ampliou a crise no ensino em Portugal: o quadro de Bolonha.


Nesta linha, tomo a liberdade de aqui colocar alguns pequenos textos meus em que expressei o que ia pensando e sentido com a reforma de Bolonha. São textos despretensiosos, feitos na urgência dos sentimentos nos momentos em que foram escritos e nada mais do que isso. Assim, em anexo, junto aqui os seguintes textos:

(1) Uma reflexão sobre a reforma de Bolonha, antes de esta começar a ser aplicada. Será curioso questionar a realidade de hoje com o que aí se afirma. Texto inserido como Nota Prévia de um texto de apoio à disciplina de Economia Internacional de que sou o autor.

(2) Excerto de uma carta enviada a um antigo ministro da tutela do Ensino Superior e grande especialista em questões de ensino.

(3) Pequeno texto enviado à direcção do jornal Público.


(Continua)

* Docente na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Segunda-feira, 19 de Julho de 2010

As certezas socráticas de ontem...


Luís Moreira

Quem ver e ouvir na televisão, o então ministro-adjunto de Guterres a gritar que os estádios de futebol de 2004 seriam a salvação do país,percebe o que deverá pensar do TGV, terceira ponte e aeroporto.

Com o cabelo ainda preto, mais jovem, mas já com aquela maneira convicta de falar do que não sabe, José Sócrates grita aos quatro ventos que tudo se vai pagar, autofinanciar, tirar as Câmaras locais da miséria, o desporto da mediocridade, enfim, vinha aí o céu...

Agora são as próprias Câmaras que querem implodir os estádios, não têm dinheiro para os pagar, nem sequer para manter a limpeza e a operacionalidade,não sabem o que lhes fazer. Aveiro, com um estádio novinho em folha a substituir o belo Mário Duarte, tem lá a jogar uma equipa de futebol que anda pelas divisões inferiores, o Beira- Mar da minha infância.

Coimbra, quer sair daquele estádio e construir um novo, com a dimensão recomendável, não tem dinheiro para aguentar o estádio socrático. Leiria, mete por jogo 200 pessoas, o presidente do clube diz que não pode pagar, quer jogar em Torres Novas.O do Algarve anda a ser chutado entre as autarquias, é alugado para corridas de automóveis e para eventos musicais.

As autarquias têm dívidas para 20 anos, por causa de estádios desnecessários e sobredimensionados,o Tribunal de Contas diz, em relatório, que houve derrapagens nos custos, elevadíssimas, dificeis de explicar, o Estado derreteu nos estádios 1 000 milhões de euros !

Se o homem tivesse um bocado de humildade e visse no que deram as certezas de ontem...
publicado por Luis Moreira às 16:30
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Sábado, 3 de Julho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra - 37

Manuela Degerine

Capítulo XXXVII

Décima etapa: de Condeixa a Coimbra

Atravesso Soure, passo os hipermercados, sigo em frente. Não gosto de caminhar à beira da estrada mas hoje é domingo, está na hora do almoço, há por isso pouco trânsito, os carros não me agridem – começa porém a doer-me um dedo do pé direito. Primeira bolha?

Chego por fim a Condeixa, encontro setas amarelas: as velhas amigas. O percurso do dia é confuso, com ziguezagues, subidas e descidas. Sinalização inconstante e, uma ou outra vez, até enganadora. Por exemplo, no caminho para Orelhudo, uma seta inclinada parece sugerir uma viragem à esquerda e o roteiro também é neste troço pouco explícito. Dois quilómetros e meio mais adiante, deixei de ver setas amarelas e a paisagem não coincide com o roteiro. Enganei-me, portanto, saí do Caminho. Pergunto a dois moradores, que me indicam a estrada para Cernache, teimo que prefiro a outra, menos frequentada, primeiro não percebem, depois admiram-se, acabam por indicar a direcção de onde venho. Volto atrás. Por acaso este percurso é agradável, atravesso pela segunda vez uma zona de produção agrícola, milho, couves, alfaces, favas, ervilhas, tudo verde e tenro. Vejo levadas de água transparente. É domingo, passo por muita gente sentada à porta de casa, a trabalhar, a ir e vir – alguns olham para mim, surpreendidos e desconfiados. Para onde vai aquela? De onde vem? O que quer? Para que serve a mochila? Porém, se pergunto o caminho, respondem amavelmente.



Chego ao ponto onde virei à esquerda, sigo desta vez em frente, encontro outras setas amarelas. Desconfio de uma segunda bolha: no pé esquerdo. E a mochila parece-me cada vez mais pesada. Doem-me os pés. Doem-me as costas. Sinto calor.

Pergunto a um homem, sentado à porta de casa, se me pode encher a garrafa de água. Ele levanta-se. Noto que sofreu um AVC e se equilibra com grande dificuldade, apoiado na bengala, agarrado à porta, desculpo-me pelo incómodo, ele responde que precisa de se mexer, faz o esforço de caminhar, abrir a porta, encher a garrafa. Agradeço, comovida.

E medito sobre as dificuldades. Para tantas pessoas o simples movimento de se levantarem da cadeira da exige mais força de vontade do que para mim este alegre caminhar durante trinta quilómetros. Cumpre-me aproveitar agora a felicidade – efémera, sempre – de ter saúde. (Com esta liberdade, este ar, esta temperatura, este campo florido, não é necessário um desmesurado esforço de imaginação para eu notar que viver sabe bem.)

Passo por moinhos e cascatas. Avisto manchas de papoulas a pairar no verde e, em todos os quintais, uma profusão de flores, arbustos e trepadeiras. Parece-me ver rosas de todas as variedades. As hortas têm couves, favas e ervilhas. Os limoeiros e laranjeiras estão carregados de frutos. Sinto, quando passo, perfumes intensos ou delicados: o campo, como as aldeias, cheira bem.

Entre Pousada e Assafarge o caminho passa por mais uma zona de campo colorido e perfumado, com rosmaninho, pascoinha, madressilva, cisto, diversas orquídeas e inúmeras flores para mim desconhecidas. Por exemplo estas manchas de azul... Serão miosótis? Delicio-me também com a toponímia: entro (por exemplo) na freguesia de Antanhol.

Entre Assafarge e Cruz de Morouços multiplicam-se as subidas, descidas, viragens, devia atravessar a auto-estrada por cima, atravesso por baixo, seguindo as setas amarelas, que não concordam com o roteiro, entro numa zona caótica, sigo por uma estrada paralela ao caminho descrito, que não sei como é nem onde está, eu vejo-me mal nesta berma estreita, com carros demasiado frequentes a passar demasiado perto e demasiado depressa – o que demasiadas vezes me assusta. Não é agradável nem bonito nem seguro. De repente: até as setas eu perco. Tenho sede, tenho calor, doem-me os pés, doem-me as costas. E agora perdi-me.

Vou e venho. Houve obras, que decerto alteraram o traçado das estradas, falta sinalização ou então não a vi; o que também é provável. Como as setas tanto podem estar à esquerda como à direita, com ritmo irregular, num poste, na beira do passeio, no alcatrão da estrada, numa pedra, é possível falhar alguma – às vezes, essencial. Por isso trago o roteiro, que completa a sinalização. Quando o roteiro não coincide com a sinalização, sigo contudo a sinalização, pois o roteiro é de 2006 e os caminhos podem entretanto ter sido modificados. No entanto a sinalização também é quase sempre insuficiente e, quando há alterações recentes no traçado das estradas ou caminhos, não foi actualizada. Por consequência: várias vezes me tenho visto nesta aflição.

Chego a tocar à campainha de uma casa. Pergunto pela Cruz de Morouços de que o roteiro fala. Fica daquele lado, lá para cima. Subir era voltar atrás: continuo pela beira da estrada. Viadutos em construção, poeira e máquinas. Felizmente é domingo... Durante a semana caminhar por aqui equivale a um suicídio. Claro que continua a não haver sinalização, nem de Santiago nem aliás de nada, uma única referência me orienta quanto à direcção: avisto Coimbra lá em baixo. Mas... como é que, a pé, consigo lá chegar? Por cima ou por baixo, à esquerda ou à direita? Vou, mesmo assim, por acaso ou intuição, fazendo opções correctas.

À entrada de Coimbra, toco a outra porta, dou com uma disléxica, em vez de direita, diz esquerda, felizmente duzentos metros mais adiante, encontro uma rapariga, a qual, com rigor e simpatia, me explica o trajecto até à travessia do Mondego – aliás pouco antes do observatório astronómico volto a encontrar a sinalização de Santiago. Uf! Por fim.

Chego ao Convento de Santa Clara-a-Nova depois das oito horas: o sol poente doura a cidade. Uma vista magnífica. Paro para admirar.

Desço a calçada, passo por um edifício de estilo Arte Nova, sigo até à ponte. Sinto-me exausta: não me sentei desde que saí da estação de Soure. E, com as idas e vindas, não terei caminhado muito menos de quarenta quilómetros.

Atravesso o Mondego.

Fim de etapa.
publicado por Carlos Loures às 10:00
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Domingo, 27 de Junho de 2010

República nos livros de ontem nos livros de hoje - 41 (José Brandão)


Elogio Académico ao Dr. Sidónio Pais

Fernandes Costa

Lisboa, 1919

Sidónio Pais, o malogrado Presidente da Republica, que a mão criminosa de um desvairado prostrou sem vida, quando desta e do seu pessoal prestigio tantos problemas nacionais dependiam, tornados agora a ser outras tantas interrogações temerosas e sinistras, era um sábio, um estudioso, um pensador, um homem de gabinete, um professor; e, fundamentalmente, um académico; embora não tivéssemos a honra, ainda, de engrandecer a relação luminosa dos antigos e modernos membros desta Academia, com o seu nome ilustre.

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publicado por Carlos Loures às 18:00
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