Domingo, 19 de Junho de 2011

Mãos - um poema de Sophia para o Adão que faz anos hoje

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

(para ti com um beijo)

 

(Rodin)

 

 

 

MÃOS

 

Côncavas de ter

Longas de desejo

Frescas de abandono

Consumidas de espanto

Inquietas de tocar e não prender

 

 

(in Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética I, Caminho)

. .
publicado por Augusta Clara às 19:00
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Sábado, 28 de Maio de 2011

COM FÚRIA E RAIVA, de Sophia de Mello Breyner Andresen

 

 

 

 

 

 (1919 - 2004)

 

 

 

Com fúria e raiva acuso o demagogo

E o seu capitalismo das palavras

 

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada

Que de longe muito longe um povo a trouxe

E nela pôs sua alma confiada

 

De longe muito longe desde o início

O homem soube de si pela palavra

E nomeou a pedra a flor a água

E tudo emergiu porque ele disse

 

Com fúria e raiva acuso o demagogo

Que se promove à sombra da palavra

E da palavra faz poder e jogo

E transforma as palavras em moeda

Como se fez com o trigo e com a terra 

 

 

 

 

(Junho de 1974)

 

 



 

(Retirei este poema de Os Poemas da Minha Vida, de Miguel Veiga, que este seleccionou em 2004, para a colecção editada pelo jornal Público).

publicado por João Machado às 10:00
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Quinta-feira, 19 de Maio de 2011

Alguém achou que ela era perigosa

 Catarina Eufémia

 

Só tinha um filho ao colo, mas tiveram que matá-la

 

 

 

Podia chamar-se Rosa...

 

 

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)  Catarina Eufémia

 

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não

deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método ubíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro
no instante em que morreste
E a busca da justiça continua

 

 

...e este era o mês das rosas,

 

 

Carlos Aboim Inglez (1930-2002)  Ao retrato de Catarina

 

Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos

Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta

Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido

Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas

daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura

Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 

mas chamava-se Catarina...

 

José Carlos Ary dos Santos (1937-1984)  Retrato de Catarina Eufémia

 

Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.

Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.

Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.

Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.

 

(in 10 poemas para Catarina, Oiro do Dia, Porto)

 

...e, para ela, era o das papoilas

 

 

 

publicado por Augusta Clara às 19:00
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Segunda-feira, 16 de Maio de 2011

O Secreto Rumor do Mar, por Manuel Simões.

 

 

 

 

 

 

 1

 

Não perceberás neste canto

 

de espera anunciada

 

senão a pedra áspera

 

do espanto

 

nem te chegará o som

 

da palavra reveladora

 

do que quer que seja

 

mas tão-só a humilde

 

sombra que projecta

 

a palavra e a devolve

 

à aguda aspereza do mundo.

 

 

2

 

Talvez te aflore, densa,

 

a memória da árvore

 

da qual se olhava o mundo,

 

donde se olhava tudo

 

e tudo era como nada:

 

jogo não inocente, luz

 

entre os ramos

 

por onde se filtrava o ar.

 

Soprava um leve vento,

 

o secreto rumor do mar.

 

 

 

(in A Sophia. Homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen, Lisboa, Caminho, 2007)

publicado por João Machado às 10:00
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Quinta-feira, 10 de Março de 2011

O Secreto Rumor do Mar - Manuel Simões

 

Manuel Simões  O Secreto Rumor do Mar

 

 

 

 

1

 

Não perceberás neste canto

de espera anunciada

senão a pedra áspera

do espanto

nem te chegará o som

da palavra reveladora

do que quer que seja

mas tão-só a humilde

sombra que projecta

a palavra e a devolve

à aguda aspereza do mundo.

 

2

 

Talvez te aflore, densa,

a memória da árvore

da qual se olhava o mundo,

donde se olhava tudo

e tudo era como nada:

jogo não inocente, luz

entre os ramos

por onde se filtrava o ar.

Soprava um leve vento,

o secreto rumor do mar.

 

(in A Sophia.Homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen, Lisboa, Caminho, 2007)

publicado por Augusta Clara às 19:00
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Segunda-feira, 27 de Dezembro de 2010

CARTA DE NATAL A MURILO MENDES********






 
Sophia de Mello Breyner Andresen


Querido Murilo: será mesmo possível
Que você este ano não chegue no Verão
Que seu telefonema não soe na manhã de Julho
Que não venha partilhar o vinho e o pão
Como eu só o via nessa quadra do ano
Não vejo a sua ausência dia-a-dia
Mas em tempo mais fundo que o quotidiano
Descubro a sua ausência devagar
Sem mesmo a ter ainda compreendido
Seria bom Murilo conversar
Neste dia confuso e dividido
Hoje escrevo porém para a Saudade
- Nome que diz permanência do perdido
Para ligar o eterno ao tempo ido
E em Murilo pensar com claridade -
E o poema vai em vez deste postal
Em que eu nesta quadra respondia
- Escrito mesmo na margem do jornal
Na baixa - entre as compras de Natal
Para ligar o eterno a este dia.


publicado por João Machado às 08:00
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Quinta-feira, 28 de Outubro de 2010

Dia de Lisboa - Sophia de Mello Breyner Andresen, Maluda e Dulce Pontes

e
O quadro é  de Maluda (1934-1999), o poema da Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e a voz da Dulce Pontes - três femininas visões de uma cidade (também ela feminina, segundo a opinião da maioria dos poetas).
Lisboa


Digo:
"Lisboa"
Quando atravesso - vinda do sul - o rio
E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse
Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna
Em seu longo luzir de azul e rio
Em seu corpo amontoado de colinas -
Vejo-a melhor porque a digo
Tudo se mostra melhor porque digo
Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência
Porque digo
Lisboa com seu nome de ser e de não-ser
Com seus meandros de espanto insónia e lata
E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro
Seu conivente sorrir de intriga e máscara
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência
Digo o nome da cidade
- Digo para ver

(in Poemas Escolhidos, Lisboa,  1981)


E agora a Dulce Pontes:




Amanhece em Lisboa...
publicado por Carlos Loures às 07:00
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Sábado, 16 de Outubro de 2010

Arte Poética - Sílvio Castro,Sophia de Mello Breyner Andresen e Pablo Neruda


Sílvio Castro
(Laranjais, Rio de Janeiro, 1931)

O POEMA E SEUS SENTIDOS

(exercício de falso soneto de versos brancos)


Não cinco, mais que seis sentidos são
todas as linhas primárias do poema
nascente no tempo e em seu espaço
de claridade onde sempre escorre.

O primeiro fulgor todo indistinto,
mas lampejante como a certeza
do encoberto caminho pressentido,
logo ilumina o vagar da luz insone.

Fulgor caminho corrida e luz
concorrem unidos no espaço aberto
como nuvens ácidas doces verdes.

Tudo se recolhe no edifício de
abertas janelas ao verdor de um tempo
túrgido de amor romã e aroma.

Sophia de Mello Breyner Andresen
(Porto, 1919- LIsboa, 2004)

ARTE POÉTICA V


Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado ‘Nau Catrineta’. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.
Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.
Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.
No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia sem silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.
Um dia em Epidauro – aproveitando o sossego deixado pelo horário do almoço dos turistas –coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada de mim.
Tempos depois, escrevi estes trêsversos: “A voz sobe os últimos degraus/ Oiço a palavra alada impessoal/ Que reconheço por não ser já minha”.

(De “Ilhas”).



Pablo Neruda
(Parral, 1904- Santiago do Chile, 1973)


ARTE POÉTICA


Entre sombra y espacio, entre guarniciones y doncellas,
dotado de corazón singular y sueños funestos,
precipitadamente pálido, marchito en la frente
y con luto de viudo furioso por cada día de vida,
ay, para cada agua invisible que bebo soñolientamente
y de todo sonido que acojo temblando,
tengo la misma sed ausente y la misma fiebre fría
un oído que nace, una angustia indirecta,
como si llegaran ladrones o fantasmas,
y en una cáscara de extensión fija y profunda,
como un camarero humillado, como una campana un poco
ronca,
como un espejo viejo, como un olor de casa sola
en la que los huéspedes entran de noche perdidamente ebrios,
y hay un olor de ropa tirada al suelo, y una ausencia de flores
-posiblemente de otro modo aún menos melancólico-,
pero, la verdad, de pronto, el viento que azota mi pecho,
las noches de substancia infinita caídas en mi dormitorio,
el ruido de un día que arde con sacrificio
me piden lo profético que hay en mí, con melancolía
y un golpe de objetos que llaman sin ser respondidos
hay, y un movimiento sin tregua, y un nombre confuso.

E vamos ter o privilégio de ouvir este poema dito pelo autor:





(Ilustrações de Adão Cruz)
publicado por Carlos Loures às 08:00
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Quarta-feira, 8 de Setembro de 2010

Maratona poética - - Aí estão Sílvio Castro, Sophia de Mello Breyner Andresen e Pablo Neruda.


Sílvio Castro
(Laranjais, Rio de Janeiro, 1931)

O POEMA E SEUS SENTIDOS

(exercício de falso soneto de versos brancos)


Não cinco, mais que seis sentidos são
todas as linhas primárias do poema
nascente no tempo e em seu espaço
de claridade onde sempre escorre.

O primeiro fulgor todo indistinto,
mas lampejante como a certeza
do encoberto caminho pressentido,
logo ilumina o vagar da luz insone.

Fulgor caminho corrida e luz
concorrem unidos no espaço aberto
como nuvens ácidas doces verdes.

Tudo se recolhe no edifício de
abertas janelas ao verdor de um tempo
túrgido de amor romã e aroma.

Sophia de Mello Breyner Andresen
(Porto, 1919- LIsboa, 2004)

ARTE POÉTICA V


Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado ‘Nau Catrineta’. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura.
Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.
Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.
No fundo, toda a minha vida tentei escrever esse poema imanente. E aqueles momentos de silêncio no fundo do jardim ensinaram-me, muito tempo mais tarde, que não há poesia sem silêncio, sem que se tenha criado o vazio e a despersonalização.
Um dia em Epidauro – aproveitando o sossego deixado pelo horário do almoço dos turistas –coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada de mim.
Tempos depois, escrevi estes trêsversos: “A voz sobe os últimos degraus/ Oiço a palavra alada impessoal/ Que reconheço por não ser já minha”.

(De “Ilhas”).



Pablo Neruda
(Parral, 1904- Santiago do Chile, 1973)


ARTE POÉTICA


Entre sombra y espacio, entre guarniciones y doncellas,
dotado de corazón singular y sueños funestos,
precipitadamente pálido, marchito en la frente
y con luto de viudo furioso por cada día de vida,
ay, para cada agua invisible que bebo soñolientamente
y de todo sonido que acojo temblando,
tengo la misma sed ausente y la misma fiebre fría
un oído que nace, una angustia indirecta,
como si llegaran ladrones o fantasmas,
y en una cáscara de extensión fija y profunda,
como un camarero humillado, como una campana un poco
ronca,
como un espejo viejo, como un olor de casa sola
en la que los huéspedes entran de noche perdidamente ebrios,
y hay un olor de ropa tirada al suelo, y una ausencia de flores
-posiblemente de otro modo aún menos melancólico-,
pero, la verdad, de pronto, el viento que azota mi pecho,
las noches de substancia infinita caídas en mi dormitorio,
el ruido de un día que arde con sacrificio
me piden lo profético que hay en mí, con melancolía
y un golpe de objetos que llaman sin ser respondidos
hay, y un movimiento sin tregua, y un nombre confuso.

E vamos ter o privilégio de ouvir este poema dito pelo autor:





Às duas em ponto, chegam, além de Nicolas Boileau, José Saramago, Josep Anton Vidal e Hélia Correia.
publicado por Carlos Loures às 01:00
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