Segunda-feira, 27 de Junho de 2011
O laboratório farmacêutico Decomed está em guerra contra o ministério da Saúde e o Infarmed por um dos seus medicamentos ter perdido a comparticipação, trata-se do Venex.
O Venex (diosmina) é utilizado por milhares de pessoas na insuficiência venosa crónica (varizes). Não existe actualmente qualquer medicamento eficaz para o seu tratamento. O que existe é o Venex ou o Daflon (da Servier), que os laboratórios produtores dessas moléculas dizem estabilizar a parede das veias e assim melhorar a queixas dos doentes.
Os placebos devem ser comparticipados?
Placebo: (do latim placere, significando "agradarei") é como se denomina um fármaco ou procedimento inerte, e que apresenta efeitos terapêuticos devido aos efeitos fisiológicos da crença do paciente de que está a ser tratado.
A Decomed exige que a decisão do Tribunal Administrativo de Sintra, em 2007, de repor a comparticipação do Venex, seja aplicada. Para isso está na criação do site: www.utenteslesados.com, apesar de oficialmente este ser da autoria da Associação Portuguesa da Doença Venosa.
Neste site, é sublinhado que milhões de portugueses estão a ser prejudicados pela não comparticipação do Venex por parte do Sistema Nacional de Saúde.
A pergunta que deve ser colocada é, se é normal comparticipar um medicamento que não tem qualquer eficácia clínica comprovada. Porque quem vai pagar essa comparticipação somos todos nós. Em outros termos, será normal que eu ou vocês pague uma parte de um medicamento que não faz nada mas que certas pessoas estão convencidas do contrário estimuladas pela propaganda farmacêutica. Cada um é livre de ingerir o que julga benéfico para si, mas não podem ser os outros a pagar.
As "provas".
Para sustentar a eficácia do Venex, a Decomed encomendou um ensaio clínico, realizado em Portugal, este pode ser consultado em: http://www.decomed.pt/VNEspecial.pdf
Este ensaio foi realizado com 140 doentes em 11 centros, durante um período de 6 meses. Os doentes foram divididos em 2 grupos, um deles tomou 2 comprimidos por dia de Venex Forte o outro tomou um placebo, isto é comprimidos idênticos aos dos de Venex mas sem qualquer substância activa.
Neste ensaio foram avaliados vários sintomas: evolução da dor, sensação de pernas pesadas, cãibras e sensação de prurido. Apesar de pouco significativos, todos estes sintomas melhoraram com a toma de Venex. Como estes sintomas são extremamente subjectivos, é interessante analisar o único sinal avaliado neste ensaio: a medida da circunferência da perna esquerda dos doentes.
E aqui o que é que observamos? O valor 95%, com p=0,01).
De facto, analisando os ensaios clínicos mundiais disponíveis, encontramos dois tipos: os que são encomendados pelos laboratórios farmacêuticos que comercializam as substâncias e que referem ligeiras melhorias (a maioria baseados em dados subjectivos) e os ensaios independentes que não referem qualquer melhoria clínica significativa.
As causas das varizes.
Para perceber melhor o que é a insuficiência venosa crónica, temos do conhecer as suas causas.
Assim, as varizes aparecem devido à deterioração das válvulas que percorrem as veias e permitem que o sangue que se dirige ao coração não volte a descer.
Quando estas válvulas estão danificadas, nenhum medicamentos as fará voltar à sua função inicial.
Outra causa para as varizes poderá ser uma perda do tónus muscular das pernas, tónus esse que funciona como uma bomba nas veias profundas e que ajuda o sangue a subir.
Por fim, a perda da elasticidade da parede venosa e a sua maior permeabilidade poderá também contribuir para a insuficiência venosa. É nesta última causa que apostam os laboratórios farmacêuticos, na criação de medicamentos que supostamente alteram a parede venosa.
Prevenção:
Para quem tem uma predisposição hereditária para a insuficiência venosa, a prevenção não é fácil. No entanto, mantendo um bom tónus muscular e uma boa forma física, é possível reduzir o risco do aparecimento de varizes ou atrasar a sua evolução.
Algumas medidas:
- Exercício físico regular. A compressão dos músculos das pernas facilita o retorno venoso.
- Manter um peso adequado. O excesso de peso é nocivo para o retorno venoso.
- Evitar a obstipação. Esta obriga a um maior esforço durante a defecação aumentando a pressão venosa;
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- Elevar as pernas, 3 ou 4 vezes por dia, mais alto que o coração.
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terna.
- Colocar uma almofada por baixo das pernas, na cama, para dormir.
- Evitar passar muito tempo seguido sentado ou de pé.
- Mexer os pés, quando tiver que ficar sentado por longos períodos.
- Durante viagem prolongadas, por exemplo de avião, levantar-se regularmente e caminhar.
- Colocar água fria nas pernas e evitar o calor como o banho quente, sauna ou sol.
- Evitar meias e sapatos apertados.
- Evitar sapatos de salto alto.
- Usar meias de compressão, sobretudo para quem trabalha de pé.
*Octopus é o pseudónimo deste nosso colaborador que é médico de Medicina Interna.
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publicado por Carlos Loures às 12:00
editado por João Machado em 26/06/2011 às 13:39
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Domingo, 29 de Maio de 2011
O funcionamento da Justiça, em qualquer Estado de Direito, é um pilar fundamental da Democracia. Da defesa dos direitos dos cidadãos, da lei acima de todos e igual para todos, da presunção de inocência...
Que faz a "nossa" Justiça? Submerge os submarinos durante longos períodos de tempo e, com uma precisão e ingenuidade inabaláveis, trá-los à superfície durante a campanha para as legislativas e a uma semana do dia das eleições. Querem melhor? Ainda há dúvidas que a situação da Justiça ,onde não há regras e cada um faz o que muito bem entende, é propositada e não tem nada de incompetente?
O verdadeiro poder, é o poder sem regras, não escrutinado, sem deveres de transparência e de avaliação por quem é, ou pode ser, uma vítima.
Este caso dos submarinos é gravíssimo, na Alemanha os índicios já encontrados e em investigação não deixam margem para dúvidas quanto aos métodos utilizados no negócio, o processo deve pois seguir os seus trâmites e ir até ao fim custe o que custar, mas não deve corresponder a armas de arremesso político-partidárias contra Paulo Portas só porque o CDS pode estar muito próximo de ser governo, até pela mão do Partido Socialista.
O Freeport foi usado até à náusea. Pelos vistos ninguém aprendeu nada!
( in Expresso)
E, como estamos com a mão na massa, isto é, estamos a falar em abortos, vale a pena referir que o Aborto, é assunto pacífico na sociedade portuguesa, salvo junto de uma minoria de direita que, tal com uma minoria de esquerda, está sempre a ver onde pode cortar direitos à maioria. (só como exemplo a direita quer tirar o direito ao aborto assistido e a esquerda quer tirar o direito à escolha da escola).
Não há, pois, que ficar demasiado surpreendido com estas afrontas que se repetem vindas de minorias que querem impor à maioria as suas ideias.Mas, às vezes, vale a pena pensar em algumas coisas. Uma delas é que o Serviço Nacional de Saúde fecha Centros de Saúde em terras distantes e desertas e, não satisfeito, corta o transporte em ambulância dos doentes para o hospital mais próximo. A gente envelhecida e pobre.
Mas, ao mesmo tempo, e debaixo de "slogans" como "universal e gratuito" continuam-se a praticar "abortos assistidos" uma e outra vez à mesma mulher que não quer aprender como fazer planeamento familiar e está-se nas tintas para os custos da sua irresponsabilidade.Não seria mais justo que o primeiro aborto fosse gratuito e os seguintes a pagar? E, com esse dinheiro, assim poupado, ajudar os infelizes idosos, sem dinheiro e sem família?
Ganhávamos todos. A mulher porque percebia que o aborto é um recurso extremo; o SNS porque poupava em recursos humanos e em outros custos e, nós todos, que teríamos um SNS sustentável!
É com o aprofundamento da democracia representativa e participativa que vamos em frente, libertos de preconceitos e de clubites. Estes dois exemplos mostram como uma sociedade civil mais activa seria capaz de lidar com problemas destes e tornar o país mais justo. De outra forma, teremos os interesses a falar mais alto.
Sábado, 27 de Novembro de 2010
À comunicação social:
COMUNICADO *
A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) vem por este meio alertar para as intenções expressas pela Ministra da Saúde, Ana Jorge, no Encontro Nacional da Pastoral da Saúde que decorre em Fátima. Defende a Sra. Ministra que compete ao Estado garantir a “assistência espiritual” aos doentes atendidos em casa pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). A AAP opõe-se a tal medida pela ingerência estatal em matérias do foro privado, pelo encargo adicional ao SNS, e por ferir o bom senso, um recurso especialmente precioso em tempos difíceis como os que vivemos.
A assistência religiosa, também denominada espiritual por quem assume a existência de espíritos, é um direito individual que a AAP reconhece e defende. Mas é parte integrante da vida das pessoas, e não uma técnica terapêutica. Nenhum médico vai receitar duas doses de Budismo para a garganta inflamada ou uma semana de Cientologia para tratar uma entorse. A quantidade e tipo de religião que cada um toma, se alguma quiser, não é função nem do tratamento nem da doença. Resulta apenas das suas preferências pessoais.
Além disso, qualquer religião que o seja vê no sacerdócio uma vocação e não um serviço remunerado. A assistência religiosa faz parte da relação pessoal entre o crente e a sua comunidade religiosa, e é nesse contexto que deve ser prestada. Assim, a Sra. Ministra propõe a solução errada para um problema que nem sequer existe, pois nada impede que os doentes recebam apoio religioso em suas casas. Afinal, muitas religiões vão a casa das pessoas mesmo quando ninguém lhes pede que o façam. Com certeza também irão a casa ou ao hospital consolar os crentes que o queiram sem que o Estado tenha de pagar a deslocação e o serviço.
É também falsa a afirmação da Sra. Ministra que a assistência religiosa não interfere na assistência médica. É falsa porque os recursos são escassos. Quando um número crescente de portugueses não consegue sequer comprar os medicamentos de que precisa, é óbvio que os ordenados dos sacerdotes nos custam em saúde. Isto tanto para o plano de pagar do erário os serviços religiosos porta-a-porta, como para os sacerdotes que, em hospitais por todo o país, já hoje subtraem o seu ordenado a um orçamento que nem para medicamentos chega.
Finalmente, a religião é um assunto pessoal. Não é à burocracia ministerial que compete decidir que religiões são subsidiadas, quanto cada uma recebe, em que zonas há subsídios para esta ou aquela e assim por diante. A AAP condena este novo plano da Ministra da Saúde, bem como a situação lamentável das capelanias hospitalares, por fingir resolver um problema que não existe, pela intromissão indevida do Estado numa matéria tão pessoal e pelo desperdício inaceitável de recursos escassos.
* Texto de Ludwig Krippahl ,Vice-presidente da AAP, aprovado pela Direcção da AAP
Associação Ateísta Portuguesa – Odivelas, 3 de Novembro de 2009
Carlos Esperança (Presidente da Direcção) TM – 917322645
Segunda-feira, 22 de Novembro de 2010
Luis MoreiraHá 15 anos inventaram, a
Ordem dos Médicos, as Faculdades de Medicina, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação que havia o perigo de os médicos ,por serem tantos, poderem cair no desemprego. Era, como se compreende, uma conta fácil de fazer, bastava ir aos ficheiros dos recursos humanos dos hospitais e ver quantos médicos é que dali a 15 anos iriam para a reforma.
E, como sempre, neste malfadado país, arrancou-se com uma política idiota, criminosa mesmo. Jovens brilhantes com médias superiores a 19 valores não entraram nas Faculdades de Medicina. Uma sobrinha minha teve de média 19,2 valores, eram precisos 19,7 valores. Perdeu-se uma grande médica temos uma farmacêutica atrás de um balcão.E a guerra que fizeram à abertura das duas novas faculdades na Covilhã e em Braga?
Hoje, vem no Público, que o Serviço Nacional de Saúde para ter médicos suficientes paga a 100,00 Euros à hora, "não temos alternativa" diz a ministra. E, há dias soubemos que convidou os médicos reformados a voltar ao serviço acumulando a reforma com o vencimento.Porquê? Porque não há médicos. O "numerus clausus" de há 15 anos para defender o múltiplo emprego dos médicos, nos hospitais e nos consultórios privados,está hoje a ser pago por todos nós.
Deita-se mão a empresas externas que "alugam" os médicos aos hospitais por estas remunerações milionárias, são medicos contratados à tarefa, diz o sindicato que há 15 anos não abriu o pio, até fica mais barato porque assim não tem que se pagar as horas extras.
Claro, que longe dos grandes centros ainda é pior não há médicos que queiram ir para a periferia, o que se passa realmente é que não há médicos suficientes para responder à procura.
Os nossos jovens lá foram estudar para Espanha, e para outros países europeus onde, os cidadãos, não são impedidos por razões corporativas de estudar os cursos que lhes interessam e que têm procura no mercado de trabalho.Aqui, podem estudar segundo as vagas nas Universidades e não segundo as necessidades do mercado.
O resultado é andarem por aí no desemprego ou fugirem para a estranja porque aqui quem manda são os que têm vencimento certo, progressão na carreira assegurada e emprego para toda a vida.
Quinta-feira, 4 de Novembro de 2010
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Não vivemos tempos normais. Como a normalidade é o pressuposto das sondagens suspeito que os resultados eleitorais nos trarão surpresas. Em que consiste a anormalidade? O clima de insegurança generalizada sobre a sustentabilidade do nível de vida que se vem deteriorando desde o início da década e que sofreu abalos acrescidos nos últimos tempos, primeiro, com os ataques ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) por parte do Governo de Durão Barroso e do actual Governo durante o período Correia de Campos e, segundo, com a precarização dos direitos dos trabalhadores (código do trabalho) e a eclosão da crise económica com o consequente aumento do desemprego.
A insegurança gera uma atitude de espera sem grande esperança que perscruta, entre as propostas de governo, a que cause menos dano, não a que traga mais benefícios. Esta atitude é feita de uma mistura de incerteza e de lucidez donde emerge uma insondável ambiguidade. A incerteza decorre de os cidadãos não saberem se o que perderam com o governo PS é superior ou inferior ao que deixaram de perder por ser um governo PS e não um governo PSD. A lucidez reside em saber que, dos dois abalos recentes — a erosão do SNS e a crise económica — só o primeiro pode depender do governo. A superação da crise económica não depende do governo de um país pequeno, de desenvolvimento intermédio, integrado na economia europeia mais desenvolvida. Ao governo caberá gerir a crise e esperar por melhores ventos que certamente soprarão de fora. Naturalmente essa gestão terá nuances diferentes com impactos nas políticas sociais e sobretudo nas políticas de saúde. Mas para que tais nuances sejam significativas é necessário que ocorra uma maior polarização política, o que para uns passa pelo fortalecimento do CDS e, para outros, pelo fortalecimento do BE e do PCP. Neste domínio, a direita tem uma desvantagem importante. Manuela Ferreira Leite carrega consigo, sem querer, o espectro do salazarismo. Para os portugueses, o discurso da austeridade, do equilíbrio financeiro, e do sacrifício significa, nos subterrâneos da memória, estagnação, atraso, mediocridade histórica. Este é o fardo que MFL, de facto, já descarregou sobre os portugueses quando governou. Acontece que, estando nós em democracia — a asfixia não está na TV; está na exclusão social e na desolação silenciada que produz — MFL não será eleita se disser o que vai fazer. Os silêncios do programa são, assim, um misto de honestidade e de autoritarismo. Mas o PS também tem um fardo pesado: a promiscuidade entre o sector público e o sector privado de que são um exemplo chocante os negócios de Jorge Coelho, o caso extraordinário de alguém que, não tendo podido governar o país a partir do Estado, parece pretender fazê-lo a partir de uma empresa.
É nas políticas sociais e sobretudo de saúde que o próximo governo pode fazer a diferença. A grande maioria dos portugueses precisa e vai precisar cada vez mais do SNS. Da direita sabe que não pode esperar o seu fortalecimento. E do PS? Depende do partido com quem fizer acordo de governo, pois o PS, por si, está afundado na promiscuidade acima referida. Pouco tempo depois de entrar em funções a actual Ministra da Saúde, o Ministro das Finanças fez um contrato escandaloso entre a ADSE e o Hospital da Luz, criando assim um mercado de saúde à custa do Estado e em detrimento da melhoria dos hospitais públicos. Entretanto, o sector privado responde segundo a sua lógica, a do lucro, e comete duas ilegalidades perante as quais a Entidade Reguladora da Saúde nada faz. Apesar de beneficiados com a ADSE, os hospitais privados discriminam os beneficiários do sistema: dão prioridade às marcações de consultas vindas dos seguros privados. Segunda ilegalidade: quando as doenças se agravam as seguradoras cancelam as apólices e “mandam” os doentes para os hospitais públicos de quem, entretanto, se pede uma gestão empresarial. Perante a incerteza que tudo isto cria a lucidez do voto é mais do que nunca necessária. E mais do que nunca difícil.
(Publicado na revista "Visão" em 24 de Setembro de 2009)
Segunda-feira, 11 de Outubro de 2010
Adão Cruz
Na grande mesa-redonda dos congressos, a mesa de primeira, a mesa central do poder científico, o altar-mor, reza-se a missa solene. Mas para que ninguém se sinta fora do banquete, permite-se e até se paga, paralelamente, a elaboração de miríades de trabalhos de segunda. Se os há com indiscutível interesse clínico, na sua maioria não passam de especulações pseudo-científicas, sem qualquer repercussão na saúde dos pacientes, apenas para fazer currículo, proliferando como coelhos, e que, como os coelhos, pouca riqueza trazem ao país, neste caso à saúde. Como se costuma dizer, nem oito nem oitenta ou tudo o que é de mais é moléstia. Tanta energia profissional desbaratada! Tantas horas em falta numa boa, humana, correcta e dedicada prática clínica! Os doentes já não conseguem gastar tanta ciência! Parafraseando um colega, os congressos são como romarias, onde se fortalece o espírito de grupo e se combina a feira com a missa, o contrato com a festa, a medicina com a liturgia, a palestra com o sermão, o palco com o púlpito.
Os próprios diapositivos modernos, as tábuas sagradas do PowerPoint, mais preocupados com a sugestão, a insinuação e o aliciamento do que com a verdade do conteúdo, tantas vezes pagos, fornecidos e submetidos pelas próprias empresas à censura das Slide Reviews, são como retábulos a ilustrar o evangelho, desde o discreto até ao excesso barroco, tão sobrecarregados de adereços que às vezes é difícil descobrir o motivo.
Se há médicos conscientes e críticos, que não submetem, de ânimo leve, a sua ética a estas práticas e a estas normas, outros há, e não são poucos, que se deixam arrastar pelos campos magnéticos desta indústria, situando-se nas órbitas seguras de todas as suas esferas de influência e acção, dando uma triste imagem, por vezes de submissão indigna.
Ninguém pretende negar o valor da investigação. Pelo contrário, os médicos têm a obrigação de a enaltecer, sobretudo perante a inoperância, a negligência e a incapacidade do Estado, realçando o papel da investigação e do conhecimento nas mais importantes descobertas da actualidade. No entanto, a despeito de se terem encontrado fármacos quase milagrosos, a despeito de se terem desenvolvido métodos eficazes e fiáveis para se obterem estimativas do risco cardiovascular e se criarem normas de boa prática clínica, é muito redutor cingir a prevenção ao uso de fármacos, como insinua a profusa propaganda das revistas médicas, acriticamente consentida, que à semelhança das revistas de quiosque mais parecem propagandear perfumes e detergentes, como se os médicos não passassem de receptivas donas de casa delirando com as milagrosas propriedades do Tide e do Presto. A própria indicação de práticas higieno-dietéticas, de difícil realização numa sociedade carenciada como a nossa, bem como a sensibilização através de campanhas de marca e bem-me-quero – na sempre obcecada imitação da divindade americana - protagonizadas por simpáticas senhoras do atletismo de perna e do atletismo político, pouco ou nada sensibilizam, transformando-se, por vezes, em mero folclore e em mais um processo para aumentar o consumo irracional de exames e de drogas, ao fim e ao cabo, o objectivo de todos os magnânimos patrocinadores.
Tais campanhas deveriam fazer parte, isso sim, de um profundo trabalho de pedagogia política e social desde a instrução primária, com lúcido empenhamento de todos nós e do Estado. Apesar das curvas de declínio na mortalidade cardiovascular, após a utilização e divulgação de todas as descobertas e novas medidas decorrentes da investigação, nem tudo são rosas. Não nos podemos esquecer de uma realidade intencionalmente escondida, as graves consequências iatrogénicas, isto é, as consequências resultantes do mau uso e abuso dos medicamentos e das más práticas médicas, seja a iatrogenia química, a iatrogenia dos inúmeros exames dispensáveis, a iatrogenia invasivo-interventiva, a iatrogenia social ou económica, incidindo muito especialmente na terceira idade, a maior vítima da irracional medicalização e instrumentalização da vida. Uma loucura e uma verdadeira catástrofe, pouco perceptível a uma boa parte dos médicos, incapazes de parar para pensar.
(ilustração de Adão Cruz)
Sábado, 25 de Setembro de 2010

Não vivemos tempos normais. Como a normalidade é o pressuposto das sondagens suspeito que os resultados eleitorais nos trarão surpresas. Em que consiste a anormalidade? O clima de insegurança generalizada sobre a sustentabilidade do nível de vida que se vem deteriorando desde o início da década e que sofreu abalos acrescidos nos últimos tempos, primeiro, com os ataques ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) por parte do Governo de Durão Barroso e do actual Governo durante o período Correia de Campos e, segundo, com a precarização dos direitos dos trabalhadores (código do trabalho) e a eclosão da crise económica com o consequente aumento do desemprego.
A insegurança gera uma atitude de espera sem grande esperança que perscruta, entre as propostas de governo, a que cause menos dano, não a que traga mais benefícios. Esta atitude é feita de uma mistura de incerteza e de lucidez donde emerge uma insondável ambiguidade. A incerteza decorre de os cidadãos não saberem se o que perderam com o governo PS é superior ou inferior ao que deixaram de perder por ser um governo PS e não um governo PSD. A lucidez reside em saber que, dos dois abalos recentes — a erosão do SNS e a crise económica — só o primeiro pode depender do governo. A superação da crise económica não depende do governo de um país pequeno, de desenvolvimento intermédio, integrado na economia europeia mais desenvolvida. Ao governo caberá gerir a crise e esperar por melhores ventos que certamente soprarão de fora. Naturalmente essa gestão terá nuances diferentes com impactos nas políticas sociais e sobretudo nas políticas de saúde. Mas para que tais nuances sejam significativas é necessário que ocorra uma maior polarização política, o que para uns passa pelo fortalecimento do CDS e, para outros, pelo fortalecimento do BE e do PCP. Neste domínio, a direita tem uma desvantagem importante. Manuela Ferreira Leite carrega consigo, sem querer, o espectro do salazarismo. Para os portugueses, o discurso da austeridade, do equilíbrio financeiro, e do sacrifício significa, nos subterrâneos da memória, estagnação, atraso, mediocridade histórica. Este é o fardo que MFL, de facto, já descarregou sobre os portugueses quando governou. Acontece que, estando nós em democracia — a asfixia não está na TV; está na exclusão social e na desolação silenciada que produz — MFL não será eleita se disser o que vai fazer. Os silêncios do programa são, assim, um misto de honestidade e de autoritarismo. Mas o PS também tem um fardo pesado: a promiscuidade entre o sector público e o sector privado de que são um exemplo chocante os negócios de Jorge Coelho, o caso extraordinário de alguém que, não tendo podido governar o país a partir do Estado, parece pretender fazê-lo a partir de uma empresa.
É nas políticas sociais e sobretudo de saúde que o próximo governo pode fazer a diferença. A grande maioria dos portugueses precisa e vai precisar cada vez mais do SNS. Da direita sabe que não pode esperar o seu fortalecimento. E do PS? Depende do partido com quem fizer acordo de governo, pois o PS, por si, está afundado na promiscuidade acima referida. Pouco tempo depois de entrar em funções a actual Ministra da Saúde, o Ministro das Finanças fez um contrato escandaloso entre a ADSE e o Hospital da Luz, criando assim um mercado de saúde à custa do Estado e em detrimento da melhoria dos hospitais públicos. Entretanto, o sector privado responde segundo a sua lógica, a do lucro, e comete duas ilegalidades perante as quais a Entidade Reguladora da Saúde nada faz. Apesar de beneficiados com a ADSE, os hospitais privados discriminam os beneficiários do sistema: dão prioridade às marcações de consultas vindas dos seguros privados. Segunda ilegalidade: quando as doenças se agravam as seguradoras cancelam as apólices e “mandam” os doentes para os hospitais públicos de quem, entretanto, se pede uma gestão empresarial. Perante a incerteza que tudo isto cria a lucidez do voto é mais do que nunca necessária. E mais do que nunca difícil.
24-09-2009 Visão voltar
Quarta-feira, 15 de Setembro de 2010
Luis MoreiraO maior e melhor serviço prestado ao povo português é o SNS! Faz hoje 31 anos!
Num país tão injusto, tão desigual, o SNS é um factor poderoso de nivelação, por cima, presta um serviço eficiente a toda a gente, rico ou pobre. Não tenho disso a mais pequena dúvida. Isso não quer dizer, no entanto, que não mereça melhorias a todos os níveis. Ao nível de gestão, de Recursos Humanos, de edificios e equipamentos e, muito principalmente, ao nível político.
Duas realidades como exemplo: O SMAS e o SMAS - quadros. O SMAS tem um hospital muito bom, dois centros de saúde, médicos, pessoal muito capaz, e equipamento. Eu sou um zeloso e habitual cliente, tenho um grande respeito pelo nível de cuidados a que sou sujeito. Sabemos, no entanto, que já houve uma Assembleia Geral para se tomar a decisão quanto a uma parceria com a HPP da CGD. Porquê? Porque as quotas dos sócios são praticamente absorvidas pelos salários do pessoal administrativo. O SMAS, pese o pesar, não tem viabilidade. O SMAS - quadros, tem lá umas quantas administrativas, faz uns acordos com os grupos que operam na saúde, paga umas receitas às farmácias e umas facturas aos hospitais e segue de vento em popa!
Isto quer dizer, que para um hospital se manter ao nível exigido, face à evolução da medicina, quanto a medicamentos, equipamentos e formação do pessoal, o investimento necessário é brutal! Ora o SNS é universal e gratuito, para lá correm todos os que padecem, mesmos os que gozam de apólices de seguros privados quando as coisas correm mal. O caminho só pode ser um se quisemos manter o lugar central e nuclear do SNS. Complementá-lo com os grupos privados. Ou então ter a exclusividade hospitalar, o que existe agora é que não é nada. Estão a prepara-nos para uma realidade que pode passar pelo desmontar do SNS!
Não tem nada de privatizar a saúde ou, muito menos, desmantelar o SNS, a razão é salvá-lo, por muito que custe a todos nós. Se não houver complementaridade, as actividades lucrativas vão ficar nos privados e as actividades com prejuízo vão sobrar para o SNS. Já aí temos as Parcerias Público/Privadas, são uma espécie de hospitais privados na rede de hospitais públicos,antes tivemos e temos a gestão privada de hospitais públicos, depois os hospitais EP, tudo mentiras que escondem uma decisão inevitável. O SNS deve reservar para si a parte central dos cuidados hospitalares e aceitar como parceiros de pleno direito os privados. Ou então o Estado reserve para si a actividade hospitalar, sem tibiezas e em exclusividade.
Atente-se nas doenças da velhice e oncológicas que exigem largas permanências nos hospitais; os casos em que o plafond do seguro terminou com a consequente passagem do doente para o hospital público; os problemas cada vez mais comuns resultantes de uma população cada vez mais envelhecida que recorre aos hospitais frequentemente, tudo isso é que irá destruir o SNS! E não percebo que a apólice de seguro seja accionada quando o titular entra num hospital privado e que o não seja num hospital publico.
Oxalá a ideologia não cegue quem está de boa fé!
Quinta-feira, 9 de Setembro de 2010

Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas razões. Há mais de trinta de anos passo alguns meses por ano nos EUA e tenho vindo a observar uma acumulação progressiva de “doenças”, mas não é delas que quero escrever hoje. Hoje escrevo sobre doença no sentido literal e faço-o a propósito da reforma do sistema de saúde em discussão final no Congresso. As lições desta reforma para o nosso país são evidentes. Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. Gastam por ano duas vezes mais em despesas de saúde que qualquer outro país desenvolvido e, apesar disso, 49 milhões de cidadãos não têm qualquer seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele. Mais, a cada passo surgem notícias aterradoras de pessoas com doenças graves a quem as seguradoras cancelam os seguros, a quem recusam pagar tratamentos que lhes poderiam salvar a vida ou a quem recusam vender o seguro por serem conhecidas as suas “condições pré-existentes”, ou seja, a probabilidade de virem necessitar de cuidados de saúde dispendiosos no futuro.
A perversidade do sistema reside em que os lucros das seguradoras são tanto maiores quanto mais gente da classe média baixa ou trabalhadores de pequenas e médias empresas são excluídos, ou seja, grupos sociais que não aguentam constantes aumentos dos prémios de seguro que nada têm a ver com a inflação. No meio de uma grave crise económica e alta taxa de desemprego, a seguradora Anthem Blue Cross – que no ano passado a declarou um aumento de 56% nos seus lucros – anunciou há semanas uma subida de 39% nos prémios na Califórnia, o que provocaria a perda do seguro a 800.000 pessoas. A medida foi considerada criminosa e escandalosa por alguns membros do Congresso.
Por todas estas razões, há um consenso nos EUA de que é preciso reformar o sistema de saúde, e essa foi uma das promessas centrais da campanha de Barack Obama. A sua proposta assentava em duas medidas principais: criar um sistema público, financiado pelo Estado, que, ainda que residual, pudesse dar uma opção aos que não conseguem pagar os seguros; regular o sector de modo que os aumentos dos prémios não pudessem ser decididos unilateralmente pelas seguradoras. Há um ano que a proposta de lei tramita no Congresso e não é seguro que a lei seja aprovada até à Páscoa, como pede o Presidente. Mas a lei que virá a ser aprovada não contém nenhuma das propostas iniciais de Obama. Pela simples razão de que o lobbying das seguradoras gastou 300 milhões de euros para pagar aos congressistas encarregados de elaborar a lei (para as suas campanhas, para as suas causas e, afinal, para os seus bolsos). Há seis lobbyistas da área de saúde registados por cada membro do Congresso. Lobbying é a forma legal do que no resto do mundo se chama corrupção. A proposta, a ser aprovada, está de tal modo desfigurada que muitos sectores progressistas (ou seja, sectores um pouco menos conservadores) pensam que seria melhor não promulgar a lei. Entre outras coisas, a lei “entrega” às seguradoras cerca de 30 milhões de novos clientes sem qualquer controlo sobre o montante dos prémios. Os EUA estão doentes porque a democracia norte-americana está doente.
Que lições? Primeiro, é um crime social transformar a saúde em mercadoria. Segundo, uma vez dominantes no mercado, as seguradoras mostram uma irresponsabilidade social assustadora. São responsáveis perante os accionistas, não perante os cidadãos. Terceiro, têm armas poderosas para dominar os governos e a opinião pública. Em Portugal, convém-lhes demonizar o SNS só até ao ponto de retirar dele a classe média, mais sensível à falta de qualidade, mas nunca ao ponto de o eliminar pois, doutro modo, deixariam de ter o “caixote do lixo” para onde atirar os doentes que não querem. Os mais ingénuos ficam perplexos perante os prejuízos dos hospitais públicos e os lucros dos privados. Não se deram conta de que os prejuízos dos hospitais públicos, por mais eficientes que sejam, serão sempre a causa dos lucros dos hospitais privados.
(Publicado na revista "Visão" em 11 Março de 2010)
Terça-feira, 31 de Agosto de 2010

Em sentido metafórico, a sociedade norte-americana está doente por muitas razões. Há mais de trinta de anos passo alguns meses por ano nos EUA e tenho vindo a observar uma acumulação progressiva de “doenças”, mas não é delas que quero escrever hoje. Hoje escrevo sobre doença no sentido literal e faço-o a propósito da reforma do sistema de saúde em discussão final no Congresso. As lições desta reforma para o nosso país são evidentes. Os EUA são o único país do mundo desenvolvido em que a saúde foi transformada em mercadoria e o seu provimento entregue ao mercado privado das seguradoras. Os resultados são assustadores. Gastam por ano duas vezes mais em despesas de saúde que qualquer outro país desenvolvido e, apesar disso, 49 milhões de cidadãos não têm qualquer seguro de saúde e 45 mil morrem por ano por falta dele. Mais, a cada passo surgem notícias aterradoras de pessoas com doenças graves a quem as seguradoras cancelam os seguros, a quem recusam pagar tratamentos que lhes poderiam salvar a vida ou a quem recusam vender o seguro por serem conhecidas as suas “condições pré-existentes”, ou seja, a probabilidade de virem necessitar de cuidados de saúde dispendiosos no futuro.
A perversidade do sistema reside em que os lucros das seguradoras são tanto maiores quanto mais gente da classe média baixa ou trabalhadores de pequenas e médias empresas são excluídos, ou seja, grupos sociais que não aguentam constantes aumentos dos prémios de seguro que nada têm a ver com a inflação. No meio de uma grave crise económica e alta taxa de desemprego, a seguradora Anthem Blue Cross – que no ano passado a declarou um aumento de 56% nos seus lucros – anunciou há semanas uma subida de 39% nos prémios na Califórnia, o que provocaria a perda do seguro a 800.000 pessoas. A medida foi considerada criminosa e escandalosa por alguns membros do Congresso.
Por todas estas razões, há um consenso nos EUA de que é preciso reformar o sistema de saúde, e essa foi uma das promessas centrais da campanha de Barack Obama. A sua proposta assentava em duas medidas principais: criar um sistema público, financiado pelo Estado, que, ainda que residual, pudesse dar uma opção aos que não conseguem pagar os seguros; regular o sector de modo que os aumentos dos prémios não pudessem ser decididos unilateralmente pelas seguradoras. Há um ano que a proposta de lei tramita no Congresso e não é seguro que a lei seja aprovada até à Páscoa, como pede o Presidente. Mas a lei que virá a ser aprovada não contém nenhuma das propostas iniciais de Obama. Pela simples razão de que o lobbying das seguradoras gastou 300 milhões de euros para pagar aos congressistas encarregados de elaborar a lei (para as suas campanhas, para as suas causas e, afinal, para os seus bolsos). Há seis lobbyistas da área de saúde registados por cada membro do Congresso. Lobbying é a forma legal do que no resto do mundo se chama corrupção. A proposta, a ser aprovada, está de tal modo desfigurada que muitos sectores progressistas (ou seja, sectores um pouco menos conservadores) pensam que seria melhor não promulgar a lei. Entre outras coisas, a lei “entrega” às seguradoras cerca de 30 milhões de novos clientes sem qualquer controlo sobre o montante dos prémios. Os EUA estão doentes porque a democracia norte-americana está doente.
Que lições? Primeiro, é um crime social transformar a saúde em mercadoria. Segundo, uma vez dominantes no mercado, as seguradoras mostram uma irresponsabilidade social assustadora. São responsáveis perante os accionistas, não perante os cidadãos. Terceiro, têm armas poderosas para dominar os governos e a opinião pública. Em Portugal, convém-lhes demonizar o SNS só até ao ponto de retirar dele a classe média, mais sensível à falta de qualidade, mas nunca ao ponto de o eliminar pois, doutro modo, deixariam de ter o “caixote do lixo” para onde atirar os doentes que não querem. Os mais ingénuos ficam perplexos perante os prejuízos dos hospitais públicos e os lucros dos privados. Não se deram conta de que os prejuízos dos hospitais públicos, por mais eficientes que sejam, serão sempre a causa dos lucros dos hospitais privados
(Publicado na revista "Visão" em 11 Março de 2010)
Domingo, 29 de Agosto de 2010
Luís MoreiraO
prof Boaventura dos Santos alerta para o grave ataque que, na sombra, o poder (seja qual for...) prepara ao Serviço Nacional de Saúde!
A saúde privada começou como um complemento do SNS tornando-se rapidamente com a complacência do poder, numa alternativa, pronta a tomar o lugar do SNS. Mais do que as questões de purismo ideológico que se discutem e nos afastam do que realmente está em equação, o que verdadeiramente vale a pena discutir é o papel que cabe ao SNS e não transigir em circunstância alguma.
O SNS é universal e gratuito, ou tendencialmente gratuito, no sentido que ninguem poderá deixar de receber assistência hospitalar por razões económicas, o que estaria perfeito não fosse que este princípio tambem pode ser garantido com o Estado sendo somente pagador e não prestador de serviços. O que nos levaria ao sistema de muitos outros países, incluindo os US, que conseguiu agora obter esse desiderato. Quem pode tem seguro de saúde ( normalmente atribuído pelo empregador) e quem é pobre ou desempregado, tem a cobertura de um seguro pago pelo Estado.
Os grandes Grupos Económicos é disto que falam, sem tibiezas, a não ser para quem anda distraído ou enganado em purezas ideológicas que o levam a pensar que, o que está em causa são universalidades e gratuidades .Quem paga é o contribuinte, só que o SNS presta um direito consagrado na Constituição, enquanto no sistema privado temos a saúde convertida num negócio, e dessa circunstância podemos esperar tudo. Incluindo um qualquer doente não ser tratado mesmo que tenha dinheiro! Basta, por exemplo, que o "plafond" do seguro se esgote antes da cura.
Que a saúde privada seja um complemento do SNS através de protocolos transparentes de relacionamento, nada a dizer, mas que venha a tomar o lugar do SNS é uma enormidade a que devemos todos dizer não.
Sábado, 28 de Agosto de 2010

O modo como está a ocorrer a transformação da saúde, de serviço público em negócio lucrativo, é escandaloso, inconstitucional e certamente violador do direito dos cidadãos à saúde. O que se passa é caso único nos países de desenvolvimento comparável ao nosso.
Alguns exemplos bastarão para dar conta da gravidade da situação. Recentemente a Ministra da Saúde convocou todos os directores de serviços públicos de procriação assistida, no sentido de lhes criar as condições financeiras e humanas para aumentar significativamente a oferta pública destes serviços. Todos, excepto um, recusaram a oferta, sob vários pretextos e por uma só razão: todos eles dirigem serviços privados de procriação assistida e não queriam que os serviços públicos lhes fizessem concorrência.
Outro exemplo, ainda mais perturbador. Um determinado hospital público decidiu aumentar a oferta de serviços especializados para corresponder às solicitações crescentes dos cidadãos. Pois viu esta decisão contestada nos tribunais pelo sector empresarial hospitalar com o fundamento de que, ao expandir os serviços públicos, se estavam a pôr em causa as legítimas expectativas do sector privado quanto à sua expansão e lucratividade. Apesar de um tal propósito bradar aos céus, há juristas de renome dispostos a dar pareceres eloquentes a favor dos queixosos e só nos resta esperar que os nossos tribunais façam uma ponderação de interesses à luz do que determina a Constituição e decidam correctamente.
Terceiro exemplo. Contra o parecer da Ministra da Saúde, o Ministro das Finanças autorizou um acordo entre um hospital privado, pertencente ao Grupo Espírito Santo, e a ADSE, com o objectivo de, com o novo fluxo de doentes, viabilizar um hospital em dificuldades. O dinheiro gasto nesse acordo não poderia ter sido aplicado, mais eficazmente, na expansão dos serviços públicos? A ironia da história é que, pouco tempo depois, os jornais anunciavam em primeira página que os utentes da ADSE estavam a ser preteridos no referido hospital por a ADSE pagar pior.
Estes três exemplos são ilustrativos do ataque cerrado que está a ser sujeito o SNS e do poder político que o sector privado já adquiriu entre nós. A actividade empresarial no domínio da saúde é uma actividade legítima, mas deixará de o ser se interferir com o direito à saúde gratuita constitucionalmente consagrada. Imagina-se que a Polícia Judiciária pudesse ser accionada em tribunal por, ao desenvolver os seus serviços de investigação, estar a violar as legítimas expectativas dos detectives particulares.
A destruição do SNS esteve até agora a cargo dos governos do PSD e do Ministro Correia de Campos. Perante o levantamento dos cidadãos, o governo procurou mudar de curso e a actual ministra parece ser uma honesta defensora do SNS. Terá poder? Os sinais não são animadores porque as medidas a tomar são drásticas. Primeiro, os directores de serviços hospitalares devem estar em regime de exclusividade, não só pelo tempo que devem dedicar ao serviço, mas para evitar conflitos de interesses. Até agora, sempre que o Governo tentou, deixou-se atemorizar pelo medo de perder os melhores. Não há que ter esse medo, já que dispomos de muitos profissionais competentes e dedicados. É preciso acabar com a figura do director de serviços que não dirige o serviço e é apenas o chefe dos médicos. Segundo, é urgente repor e valorizar as carreiras médicas para não criar incertezas desmoralizadoras. Terceiro, leva dez anos a formar um médico num sistema público: não faz sentido que, ao fim desses anos, o sistema privado se aproprie de todo esse investimento e o transforme em lucro. Os médicos deveriam ser obrigados a ficar no serviço público por um período razoável. Quarto, devem aprofundar-se as formas de contratualização nos serviços públicos – desde que não passem pelas parasitárias empresas de fornecedores de médicos (onde desaparece a responsabilidade pelo acto médico) – para permitir a redução das listas de espera, como aconteceu recentemente em oftalmologia. Quinto, não há nenhuma razão para que uma lâmpada num sistema de imagiologia leve mais tempo a substituir no sistema público que no sistema privado.
Se, num dado momento, o SNS não tiver condições para garantir a saúde de todos os cidadãos, pode comprar serviços médicos aos serviços privados, mas, no espírito da Constituição, isso só pode ocorrer se não puder expandir os seus próprios serviços públicos. Os casos atrás mencionados mostram que pode e quer. Ainda vamos a tempo?
(Publicado na revista "Visão" em 28 de Agosto de 2008)
Quinta-feira, 22 de Julho de 2010
Luís MoreiraHá quem diga que o PSD apresenta estas propostas encostadas muito à direita, para ter margem de negociação. Na altura de negociar o Orçamento, vai às trocas com o PS, dá cá esta alteração na Constituição que eu dou-te folga no Orçamento. Pode ser, até pode ser que esteja a tirar força ao povo, porque agora quem quer mudar de governo tem que ir para eleições, e se for com o Presidente, a ter essa possibilidade,abre a porta aos arranjinhos de gabinete.
Mas no que diz respeito à Saúde, a coisa é mais séria,há muito quem não entenda que o que está em cima da mesa é a sustentabilidade do Serviço Nacional de saúde.E com um SNS a funcionar como até aqui, não tem futuro, há que salvá-lo. Como? Complementando-o com os privados. Dizem-me que isso seria aceitar uma saúde para os pobres e outra para os ricos. Já há! E sabem porquê? Porque o SNS não se aguenta sendo" universal e tendencialmente gratuíto".
O que está verdadeiramente em equação é haver uma boa saúde gratuíta para quem não pode pagar, essa é que é a questão! Os ricos terão sempre uma boa prestação de cuidados de saúde, se não for aqui no país, é num sítio qualquer, têm dinheiro, vão onde é preciso, o Estado tem é que assegurar que os pobres sejam beneficiados com a prestação de bons cuidados de saúde. E, isso, só é possível, se o Estado tiver meios de equipamento, instalações e humanos do melhor. Não os poderá ter se continuar a querer prestar todos os cuidados médicos a toda a população.
Quanto à Educação, as escolas privadas não deixam de crescer, resultado da inexorável degradação da escola pública, que é pasto de lutas corporativas, experiências pedagógicas votadas ao fracasso e ao arrepio dos verdadeiros interesses dos alunos.É, bem melhor,que o estado tome a iniciativa de promover uma concorrência transparente e deixar as famílias optar.
Defender a escola pública e o Serviço Nacional de Saúde , bem como o Estado Providência, não é querer que o estado preste serviços universais que são impossíveis de prestar com qualidade é, antes, promover as medidas necessárias para que o Estado assegure os direitos conquistados, mas sem precisar de os prestar na sua totalidade..
Segunda-feira, 14 de Junho de 2010
Carlos MesquitaO Serviço Nacional de Saúde (SNS) conseguiu em Portugal, a maior diminuição da taxa de mortalidade infantil da Europa, e o acesso aos cuidados de saúde de toda a população, em particular daquela que dependia das obras de caridade. O SNS tem vindo nos últimos anos a ser vítima da degradação dos seus serviços, em muitas zonas do país; trata-se da passagem gradual e planeada dos serviços públicos de saúde para a mão de privados. O encerramento ou a redução do Atendimento Permanente, sem estarem criados serviços de substituição, o fim de valências e deterioração de especialidades em hospitais públicos, deu azo ao aparecimento de clínicas e hospitais particulares por todo o lado. A cada serviço que encerra ou deixa de prestar atendimento e cuidados de saúde com competência, surge uma empresa privada para preencher o espaço desocupado. A Saúde é uma área económica muito lucrativa, menos sujeita a riscos do que todos os outros sectores, do primário à industria e como se vê até o financeiro; não depende da macro economia, dos índices de confiança e outras variáveis económicas. Desde o nascimento ao fim dos dias todas as pessoas são clientes da “Saúde”. É um sector cobiçado, onde paulatinamente os privados vêm entrando, já dominando os meios complementares de diagnóstico e a maioria das consultas de especialidade. Segundo o economista Eugénio Rosa, que fez as contas, metade das próprias despesas do SNS já serão com serviços exteriores e subcontratos com privados. É sintomático que as grandes empresas da Saúde Privada sejam detidas por grupos bancários das famílias dos antigos “capitães da indústria”. Estiveram protegidos durante a ditadura pela contingentação industrial, passaram a ser amparados pelo regime das privatizações, após o 25 de Novembro, e querem mais, o aniquilamento do SNS tal como o conhecemos, deixando um serviço público residual, barato e de menor qualidade para os mais pobres. A razão é evidente, Portugal não tem população abastada em número suficiente para viabilizar a saúde privada, não chegam os que pagam integralmente do seu bolso as despesas da própria família com a saúde, mas há um freguês rico, chamado Orçamento Geral do Estado, cuja riqueza advém dos impostos directos e indirectos de todos os portugueses. O SNS é o seguro de saúde universal, desconta-se para ser socorrido em caso de necessidade, e é simultaneamente factor de solidariedade social, dos que têm para os que menos possuem; é exemplo na nossa sociedade de igualdade de tratamento e direito consagrado na Constituição. Nem tudo tem estado bem no SNS; à gestão deficiente e aos gastos supérfluos, somam-se a escassez de profissionais da saúde, particularmente médicos especialistas, que a Ordem, a Universidade e os governos não acautelaram de formar e deixar formar em devido tempo. Era no interior que essa falta mais se fazia sentir, mas com a reforma antecipada de muitos médicos e o êxodo para o sector privado, vai-se generalizar e agravar a incapacidade de assegurar urgências e outros serviços essenciais do SNS.
Tenho acompanhado de perto o que aconteceu com o caso do Hospital de Chaves que serve também os concelhos de Boticas, Montalegre, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar e Ribeira de Pena; é paradigmático do caminho da destruição do SNS encetado pelos governos Sócrates e que poderá ter o seu epílogo no caso hipotético de Passos Coelho chegar a ser governo; para ele (e para o PSD) cortar na despesa é cortar no SNS, é a oportunidade que a crise lhes proporciona, caso os portugueses o permitam, coisa em que não acredito. É também antevendo estes perigos, que vejo como prejudicial para os interesses da maioria, a reeleição de Cavaco Silva. Adiante.
O Hospital de Chaves foi um projecto abraçado pelos profissionais da saúde que nele trabalharam, bem equipado e moderno. Como outras instalações da saúde do interior, foi dos primeiros a sofrer o desinvestimento no sector; em vez de se potenciarem as capacidades existentes, foi administrativamente reduzindo as valências e piorando as condições de trabalho, o que já levou à saída de 18 médicos, reformados antecipadamente. As urgências são um caos por falta de médicos, de macas, de organização, de pessoal, em particular nos períodos em que a região recebe os milhares de emigrantes e turistas. A degradação do hospital foi deliberadamente provocada por opções políticas, do fecho da Maternidade à integração no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD). Escrevia eu num jornal local em 2006, que quando estivesse pronta a via rápida para Vila Real, ia embora a maternidade pública. Foi, com o argumento do Ministério da Saúde, de que não cumpria os parâmetros de segurança, 1.500 partos anuais. Como poucos atingem esse número o governo (em 2009) recua, e o número de partos deixa de ser critério, também para o sector privado. A maternidade não voltou a Chaves, obviamente. A integração no CHTMAD foi a ultima machadada na unidade hospitalar de Chaves, agora transformada num anexo, que é uma dor de cabeça para o reduzido quadro de pessoal e outra para os utentes que deixaram de ter Hospital. Entretanto um tal Hospital Privado anunciou a abertura em Chaves com maternidade e urgências 24 horas, e já estão a funcionar clínicas, uma das quais junto ao Hospital em decadência.
Para suportar os privados lá estão os acordos com os vários regimes pagos com o Orçamento de Estado. Fazia parte do programa eleitoral do PS em 2005 o fim dos subsistemas de saúde, já não fez parte do programa das últimas eleições. Na região do Alto Tâmega os autarcas pedem agora a desintegração do Hospital de Chaves do Centro Hospitalar de Vila Real, são os mesmos do PS e do PSD que permitiram ou apoiaram o actual estado de coisas, mas isso é crónica para outro destino.