João MachadoLembro-me tão bem do José Torres. Dos golos que ele marcava de cabeça e com os pés. De como ele jogava no campo todo. Quando o Benfica tinha a bola ele metia-se sempre na área, para cabecear, para a baliza ou para servir um companheiro. Quando a equipa sofria um canto, metia-se sempre entre os defesas centrais, para saltar com os avançados adversários e afastar a bola. Depois arrancava e ia pelo campo fora, abrindo as pernas, com passadas enormes (abria o compasso, dizíamos nós os espectadores), perseguindo a bola, para lançar o ataque.
O José Torres ainda hoje é o jogador do Benfica (e de todo o campeonato português) com mais golos marcados de cabeça, mais do que o José Águas. 116 ao todo, vi no site oficial do Benfica. Preparava-se sempre muito cuidadosamente, para tirar partido das suas características físicas. Saltava muito bem, de tal modo que o Otto Glória dizia que ele chegava a cabecear a bola a mais de três metros de altura. E também jogava muito bem com os pés.
Na selecção lembro-me quando, em Inglaterra em 1966, o José Torres marcou à Rússia o golo que nos deu a vitória no jogo e o terceiro lugar no campeonato do mundo, mesmo no final do jogo. Foi com o pé, ao Iachine, que alguns dizem que foi o melhor guarda-redes de todos os tempos. E lembro-me de o ver a jogar com a Itália, no Jamor. Perdemos 2-1, e o Torres pouco jogou, apertado entre dois italianos da mesma estatura que ele, muito possantes. Um deles era o Facchetti, um dos melhores defesas centrais (e defesa esquerdo) de todos os tempos. Mas os dois também não avançaram no terreno ao longo de todo o jogo, para não lhe dar espaço. Os golos da Itália, que tinha acabado de ser vice-campeã do mundo, no campeonato de 1970 no México, foram marcados em contra-ataque.
Mas a melhor recordação que tenho do José Torres, foi quando ele já estava a jogar no Vitória de Setúbal. E num jogo com o Benfica, julgo que na Luz, que vi na televisão. A certa altura, o Manuel Bento, guarda-redes do Benfica (extraordinário guarda-redes, diga-se), sempre nervoso e exuberante, sai da baliza e vai a correr até meio campo, protestar com o árbitro, que estaria a prejudicar o Benfica (não me lembro como era a jogada). Pois o José Torres agarrou-o e levou-o de volta até à baliza, bem seguro. E era só ver o Manuel Bento (também infelizmente já falecido), agarrado por um jogador da equipa adversária, a ficar muito sossegado. Só lhe faltou dar um abraço ao José Torres. Choveram os aplausos do público para este lance futebolístico, injustificadamente esquecido pelos amantes do futebol.
Lembro-me também do caso Saltillo. Portugal tinha-se apurado para a final do campeonato do mundo de 1986 no México, após a vitória sobre a Alemanha em Estugarda (1-0, golo de Carlos Manuel). O José Torres era o seleccionador nacional, e foi sem dúvida um dos esteios desse apuramento. Em Saltillo, local do México onde estava alojada a selecção nacional, estoirou um conflito entre responsáveis da Federação e jogadores, ao que julgo saber, por causa dos dinheiros dos patrocínios. A bronca foi tal que o José Torres, que era sem dúvida o menos culpado, se demitiu. Pagou por todos os outros. Apesar dos anos que passaram, continua a ter interesse apurar a verdade, até para prevenir incidentes idênticos (ao que vemos, saiu o Scolari, e voltámos ao mesmo). E para fazer justiça ao José Torres, que bem merece.
Carlos Godinho
Que pena tenho de não poder exprimir tudo o que me vai na alma sobre algumas pessoas que durante este período do mundial falaram dos percursos anteriores da selecção nacional. Para mim a selecção nacional será sempre a minha equipa, ganhe, perca ou empate. Com este, como foi com os anteriores ou será com os próximos seleccionadores nacionais, enquanto por cá andar neste mundo. A Selecção Nacional será sempre a melhor equipa do mundo, a mais bela, aquela por que mais sofrerei. Em qualquer circunstância. A Selecção Nacional para mim são afectos, é "o nós" em oposição ao "eu", é a história de todos, não só de alguns, são as cores da bandeira, é o hino, e é esse conjunto de sentimentos que fazem dela a minha equipa. É equipa de Jorge Vieira, Azevedo, Matateu, de Travassos, de Hernãni, de Eusébio, de Futre, de Figo, Rui Costa, de Petit, de Deco, de Simão, de Ricardo, de Vitor Baía, de Fernando Couto, de Cristiano Ronaldo e hoje de Fábio Coentrão e de Eduardo, e de todos os outros que vestiram aquela camisola. É a equipa de Ribeiro dos Reis, de Otto Glória, de Juca, de António Oliveira, de Scolari e Queiroz. Não só de um, mas de todos. Com actos positivos e negativos, de vitórias e derrotas. Era este o espírito de muitos com quem aprendi, sobretudo lendo, porque infelizmente não os conheci. Cândido Oliveira, Vitor Santos, Carlos Pinhão, Aurélio Márcio e tantos, tantos outros. Infelizmente, alguns ilustrados comentadores(??) e analistas, mexendo nos números, nos resultados, sobretudo nos ódios, fizeram os impossíveis para demonstrar aos portugueses que a história foi fraca. Como se enganam. É o conjunto dos bons e dos maus momentos que faz desta selecção o que ela é hoje. E ela hoje é uma referência no mundo do futebol. Mesmo tendo perdido nois oitavos do mundial. E aí volto ao princípio desta entrada. Para que conste que nada mudou nos meus princípios e nas minhas ideias.
Transcrito do blogue "Todos Somos Portugal"