(Enviado por Júlio Marques Mota)
A dolorosa derrota socialista e social-democratas nas eleições europeias continua a ser, sobretudo, um mistério. A mais óbvia razão para que a esquerda devesse ter saído vitoriosa é, naturalmente, o fracasso da ideologia neoliberal segundo a qual os mercados funcionam melhor sem regulamentação. O colapso do sistema financeiro, ajudou a que todos compreendessem que esta ideologia dominante durante mais de um quarto de século está agora ultrapassada.
O programa tradicional socialista - economia keynesiana e regulamentação dos mercados – em condições de recolher votos, deveria ter logicamente conduzido à vitória eleitoral da formação de esquerda. Mas não foi isto que aconteceu. A razão para este paradoxo está, simplesmente, no facto de os líderes da direita na Europa, por exemplo, o Presidente francês, a chanceler alemã e os primeiros-ministros da Suécia e da Dinamarca terem começado imediatamente a empenharem-se nesta via quando a crise atingiu o seu país e ultrapassaram assim os socialistas tendo-lhes deixando pouco espaço de manobra.
É ainda mais difícil de compreender o fracasso da esquerda quando se sabe que todos os trabalhos de investigação em epidemiologia social são hoje concordantes em considerar em que as desigualdades sociais e económicas ameaçam globalmente o bem-estar da sociedade. De acordo com os trabalhos de Richard Wilkinson e Kate Pickett, amplamente divulgados, por exemplo, quanto mais uma sociedade é inigualitária mais os problemas sociais são numerosos e devastadores. Um dos mais interessantes apontamentos do seu último livro, The Spirit Level (Penguin Books), é que a desigualdade não afecta apenas os menos abastados estratos da sociedade, mas também a classe média.
Por exemplo, é sabido que as crianças cujos pais têm um bom nível de instrução tem muitas mais possibilidades de terem sucesso na escola. No entanto, esses estudos mostram que, mesmo entre crianças de famílias com mais formação, as crianças que vivem nos países de mais igualdade são mais cultas. Do mesmo modo, o risco de ser atingido por um a doença mental é cinco vezes maior nos países da OCDE com mais desigualdade do que nos outros. Para todas as classes sociais, a esperança de vida é maior nas sociedades mais igualitárias.
Wilkinson e Pickett mostram que a esperança de vida, a mortalidade infantil, o baixo peso ao nascer, e a auto-avaliação da saúde têm sido muitas vezes mais desfavoráveis em sociedades de maior desigualdade . A lista poderia alongar-se. A raiz do problema é que não só os pobres, mas toda gente parece ter interesse para viver em sociedades de menor desigualdade quando se trata de saúde e bem-estar. Do mesmo modo, a desigualdade no local de trabalho é um dos principais males sociais. A falta de responsabilidade e de meios de acção no local de trabalho é claramente prejudicial para a saúde e reduz a expectativa de vida por vários anos.
Pode acrescentar-se que o programa neoliberal, em que o aumento das desigualdades se iria traduzir num maior crescimento económico, tem-se revelado incorrecto. Mesmo excluindo a Noruega, rica em petróleo, os outros três países nórdicos, que têm programas de protecção social comparativamente alargados, e elevados níveis de tributação, têm bons resultados em termos de crescimento económico.
O enigma continua pois a ser total : porque é que os partidos de esquerda foram pois incapazes de questionar politicamente estes resultados eleitorais ? A redução das desigualdades económicas sociais nos diferentes sistemas de protecção social, de serviços sociais e de qualidade do ensino público aparecem agora como a factura que se faz pagar. Isto tem sido, tradicionalmente, a estratégia da esquerda e as críticos desta ideologia feita pelos neoliberais já não pega, hoje. Perante o colapso dos mercados financeiros, a derrota da ideologia neoliberal e perante os muitos estudos a evidenciarem as vantagens de uma maior igualdade social e económica, a esquerda deveria ter simplesmente ganho as eleições.
A razão para esta falhanço não é tão óbvia. Uma possibilidade é o abandono pela esquerda na Europa do seu mais antigo e mais próximo aliado, o projecto de uma política baseada na ideia das Luzes "em simultâneo com a sua ideia da existência de" o homem universal "e assim da ideia dos direitos humanos universais. Em vez disso, as prioridades políticas dos partidos de esquerda tornaram-se dominadas por um pensamento post-modernista, anti-empirista e intelectualmente obscuro. Este pensamento parece incapaz de imaginar que uma política pode ser baseada numa combinação de visões ideológicas do que é normativamente bom e de estudos empíricos sobre o que é possível concretizar na realidade.
Da mesma forma, a esquerda abandonou amplamente a ideia de uma política baseada nos direitos humanos universais, e foi ultrapassada pelo chamada " política identitária ". Em vez de prosseguir uma política "para todos", a esquerda tornou-se um conglomerado de forças que se cansa a fazer sublinhar os interesses dos diversos grupos cujos membros se sentem oprimidos por causa da sua identidade comum e marginalizados, quer se trate de raça, religião, orientação sexual, género, interesses culturais, problemas de deficiência física e mental, etc.
Quase por definição, a política identitária é anti maioritária e é factor de divisões. Assim, este tipo de política cria, de facto, uma maioria contra ela própria, uma vez que se apoia numa ideologia que coloca em primeira linha a mobilização política contra a maioria. Também é muito difícil construir uma maioria política sobre a "adição" das políticas identitárias, uma vez que, na realidade, estes grupos têm muito pouco em comum.
Assim, os homossexuais têm pouco a partilhar com a maioria dos imigrantes do Médio Oriente, que, por sua vez, tem poucas possibilidades de alargar as suas exigências às políticas formuladas por pessoas que sofrem de obesidade, por exemplo. As injustiças e a marginalização sentida pelos diferentes grupos são específicas para cada grupo, e não podem ser generalizadas para outros grupos.
A consequência prática é que a prioridade acordada anteriormente pela esquerda aos programas sociais universais, foi substituída por programas direccionados aos "grupos identitários" específicos. Assim, a política de esquerda, em vez de juntar, de unir, tornou-se anti maioritária. Em conclusão, a viragem post-modernista do pensamento político da esquerda tem marginalizado o seu projecto político tradicional, e foi isto que a levou a esta surpreendente derrota.
Bo Rothstein, L’abandon de la lutte contre les inégalités explique l’échec des socialistes européens, Le Monde 27 de Junho de 2009
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