Quarta-feira, 22 de Dezembro de 2010

Norberto Ávila - algum teatro


António Gomes Marques

Recentemente, recebi um «e-mail» do meu amigo Norberto Ávila, que conheci na Divisão de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura há cerca de 33/34 anos, sendo eu então Presidente da Direcção da APTA - Associação Portuguesa do Teatro de Amadores, ao qual respondi, pela mesma via, com um comentário. Eis o conteúdo de um e outro:
---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Norberto Ávila 
Data: 8 de maio de 2010 17:08
Assunto: Norberto Ávila / ALGUM TEATRO
Para: agomesmarques@gmail.com
– Se lhe parece que os teatros deste País (Nacionais, Municipais, Independentes ou Amadores que sejam) deveriam, mais frequentemente, incluir nos seus repertórios obras de autores portugueses,
– se reconhece que, em tempos difíceis, é menos recomendável o recurso a direitos de autor estrangeiros,
– se considera que Norberto Ávila é um dos autores teatrais que merecem ser mais representados em Portugal (depois de 50 anos de trabalho dramatúrgico e uma ampla carreira internacional),
– se concorda que a ficção teatral poderá ser de tão agradável leitura quanto a ficção narrativa,
– participe na divulgação da seguinte notícia:


De: António Gomes Marques [mailto:agomesmarques@gmail.com]
Enviada: domingo, 9 de Maio de 2010 22:22
Para: oficinadescrita@gmail.com
Assunto: Norberto Ávila / ALGUM TEATRO

Meu Caro Norberto

Vi com muita alegria a publicação da tua obra teatral pela Imprensa Nacional; infelizmente, a editora, pelo preço que fixa, não parece muito interessada na venda dos mesmos. Eu próprio, que não posso dizer que vivo mal, tive de esperar pela Feira do Livro para adquirir um ou dois volumes (na próxima semana) da tua obra teatral, embora já tenha alguns dos livros que foste publicando, como sabes, podendo mesmo dizer que, enquanto Presidente da Direcção da Associação Portuguesa do Teatro de Amadores promovi a publicação da tua obra mais representada em Portugal e no Estrangeiro, As Histórias de Hakim, em Fevereiro de 1978, quando as editoras não se mostravam dispostas a publicar teatro, como hoje também não se mostram. É o país que temos e tu conhece-lo bem.
Este «e-mail» vai para uma quantidade enorme de amigos, lembrando-lhes que há um Teatro Português. Quanto às Companhias de Teatro, o problema é outro, ou melhor, os problemas são muitos. Quando a regra de atribuição de subsídios às Companhias se altera de modo a servir uma determinada pessoa, quando há um «lobby» que todos nós, os que ao teatro estão atentos, conhecemos, a esperança de ver mais teatro português vai desaparecendo. Por outro lado, é muito mais fácil ir ver algumas peças ao estrangeiro e depois encená-las em Portugal do que pegar numa peça que ainda ninguém encenou e apresentá-la ao público.
Não vou escrever mais, conheces-me e podes contar comigo para sessões de divulgação dos livros agora publicados, há associações abertas a esta colaboração.
Recebe o abraço amigo do

Gomes Marques
PS - Em Dezembro passado, estive de novo na tua Angra do Heroísmo e gostei muito de voltar, depois de cerca de 15 anos ou mais.
Mas quem é este autor?

NORBERTO ÁVILA nasceu numa das mais lindas cidades de Portugal, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira - Açores, a 9 de Setembro de 1936. A sua paixão pelo teatro levou -o a frequentar, de 1963 a 1965, a Universidade do Teatro das Nações, em Paris. Criou e dirigiu a revista Teatro em Movimento (Lisboa, 1973-75). Chefiou a Divisão de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura por um período de 4 anos, cargo que abandonou em 1978, trocando uma vida estável, com ordenado garantido pela aventura da escrita, a que, a partir de então, se tem dedicado com verdadeira paixão e grande qualidade, escrita essa mais dedicada ao teatro do que à prosa e à poesia.
A sua produção é notável, com cerca de 30 peças de teatro, a parte mais significativa da sua obra, 3 romances e um livro de poesia.
Traduziu obras de Jan Kott (o polémico Shakespeare, nosso contemporâneo, uma edição da velha Portugália Editora, em 1968), Shakespeare, Tennessee Williams, Arthur Miller, Audiberti, Husson, Schiller, Kinoshita, Valle-Inclán, Fassbinder, Blanco-Amor, Zorrilla e L. Wouters.
Estendeu também a sua actividade à Televisão (Canal 1 da RTP), dirigindo uma série de programas quinzenais - Fila 1 - retratando a actividade tetaral em Portugal, na década de 80 do século passado.
Curiosamente, lembrando o velho ditado «santos da casa não fazem milagres», a obra teatral de Norberto Ávila é mais representada no estrangeiro, em países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Coreia do Sul, Croácia, Eslovénia, Espanha, França, Holanda, Itália, República Checa, Roménia, Sérvia e Suíça., do que em Portugal. «As Histórias de Hakim», peça infantil editada pela APTA em 1978, é talvez ainda a peça de Norberto Ávila mais representada nos 4 cantos do Mundo, com traduções em alemão, francês e espanhol, e que, curiosamente, teve a sua primeira representação no velho Teatro Monumental (já desaparecido), na temporada de 1969-1970,.
Parece-nos oportuna esta edição da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, desejando nós que agora, já que não temos companhias de teatro e encenadores com coragem, os leitores se debrucem sobre este excelente autor, merecedor do reconhecimento dos portugueses.
António Gomes Marques
publicado por João Machado às 16:00
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Sexta-feira, 12 de Novembro de 2010

Teatro em Portugal / Teatro Português (1)* - por António Gomes Marques

I
Começo por fazer uma declaração: não vivo do teatro, nem espero vir a viver! E continuo com uma pergunta que, várias vezes, tenho feito a mim mesmo: seria mais feliz se do teatro vivesse? Não sei a resposta certa, mas uma certeza eu tenho: em Portugal, a trabalhar no teatro, dificilmente viveria como vivo.

Gosto de fazer o que tenho feito ao longo de várias décadas para ganhar a vida, como é uso dizer-se, mas talvez gostasse mais de fazer teatro!

Concluindo esta questão, presto a minha homenagem àqueles que ao teatro se têm dedicado no nosso país, fazendo disso profissão e que, naturalmente, tiveram mais coragem do que eu para prescindirem de algumas facilidades que outra profissão melhor remunerada lhes poderia proporcionar.

Uma outra questão, que é para mim fundamental, tem a ver com a razão que originou a minha paixão pelo teatro e que só consigo justificar com o facto de o teatro conter todos os meios de expressão artística, sejam musicais, pictóricos, plásticos e até arquitectónicos. Com tais meios de expressão, o teatro torna-se uma arte total, capaz de representar uma universalidade de temas que têm a ver com o homem e com o mundo.

Haverá quem pense o teatro, essencialmente, como a arte do actor, o que, hoje, não me custa a aceitar. Se tivesse oportunidade de ser encenador, julgo que procuraria fazer um teatro em que predominaria a luz branca e o preto das cortinas, evidenciando sobretudo a representação do actor, para a qual procuraria chamar a atenção do espectador. Mas deixemos o sonho, que necessitaria de uma outra explicação que não cabe agora aqui.

Há ainda, para além de muitos outros, dois aspectos fundamentais que me apaixonam: o teatro é fruto de um trabalho colectivo, até mesmo com um encenador autoritário, e é uma arte que não dispensa o público. Distingue-se particularmente do cinema, pela renovação constante de espectáculo para espectáculo, ou seja, no teatro não há dois espectáculos iguais, mais diferente ainda se assistirmos a um mesmo texto em épocas diferentes, se esse mesmo texto for interpretado por diferentes encenadores e diferentes actores (isto também pode acontecer no cinema), é um espectáculo em que basta a mudança dos públicos que a ele assiste para se estar perante um espectáculo renovado. É um espectáculo que, para se concretizar, exige uma rigorosa investigação e posterior experimentação, até pela consciência que se deve ter de que se trata de uma arte em que a sua necessária unidade está permanentemente ameaçada.


II

Como intitulei esta comunicação de «Teatro em Portugal / Teatro Português», vou agora falar do fazer teatro em Portugal.

Dizia Almeida Garrett: «Teatro: Livro dos que não têm livros». No Portugal de hoje, em várias zonas do país, particularmente no interior do país, poder-se-ia continuar a utilizar tal expressão; no entanto, penso que se está na situação de poder dizer-se que os portugueses aí residentes têm acesso a quaisquer tipos de livros, sendo hoje mais fácil encontrar um livro numa biblioteca municipal do que assistir a um espectáculo de teatro, o que me parece dar uma ideia do que é o teatro em Portugal.

Antes e depois do 25 de Abril, durante 10/15 anos após esta data, foi o teatro de amadores que colmatou esta falta de teatro em muitos dos concelhos do país, estando o teatro profissional, sobretudo por razões económicas, confinado a algumas das maiores cidades do país, não tendo valor estatístico, por tão poucas, as companhias que tentaram remar contra a maré e as autarquias, salvo raríssimas excepções, também não se mostraram muito interessadas em levar o teatro ao povo. «… é povo, quer verdade», escreveu Garrett, o que para alguns políticos do nosso país não deixa de ser assustador. E será talvez o momento de voltarmos aos ensinamentos de Almeida Garrett, particularmente ao que ele escreveu na Memória ao Conservatório Real.

Poderia continuar a citar Almeida Garrett com a certeza de que não há melhores palavras para explicitar o drama que continua a viver o teatro em Portugal, quando são passados quase 156 anos sobre a sua morte (9/Dez/1854). Ainda há bem pouco tempo pude verificar como as suas propostas incomodaram muita gente responsável pela administração de um projecto intermunicipal em que participei.

Ora, a arte efémera que é o espectáculo de teatro obriga a que as produções sejam particularmente cuidadas, já que o espectáculo de teatro se alimenta do instante e vive do entusiasmo sempre novo. Para isso, os criadores conseguiram no apoio político municipal e sobretudo estatal o suporte económico para implantar os seus variados projectos, todos discutíveis, excelentes uns, bons outros e também alguns medíocres. A seguir ao 25 de Abril pensou-se «agora é que é!», tudo levando a crer que se tinham juntado as vontades indispensáveis para que o sonho se tornasse realidade.

É o momento para perguntar: que realidade temos nós, portugueses, vivido no que ao teatro respeita?

Em alguns dos programas para as legislativas, os dois principais partidos propunham-se atingir a meta de 1% do Orçamento de Estado para a cultura, o que era o retomar de uma meta antiga fixada pelo PS, mas nunca conseguida. Na verdade, houve um Governo PS que, em 2002, atingiu os 0,7%, mas, por exemplo, em 2005, os 0,6% aprovados representavam, em termos absolutos, um montante para a cultura inferior ao de 2001: 285 milhões de euros contra 294 e, agora, ao que parece, não chega a 0,35%. Quando há que fazer cortes, logo os vários Governos se têm lembrado de cortar no orçamento previsto para a Cultura, quer nas despesas de funcionamento, quer nas verbas previstas para o investimento. A vergonha do que recentemente se passou no Ministério da Cultura, com a justificação da crise que vivemos, que vale para tudo, é bem elucidativa do que pensam os governantes portugueses sobre o necessário desenvolvimento cultural do país, apesar da confissão de José Sócrates, após o fim da última legislatura, quando disse que um dos seus erros havia sido o não ter investido mais na cultura (as palavras não terão sido estas, mas o sentido foi este).

É minha convicção que a cultura é um dos itens fundamentais do desenvolvimento de qualquer país, mas desse a cultura votos e outro galo cantaria. É o momento de lembrar a esses liberais ansiosos por ocupar o poder, sempre a atirar-nos números para cima, que o sector da cultura, em Portugal, representa já 2,8% do PIB, prova clara do seu dinamismo e das potencialidades que mostra para o futuro. O próprio crescimento do emprego nas actividades culturais deveria fazer-nos pensar, sobretudo aos governantes. Este dinamismo não acontece apenas em Portugal, acontece também na União Europeia, como acontecerá noutros continentes, o que me parece demonstrar que não se trata de um fenómeno conjuntural.

O desenvolvimento cultural de um país é também sinónimo de desenvolvimento de qualificações, de que o nosso país tão carecido anda. Basta atentar nas qualificações que eram exigidas para a maioria dos empregos que se tem vindo a perder e nas qualificações que se exigem para os empregos que se vão criando e logo se concluirá pela necessidade de tal desenvolvimento cultural.

Claro que o Estado, através de todos os Governos, lá vai dando algum dinheiro para a cultura, nomeadamente para apoio ao teatro.

Que é insuficiente, todo o mundo o diz, mas interessa saber como esse pouco é distribuído.

Considero também que a tarefa dos vários titulares do Ministério da Cultura não é fácil e, das conversas que tive com alguns deles, disso fiquei consciente.

A cultura, pelo menos no nosso país, é propensa à criação de vários lóbis e o teatro não foge ao que já parece ser uma regra, péssima regra que contribui ainda mais para a incorrecta distribuição dos poucos dinheiros para os vários apoios.


*- Comunicação ao I Congresso sobre o Estado do Teatro em Portugal
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Quinta-feira, 2 de Setembro de 2010

Apresentando Hélder Costa


Hélder Costa nasceu em  Grândola. Estudou Direito nas universidades de Coimbra e de Lisboa. Em Coimbra fez parte do CITAC. Em Paris, onde estudou Teatro, fundou o "Teatro Operário de Paris". Regressou a Portugal em 1974 Actor, dramaturgo e encenador, dirigiu cursos de Arte Dramática. É o director do Grupo de Teatro " A Barraca".

Principais obras: : Liberdade, Liberdade, Lisboa, 1974; O Congresso dos Pides e Um Inquérito, in "Ao Qu'isto chegou", 1977; A Camisa Vermelha, Coimbra, 1977; Três Histórias do Dia-a-Dia (O Jogo da Bola, A Sorte Grande, A Vaca Prometida), 1977; Histórias de fidalgotes e alcoviteiras, pastores e judeus, mareantes e outros tratantes, sem esquecer suas mulheres e amantes: sobre textos de Gil Vicente e Angelo Beolco, o Ruzante, Lisboa, 1977; Zé do Telhado, Coimbra, 1978; D. João VI, Coimbra, 1979; Teatro Operário: 18 de Janeiro de 1934, Coimbra, 1980; É Menino ou Menina (dramaturgia composta a partir de textos de Gil Vicente), Lisboa, 1981; Um Homem é um Homem - Damião de Góis, teatro, Coimbra, 1981; O Príncipe de Spandau, Lisboa, 1997; Marilyn, meu amor, drama original em dois actos, Lisboa, 1997; O Mistério da Camioneta Fantasma, Lisboa, 2001.O Incorruptivel, Fernão, mentes?, Bushlandia, Obviamente demito-o!, O Professor de Darwin, A Balada da Margem Sul, As peugas de Einstein (estreada no Brasil, inédita em Portugal)

Figura incontornável do Teatro português, Hélder Costa é a partir de hoje colaborador do Estrolabio, adesão que nos enche de justificado orgulho.

Bem-vindo Hélder Costa.
publicado por Carlos Loures às 20:00
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Quinta-feira, 29 de Julho de 2010

Recordando Costa Ferreira


António Gomes Marques

Conheci Costa Ferreira em 1961, ano esse que foi também o da fundação do Teatro Moderno de Lisboa, de que foi um dos societários. Desde então o diálogo foi permanente, diminuindo pouco a pouco nos seus últimos cinco anos de vida por a doença não permitir que fosse de outro modo. Apesar de tudo, ainda lhe ouvimos algumas palavras alguns dias antes de ter expirado. Morreu a invocar os seus pais e rodeado do casal que mais o acarinhou nos últimos 40 anos, a Otília e o Manuel. Eram 16 horas do dia 29 de Julho de 1997, completando-se, agora, 13 anos sobre o seu falecimento. Não temos qualquer dúvida de que, se não fossem os cuidados da Otília e do Manuel, o António Joaquim da Costa Ferreira nos teria deixado bem mais cedo. No dia 10 de Junho desse ano havia completado 79 anos.

O lema da vida de Costa Ferreira pode resumir-se numa afirmação de seu pai, o General Costa Ferreira, que o dramaturgo, encenador e actor transcreve nas suas memórias, Uma Casa com Janelas para Dentro: «...não tenho a pretensão de endireitar o mundo, mas sim o firme propósito de não me deixar entortar..».

Volto a reler as cartas que, regularmente, me escrevia para Moçambique, onde cumpria o serviço militar obrigatório na guerra colonial. A Frelimo, em dado momento, havia-se aproximado da localidade onde me encontrava e, do facto, dei conhecimento ao Costa Ferreira, logo ele concluindo, naturalmente, que a minha segurança poderia correr perigo, temendo também o meu amigo que eu não soubesse defender-me contra os que lutavam pela libertação do seu país. Atente-se no que Costa Ferreira me escreveu, na sua carta datada de 22/2/970:

«Eu só senti pessoalmente o perigo físico uma noite em Paris e há cerca dum ano aqui em Lisboa no tremendo tremor de terra. Traumatizado, nas noites que se seguiram tinha para adormecer que fazer a aceitação da minha impotência. O seu caso é outro: v. tem de se aceitar como elemento irresponsável dum mecanismo social que o transcende e como peça dum mecanismo funcionar mecanicamente para se defender, matando se for preciso. Em Paris esqueci-me de dizer que fugi, não como uma lebre, o que seria vaidade, mas como um urso que também é capaz de correr bastante. Aí é diferente, você e a sua arma fazem um conjunto que não vale a pena criticar e que tem de ser eficiente para que a peça não se estrague. Não será nunca v., ser pensante e responsável, quem mata, mas o mecanismo no qual v. está integrado. Perante essas circunstâncias tem o dever para consigo próprio de se defender. Mentalmente aceite a situação imaginando as consequências todas, mesmo as humanamente mais repugnantes. A consciencialização dentro dum raciocínio materialista é sempre o caminho certo. Estou convencido que você como indivíduo no meio social em que é obrigado a viver só pode inteligentemente ter esta atitude.»

A transcrição foi longa mas bem demonstrativa da formação filosófica e política de Costa Ferreira, sustentáculo da coragem de que sempre deu provas nas mais variadas situações.

Desde a mais tenra idade, Costa Ferreira tinha a paixão do teatro. Viria, no entanto, a licenciar-se em Junho de 1943 em Ciências Histórico-Jurídicas por amor de seus Pais, tranquilizando-os assim. A sua paixão poderia agora realizar-se com mais facilidade, a sua felicidade poderia agora tornar-se possível dado que não traria tanta preocupação àqueles que mais amava, sendo este outro dos ensinamentos que a vida exemplar de Costa Ferreira nos dá - nunca construir a nossa felicidade à custa da infelicidade dos outros.

Após alguns anos como advogado e sempre ligado ao teatro, quer como crítico quer como actor, no teatro de amadores e no teatro experimental, quer também como autor, Costa Ferreira toma a decisão de abandonar a promissora e proveitosa carreira de advogado, com proventos equivalentes na altura ao vencimento de um Ministro, e ingressa no teatro profissional.

No teatro profissional, o carácter de Costa Ferreira vai naturalmente impor-se. Prosseguia a sua luta em busca da verdade contra os que da verdade se arrogam detentores.

Ao falar de Costa Ferreira não podemos dissociar o homem do criador. O seu comportamento ético é uma constante presença, quer se pense no cidadão ou no criador. Como criador podemos ver que o teatro está sempre presente, embora a sua incursão no campo da ficção novelística, «Uma Família e Duas Repúblicas», não deva ser esquecida e, com notável destaque, na crónica romanceada, «Uma Vida em Cinco Dias», o melhor livro que em Portugal se publicou sobre o Maio de 68, e no campo das memórias com «Uma Casa com Janelas para Dentro», que nenhum historiador que sobre o nosso século XX se debruce poderá, em nossa opinião, ignorar - obra-prima lhe chamou Carlos Porto. Foi dos autores mais representados na década de 50, período áureo do Teatro Português. É bom recordar a feroz censura que se exercia sem qualquer disfarce. Assim, para se chegar ao público, razão de ser do teatro, havia que usar de muita imaginação, mais ainda se se queria continuar independente e do lado dos que contra a ditadura continuavam a lutar. Costa Ferreira de modo algum poderia deixar de ser coerente consigo próprio. A crítica que dos mesmos ideais comungava compreendeu; críticos houve, no entanto, ligados ao regime que tentaram lançar a confusão dizendo bem. Podemos dizer que era uma forma inteligente de actuar.

Jorge de Sena, o tão brilhante e tão injustamente tratado escritor, estava entre os críticos de teatro mais exigentes e, há que dizê-lo, dos que melhor serviu o Teatro Português e o Teatro em Portugal. Mas não há bela sem senão. A amizade que o ligava a Costa Ferreira terá levado Jorge de Sena a ser mais exigente e mais exigente também por lhe reconhecer grande talento. Este facto, ligado à percepção que C. Ferreira tinha de quererem transformá-lo num dos intelectuais protegidos pelo SNI, levou-o a escrever «Os Desesperados» e «O Quarto», naturalmente proibidas pela censura e que as companhias portuguesas continuam lamentavelmente a ignorar, apresentando-nos, muitas vezes, textos sem qualidade. E para quando a reposição de «Trapo de Luxo»?

Do Costa Ferreira encenador, lembremos o que lhe disse Bernardo Santareno: «Você é sobretudo claridade». Mas essa claridade, como ele próprio disse, «era a tal janela aberta para dentro, por onde deve entrar toda a luz necessária para que as personagens se aproximem de nós e os conceitos se distanciem em noções concretas, objectivas, úteis.»

A Costa Ferreira foram prestadas algumas homenagens públicas que muito o sensibilizaram. Mas a melhor homenagem que se lhe pode prestar é representá-lo, como o fez o CDIAG, da Amascultura, levando à cena, em 1992, «Onde Está a Música?», numa encenação de Rui Mendes.

Esperemos agora a publicação das suas obras pela Imprensa Nacional, sem esquecer a notável peça de teatro, baseada numa novela de José Saramago e adaptada em parceria com este: «O Fim da Paciência», peça esta que se mantém escandalosamente inédita.


(texto de 1997 agora actualizado)

Na fotografia acima: Costa Ferreira e Armando Cortez, numa cena de «O Tinteiro», farsa de Carlos Muñiz, pelo Teatro Moderno de Lisboa, em 1961
publicado por Carlos Loures às 21:00
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