Mais de 70 placas com os nomes das ruas em português foram recuperadas na cidade espanhola de Olivença, com o objectivo de dar a conhecer a história e a cultura portuguesa aos habitantes daquela cidade fronteiriça.
«Este passo que foi dado em Olivença mostra a união que existe entre os dois países (Portugal e Espanha)», disse Manuel Rodriguez, presidente do Ayuntamiento de Olivenza.
«E simboliza também o aniversário da adesão de Portugal e Espanha à Comunidade Económica Europeia (CEE)», acrescentou.
A iniciativa que contemplou a adição dos antigos nomes das ruas aos actuais, mantendo a mesma tipologia e estética nas placas foi um dos pontos alto da primeira edição do certame «Lusofonias». Este decorreu a 12 de Junho na cidade espanhola e contou com a organização da associação «Além Guadiana».
De acordo com a organização, o certame visou promover a língua portuguesa e a cultura dos países lusófonos naquela cidade fronteiriça.
«Esta iniciativa é uma janela para mostrar o passado de Olivença aos seus habitantes e visitantes», disse Joaquín Fuentes Becerra, presidente da associação «Além Guadiana».
Para José Martinez, habitante em Olivença há mais de 50 anos, esta iniciativa é encarada com «bastante naturalidade».
«Parece-me bem, é uma recordação bonita, uma vez que há uma enorme presença portuguesa nesta cidade, tanto a nível cultural como histórico», disse o sexagenário.
«Eu vejo esta iniciativa com bons olhos», sublinhou por sua vez Narciso Martinez Ramalho que, acompanhado por José Martinez, circulavam pelas ruas daquela cidade espanhola.
No sentido de promover a cultura e a língua portuguesa, a organização das «Lusofonias» elegeu como imagens promocionais da iniciativa Amália Rodrigues, Fernando Pessoa e Vasco da Gama.
A iniciativa cultural contou com a colaboração do Ayuntamiento de Olivença, da Associação para o Desenvolvimento Rural da Comarca de Olivença e da Junta da Estremadura.
Publicado hoje em Café Portugal. Enviado por Além Guadiana.Manuel, Martina, Francisco, Raquel. São histórias de vidas na raia espanhola. Oliventinos que representam diferentes gerações de falantes de um idioma à beira de um precipício, o da extinção. O oliventino, subdialecto português, falado há séculos em Olivença, é actualmente uma quase memória, agarrado às palavras dos mais velhos. Recordam tempos em que o dialecto era sinónimo de conversas soltas, em casa, nas ruas. Palavras que, entretanto, por meados do século XX, se esconderam entre paredes. Há décadas que o oliventino mingua, com redutos sobreviventes nas aldeias e com esperança nos bancos das escolas onde é reabilitado como língua estrangeira. O calor oprime a meia tarde da aldeia histórica de São Bento da Contenda. Um estio na Estremadura espanhola, encostada à fronteira com Portugal, que parece impor-se como muro a qualquer ideia de frescor. Um calor que ondula os campos, pesa sobre as copas dos sobreiros espaçados, esbate os contornos da Serra de Alor. A sete quilómetros, escondido, corre um sopro de água. O rio Guadiana avolumou-se nos últimos anos com a barragem de Alqueva. «Embalse de Alqueva» na banda de cá, como é dito, aqui, no município de Olivença. Desafiar o calor estremenho de Julho não é fácil, para mais quando implica destruir o deleite cénico montado nos últimos minutos: uma esplanada corrida pela sombra, um horizonte largo, uma bebida fresca em primeiro plano e o voo dos andorinhões, único empecilho a um céu fixo em azul.
Um guião onde há, porém, que encaixar uma incursão por vias de casario alvo, de portadas e janelas debruadas a faixa torrada, chaminés largas e altas; uma arquitectura urbana que desafia a associações a paisagens do outro lado da fronteira, no concelho do Alandroal. O silêncio de «siesta» reinante vê-se surpreendido pelo rebuliço de festa popular. Pau ensebado com um «jimão», ou seja, um presunto gordo lá no alto; espuma a rodos sobre um alcatrão fervente e um rodeio com touro mecânico.
Numa multidão em delírio de palavras gritadas em castelhano o objectivo é encontrar, depois de sucessivas curvas do tempo, palavras ditas e contadas em português. Nas ruas, nos cafés, nos largos da comarca de Olivença na província de Badajoz (de onde dista 22 quilómetros), feita espanhola por Tratado de 1801, ainda se ouve, hoje, o português oliventino, um subdialecto, próximo do dialecto alentejano.
A pouco mais de 15 quilómetros da fronteira com Portugal calcorreando as ruas de São Bento procura-se uma «boa tarde», com retoques de Alentejo, soprada pelos naturais. Isto sob bandeiras listadas de amarelo e vermelho pendendo de janelas, numa suspensão de final de Campeonato do Mundo de Futebol. Um jogo entre Espanha e Holanda, sabemos hoje, gritado e dançado, na vitória, na pátria de Cervantes.
Quando «Pepe» era «Zé»Hoje há esforços para preservar o oliventino e para recordar que «Pepe» já foi «Zé» e «Paco» foi «Chico». Nas escolas, o ensino do português aparece como língua estrangeira. Estudam-na, como língua obrigatória na primária (embora não conte para a nota final), 110 alunos. No ensino secundário o português também é disciplina curricular embora opcional. Por sua vez a Universidade Popular, em Olivença, tem dois cursos de português, com um total de 60 alunos. Nos bancos das escolas de Olivença acrescenta-se à língua toda a gramática de prontuário. Retira-se o deleite de escutar um gerúndio, a esticar o extremo final da palavra. Para além das escolas, nas ruas, procura-se reabilitar o oliventino como sucedeu durante todo um dia em Junho de 2010. As jornadas «Lusofonias» promovidas pela Associação Além Guadiana (criada em Março de 2008) com apoio da câmara local reabilitaram leituras de excertos de obras de autores portugueses. Trouxeram mais: no século XXI, perto de 70 artérias do «casco antiguo», encostadas à velhinha muralha do século XIII, ganharam a dupla designação e contam nomes a duas línguas: «Diaz Brito», «antiga Rua dos Oleiros»; «Cervantes», «antiga Rua da Pedra»; «Bravo Murillo», «antiga Rua dos Saboeiros», «Reys Católicos», «antiga rua D. Manuel I». Nomes desaparecidos do mapa mas que a população continuou a usar e, agora, tornados motivo de rota.

Um bilinguismo na toponímia e nas bocas e ouvidos dos mais velhos que a Associação Além Guadiana quer transpor para as brincadeiras das crianças. Hoje, poucos oliventinos com menos de 60 anos trocam um «olá, buenas» por uma «boa tarde» como a que ouvimos a Martina Antónia, septuagenária, nascida e criada em São Bento. Senta-se à soleira da porta, à margem da festa. Saia cingida às pernas esticadas. Um leque para afastar o calor. Palavras que começam por correr tímidas, que acabam por se adensar num português fluente, a exigir ouvido treinado para distinguir o pulo de fronteira: «Os meninos de agora não falam português. Antigamente era diferente. Os meus pais falavam à portuguesa, os meus irmãos e tudo. Agora, em casa, fala-se as duas coisas». Martina Antónia nunca passou a fronteira. Portugal é uma imagem construída pelas palavras de outros. O rio Guadiana uma linha de água avistada à distância.
Mais acima, na mesma rua, outra «boa tarde». Maria do Nascimento em andar desembaraçado desenrola histórias: «A minha filha de 50 anos já fala espanhol. Daí para cá todos os quatro filhos falam espanhol. Dois, andam nos autocarros em Portugal e fazem um esforço para falar português. Eu, com os meus filhos, em casa, falava sempre espanhol. Com o meu marido é diferente, falamos em português. Aprendi a língua com os meus pais».
Sabe-se da boca de Maria que um dos filhos, de 40 anos, está nos festejos. Há que correr rumo à música, mergulhar no caos de gente. Já na festa, Maria troca o seu quase alentejano, perceptível, por um castelhano de palavras apertadas, reunidas em resmas de frases rápidas. Pergunta pelo filho. Está próximo e a conversa pula de Maria para Francisco. Olhar claro, pele escura, trabalhada pelo Sol. «Falo português, mais ou menos. Aprendi ouvindo português. A minha filha entende mas nunca quis falar porque nunca lhe despertou muito a atenção».
Francisco vive num limite de idade que é também uma fronteira para o estar dentro ou fora de uma língua falada na região desde o século XIII e que viria a contar uma história de progressivo esquecimento. Dois séculos, tempo suficiente para desgastar pedras, também corrói matéria mais porosa: a memória dos homens. Em Talega, localidade 18 quilómetros a Sul de Olivença (de onde se tornou concelho autónomo em 1850), já não correm palavras em oliventino.
Recorde-se que em 1898, o linguista e filólogo português, Leite de Vasconcelos no levantamento feito na região ainda encontrou em Talega uma localidade de fala única portuguesa.
Reguadas no oliventino Até meados do século XX o oliventino foi língua franca para esta gente da raia espanhola. Falado em casa, nas mercearias, nas tascas, nas soleiras das portas das noites de verão, encostado ao borralho das noites de inverno. «Com a ditadura as coisas mudaram». São palavras de Ricardo Farinha, 64 anos, baixa estatura, tido e dito poeta popular, enérgico nas palavras. Conta vidas: a da avó que «morreu com 122 anos», a do pai «um comunista que fugiu sob a ditadura de Franco para o País Basco», a dele próprio e dos 37 anos que passou como emigrante no outro extremo da Península Ibérica. Ricardo voltou e, agora, é membro da Além Guadiana. Com ele enceta-se uma viagem de circum-navegação à primeira muralha de Olivença, do reinado de D. Dinis. A promessa é de visitar património português: a Igreja da Madalena, a Igreja de Santa Maria do Castelo, a Porta do Calvário e as ruas e praças de Olivença. De premeio, uma permuta de palavras portuguesas e oliventinas que viaja no tempo, mergulha no franquismo (1939-1976): «com o regime deixámos de falar o oliventino nas ruas. As escolas reprimiam. Quando nos saía uma palavra em português levávamos, da primeira vez, seis reguadas. À segunda vez, eram 12 reguadas. É claro que temíamos e deixávamos de falar. Do outro lado da fronteira havia o regime de Salazar que esqueceu completamente a cultura portuguesa em Olivença». Ricardo repete amiúde o termo «cultura», não quer falar de «política». O território torna-se movediço, entra em questões de reivindicação, a Associação Além Guadiana detém-se exclusivamente na reivindicação dos espaços de encontro cultural, com marcas materiais e imateriais.
Uma delas, o oliventino e a sua erosão, acompanhou uma demografia de desertificação em meados do século XX. A emigração deixou poucos jovens nas aldeias. «A penetração da língua oficial [o castelhano] foi muito mais rápida e mais profunda nas localidades maiores, onde foi determinante a presença de instituições da administração e da educação, bem como o facto de serem centros de atracção para numerosa população vizinha de fala castelhana», alerta Juan Carrasco Gonzaléz no documento «Falantes de Dialectos Fronteiriços na Extremadura Espanhola no Último Século» (2001).
As três idades da língua 
Batem as cartas sobre a meia dúzia de mesas. Em cada uma cinco ou seis oliventinos. Idades entre os 60 e os 90. O bar do antigo Quartel português, em Olivença, hoje transformado em Centro de Dia, enche-se. Há idades para contar boas histórias. Joaquín, 87 anos de voz já trémula mas ainda fixa no oliventino. É assim que fala com alguns dos companheiros de «cartada», embora o fervor de uma jogada menos consensual empurre as palavras para o castelhano. Joaquín emigrou para o País Basco, para depois voltar. Em Olivença trabalhou sempre no campo. Recorda tempos de ralhetes dos pais em português. Os filhos, porém, já pouco falam o oliventino. Os netos tornaram-se falantes do castelhano. Um percurso de língua semelhante ao que se encontra mais tarde em São Jorge de Alor. Cinco quilómetros de estrada tórrida desde Olivença que se faz com o fito de uma visita às chaminés de fisionomia alentejana. Depois das ruas, almoço no restaurante «Cambio de Tercio» com sabores a Estremadura espanhola, embora sem desfazer os costados alentejanos: um gaspacho forte, carnes de alguidar crepitantes de fritura, uns pezinhos de chibo de tempero intenso. Refeição a pedir um vinho tinto com corpo a acompanhar e que acaba por soltar as palavras. Ouve-se, então, oliventino e repete-se histórias de gerações já contada em Olivença. Três idades: Manuel Sanchez Hernandez, com 73 anos e um oliventino perfeito; o filho na casa dos cinquenta, com as palavras a cair para o castelhano. Uma linha familiar que termina em Maria del Mar. 16 anos encorpados, falante do castelhano.

Manuel fala suave, acompanha com gestos de mãos que sempre trabalharam na agricultura. Recorda tempos antigos, quando «passávamos muitas dificuldades mas a vida era mais bonita. Não havia tantos rancores». O ancião lembra os avós, de Borba, «onde há bom vinho. Falo português, aprendi com os meus pais. Ensino às netas, o que sei, porque não sei muito. Há algumas crianças a aprenderem. Tenho ido com muita gente da vila a Campo Maior para traduzir a conversa da banda de lá para a de cá». A conversa vira para Maria. Olhos que voam para fotografias expostas numa parede quando espicaçados pelas perguntas. Maria é «Matadora», já enfrentou os cornos das bestas nas praças de Badajoz, de Olivença. Um feito que a obriga a muitas horas de trabalho. «É muito mais difícil para uma mulher. Tem de ser muito melhor que os homens», confessa Maria del Mar em castelhano.
Fecha-se o bloco. Encerram as conversas. Ficam entre as notas muitas mais histórias e memórias de falantes de oliventino. A voz acanhada de Miguel Ribeiro Lopes, 83 anos, habitante de São Jorge, recordando que os mais velhos falam todos em português. Os pais ensinaram-nos. Hoje, para aprender só as escolas. Rememora-se o par de horas com as palavras de Servando Rodríguez Franco, do Turismo de Olivença. Um percurso pelas ruas da cidade estremenha. Património deixado pelos portugueses, explicado numa língua lusa irrepreensível.
Finalmente a voz cristalina de Raquel Sandes, durante 15 anos vocalista do grupo de música folk de Olivença, os Acetre (criado em 1976). Durante anos cantou em português, compreendendo as palavras, sabendo o que dizia, «praticando o sotaque», como nos disse. Hoje Raquel, aos 35 anos, aprende português em Badajoz, na escola de línguas. A vocalista deu o passo seguinte: Lança para as conversas futuras o idioma que ouviu aos avós, depois aos pais. Não sendo o oliventino de outros tempos, para Raquel é, de qualquer forma, um perpetuar de memórias linguísticas. Raquel corrobora aquilo que diz o jovem presidente da Associação Além Guadiana, Joaquín Fuentes Becerra, «Não podemos ter duas culturas se uma delas não se pode expressar através das palavras, só das pedras mudas».
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Recupera-se a toponímia tradicional (Continuação)
Por artérias estreitas que ostentavam outrora nomes bem portugueses - Rua das Atafonas, Rua da Corna, Rua da Barranca, Rua do Juiz -,e hoje têm designações que bem pouco dizem aos Oliventinos, vou dar a uma outra, a Rua dos Duques de Cadaval, que durante muitos anos esteve ausente da toponímia da vila. Em seu ligar encontrava-se o nome de um ministro obscuro, cujo título de glória era o de ter acompanhado o generalíssimo Franco na inauguração de uma albufeira. Instituída, por via da democracia, a liberdade de escolha, os edis oliventinos não
hesitaram: substituíram-na pela velha e tradicional designação, que nunca deixara de ser usada pela maioria do povo. E com o tempo - dizem com convicção - acabarão repondo nas ruas da vila todos os nomes apagados pela tentativa de castelhanização de Olivença.
Aliás, a memória das referências portuguesas nunca desapareceu do espírito das pessoas. Na porta de Castillejos - uma das mais assinaladas na existência de Olivença pelos factos históricos de que foi testemunha -, diz-me uma mulher do povo:
- Quando isto era português chamava-se outra coisa: era a Porta de Alconchel.
A vetusta entrada, que remonta aos princípios do século XIV, formava parte da cerca torrejada que D. Dinis mandou construir logo após a assinatura do Tratado de Alcañices de 1297, pelo qual se definiam as fronteiras entre Portugal e Castela e se decidia a nacionalidade portuguesa de Olivença. O rei concedeu-lhe os usos e costumes da vila próxima de Elvas, autorizou uma feira semanal, às segundas-feiras - que se realizou durante séculos -, e oito anos depois designava Pêro Lourenço do Rego para cercar de muralhas toda a povoação. Uma pedra, ainda hoje embebida num dos arcos da cerca (5), assinala o início das obras: "A primeira pedra deste castelo foi posta em dia de São Miguel, e aqui a pôs Pêro Lourenço do Rego em tempo do Rei D. Dinis, era de mil trezentos e quarenta e quatro anos"(6). Das quatro portas então abertas nas muralhas, restam as de Alconchel e a dos Angeles, ladeadas por torres cilíndricas, e os restos da Porta da Gracia, em parte absorvida pela construção do Palácio dos Cadavais, alcaides-mores da vila(7). E foram estas muralhas, de que ainda se encontram, um pouco por toda Olivença, troços bem definidos, que aguentaram os embates castelhanos nos vários assédios ocorridos logo durante o século XIV, resultado de intentos de expansionismo, quezílias de famílias desavindas, ambições frustradas ou prestígios ofendidos.
Uma torre contra CastelaAs guerras da Independência transformaram Olivença no cenário constante de pugnas e cavalgadas, em que o povo era comparsa forçado e vítima preferida nos enfrentamentos e traições de fidalgos e alcaides.
Mais do que a rivalidade entre duas nacionalidades, a história de Olivença, nesse período, é a história de guerreiros feudais que, ao serviço de um ou outro soberano, não hesitam ante a violência e a crueldade para fortalecer um poder ainda precário. A torre de meenagem, um dos mais imponentes monumentos da arquitectura militar portuguesa, com 37 metros de altura - só a torre de Beja a deve ultrapassar(8)-, ergue-a D. João II, recorrendo aos melhores arquitectos e mestres pedreiros da época, e resistindo aos sentimentos ofendidos do Rei de Castela, que não compreendia nem admitia obra tão agressiva em tempo de paz.
Cinco séculos depois da sua construção, a torre de menagem de Olivença continua a dominar a paisagem, proporcionando, aos que sobem ao terraço, uma vista de dezenas de quilómetros por campos de Portugal e Espanha. Limpo e desafogado das construções apagadas que o cercavam, o monumento ostenta uma grandeza impressionante, que deriva tanto dos factos históricos de que foi protagonista, como da ousadia de concepção, mesmo numa época em que a iniciativa real estava quase toda voltada para as obras de guerra. O acesso ao cimo é feito não por escadas, mas por dezassete rampas que acompanham interiormente as paredes de três metros de espessura, e que permitiam a subida de cavaleiros e peças de artilharia. A iluminação natural das rampas é proporcionada por seteiras, e o percurso de mais de cem metros apenas é interrompido por uma sala de armas que foi prisão de fidalgos e, mais tarde, local escolhido pela Inquisição para os seus julgamentos.
Com as obras a que foi sujeita, e liberta do cárcere que durante muitas décadas ocupou parte do seu interior, a torre de menagem de Olivença será a partir de agora o local privilegiado de manifestações culturais. As obras, em grande parte resultantes de trabalho voluntário, desaproveitaram, por falta de orientação arqueológica e histórica adequada, o estudo aprofundado da construção. Fizera~-se desaterros, removeram-se ossadas sem preocupação de analisar a sua origem. E perdeu-se assim, porventura, a oportunidade única de um trabalho que eventualmente poderia fazer luz sobre aspectos obscuros da história local. E não se pode deixar de pensar, com alguma decepção, que talvez fossem outros os resultados históricos e culturais desse trabalho, se os especialistas e organismos portugueses não tivessem esquecido a existência, em Olivença de um tesouro indispensável ao conhecimento do nosso próprio passado.
(Continua)