Terça-feira, 11 de Janeiro de 2011

O Ultimato foi há 121 anos - por Carlos Loures

 

Um dos acontecimentos que mais contribuiu para o desgaste e descrédito da instituição monárquica foi a questão do Ultimato que, em 11 de Janeiro de 1890, faz hoje 121 anos, o governo britânico (que designava o documento por «Memorando») entregou ao governo português exigindo a retirada das forças militares existentes no território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola, a maior parte nos actuais Zimbabué e Zâmbia), a pretexto de um incidente ocorrido entre portugueses e Macololos. A zona era reclamada por Portugal, que a havia incluído no famoso Mapa Cor-de-Rosa (que vemos acima), editado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1881, reivindicando, a partir da Conferência de Berlim de 1884/5, uma faixa de território que ia de Angola a Moçambique. Vejamos o mapa em versão simplificada.


Lembremos que a Sociedade de Geografia de Lisboa fora criada no ano de 1875 com o objectivo de «promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas». Surgira no contexto do movimento europeu de exploração e colonização, focando a sua actividade na exploração do continente africano.

E , já agora, uma pequena bravata de bibliófilo – em 1990, quando do centenário do Ultimato, procurei nos alfarrabistas o livro editado pela Sociedade de Geografia. Acabei por encontrar um em relativo bom estado e que adquiri, salvo erro, por quatro mil escudos. Há pouco tempo, numa reunião com o presidente da Sociedade, soube que a instituição não tem na sua biblioteca nenhum exemplar – apenas possui em arquivo uma série de fichas com páginas coladas de um exemplar do pequeno livro de 20 páginas e um mapa – o tal. É uma das jóias da minha colecção. Lembram-se do «Louco dos Livros» caricaturado por Sebastian Brant? Mas voltemos ao tema.

Estas pretensões portuguesas entravam em rota de colisão com o projecto britânico de construir uma linha de caminho-de-ferro ligando o Cairo à Cidade do Cabo, projecto megalómano que nunca se realizaria. Portanto, o governo da rainha Vitória não podia contemporizar com as pretensões de Portugal. Dizia o documento britânico:

«O Governo de Sua Majestade Britânica não pode dar como satisfatórias ou suficientes as garantias dadas pelo Governo Português… O que o Governo de Sua Majestade deseja e no que mais insiste é no seguinte: que se enviem ao Governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e quaisquer forças militares portuguesas no Chire e no País dos Macocolos e Machonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, são ilusórias todas as garantias dadas pelo Governo Português.

Mr. Petre ver-se-á obrigado, tendo em consideração, as suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação se uma resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade «Encnentress» está em Vigo aguardando as suas ordens. Legação Britânica, 11 de Janeiro de 1890.» Linguagem clara, sem eufemismos, um ultimato – uma intimação, como se diz no texto .

Na própria noite de 11 reuniu-se o Conselho de Estado, sob a presidência de D. Carlos. Manifestaram-se diversas posições. Serpa Pimentel opôs-se a uma rendição incondicional. Mas prevaleceu a posição da aceitação das imposições inglesas, talvez a mais sensata, face à reduzida capacidade bélica das nossas forças armadas, mas a menos popular. O comunicado oficial tornado público pelo ministro Barros Gomes, depois de algumas considerações, terminava cedendo e informando que seriam expedidas para o Governo-Geral de Moçambique «as ordens exigidas pela Grã-Bretanha».

O País explodiu em ira. As manifestações de patriotismo e de apelo à guerra sucederam-se. Foi neste clima de exaltação nacionalista que Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça compuseram o actual hino nacional. O governo caiu e no dia14 foi empossado um novo ministério presidido por António de Serpa Pimentel, o conselheiro que defendera a resistência à imposição britânica. Os republicanos não desperdiçaram a ocasião e aproveitaram o clima quase insurreccional que se estabeleceu. Em 23 de Março, António José de Almeida, estudante em Coimbra e futuro presidente da República, foi preso por ter publicado um artigo com o título «Bragança, o último», ofensivo para com o rei. Em 11 de Abril foi publicado o Finis Patriae de Guerra Junqueiro, ridicularizando também a figura real.

Formalizando a cedência, em 20 de Agosto foi assinado o Tratado de Londres entre os dois «aliados», definindo os limites territoriais de Angola e Moçambique. Publicado no Diário do Governo de 30 de Agosto e apresentado ao parlamento nesse dia, desencadeou nova onda de protestos e, mais uma vez, a queda do governo. Na sequência deste humilhante episódio, foi criada em Lisboa a Liga Liberal, movimento de protesto contra o Tratado de Londres presidido por Augusto Fuschini com a participação de João Crisóstomo, que promoveu uma reunião, no Teatro de São Luiz, em que participaram cerca de 400 oficiais envergando os seus uniformes. Após 28 dias de crise política foi nomeado a 14 de Outubro um governo extra-partidário, presidido por João Crisóstomo, apoiado pela Liga Liberal. A calma foi regressando aos poucos.

Estes acontecimentos desencadeados pelo ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890 condicionaram irreversivelmente a evolução política portuguesa, desencadeando uma cadeia de acontecimentos que desembocou no Regicídio e, depois, no fim da Monarquia Constitucional. Houve, como se calcula, muita demagogia, mas não há dúvida que se verificou um acréscimo da consciência colectiva portuguesa. De sentimento patriótico e de orgulho nacional, digamos.

O livro «O Ultimatum Inglês – Política externa e política interna no Portugal de 1890», de Nuno Severiano Teixeira (Publicações Alfa, Lisboa, 1990), constitui uma excelente e objectiva descrição dos factos anteriores e posteriores à apresentação deste ultimato que tanto influenciou o que ocorreu no País nas décadas seguintes. Iniciou-se um profundo movimento de descontentamento social, implicando directamente a família reinante, vista como demasiado próxima dos interesses britânicos, na decadência nacional patente no ultimato. Os republicanos capitalizaram este descontentamento, iniciando um crescimento e alargamento da sua base social de apoio que levou à implantação da república em 5 de Outubro de 1910.

Sou republicano e anti-monárquico, mas reconheço que se a questão do ultimato tivesse ocorrido depois da proclamação da República, a solução não poderia ter sido muito diferente. Afinal de contas, a Grã-Bretanha era a superpotência da época e entrar em guerra com os ingleses teria sido desastroso. Poder-se-ia ter cortado relações diplomáticas, mostrando ao mundo que éramos vencidos, mas não convencidos. Será que um governo republicano teria feito isso? Afinal, para além da sua força militar, a Grã-Bretanha era o nosso principal parceiro comercial, dependendo muito a nossa economia do que exportávamos para o Reino Unido. Não me parece que se pudesse ter feito algo de substancialmente diferente.

De uma coisa não há dúvida – o Ultimato de 11 de Janeiro de 1890 constituiu um importante marco na caminhada para a proclamação da República. Aqui fica, na forma simplificada, um vídeo com o fragmento de «A Portuguesa» que a República adoptou como hino nacional. A versão original e completa, que se compreende perfeitamente dentro do contexto em que os autores criaram o hino, dizia:
I

publicado por Carlos Loures às 12:00

editado por João Machado em 17/02/2011 às 19:48
link | favorito
Sábado, 21 de Agosto de 2010

O Romantismo social português: 8 – Guerra Junqueiro

Sílvio Castro

Possivelmente Guerra Junqueira será o mais popular poeta do romantismo comparticipante do social em Portugal, não somente preso pelo seu público nacional, mas igualmente entre os brasileiros de seu tempo. No Brasil como que se ombreia com Castro Alves, o mais amado dos poetas românticos brasileiros; ambos, Junqueiro e Castro Alves guiados pela exuberante linguagem lírica de origem huguiana.

Guerra Junqueiro vive de certo modo à parte, mas intensamente, as experiências da Geração de 70. Nele poesia e consciência política se abraçam em forma absolutamente pessoal.

O lirismo do autor de Oração à Luz resulta de uma formação fortemente religiosa, cedo transformada em experiência pessoal intensa. A religiosidade juqueiriana se aproxima então da participação com a natureza, dela se reapropiando e fazendo de tudo uma própria metafísica.

As dimensões de uma religiosidade panteista original e a logo adquirida consciência política da realidade social, em que vive, fazem de Guerra Junqueiro um poeta especial. Surgem assim vozes aparentemente contraditórias, mas eficazes: cantos feitos de subjetividade profundamente religiosa e uma viva batalha contra o poder temporal da Igreja e as deformações produzidas pelo mesmo no ambiente social, sob uma semântica poética resultada da linguagem corrente e de forte espírito satírico, como no poema “O Baptismo”:

Batipzais: arrancais dum anjo um satanás.
Desinfectais Ariel banhando-o em aguarrás
De igreja e no latim que um malandro expectora.
Dizeis à noite – limpa a túnica da aurora,

E ao rouxinol dizeis: pede a bênção da c’ruja.
Dais os lírios em flor ao rol da roupa suja.
Representais a farsa estúpida e sombria
Dum cônego a lavar um astro numa pia,
Finalmente extrais da inocência o pecado,
Que é o mesmo que extrair duma rosa um cevado,
E tudo isto porquê?

- Porque na bíblia um mono
Devora uma maçã sem licença do dono!

A irreverência tenaz contra o poder temporal da igreja é apenas uma face do amplo lirismo junqueiriano. Igualmente forte e expressivo é o tom de sua luta contra a monarquia e o poder monárquico que condena Portugal ao mais absurdo subdesenvolvimento. O espírito civil do poeta se manifesta então numa linguagem poética de exaltação sentimental de sua Nação subjugada pela política retógrada. Nesse nacionalismo sentimental, em Junqueiro ocupa posição essencial a adesão aos destinos dos pobres, dos deserdados, dos simples. Como em poemas da dimensão de “o Cavador” –

Dezembro, noite canta o galo…
Rouco na treva canta o galo...

- Oh, dor! oh, dor! –

Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...

Oh, dor! oh, dor!”

Ou nos comoventes versos de “Os pobrezinhos” –

“Pobres de pobres são pobrezinhos,
Almas sem lares, aves sem ninhos...
Passam em bandos, em alcateias,
Pelas herdades, pelas aldeias.
.......................................................”

Forte espírito liberal, Guerra Junqueiro se divide igualmente com a prática política, representando o Partido Progressista no parlarmento e lutando nas praças civis contra a opressão do poder monárquico aos fracos e oprimidos. Esta luta encontra o maior espaço depois do episódio do Ultimato. O nacionalista orgulhoso que sempre viveu em Guerra Junqueiro não poderia aceitar tamanhas ofensas à sua pátria –

“Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da Pátria a agonizar...
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...”
publicado por Carlos Loures às 16:30
link | favorito
Quinta-feira, 1 de Julho de 2010

A questão dos tabacos - Centenário da República

Carlos Loures


Temos estado a analisar alguns dos motivos que conduziram à queda do regime monárquico. Vimos já como as comemorações camonianas de 1880, lideradas por personalidades republicanas e pelo Partido Republicano Português, fundado em 1876, que aproveitou esses festejos patrióticos para demonstrar a sua capacidade de mobilização e de organização, cooptando numerosos aderentes, contribuiram para o avanço do ideal republicanista.

O Ultimato de 1890 foi outro passo de gigante dado pelos republicanos. Na verdade, o rei e o governo, perante o humilhante “memorando” britânico, pouco poderiam ter feito. A Grã-Bretanha era a super-potência da época e o nosso Exército e a Armada não dispunham de capacidade bélica para a enfrentar. E disso se tratava, pois o nosso “velho aliado” logo nos ameaçou veladamente de bombardear com os seus navios as nossas principais cidades. Creio que uma análise serena e isenta nos levará à conclusão que a questão do regime era irrelevante – Monarquia ou República teriam tido de ceder.


O que talvez pudesse ter sido feito era ter proclamado perante a comunidade internacional a prepotência que estava a ser cometida, no mínimo com um corte de relações diplomáticas.. D. Carlos e o chefe do Governo, José Luciano de Castro, do Partido Progressista, que caiu em consequência, ou António de Serpa Pimentel do Partido Regenerador que o substituiu, nada fizeram para além de tentar salvar a face. O que não conseguiram; pelo menos aos olhos do povo português. E em 31 de Janeiro do ano seguinte deu-se o malogrado movimento no Porto, reflexo do descontentamento que reinava no seio da família militar.

Durante os anos que se seguiram, o campo republicano não cessou de crescer, capitalizando os erros dos governos monárquicos. E assim chegamos a1906, ano crucial no desgaste do regime. Para além da crise política que vinha de trás, a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à casa real, embora correspondendo a factos e a erros ou atropelos da legalidade por parte dos sucessivos governos, foram aproveitados pela máquina de propaganda republicana (e não só).

O governo de Hintze Ribeiro seria o último do rotativismo partidário. Em 19 de Maio de 1906, João Franco seria nomeado chefe do ministério, iniciando um governo de ditadura, com fortalecimento do poder do rei. Começou mal, pois nessa tarde, quando esperavam a chegada de candidatos republicanos, a polícia caiu sobre a multidão, causando alguns mortos e feridos. Foi aquilo a que, com algum exagero, se chamou a «chacina do Rossio». João Franco quis resolver de imediato duas questões que vinham de trás . a questão dos tabacos e a dos adiantamentos à casa real.

Vejamos hoje a questão dos tabacos. Não vos vou contar a história desde o princípio, de como a partir do século XVI a planta começou a ser introduzida na Europa. No século XVIII, em Portugal, o negócio do tabaco era já significativo. Uma lei de 1736, assinada por D. João V, proibia a entrada de planta estrangeira, em Portugal e em todos os territórios administrados pela Coroa.

Na segunda metade do século XIX, o aumento exponencial do consumo levou a indústria maquinofactureira a um grau de mecanização jamais visto noutras indústrias, como a do algodão, por exemplo. O número de unidades fabris cresceu e logo começaram os grupos económicos a concentrar a produção, comprando as fabriquetas. Depois de um período de monopólio, uma lei de 1864 liberalizou de novo a criação de novas unidades.

De lei em lei, em 1891 restabeleceu-se o monopólio, pedindo o Estado um empréstimo público tomado por banqueiros portugueses em 30%, 25% de um grupo alemão e 45% de um grupo francês. A oposição política denunciou o carácter lesivo que este negócio assumia para a economia nacional.

Durante dois anos, entre 1904 e 1906, a luta pela concessão do monopólio à Companhia dos Tabacos de Portugal fez cair dois governos. Em 25 de Junho de 1904, após Hintze Ribeiro dissolver o Parlamento, o Partido Regenerador venceu as eleições. Porém, a pressão da oposição, centrada sobretudo nos novos contratos dos tabacos (e dos fósforos), fez cair o governo em 18 de Outubro. José Luciano de Castro, do Partido Progressista formou novo governo, mas a questão dos tabacos, a crise na região vinhateira do Douro provocada pela filoxera (bem como a propaganda republicana) faria cair este governo em Março de 1904.

Em Maio de 1905, José de Alpoim sairia com outros seis deputados do Partido Progressista, dando lugar à chamada «Dissidência Progressista. Em Março caiu o governo de Luciano de Castro e formou-se um gabinete encabeçado por Hintze Ribeiro. Era o último acto do sistema rotativista, pois em Maio João Franco dava corpo a uma velha ideia de D. Carlos e era nomeado chefe de um governo de ditadura administrativa, fortalecendo o poder real. Mas a crise dos tabacos tinha de ser resolvida.

Discutia-se a opção por um de dois modelos – administração directa do Estado, a chamada régie ou o arrendamento. Optou-se pela régie. Esse assunto foi arrumado de forma autoritária e só formalmente ficou resolvida, pois o problema dos tabacos voltaria à ribalta em Março de 1926, com manifestações em Lisboa. Em Maio houve o golpe militar de direita e logo no ano seguinte o monopólio foi reorganizado, intervindo além da Companhia dos Tabacos de Portugal, a Tabaqueira (pertencente à CUF) e a Companhia Portuguesa dos Tabacos.

João Franco «resolvera» a velha questão dos tabacos. No horizonte perfilava-se já a questão dos adiantamentos à casa real.
publicado por Carlos Loures às 12:00
link | favorito
Quarta-feira, 23 de Junho de 2010

O 31 de Janeiro - Centenário da República

Carlos Loures




Assinalando os passos dados a caminho da Proclamação da República, não é possível esquecer o levantamento militar de 31 de Janeiro de 1891, no Porto. Depois da grande mobilização cívica de 1880. nas comemorações camonianas, da exaltação patriótica verificada na sequência do humilhante Ultimato britânico de 1890, o 31 de Janeiro foi a primeira tentativa de derrube do regime monárquico pela força. O movimento republicano não cessava de tirar dividendos dos erros do rei e dos governos, aumentando de dia para dia a capacidade de organização dos seus militantes, inclusive entre os militares. A cedência do Poder perante o ultimato, tinha deixado um profundo travo de humilhação. O directório do Partido Republicano Português, liderado por Elias Garcia, mostrara-se favorável à preparação de um movimento insurreccional. O Porto seria a cidade onde a revolta iria eclodir, espalhando-se depois por todo o País.


Porque chegaram às unidades da cidade ordens de transferência para oficiais e, sobretudo sargentos, instalou-se um descontentamento quase generalizado. E, com alguma precipitação, sem deixar que os preparativos da insurreição se consumassem, a classe de sargentos pressionou os responsáveis e a revolta saiu para a rua extemporaneamente. O capitão António Amaral Leitão, foi o comandante; outras personalidades, como Sampaio Bruno, João Chagas, Basílio Teles, Aurélio Pais dos Reis e o alferes Rodolfo Malheiro, integraram o directório da Revolução.

Cerca das três e meia do dia 31, o Batalhão de Caçadores 9, comandado somente por subalternos, ocupou posição junto do Regimento de Infantaria 18, no Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República). Embora tendo aderido à revolta, o coronel Meneses de Lencastre, comandante de Infantaria 18, não permitiu que os efectivos saíssem, mantendo-se neutral. Assim, o alferes Rodolfo Malheiro, assumiu o comando da unidade. Nas proximidades da Cadeia da Relação, colocou-se o Regimento de Infantaria 10 e uma companhia da Guarda Fiscal, comandados pelo tenente Coelho.

Às seis horas, os cerca de 800 amotinados desceram a Rua do Almada e tomaram posições na actual Praça da Liberdade, que na altura se chamava de D. Pedro IV, em frente do antigo edifício da Câmara Municipal. O Dr. Alves Veiga, responsável civil do movimento, proclamou a República em nome do Governo Provisório, lendo os nomes que o compunham, e hasteou, às sete da manhã, uma bandeira verde-rubra do centro Democrático Federal 15 de Novembro do PRP. Foguetes estouraram, enquanto a fanfarra militar tocava A Portuguesa.

A multidão, em delírio, subiu a Rua de Santo António, com a objectivo de tomar a estação dos Correios e Telégrafos, na Praça da Batalha. Porém, entrincheirada no escadório da Igreja de Santo Ildefonso, ao cimo da Rua, estavam efectivos da Guarda Municipal que abriram fogo de metralhadora sobre a multidão, causando vítimas entre os militares e os civis que, em clima de festa, subiam a rua. Os insurrectos, tentaram regressar à praça de D. Pedro. A bateria de artilharia da Serra do Pilar começou a disparar sobre o edifício dos Paços do Concelho. Morreram 12 pessoas e cerca de 40 ficaram feridas. Às nove da manhã, o movimento estava derrotado e os responsáveis em fuga..

Os julgamentos tiveram lugar em navios da Armada, fundeados ao largo de Leixões. Mais quinhentos militares e numerosos civis compareceram a Conselho de Guerra. Houve duas centenas de condenações, com penas que oscilaram entre os 18 meses e os 15 anos de prisão. Tendo fracassado no plano militar, o movimento de 31 de Janeiro foi, por assim dizer, uma vitória histórica, pois transformou-se numa data fetiche, num símbolo, para os republicanos que, dezanove anos depois iriam triunfar.
tags:
publicado por Carlos Loures às 12:00
link | favorito
Sábado, 19 de Junho de 2010

O Ultimato -Centenário da República

Carlos Loures


Na sumarização dos acontecimentos que contribuíram significativamente para descrédito da Monarquia, não poderia ser esquecido o Ultimato que, em 11 de Janeiro de 1890, o governo britânico (que designava o documento por «Memorando») entregou ao governo português exigindo a retirada das forças militares existentes no território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola, a maior parte nos actuais Zimbabué e Zâmbia), a pretexto de um incidente ocorrido entre portugueses e Macololos. A zona era reclamada por Portugal, que a incluíra no famoso Mapa Cor-de-Rosa, editado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1881, reclamando a partir da Conferência de Berlim uma faixa de território que ia de Angola a Moçambique.

A Sociedade de Geografia de Lisboa fora criada no ano de 1875 com o objectivo de «promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas». Surgira no contexto do movimento europeu de exploração e colonização, focando a sua actividade na exploração do continente africano. As pretensões portuguesas colidiam com o projecto britânico de construir uma linha de caminho-de-ferro ligando o Cairo à Cidade do Cabo, projecto megalómano que nunca se realizaria. O governo da rainha Vitória não aceitou as pretensões de Portugal. Dizia o documento:


O Governo de Sua Majestade Britânica não pode dar como satisfatórias ou suficientes as garantias dadas pelo Governo Português… O que o Governo de Sua Majestade deseja e no que mais insiste é no seguinte: que se enviem ao Governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e quaisquer forças militares portuguesas no Chire e no País dos Macocolos e Machonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, são ilusórias todas as garantias dadas pelo Governo Português.

Mr. Petre ver-se-á obrigado, tendo em consideração, as suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação se uma resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade «Encnentress» está em Vigo aguardando as suas ordens. Legação Britânica, 11 de Janeiro de 1890.»

Linguagem sem eufemismos, um ultimato – uma intimação, como se diz no texto .Nessa noite de 11 reuniu-se o Conselho de Estado, sob a presidência de D. Carlos. Manifestaram-se diversas posições. Serpa Pimentel opôs-se a uma rendição incondicional. Mas, tendo em conta a reduzida capacidade das nossas forças armadas, optou-se pela aceitação das imposições inglesas. O comunicado oficial tornado público pelo ministro Barros Gomes, após algumas considerações, terminava informando que seriam expedidas para o Governo-Geral de Moçambique «as ordens exigidas pela Grã-Bretanha».

O País explodiu em ira. As manifestações de patriotismo e de apelo à guerra sucederam-se. Foi neste clima de exaltação nacionalista que Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça compuseram o actual hino nacional. O governo caiu e no dia14 foi empossado um novo ministério presidido por António de Serpa Pimentel. Os republicanos não desperdiçaram a ocasião e aproveitaram o clima quase insurreccional que se estabeleceu. Em 23 de Março, António José de Almeida, estudante em Coimbra e futuro presidente da República, foi preso por ter publicado um artigo com o título «Bragança, o último», ofensivo para com o rei. Em 11 de Abril foi publicado o Finis Patriae de Guerra Junqueiro, ridicularizando também a figura real.


Formalizando a cedência, em 20 de Agosto foi assinado o Tratado de Londres entre os dois «aliados», definindo os limites territoriais de Angola e Moçambique. Publicado no Diário do Governo de 30 de Agosto e apresentado ao parlamento nesse dia, desencadeou nova onda de protestos e, mais uma vez, a queda do governo. Na sequência deste humilhante episódio, foi criada em Lisboa a Liga Liberal, movimento de protesto contra o Tratado de Londres presidido por Augusto Fuschini com a participação de João Crisóstomo, que promoveu uma reunião, no Teatro de São Luiz, em que participaram cerca de 400 oficiais envergando os seus uniformes. Após 28 dias de crise política foi nomeado a 14 de Outubro um governo extra-partidário, presidido por João Crisóstomo, apoiado pela Liga Liberal. A calma foi regressando aos poucos.

No entanto, um fogo lento continuou a lavrar. A família reinante, vista como demasiado próxima dos interesses britânicos, na decadência nacional patente no ultimato, foi sendo alvo de um escárnio crescente. Os republicanos, capitalizando o descontentamento generalizado, iniciaram um alargamento da sua base social de apoio que levou à implantação da República em 5 de Outubro de 1910. No entanto, demagogias aparte, não me parece que se pudesse ter feito algo de muito diferente - a Grã-Bretanha era a superpotência da época e entrar em guerra teria sido desastroso. E, para além da sua força militar, era também o nosso principal parceiro comercial, dependendo muito a nossa economia do que exportávamos para o Reino Unido.

O Ultimato de 11 de Janeiro de 1890 constituiu, sem dúvida, um importante marco na caminhada para a proclamação da República. Condicionou irreversivelmente a evolução política portuguesa, desencadeando uma cadeia de acontecimentos que desembocou no Regicídio e, depois, no fim da monarquia constitucional. Houve, como se calcula, muita demagogia, mas verificou-se também, um acréscimo da consciência colectiva portuguesa. De sentimento patriótico e de orgulho nacional. Capital que a I República viria a desperdiçar.
tags:
publicado por Carlos Loures às 12:00
link | favorito
Quarta-feira, 12 de Maio de 2010

Em 12 de Maio de 1386 foi assinado o Tratado de Windsor


Em 1373, D. Fernando I de Portugal e Eduardo III tinham já firmado um tratado de aliança. Porém, o documento assinado em 12 de Maio de 1386, por D.João I e Ricardo II (que serviria a Shakespeare para tema da sua peça “A Tragédia do Rei Ricardo II”) confirmou de forma solene o que estava consignado na versão anterior. Porque, na prática, essa primeira versão funcionara quando archeiros e outros soldados ingleses participaram activamente na Batalha de Aljubarrota (1385). Pelo espírito e pela letra do documento, os dois países manteriam uma amizade e paz perpétuas – o inimigo de um, seria inimigo do outro.

O tratado teve como consequência imediata a obrigação de Portugal fornecer ao rei inglês dez galés equipadas por sua conta. Em 2 de Fevereiro de 1387, o acordo era selado com o casamento de D. João I com a filha do duque de Lencastre, D. Filipa. Deste matrimónio, nasceria a Ínclita Geração, gente de excelência que influenciou positivamente a evolução de Portugal. E este tratado, que tem vigorado até aos nossos dias, nem sempre foi respeitado. Ao longo da História, terá havido uma ou outra ocasião em que Portugal não o respeitou; mas as violações mais gritantes vieram do lado inglês. Digamos que quem está na mó de cima, interpreta a letra dos tratados como melhor lhe convém. Quanto ao espírito, a amizade perpétua, quem quer saber de amizades perpétuas no plano das relações internacionais? Não esqueçamos o Ultimato inglês de 1890.
publicado por Carlos Loures às 22:00
link | favorito

.Páginas

Página inicial
Editorial

.Carta aberta de Júlio Marques Mota aos líderes parlamentares

Carta aberta

.Dia de Lisboa - 24 horas inteiramente dedicadas à cidade de Lisboa

Dia de Lisboa

.Contacte-nos

estrolabio(at)gmail.com

.últ. comentários

Transcrevi este artigo n'A Viagem dos Argonautas, ...
Sou natural duma aldeia muito perto de sta Maria d...
tudo treta...nem cristovao,nem europeu nenhum desc...
Boa tarde Marcos CruzQuantos números foram editado...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Conheci hackers profissionais além da imaginação h...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Esses grupos de CYBER GURUS ajudaram minha família...
Eles são um conjunto sofisticado e irrestrito de h...
Esse grupo de gurus cibernéticos ajudou minha famí...

.Livros


sugestão: revista arqa #84/85

.arquivos

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

.links