Quinta-feira, 9 de Dezembro de 2010

Só vale o que se viveu...











Luis Moreira

Andava a choramingar, a sair de uma paixão da terra à cova, jurava a mim mesmo que nunca mais, os livros estavam à minha espera, ia voltar ao desporto, às viagens, ver museus, conhecer aquelas mulheres em terras distantes que são substituídas na paragem seguinte. Uma estação de um comboio é um lugar mágico, dá para sonhar, chegou e partiu e, quem tiver talento deixa-se levar para um caminho desconhecido que se larga na estação seguinte.

Mas, naquela altura não era assim, era uma moínha, uma dor a contradizer a certeza que nunca mais, era tudo o que não queria, não fazia parte da minha vida, não era o que queria, repetia mil vezes nos passeios solitários que fazia, "não, nem sequer aguentava viver naquele equilíbrio que lhe servia, mas para o qual eu não tenho o mínimo de aptidões" convencia-me a mim próprio.

Uma angústia que repartia com um psiquiatra e com uma psicóloga, que me diziam vezes sem conta " não evite nada, não fuja, enfrente, de outra forma é para toda a vida" e, eu, com a minha certeza que nada me faria voltar, nada.

Fechei-me para o mundo embora não o percebesse, andei anos a evitar, tudo me parecia não valer a pena, num processo autofágico de emoções e sentimentos, agarrado à vida profissional como se esta me protegesse do mundo. Não protegeu, foi mesmo ela que me levou ao encontro do que andava a fugir, e continuei a fugir, mesmo depois de tudo poder dar certo, fugir, fugir sempre, como dizem os médicos, "processo de evitamento", é como um tapete voador, transporta-nos sem barulho, cumpre a sua função mas quando poisamos percebemos que estamos no mesmo sítio, com a "moínha" que nos angustia.

Hoje só penso nela, foi a que não tive, tornei a cair no alçapão, tenho um nó permanente na garganta, não tanto pela cobardia que ela reconheceu em mim, mas porque lhe desejo os "cantinhos" da boca quando se ria, as rugas dos olhos lindos por olharem de frente, perdi a frescura das manhãs amando cedo, as brisas do mar, tardes com o sol a morrer, madrugadas acordado a ouvir a chuva a bater sem piedade , perdi o calor enroscado no seu corpo generoso ...

Já a encontrei, sei onde vive, mas tudo pode voltar a ser como podia ter sido, posso recuperar a vida que não vivi ? Vou levar para o seio da terra mãe esta interrogação.

A cobardia mata mais que a coragem, mata mil vezes, sempre que temos medo de viver mata, da maneira mais lancinante, morremos aos bocadinhos, primeiro a alegria, depois cimentamos uma nostalgia dolorosa que nunca mais nos abandona...

Há tanta coisa boa na minha vida, repito todos os dias, tentando convencer-me.
publicado por Luis Moreira às 08:00
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Terça-feira, 26 de Outubro de 2010

Vida emocional e cognitiva

Adão Cruz

Apesar do termo “inteligência emocional”, isto é, segundo Goleman, a capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros e de gerirmos bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos, e embora as definições tradicionais enfatizem os aspectos cognitivos como a memória e resolução de problemas, para mim a inteligência é só uma, dentro da sua complexa neuronalidade.

Para mim, o auto-conhecimento emocional, o controle emocional, a auto-motivação, o reconhecimento de emoções em outras pessoas, a habilidade nos relacionamentos inter-pessoais, considerados como atributos da inteligência emocional, não são características que permitam separar a inteligência em peças. Sempre fui contra esta académica e artificial dicotomia, dado que a emoção é um fenómeno permanente e indispensável ao mais pequeno gesto vital, seja a emoção exógena seja a emoção endógena.

Tenho muita dificuldade em dissecar os sentimentos (diferentes de pessoa para pessoa) isto é, em definir as incomensuráveis formas e manifestações dos sentimentos, até porque antes dos sentimentos há as emoções (diferentes de pessoa para pessoa), que lhes dão origem, e antes das emoções (diferentes de pessoa para pessoa) há as imagens (diferentes de pessoa para pessoa) resultantes dos estímulos que as provocam e aos quais cada pessoa reage de forma muito diferente, conforme o seu padrão neural.

Assim sendo, os sentimentos constituem um mundo tão vasto de diferenças que me parece podermos incorrer em algum grau de estultícia, ao pretendermos dissecá-los, dimensioná-los, fraccioná-los, escaloná-los, hierarquizá-los, atribuir-lhes uma cronologia e uma metodologia intrínsecas, fora do campo neuro-científico. E muito menos separá-los, por exemplo dentro do cesto da inteligência, em cognitivos e emocionais, como se de fruta se tratasse.

Há um único contexto em que me parece legítimo atrevermo-nos a abordar parcialmente e de forma particular os sentimentos e com eles lidar como matéria, contexto esse que se situa apenas no campo da arte. No seio do contexto poético, literário e musical, por exemplo. Mesmo assim, com a prudência de nos contentarmos apenas com a plumagem, as cores, a luz e o som.

(Ilustração de Adão Cruz)
publicado por Carlos Loures às 21:00
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