Lendo o discurso que, no passado dia 15 de Março, o presidente da República pronunciou na cerimónia de homenagem aos combatentes por ocasião da passagem do 50º aniversário da Guerra Colonial, acto realizado no Forte do bom Sucesso, e passando por alto o estilo cinzento, não pude deixar de notar que sempre se referiu ao conflito como «guerra do Ultramar» e que deixou um conselho para a «geração à rasca»: Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do País com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar».
E pensei como é incómodo, após uma revolução em que teoricamente banimos o Estado Corporativo, o fantasma do salazarismo nos surja pela boca do mais alto magistrado da República. Mas , pensando bem, nada tem de estranho – a genealogia do P.S.D. passa pela União Nacional e pela Acção Nacional Popular – Os fundadores, Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão, Miller Guerra, Mota Amaral, eram homens do regime salazarista – queriam modernizar o Estado Novo, reformá-lo a partir do interior, adequá-lo á nova realidade europeia onde os autoritarismos davam mau aspecto.
A designação que o partido que continuou a UN/ANP após o 25 de Abril, adoptou era aceitável – Partido Popular Democrático, pois “popular” e “democrático” são adjectivos tão usados da extrema-direita à extrema-esquerda que perderam todo o sentido, Aquela com que foi rebaptizada - Partido Social-Democrata só pode nascer de duas coisas – ignorância ou má-fé (desejo deliberado de enganar) – e não acredito que tenha sido por ignorância.
Sabe-se que a social democracia, definida em poucas palavras, é a ideologia marxista que propugna a transição do capitalismo para o socialismo através de uma evolução gradual do sistema, por oposição aos que defendem a imprescindibilidade de uma revolução para que tal transformação se produza. A Internacional Socialista elegeu a social-democracia como forma ideal de atingir a sociedade socialista, privilegiando a acção política em detrimento da tese do marxismo ortodoxo que confiava em que a degradação do capitalismo conduziria à Revolução Socialista, liderada pelo proletariado.
Em suma, teoricamente, o Partido Socialista é social-democrata. De facto, no PS há ainda uma elite de defensores da social-democracia. Porém, como sabemos, o partido está dominado por uma clique sem ideologia que usa a palavra socialismo de forma litúrgica, vazia de qualquer sentido verdadeiramente social-democrata. A última coisa que essa gente quer, seja através de Marx ou Lenine, ou do «revisionismo burguês» de Bernstein e Kautsky, é o advento do socialismo. Mas considerar que gente vinda do salazarismo pode ser designada por social-democrata é para rir (ou para chorar).
Ter um presidente da República Portuguesa como Aníbal Cavaco Silva, que nem sequer esconde a matriz ultra-conservadora do seu pensamento é uma consequência da promiscuidade que reina na classe política. Podendo acontecer que em próximas eleições legislativas, antecipadas ou não, este partido que vem na sequência da União Nacional e da Acção Nacional Popular, forme governo.
Salazar e Caetano podiam perfeitamente ter concedido a «democracia» ao povo português. Podiam perder algumas eleições, mas acabariam por chegar ao poder. Uma parte relevante das oposições não queria igualdade, justiça social, abolição de privilégios e tudo o que caracteriza uma sociedade socialista. Apenas queriam o direito de livre expressão. Sem polícia política, sem organizações patrioteiras, sem o mau aspecto que tudo isso dá, aí os temos espalhados pelo leque partidário.
Mais uma vez, alguma coisa mudou para que tudo ficasse na mesma.
Nota introdutória do autor
Neste momento em que o Partido socialista procura reconstruir-se, em que procura renovar as suas relações ao mesmo tempo respeitosas e eficazes com o mundo intelectual, não é inútil tentar delimitar o que pode contrariar esta consolidação há tanto tempo esperada.
Há já muito tempo que os responsáveis do PS tinham colocado na sua rúbrica de perdas e ganhos a herança marxista que tinha fornecido as bases teóricas da refundação de Epinay. Quem é que pensa hoje constituir um “aliança de classes ” permitindo “romper com o capitalismo " ? O problema, é que estas noções, incontestavelmente discutíveis, foram abandonadas sem terem sido discutidas, na sequência de uma deriva gestionária bem clara tanto nas práticas como nos discursos. E quando o socialismo elimina do pensamento o conceito de exploração ,de dominação de classes e de alienação, passa a ser apenas uma sombra de si-próprio .
(Enviado por Júlio Marques Mota)
Tal como o crime, o teorema era quase perfeito. A direita é o campo do capital, ou seja, do capitalismo. Dado que este está em crise, a direita está igualmente em crise. A esquerda só podia, por conseguinte, ganhar as eleições europeias. Problema: em toda a União, os eleitores votaram com o seu boletim de voto contra a esquerda social-democrata. Será porque os 21 governos de direita não gerem a crise assim tão mal como isso? Sem dúvida. Mas isto não explica tudo, dado que na Alemanha, onde os dois partidos estão no poder, a CDU obtém uma votação bem superior à do SPD. É assim, porque a esquerda não é credível. Quer porque, feito o balanço, este não está a seu favor, quer porque não encarna o futuro. Duas hipóteses que se reforçam, mais do que se excluem.
A primeira é apenas demasiado evidente: a esquerda não gere melhor que a direita. Prova-o a situação catastrófica da Espanha, da Grã-Bretanha e de Portugal, dirigida por socialistas. Sobretudo, o facto de os partidos conservadores serem a emanação política das teses liberais não poderá ocultar que a social-democracia, por oportunismo ou contradição intelectual , não deixou, nestas últimas décadas, de se adaptar à famosa “ lei do mercado”.
É certo: temos o exemplo britânico, que ninguém encarna melhor do que Gordon Brown, principal artesão da desregulação durante os seus dez anos passados no Ministério das Finanças. Hoje o sistema está a romper pelas costuras. Ver os membros do Parlamento outrora mais respeitado do mundo a sujar as mãos no dinheiro como vulgares escroques da City ilustra até à caricatura a deriva dos anos Blair.
A esquerda anglo-saxónica não é a única a ter-se deixado seduzir pelas sirenes liberais. Mesmo os alemães caíram na mesma situação. Como o mostram os votos na Die Linke (a Esquerda – novo partido alemão – com 7,5% dos votos) e no do SPD (20,8%), a mais baixa votação desde a Segunda Guerra mundial, a esquerda alemã nem sempre fez o balanço dos anos Schröder. Deve ela felicitar-se com a ideia de que a política liberal do antecessor socialista de Angela Merkel voltou a dar à Alemanha a sua competitividade de outrora ou, pelo contrário, deve julgar demasiado pesado o preço pago: desenvolvimento do trabalho precário e emergência de trabalhadores pobres a Ocidente? O SPD não se distinguiu melhor que o seu homólogo francês.
No entanto, o PS dispõe de uma declaração de princípios, adoptada em Junho de 2008. Um documento importante, dado que o partido só se deu a este tipo de exercício por cinco vezes desde 1905. Pode ler-se aí que «ser socialista, é não se satisfazer com o mundo tal como ele é». Ou ainda que «os socialistas fazem uma crítica histórica do capitalismo, inventor das desigualdades, portador de irracionalidade , factor de crises». Mas este documento foi redigido bastante à pressa, em três reuniões. Resultado: tão depressa foi publicado, tão depressa foi esquecido.
Sobretudo, como não sublinhar as contradições do texto e certas reformas conduzidas pelos socialistas? Quem liberalizou os mercados de capitais? Pierre Bérégovoy, ministro das Finanças de François Mitterrand de 1988 à 1991. Quem tornou mais atractiva a fiscalidade sobre as stock-options? Dominique Strauss-Kahn, titular da mesma pasta dez anos depois. Quem, em 2000, julgava que era necessário reduzir o imposto sobre o rendimento, mesmo sobre o dos mais ricos «a fim de evitar a fuga ou a desmotivação dos contribuintes de rendimentos mais elevados»? Laurent Fabius, nas mesmas funções. Que pensa o PS destas reformas? Que elas contribuíram para o sucesso internacional dos grupos franceses e por conseguinte para a grandeza do país? Que são necessários compromissos com o capitalismo que nos rodeia? Que elas participaram nos excessos da finança e no crescimento das desigualdades? Ninguém o sabe. A relação da esquerda com o dinheiro permanece no domínio do ainda não questionado, do não reflectido. Daí a indisposição de numerosos eleitores e militantes. Como por toda a parte na Europa.
Felizmente para ela, a esquerda francesa não conheceu escândalo comparável ao do SPD, quando Schröder passou a ser um (dos ricos) dirigentes de Gazprom, menos de um mês depois de ter deixado o poder. Apesar de tudo, certos percursos individuais de ministros ou de seus conselheiros que estão à cabeça de grandes organismos internacionais ou de grandes empresas privadas (Capgemini, Casino, Cetelem, Lazard, amanhã França Telecom…) baralham as fronteiras entre a esquerda e a direita e desestabilizam a opinião pública.
Tendo em conta o comportamento «de cada um para si» que reina no Partido Socialista, francês, como não pensar que, para numerosos líderes socialistas, o exercício do poder é vivido mais como um acelerador de carreira pessoal do que como uma missão recebida de eleitores preocupados com as mudanças colectivas? Não é por acaso se, apesar dos limites evidentes do simpático apoio, numerosos eleitores de esquerda deram o seu apoio a uma lista conduzida por um eterno rebelde que não ambicionará a chefia do Governo e a um magistrado símbolo da luta contra o dinheiro louco.
Durante vinte anos (1988-2008), a social-democracia pôde, em nome da construção europeia e do euro, fazer aceitar o liberalismo em nome do federalismo. O menos Estado mas mais Europa. Este ciclo conclui-se e, como o prova o empenhamento de certos socialistas em defesa de José Manuel Barroso, a esquerda europeia já não tem nem líder nem programa credível. E nada indica que o rosa e o verde se combinem harmoniosamente.
(LE MONDE | 16.06.09 )
Carlos Loures
No pórtico do seu livro “O Pós Socialismo” (“L’Après socialisme”, Paris, 1980) que recentemente reli, quase trinta anos depois de ter sido editado em Portugal), dizia Alain Touraine: «O Socialismo está morto. A palavra figura por todo o lado, nos programas eleitorais, no nome dos partidos e mesmo dos Estados, mas está vazia de sentido». Este reputado sociólogo francês, criador do conceito de sociedade pós-industrial, propõe uma acção apoiada, não em partidos ou em sindicatos, mas sim em movimentos sociais.
Note-se que Touraine fazia esta afirmação antes de, na Europa, a grande ofensiva dos partidos socialistas ter tido lugar - em 1981, François Miterrand vencia as eleições presidenciais francesas e Andreas Papandreu as legislativas da Grécia; em 1982, Felipe González ganhava as eleições legislativas em Espanha e em 1983, Mário Soares, as de Portugal. Embora em Itália, o Partido Socialista de Bettino Craxi não conquistasse votações significativas e o seu nicho no ecossistema político italiano fosse, desde 1976, preenchido pelo euro comunismo do Partido Comunista de Enrico Berlinguer, o socialismo parecia estar vivo. A realidade contrariava a tese de Touraine? Foi precipitada a sua afirmação?
Ele falava de uma coisa diferente - do ideal que com Saint Simon e Owen deu os primeiros passos, acertando depois a respiração pelo resfolegar das máquinas com que o capitalismo inaugurava a era industrial e, com Marx Engels, passou da fase utópica à fase cientifica. Filtrado pela revisão leninista, definido como ponte entre o capitalismo e o comunismo, após o pesadelo estalinista, entrou na senda do «socialismo real».
Num livro mais recente, “Un nouveau paradigme” (2005), Touraine analisou o percurso histórico das difíceis relações entre política, economia e sociedade, assinalando três etapas na laicização e privatização da economia europeia. Na Idade Média, séculos XI e XII o poder político fugia à tutela da Igreja. Os senhores feudais e as casas reinantes começavam também a sacudir o jugo religioso e a consolidar as fronteiras e soberanias. Deu-se depois uma aliança entre o poder político e económico. Nobres e mercadores conciliaram interesses Os príncipes patrocinaram grandes empreendimentos mercantis (nomeadamente os descobrimentos). Só, séculos mais tarde, com o advento da era industrial e do liberalismo, o poder económico ganhou vida própria, fora da esfera do poder político. A economia de mercado faz a sua aparição e estabeleceu o seu império.
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