(Enviado por Júlio Marques Mota)
Em França, como noutros países, os trabalhadores não aceitam pagar uma conta de coisas que não encomendaram. Eles são vítimas de uma crise de que não são responsáveis.
Eles têm-no dito desde o início do ano em várias mobilizações nacionais. Eles também expressam diariamente nas empresas e nos serviços públicos, por vezes fortemente, quando verificam que estão encostados à parede.
Conforme explica Force Ouvrière, nas últimas semanas, a falta de respostas fortes, tanto tangíveis quanto credíveis por parte do Governo e dos empregadores, irá exigir outras formas de acção que não só a manifestação. A questão, em particular, de uma jornada de greve franca, interprofissional, é necessariamente levantada. É uma questão de eficiência e pragmatismo. O papel dos sindicatos não é o co-gerir a crise, mas defender os interesses dos trabalhadores.
Não estamos num conflito unicamente reivindicativo como aquele contra o Contrato Primeiro Emprego (CPE) ou contra a reforma das pensões. A crise é internacional, é uma crise de um sistema, de que ninguém, hoje, pode escrever o texto, o script, nem prever o tempo, o timing.
Perante tal situação, trata-se, por vezes, de agir com pressa para absorver e contrariar os efeitos da crise e preparar a envidar todos os esforços para assegurar que as regras (ou a falta de regras) do passado não funcionem mais.
A imprevisibilidade e a gravidade da crise precisa que se activem diferentes alavancas. Mas, por agora, o governo tem essencialmente actuado sobre a oferta com o seu plano de recuperação, injectando, por uma via ou por outra, fundos públicos para os bancos e para as empresas, acelerando os investimentos em infra-estruturas.
Alguns anúncios sociais foram feitos durante a cimeira, a 18 de Fevereiro, o subsídio equivalente à reforma (AER) será restaurado, mas tudo continua a ser limitado e disperso.
Um verdadeiro apoio para os consumidores é social e economicamente essencial. As ferramentas existem (smic, as negociações salariais nos transportes públicos e privados abono). Nós não podemos dizer que temos de restaurar a confiança e esquecer os trabalhadores, os desempregados e os reformados.
Também é necessário prever, durante a crise, um alongamento da duração da compensação no desemprego, a melhoria do nível de compensação e um sistema de pré-reformas.
É também – o que nem sempre é o caso – necessário adoptar uma lei que obrigue as empresas que recebem apoio público a se empenharem em darem contrapartidas sociais em matéria de empregos e/ou salários.
Finalmente, temos de, pelo menos, abrandar no que diz respeito à aplicação de reformas iniciadas antes da crise e que prejudiquem ou tornem impossível o funcionamento dos serviços públicos. Estas incluem a revisão geral das políticas públicas (RGPP), da Lei sobre os Hospitais, pacientes, saúde, territórios (HPST) ou disfunções do pólo emprego.
Lembremos que menos 30 000 postos de trabalho no serviço público, significa que são mais 30 000 jovens desempregados.
Não haverá nada pior do que continuar a pensar e agir com as regras do passado, com aquelas que encostaram a economia contra a parede. Se assim for, as tensões e a cólera social só irão acrescer na crise.
Por exemplo, aqueles que ontem condenavam o peso das despesas públicas e sociais como rígidas e que dificultavam a competitividade saúdam hoje o seu papel amortecedor social. Não podemos deixar que, amanhã, eles expliquem que estes custos dificultam a retoma e que se empenhem numa drástica redução das mesmas conduzindo, por exemplo, a reduzir a cobertura de seguro saúde, a aumentar a idade da reforma, a suprimir os serviços públicos. Ou seja, a aumentar as desigualdades sociais com a privatização dos serviços públicos e sociais.
No entanto, este risco existe fortemente tanto quanto estas questões são evitadas com a esperança para os defensores do mercado de que tudo mude para que nada mudar.
Assim, para além das questões urgentes descritas acima, teremos agora de discutir a distribuição da riqueza, uma grande reforma fiscal, guiada pela justiça social, as condições de remuneração dos proprietários de CAC 40, as funções e as missões de serviço público republicano, o papel do Estado na economia, a sua estratégia industrial, a transferência ou a manutenção dos direitos dos trabalhadores em particular.
Esta crise representa a obrigação de um retorno do papel do governo na economia. Agora temos de organizá-lo e mantê-lo. Uma ruptura é necessária. È necessário que comece agora a ser preparada a nível nacional, europeu e internacional. Tem que ser colocada também a necessidade de reorientar profundamente a construção europeia, como é necessário definir novas regras de carácter económico, social e monetário no plano internacional.
Permanecendo no seu papel sindical, a Force Ouvrière reivindica esta ruptura. Confrontado com a verificação de uma forte contestação de injustiça social que se continua a desenvolver, é necessário ao mesmo tempo agir sobre o curto prazo e preparar o médio e o longo prazo.
Jean-Claude Mailly, « Après la crise, le rôle du secteur public dans l'économie doit être repensé », Le Monde, 11 de Maio de 2009.
Jen-Claude Mailly http://www.imagem.ufrj.br/thumbnails/4/1037.jpg
Agradecemos pessoalmente a Mario Domenico Nuti o envio do seu artigo. O autor foi conselheiro de Jacques Delors para os assuntos de Leste.
O texto fala por si, mas tanto como o texto fala o que no título está indicado , da guerra do Vietname à Fiat. A primeira questão que nos surge com este título é o que tem a ver a guerra do Vietname com a “guerra” da direcção da Fiat contra os seus trabalhadores na Itália? As primeiras linhas valem por um outro artigo, o que há de comum é que a guerra humilhante do Vietname feita pelos americanos, foi feita porque estes podiam fazê-la, a guerra da direcção da Fiat é também ela agora feita porque a pode fazer, porque o governo italiano e a União Europeia no quadro de valores que é o seu, o permitem também. E é tudo.
Júlio Marques Mota
Em 1968, no auge da ofensiva do Tet, discuti com o sociólogo americano Edward Shils (1910-1995), na Universidade de Cambridge, sobre a inutilidade, a maldade e a imoralidade da guerra do Vietname. Shils respondeu-me secamente, dizendo que os EUA estavam no Vietname simplesmente "porque podem" e que não havia nada mais a dizer sobre o assunto. E,de facto,com certeza que podiam: os EUA tinham as tropas, os meios militares, os recursos financeiros para o fazer e poderiam escapar às suas consequências se o quisessem (naquela altura). Isto, naturalmente, não implicava que a guerra servisse os melhores interesses americanos, que fosse justificável, ou que os americanos acabassem por ganhá-la. Shils viveu o tempo suficiente para ver a inglória fuga desordenada da últimasaída de helicóptero da embaixada dos EUA em Saigão.
Em 2010, Sergio Marchione, da Fiat, adoptou uma estratégia hostil nas relações industriaiscom os seus trabalhadores, primeiro na fábrica de Pomigliano d'Arco, no sul da Itália e, em seguida, na fábrica de Mirafiori, em Turim. Ou os trabalhadores da Fiataceitavam maior flexibilidade laboral, horários de trabalho mais longos e maior intensidade do trabalho ou a Fiat iria investir cerca de20 mil milhões de euros noutros países, nomeadamente na Sérvia e no Canadá. Em Pomigliano foi feito um referendo entre os trabalhadores, que aceitaram o acordo, mas aextraordinária maioria expressa,de mais de 60% dos votos,foi considerada insuficiente por Marchionne. Na fábrica de Mirafiori, em Turim, em 29 de Dezembro,a Fiat assinou um acordo com todos os sindicatos (Fim, Uilm e Fimsic), excepto com FIOM, o sindicato dos metalúrgicos, tradicionalmente mais militante. Agora, foi convocado um referendo para13-14 de Janeiro, e o FIOM convocou uma greve geral para 28 de Janeiro, mobilizandonão só os metalúrgicos, mas todas as "forças sociais de oposição",desde os estudantes aos movimentos que se opõemà privatização da água.
A atitudede Marchionne é uma reminiscência da perspectiva de Shils sobre a Guerra do Vietname: a Fiat está a lutar contra o Sindicato dos metalúrgicos FIOM "porque pode".A globalização agudizou drasticamente a concorrência entre os mercados de trabalho no mundo: as migrações de trabalhadores e as deslocalizaçõesda produção são as formas mais visíveisdesta intensificação da concorrência, mas a liberalização do comércio é a sua mais importante manifestação quantitativa. Mesmo que as fábricas se mantivessem para sempre onde estão, a nova produção seguiria naturalmente a lógica das vantagens comparativasa nível global. É isto que levou à redução da componente dos salários no PIB nos países avançados, de 65% para 55%, no período 1980-2005 (World Economic Outlook do FMI, de Junho de 2007), uma tendência que tem continuado até hoje, excepto um pequeno aumento do peso relativo dos salários no PIB, em 2009, devido à queda temporária de lucros na recessão. Isto é o que permite à Fiat impor este cru ultimato aos trabalhadores: é pegar ou largar, nem pensem sequer que podem negociar seja o que for.
O Professor Mario Nuti que, através do nosso colaborador Professor Júlio Marques Mota, nos proporcionará a publicação de textos seus, é um dos mais proeminentes especialistas europeus na área dos sistemas económicos comparados. Hoje, às 21:00 publicaremos Da Guerra do Vietname à Fiat.
Domenico Mario Nuti nasceu em Arezzo, Itália, em 16 de Agosto de1937.
Catedrático de Economia Política na Universidade de Roma “La Sapienza”,
licenciou-se em Direito pela Universidade de Roma e fez o doutoramento em Economia por Cambridge, sob a orientação de Maurice Dobb e Nicholas Kaldor. Trabalhou com Michel Kalecki e Oscar Lange. Foi professor de Economia no
European University Institute de Florença, foi director do Centro para os estudos
russos e do Leste europeu da Universidade de Birmingham, presidente da European Association for Comparative Economic Studies e correspondente da Academia
Polaca das Ciências. Desempenhou ainda os cargos de Conselheiro económico da Comissão Europeia e de consultor do Banco Mundial.
É autor de numerosas publicações, na sua maior parte sobre sistemas económicos comparados, particularmente sobre a participação dos trabalhadores na Economia. Entre essas edições, salientamos: Privatisation of socialist economies: general
issues and the Polish case, OECD, Paris, 1991; Stabilisation and reform sequencing in the reform of socialist economies, EDI-World Bank, 1991; Sequencing and credibility in economic reform; in A.B. Atkinson and R. Brunetta (Eds.), Economics for the New Europe, MacMillan, 1991; Lessons from stabilisation and reform in central and eastern Europe, Economic Papers n. 92, CEC-DGII, Bruxelas, 1992; The role of the banking sector in the process of privatisation, Economic Papers n. 98, CEC-DGII, Bruxelas, 1992; (com Richard Portes), Central Europe: the way forward, Bruxelas e Londres,1993; Economic inertia in the transitional economies of central eastern Europe, in: M. Uvalic et al. (Eds), Impediments to the Transition in Eastern Europe,EUI-EPU, Florença 1993; The impact of systemic transition on the European Community, in S. Martin (Ed.), The Construction of Europe, Dortrecht, 1994; Mass privatisation: costs and benefits of instant capitalism, in R. Daviddi (Ed.) Property rights and privatization, EIPA, Maastricht 1995; Inflation, interest and exchange rates Community response to the Transition: Aid, Trade Access, Enlargement, The Economics of Transition, vol. 4(2), 1996; com G. W. Kolodko, The Polish Alternative, UN-WIDER Research in Action n. 33, Helsinquia, 1997. Making sense of the Third Way, Business Strategy Review, Vol. 10, n.3, Autumn 1999. The Polish Zloty, 1990-99: Success and Under-Performance, American Economic Review, May 2000, Papers and Proceedings.
Sobre o texto que vamos publicar dentro de uma hora, diz-nos o Professor Júlio Marques Mota:
"Dizem-nos ter modernizado as leis do Trabalho.Este foi um dos temas abordados na carta aberta a Durão Barroso e dávamos como um dos exemplos a enorme pressão da Fiat sobre os seus trabalhadores. Na verdade a Europa de Durão Barroso, a Europa da Comissão Europeia, não é a Europa dos trabalhadores , antes pelo contrário: As lutas dos trabalhadores da Fiat continuam e a 28 de Janeiro , dia em que se os metalúrgicos da FIOM apelam para um dia de greve na Fiat e com o máximo de apoio possível da população, associamo-nos abertamente a este movimento publicando no Estrolábio algumas páginas sobre o trabalho na Europa neoliberal, na Itália e na Fiat".
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