A mesma sala assume dimensões diversas consoante a apreciamos na infância ou na idade adulta – às crianças as coisas parecem sempre maiores, por razões óbvias de diferença de escala. Quantas desilusões temos ao regressar em adultos a locais «grandiosos» da nossa infância e os encontramos pequenos, acanhados, insignificantes… Tinha os meus quinze ou dezasseis anos quando li «Montanha Mágica», de Thomas Mann. Li-o numas férias de Verão na Biblioteca Nacional que funcionava ainda no velho edifício do Largo da Biblioteca, junto à Rua Vítor Córdon, pegado com a Escola Superior de Belas Artes.
Fiquei maravilhado e não descansei enquanto não arranjei dinheiro para o comprar e poder ler quantas vezes quisesse. Tal foi a pedrada, que, no meu círculo de amigos, durante semanas, quando eu abria a boca, havia quem dissesse - «Lá vamos nós apanhar com a montanha…». E, quase sempre era verdade. Transformou-se, para mim, num paradigma da arte de bem escrever. E fiz campanha por Mann, com a mesma convicção com que, depois, lutei por Humberto Delgado. Os amigos foram lendo e, arranjei adeptos, embora houvesse uma facção que entendia que o livro não era assim tão bom (ninguém se atreveu a dizer que era chato) – nem enredo tinha, diziam os mais viciados na efabulação cinéfila – o que, em parte, até é verdade.
O grupo, que naquele Verão vegetava entre as praias da Linha ou da Caparica e os cafés da Baixa, esteve durante algum tempo dividido entre os amantes da montanha e os seus detractores. Até que, com o fim das férias, chegou outra mania qualquer e o Thomas Mann foi arquivado. O livro que comprara com tanta dificuldade e que circulava por todas aquelas mãos e locais, foi ficando gasto e desapareceu. Perdi-lhe o rasto, tal como quase vinte anos mais tarde me aconteceu com o «Couraçado Potenkin». O filme do Eisenstein foi sendo emprestado a amigos de amigos de amigos e sumiu-se numa espécie de triângulo das Bermudas. Mas, não saiamos da «Montanha Mágica».
Durante aquelas semanas Lisboa passou a ser Hamburgo, a Caparica onde me deslocava diariamente no ferry que partia do Cais do Sodré transmutou-se na cidadezinha dos Alpes suíços. Eu, obviamente, era Hans Castorp, preocupado com a transcendência que aflora à superfície de coisas aparentemente simples, com a guerra cuja eclosão, ainda antes do atentado de Sarajevo, se adivinhava iminente… Não vos vou contar a história passada na sua maior parte em Davos, no microcosmos de um sanatório povoado por médicos, enfermeiros e tuberculosos. Uma imagem de um mundo doente naquele ano de 1912. E a omnipresença da montanha, que vemos na fotografia.
Ao longo do tempo fui, instintivamente, evitando reler a obra que, em 1924, terá motivado a atribuição do Nobel a Mann. Há semanas, num alfarrabista que funciona no Palácio da Independência, apareceu-me pela frente o feiticeiro livro da minha adolescência. Por três euros, recuperei esses dias quentes de há décadas atrás, nas centenas de páginas abrigadas pela capa amarela e verde, concebida pelo Bernardo Marques, na edição da colecção «Dois Mundos» dos Livros do Brasil. Li-o mais uma vez, agora com os olhos auxiliados por óculos e com a cabeça com menos cabelo, mas atafulhada de saberes e de experiências (a maior parte deles inúteis) de cuja existência, aos dezasseis anos nem sequer suspeitava. E não é que o velho se emocionou dando razão ao garoto?
É, de facto um livro admirável, uma lição de bem escrever, de efabular sem um fio ficcional muito definido (a tal falta de enredo que os gandulos detectaram). Só notei uma falha que in illo tempore me escapou – a tradução brasileira, embora revista para a norma portuguesa, não me parece de grande qualidade. Feliz de quem saiba alemão e possa aceder ao verbo do velho Thomas sem intermediários – directamente do produtor ao consumidor!
Sei que nos anos oitenta se fez um filme alemão em que, entre outros, entravam o Rod Steiger e o Charles Aznavour. Julgo que se fez também uma série televisiva. Não vi nem um nem outra e parece que fiz bem. Há coisas com que não se brinca.
Nada direi sobre a história, o enredo, o entrecho. É muito volátil e quase irrelevante, pois as grandes linhas de força da obra de Mann são as eternas preocupações do ser humano – o amor, o temor e a consciência da inevitabilidade da morte, a insustentável leveza da humanidade que transportamos em nós, sempre pronta a regredir ao dealbar dessa humanidade. E, também, o carácter subjectivo que o espaço e o tempo assumem; tão diferentes que, em geral, as mesmas coisas são vistas por um adolescente e por ancião. E tão iguais, como me aconteceu com a imperecível beleza da «Montanha Mágica». O jovem e o velho estão de acordo num aspecto – Mann, na sua «Montanha Mágica», ensina-nos que um ser humano transporta em si toda a simples complexidade do Universo.
A primeira referência escrita que se encontra sobre Lisboa, feita por um romano, é a do académico Marco Terêncio Varrão (116 – 27, a. C.). Informa que as éguas locais concebem pelo vento, sem necessidade de terem contacto com os machos, lenda provavelmente transmitida pelos povos locais, (ver na Revista Municipal de Lisboa, n.º 56 (1953), o artigo de Arlindo de Sousa, Antologia de Lisboa).
Encontram-se também referências a Lisboa em Pompónio Mela ( (no De Situ Orbis), em Estrabão e Ptolomeu.
Vários viajantes ingleses de nomeada, a partir da Restauração (1640), visitaram Portugal e estiveram em Lisboa, tendo-se referido à nossa capital nos seus escritos, em prosa e em verso. Falamos a seguir de alguns dos mais conhecidos:
No século XVIII, há a referir Henry Fielding (1707-1754), autor de Tom Jones, tido como o pai do romance inglês. Escreveu Journal of a Voyage to Lisbon, em que conta a sua viagem para Portugal, onde veio procurar descansar do esgotamento provocado pelo seu trabalho como magistrado. Foi a sua última obra, pois Fielding faleceu em Lisboa em 8 de Outubro de 1754.
William Beckford (1760-1844), , político e viajante inglês, autor de obra variada, com destaque para o conto oriental Vathek esteve em Portugal nos fins do século XVIII, e escreveu, com bastantes anos de atraso, narrações das suas viagens intituladas, Italy, With Sketches of Spain and Portugal e Recollectionsof an Excursion to the Monasteries of Alcobaça and Batalha. Na segunda obra descreve pormenorizadamente um passeio, feito a partir da sua casa de Lisboa.
Byron (1788 – 1824), um dos grandes poetas românticos ingleses, esteve em Lisboa em 1809, no início de uma grande viagem pelo sul da Europa. No Childe Harold’s Pilgrimage, canto I, estrofe XVII, dá uma imagem de Lisboa bastante negativa, embora comece por gabar o aspecto à primeira vista. Aliás Byron dá uma imagem negativa dos portugueses em geral, chegando a lamentar que a natureza tenha sido excessivamente pródiga com eles, quanto à paisagem. Transcreve-se a seguir a estrofe acima referida:
But whoso entereth within this town, That, sheening far, celestial seem to be, Disconsolate will wander up and down, Mid many things unsightly to strange e’e; For hut and palace show like filthily, The dingy denizens are reared in dirt, No personage of high or mean degree Doth care for cleaners of surtout or shirt, Though shent with Egypt’s plague, unkempt, unwashed, unhurt.
No número 60 da Revista Municipal, do ano de 1954, no artigo Lisboa no folclore e na poesia culta do Brasil, Gastão de Bettencourt faz uma resenha muito variada, que inclui desde Evocação lírica de Lisboa, de Cecília Meireles, Entre-mar e Rio, do diplomata Ribeiro Couto, até ao Auto dos Fandangos, dos mestiços do Nordeste Brasileiro.
Mais recentemente, o alemão Thomas Mann (1875-1955), faz decorrer parte do seu último romance, Bekenntisse des Hochstaplers Félix Krull (As Confissões de Félix Krull, Cavalheiro de Indústria), em Lisboa. Trata-se aliás de um romance, que decorre vagamente no fim do século XIX, e que ficou por acabar, devido à morte do autor. Félix Krull assume a identidade do marquês de Venosta, nobre luxemburguês, e substitui-o numa viagem a que este pretende escapar, devido a um problema de amores. E numa Lisboa não muito real vive algumas peripécias.
O último romance de Erich Maria Remarque (1898-1970), Die Nacht von Lissabon (Uma noite emLisboa) trata do problema dos refugiados durante a II Grande Guerra Mundial, que passam por Lisboa em trânsito para a América.
John Le Carré (1931 - ), em The Russia House, um romance de espionagem que decorre no fim da Guerra Fria, põe o herói a ser interrogado pelos serviços secretos ingleses em Lisboa. É famosa a referência ao Príncipe Real, e aos discursos de um velho místico que seria o professor Agostinho da Silva.
António Muñoz Molina (1956 - ) escreveu El Invierno en Lisboa, o qual, na modesta opinião de quem escreve estas linhas, nada tem a ver com a capital de Portugal. Usa a sonoridade do nome, e do personagem central da novela (?), Biralbo. Alguns dizem que é uma homenagem ao romance negro, e ao jazz. Será?
A Morte Branca, de Pierre Kyria (1938 - ), recebeu referências elogiosas na imprensa francesa. O crítico do Nouvel Observateur comparou o romance de Kyria a uma obra de Agatha Christie, onde se está sempre à espera de revelações fulgurantes, e o do Magazine Littéraire considerou-o um grande livro. É uma história em que um jovem romântico se vê envolvido em situações complicadas, decorrendo a trama numa pensão familiar de Lisboa. Kyria revela um conhecimento grande da cidade, embora a história pudesse decorrer em qualquer outro local. Este escritor também escreveu Lisbonne, livro sobre o qual não temos referências.
A Small Death in Lisbon, de Robert Wilson (1957 - ) é um romance policial, que trata de sequelas do tempos dos nazis, e de crimes actuais.
O Homem de Lisboa, de Thomas Gilfford, conta a história da burla de Alves dos Reis.
Em El Club Dumas, Arturo Pérez-Reverte (1951 -), faz Lucas Corso, o personagem central, passar por Lisboa a caminho de Sintra, procurando um livro. E contar recordações de outra viagem a Lisboa.
Leslie Charteris (1907 – 1993), criador de O Santo, fez decorrer em Lisboa uma das aventuras do seu herói, The Saint in Pursuit. O título da obra em português é O Santo e o Mistério de Lisboa.
O primeiro romance do norte-americano Richard Zimler (1956 - ), O Último Cabalista de Lisboa, decorre na Lisboa do início do século XVI, e tem como pano de fundo os massacres de cristãos novos.
Pierre Mercier, suíço de língua francesa, escreveu Comboio Nocturno para Lisboa, a história de um suíço que impede o suicídio de uma portuguesa, e a seguir lê um livro de um português resistente à ditadura. Desperta-se nele a curiosidade de saber mais sobre este homem, e assim vem até Portugal.
Tinha pensado escrever sobre África mas, vergonhosamente tarde, descobri Mahler. E a minha felicidade disparou.
Quem opta pela dor perante o prazer?
Fui arrastada, arrasada, por esse fragor e fiquei à deriva. Uma ampla asa metálica levou-me pelos espaços e esqueci-me do discurso que tinha engendrado sobre aquela penosa realidade.
Não se pode ser feliz ao mesmo tempo que se constata a dor dos outros. É da natureza humana.
O que Ki-Zerbo defendia, também, era a felicidade para África. Não sabia era para quando.
Joseph Ki-Zerbo desmistificou a África exótica, dos cheiros e das cores, cujo rasto apenas encontrou na História da Europa, a propósito do comércio de escravos, quando estudava na Sorbonne.
O que ele queria para essa parte do mundo, onde a Humanidade se descobriu a si própria, à sua fala, à sua escrita, à sua música, era o reconhecimento duma genuinidade, ao contrário da vil classificação de Pré-História para todo o seu percurso vivencial. Pré-História da História Europeia, claro está, à qual não deixaria mais de estar ligada, mas apenas como um apêndice. Joseph Ki-Zerbo não era um nostálgico da África pré-colonial, mas soube reconhecer como, ao interromper os fluxos comerciais e culturais entre a África Central e os povos do Norte do continente, o colonialismo enfraqueceu deliberadamente o progresso que se processava de forma harmoniosa para os povos das sociedades africanas. Cidades como Tombuctu, nos séculos XIII e XIV, tinham um desenvolvimento cultural maior que muitas cidades da Europa, a ela afluindo professores universitários e alunos de além Sara. Essa foi a evolução que o colonialismo travou.
Ele não repudiava o desenvolvimento das tecnologias de informação e de outras tecnologias de ponta. O que constatava era que a importação pura e simples dessas tecnologias tal como eram concebidas nos países do Norte não servia os genuínos objectivos das sociedades africanas no seu todo. Haveria que, aproveitando esses valiosos instrumentos, pô-los ao seu serviço mas impedindo que minassem os valores intrínsecos dessas sociedades por ele identificados como o amor, a descoberta de uma verdade científica, a amizade, a estética ou a música. Para ele “o mundo dos valores é uma imensidade que ultrapassa de longe o mundo material”.
Pelos auscultadores, entra-me, agora, o “Allegreto” da 5ª.Sinfonia, considerado já como um dos mais preciosos trechos da música clássica. A mim, analfabeta musical, soa-me a beleza em estado puro. Thomas Mann, “A Morte em Veneza”, Visconti. Quando as imagens se associam o prazer é mais intenso
O que esse velho sábio burquino, nascido no antigo Alto Volta, queria era o contrário do que está a acontecer hoje: a África há séculos saqueada das suas matérias-primas, vê-as, agora, irem-se tornando progressivamente inúteis pelo desenvolvimento tecnológico dos seus predadores de sempre. Exemplo deste facto é o aparecimento da fibra óptica que arruinou a Zâmbia substituindo o cobre que era a sua principal matéria-prima. Não quereria ter visto o desenvolvimento erróneo de uma classe média despolitizada, perdida da sua cultura original e transformada em presa consumidora de marcas das transnacionais em fuga às zonas mundiais em crise.
Mas eis os violinos, em massa, em uníssono, em apoteose. Verdadeiro sortilégio.
O meu cérebro suspendeu-se. Só pulsa o coração e muitas outras fibras de que não sei a designação anatómica.
Estou em morte cerebral. Passei para outro mundo.
África fica para depois. A felicidade não se pode adiar. Não se deve. Puro egoísmo humano? Que me perdoem os deuses mas a vida é curta. Não chega para tanto
Também, tem tempo. Poucos africanos se terão apercebido bem do que Ki-Zerbo desejava. Uns porque ainda não têm condições para isso; outros porque nem o desejam mesmo. Há visões mais tentadoras de imediato.
Quanto a mim, Mahler, o avassalador Mahler fez-me apaixonar. Quando estiver saciada deste prazer, logo volto a pensar. _____________________________________
Referências bibliográficas:
1. Joseph Ki-Zerbo (entrevista de René Holenstein), Para Quando África?, Campo das Letras, 2006.
2. Jean-Christophe Servant, “A Miragem das Classes Médias Africanas”, Le Monde Diplomatique, edição portuguesa, Agosto de 2010.
A mesma sala assume dimensões diversas consoante a apreciamos na infância ou na idade adulta – às crianças as coisas parecem sempre maiores, por razões óbvias de diferença de escala. Quantas desilusões temos ao regressar em adultos a locais «grandiosos» da nossa infância e os encontramos pequenos, acanhados, insignificantes… Tinha os meus quinze ou dezasseis anos quando li «Montanha Mágica», de Thomas Mann. Li-o numas férias de Verão na Biblioteca Nacional que funcionava ainda no velho edifício do Largo da Biblioteca, junto à Rua Vítor Córdon, pegado com a Escola Superior de Belas Artes.
Fiquei maravilhado e não descansei enquanto não arranjei dinheiro para o comprar e poder ler quantas vezes quisesse. Tal foi a pedrada, que, no meu círculo de amigos, durante semanas, quando eu abria a boca, havia quem dissesse - «Lá vamos nós apanhar com a montanha…». E, quase sempre era verdade. Transformou-se, para mim, num paradigma da arte de bem escrever. E fiz campanha por Mann, com a mesma convicção com que, depois, lutei por Humberto Delgado. Os amigos foram lendo e, arranjei adeptos, embora houvesse uma facção que entendia que o livro não era assim tão bom (ninguém se atreveu a dizer que era chato) – nem enredo tinha, diziam os mais viciados na efabulação cinéfila – o que, em parte, até é verdade.
O grupo, que naquele Verão vegetava entre as praias da Linha ou da Caparica e os cafés da Baixa, esteve durante algum tempo dividido entre os amantes da montanha e os seus detractores. Até que, com o fim das férias, chegou outra mania qualquer e o Thomas Mann foi arquivado. O livro que comprara com tanta dificuldade e que circulava por todas aquelas mãos e locais, foi ficando gasto e desapareceu. Perdi-lhe o rasto, tal como quase vinte anos mais tarde me aconteceu com o «Couraçado Potenkin». O filme do Eisenstein foi sendo emprestado a amigos de amigos de amigos e sumiu-se numa espécie de triângulo das Bermudas. Mas, não saiamos da «Montanha Mágica».
Durante aquelas semanas Lisboa passou a ser Hamburgo, a Caparica onde me deslocava diariamente no ferry que partia do Cais do Sodré transmutou-se na cidadezinha dos Alpes suíços. Eu, obviamente, era Hans Castorp, preocupado com a transcendência que aflora à superfície de coisas aparentemente simples, com a guerra cuja eclosão, ainda antes do atentado de Sarajevo, se adivinhava iminente… Não vos vou contar a história passada na sua maior parte em Davos, no microcosmos de um sanatório povoado por médicos, enfermeiros e tuberculosos. Uma imagem de um mundo doente naquele ano de 1912. E a omnipresença da montanha, que vemos na fotografia.
Ao longo do tempo fui, instintivamente, evitando reler a obra que, em 1924, terá motivado a atribuição do Nobel a Mann. Há semanas, num alfarrabista que funciona no Palácio da Independência, apareceu-me pela frente o feiticeiro livro da minha adolescência. Por três euros, recuperei esses dias quentes de há décadas atrás, nas centenas de páginas abrigadas pela capa amarela e verde, concebida pelo Bernardo Marques, na edição da colecção «Dois Mundos» dos Livros do Brasil. Li-o mais uma vez, agora com os olhos auxiliados por óculos e com a cabeça com menos cabelo, mas atafulhada de saberes e de experiências (a maior parte deles inúteis) de cuja existência, aos dezasseis anos nem sequer suspeitava. E não é que o velho se emocionou dando razão ao garoto?
É, de facto um livro admirável, uma lição de bem escrever, de efabular sem um fio ficcional muito definido (a tal falta de enredo que os gandulos detectaram). Só notei uma falha que in illo tempore me escapou – a tradução brasileira, embora revista para a norma portuguesa, não me parece de grande qualidade. Feliz de quem saiba alemão e possa aceder ao verbo do velho Thomas sem intermediários – directamente do produtor ao consumidor!
Sei que nos anos oitenta se fez um filme alemão em que, entre outros, entravam o Rod Steiger e o Charles Aznavour. Julgo que se fez também uma série televisiva. Não vi nem um nem outra e parece que fiz bem. Há coisas com que não se brinca.
Nada direi sobre a história, o enredo, o entrecho. É muito volátil e quase irrelevante, pois as grandes linhas de força da obra de Mann são as eternas preocupações do ser humano – o amor, o temor e a consciência da inevitabilidade da morte, a insustentável leveza da humanidade que transportamos em nós, sempre pronta a regredir ao dealbar dessa humanidade. E, também, o carácter subjectivo que o espaço e o tempo assumem; tão diferentes que, em geral, as mesmas coisas são vistas por um adolescente e por ancião. E tão iguais, como me aconteceu com a imperecível beleza da «Montanha Mágica». O jovem e o velho estão de acordo num aspecto – Mann, na sua «Montanha Mágica», ensina-nos que um ser humano transporta em si toda a simples complexidade do Universo.