Quinta-feira, 16 de Junho de 2011

Convite da sócia Edyth Teles de Meneses

 

 

 

DIVULGAÇÃO

ASSOCIATIVA

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TEXTO DA AUTORA

 

 


CONVIDO TODOS OS MEUS AMIGOS  A HONRAREM-ME COM A VOSSA PRESENÇA

 

 

DESDE JÁ O MEU OBRIGADO

 

SAUDAÇÕES POETICAS

Edyth Teles de Meneses

 

 

 

 

 

 

 

 

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( Tel | (+ 351) 21 39718 99

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publicado por João Machado às 09:00
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Quarta-feira, 15 de Dezembro de 2010

Guilherme de Azevedo(1839-1882) - I

Carlos Loures

Na segunda metade do século XIX, Santarém, apesar da sua proximidade da capital, era uma cidade tipicamente provinciana. A visão de uma vila adormecida, bucólica, como a que Almeida Garrett nos descreveu em Viagens na Minha Terra, não sofrera alterações de monta nas poucas décadas que entretanto tinham decorrido. A cidade portuguesa que aparte Lisboa segundo o polígrafo Alberto de Almeida Pimentel, mereceu dos estudiosos de arte um mais elevado número de obras, a chamada capital do gótico. Bela, mas entediante. Bucolismo e tédio que os poderes vigentes procuram manter num sono vigiado por um «bom senso» de uma elite burguesa que tudo controla em termos económicos, políticos e sociais. Nada escapava à abrangente visão desse grupo dominante, muito menos as manifestações culturais.

Guilherme de Azevedo nasceu no seio desse escol, filho de um escrivão de Fazenda, o senhor Felício José Chaves, que desejava que o filho lhe seguisse as pisadas e herdasse o prestigioso, honrado cargo. Guilherme tinha outro projecto de vida. Quando termina o ensino liceal, pretendeu prosseguir os estudos na Universidade, em Coimbra. Desejava vir a ser escritor, jornalista... Mas o pai solicitou aos superiores que o cargo fosse herdado pelo filho. Guilherme vê-se, pois, escrivão de Fazenda, mergulhado num abominável pesadelo burocrático. Sobre a luta entre o que Guilherme quer ser e aquilo que seu pai o obrigou a ser, ouçamos Fialho de Almeida em Os Gatos (Lisboa, 1889-1894): «Chegado à adolescência, e vendo o pai que o seu varão dificilmente conseguiria trepar a bacharel, porque era cábula, e não havia meio de reagir sobre um organismo flébil e queixoso, resolveu-se fazê-lo interromper o curso dos liceus e integrá-lo na burguesia lugareja.» [...] «Como a família gozasse em Santarém duma pequena mediania, Guilherme com os proventos do emprego, aliás rendosos, ali viveu sem maiores faltas de conforto, e até desenvolvendo entre o dandismo da terra, umas galhardias de trajo, que miserabilizavam mais ainda, a sua pobre carcaça de aleijado. Na terra, era antipático, chamavam-lhe o diabo coxo.» [...] «Ele não podia consolar-se de ser defeituoso, e sem se queixar, evitava todos os ricochetes de palestra donde pudesse sair alusão à sua deplorabilíssima invalidez.»

Pertencem a este atormentado período da sua juventude, em que mitiga as agruras do quotidiano com ávidas, apressadas, leituras de Baudelaire, de Leconte de Lisle, de Victor Hugo, os primeiros versos do Almanaque de Lembranças (1864) e a recolha de poemas publicados em jornais e revistas e a que dá o título de Aparições (1867). Com o jornalista e escritor Tomás Lino de Assunção e com o numismata e compositor musical José Ferreira Braga, funda em 1871 O Alfageme, jornal onde colabora escrevendo crónicas satíricas e humorísticas. É esta inspirada veia satírica que o levará, anos depois, a ser convidado por Bordalo para dirigir literariamente o António Maria. Mas estamos agora a falar de O Alfageme, onde, entre outras coisas, tem a ousadia de fazer o elogio da Comuna de Paris, o governo insurreccional, constituído por socialistas e por operários, que, perante o quadro de miséria vivido pela população, entre Março e Maio de 1871, gere a capital francesa, numa atitude de repúdio pela humilhante capitulação do Estado após o cerco dos exércitos prussianos.

Esta corajosa posição custa-lhe a devolução da folha pelos seus escassos assinantes, a extinção do Alfageme que, nascido em 6 de Agosto, falece a 19 de Outubro, chegado o seu sexto número, vale-lhe a cruel alcunha de diabo coxo, aludindo ao suposto espírito satânico do poeta e, sobretudo, à sua deficiência física motivada pelo acidente na infância e pelo tumor que daí adveio. À pequena escala do burgo, o escândalo é clamoroso. Mesmo os poucos amigos que ainda tinha na cidade, se afastam. Santarém é demasiado pequena para conter o sol de revolta e de inconformismo que arde no peito de Guilherme. Porém, em contrapartida, são também estas posições ousadas que lhe valem a aceitação por parte dos escritores da chamada Geração de 70. Está com 35 anos. Entretanto, seu pai morre. Converte o parco património herdado em moeda, encerra a sua odiada carreira de escrivão e transfere a residência para Lisboa. Um novo ciclo da sua vida - o último e o mais importante - vai começar. «Estou deveras fatigado de Santarém; vou-me embora.», dissera Garrett. Guilherme subscreve.

Ainda neste agitado ano de 1871 publicara Radiações da Noite, em cujo prefácio manifesta já o desejo de dar um novo rumo à sua escrita, pois anuncia-se como «iconoclasta-inovador» [...] «afirmando-se com mais veemência e mais calor a palavra da nova fé social e democrática». Guilherme de Azevedo ganha fama, começa a ser falado para lá das muralhas de Santarém. Não será por mero acaso que o vemos, em Maio desse mesmo ano, entre intelectuais da dimensão de Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Augusto Soromenho, Adolfo Coelho, Jaime Batalha Reis e outros, no Grupo Cultural do Cenáculo, promotor das Conferências do Casino Lisbonense (que se projectava realizar de 22 de Maio a 19 de Junho de 1871), destinadas a, com realismo, «tratar as grandes questões contemporâneas, religiosas, políticas, sociais, literárias e científicas...» Como se vê, todo um programa de regeneração da anquilosada sociedade portuguesa. O Governo, porém, cancela a realização das Conferências. Afinal, nem só em Santarém as autoridades zelam por que o sono não seja interrompido.

(Continua)

(Adaptação da biografia publicada pelo autor em "Vidas Lusófonas")
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Segunda-feira, 7 de Junho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra


Manuela Degerine

Capítulo XII

Etapa 4: De Santarém a Azóia de Baixo

A saída de Santarém é demorada, justapõe arquitectura tradicional, urbanizações recentes, quintais, garagens, armazéns, pequenas empresas, num conjunto heteróclito, porém as ruas estão limpas, cuidadas – e há passeios na maior parte do trajecto. Nota-se algum respeito pelo habitante.

Passo Casais da Besteira. Começo a sentir-me no campo. Hortas. Oliveiras. Prados verdes. Cheira a terra molhada. Chego a Azóia de Baixo, uma terra calma e limpa, casas com barras coloridas, o luxo de alguns bancos públicos. Um luxo?... Estranhará o leitor. Eu explico: se compararmos com tantos lugares por onde passei. Converso com uma habitante, inquiro como é a Azóia. Já foi melhor, diz ela, noutros tempos havia sempre gente a passar, agora os novos trabalham longe, os velhos vêem televisão; não se encontra ninguém. Ela tem uma dor ciática e uma filha na Amadora. Sente-se desamparada.

Caminhei oito quilómetros. O céu continua azul com, aqui e além, nuvens de algodão. Sinto já calor. Bebi uma garrafa de água, compro outra, devoro uma sanduíche com carne de javali assada, o que para mim representa o cúmulo do exotismo: hei-de contar esta aos meus amigos gauleses.

E prossigo.

Na saída de Azóia sinto dúvidas quanto ao caminho a seguir. Devo virar à direita, viro na primeira estrada, desço uma encosta muito íngreme, subo outra igualmente inclinada, caminho um bom quilómetro, chego a um hotel rural, toco à campainha, vem uma rapariga à porta.

Só sabe que por ali vou enganada.

Retrocedo, portanto. Desço, subo e, pouco depois, vejo a direcção indicada por um marco: caminho de Fátima.
publicado por Carlos Loures às 10:00
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Sábado, 5 de Junho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo X

Etapa 4: Chegada a Santarém



Bem sei quem era Camões, e quem sou eu.


Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra


Quinta-feira, 22 de Outubro de 2009, incerta quanto ao tempo, não pus o despertador a tocar. Acordo às sete horas, vou à janela ver: a rua e as grades da varanda encontram-se molhadas mas parece-me que, neste momento, não chove. Tal circunstância reforça a esperança – talvez a chuva não persista. Saio de casa às oito e meia, apanho o metro para o Oriente e o comboio para Santarém.

Previ caminhar vinte e um quilómetros até Arneiro das Milhariças. Começo a subir a encosta que na última vez desci, vejo a vegetação molhada de chuva recente, porém o sol brilha radiante, como radiante eu subo. Dormi bem e sinto-me disponível para novas descobertas.

Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett conta a peregrinação do autor a Santarém – porém esta viagem é o que as Viagens menos contam. No capítulo XXIX o autor defende-se das expectativas: Muito me pesa, leitor amigo, se outra coisa esperavas das minhas Viagens, se te falto, sem o querer, a promessas que julgaste ver nesse título, mas que eu não fiz decerto. Querias talvez que te contasse, marco a marco, as léguas da estrada? palmo a palmo, as alturas e larguras dos edifícios? algarismo por algarismo, as datas de sua fundação? que te resumisse a história de cada pedra, de cada ruína?... Almeida Garrett escrevia numa época em que a literatura europeia, após A Viagem Sentimental de Sterne e Tiago, o Fatalista de Diderot, praticava a digressão com arte e malícia.

Estas digressões das Viagens deliciaram-me desde a primeira leitura mas não aos outros alunos da minha turma; e torturaram sucessivas gerações de alunos obrigados pelos programas a lerem-nas numa idade em que, na sua maioria, não tinham adquirido os conhecimentos necessários para, nem digo as apreciarem, ao menos as compreenderem. Uma amiga minha, a Isabel, na primeira leitura, pensava até que o A. em, por exemplo, Faz o A. modestamente o seu próprio elogio, significava o Almeida... Claro: tínhamos dezasseis anos.

Longe de mim insinuar que tais programas eram demasiado exigentes. Os programas devem ser sempre exigentes. Devem ser sempre ambiciosos. Devem sempre obrigar-nos a interrogar, a procurar – a aprender. Devem surpreender-nos sempre. A falta de exigência nos programas é uma forma de desprezo: assenta na convicção de que a caixeira só existe para se sentar em frente da caixa, não tem uma vida interior, uma sensibilidade, uma compreensão, uma memória e portanto, para ser caixeira de supermercado, só precisa de conhecer as notas e as moedas do euro. Sinto-me contente por ter sido formada numa época em que os programas obrigavam a ler integralmente as Viagens, quer mais tarde eu me tornasse escritora, quer fosse mulher da limpeza, em que os programas contavam com a minha inteligência, em que apostavam na minha capacidade para entrar no pacto da leitura. E todos os meus colegas, mesmo aqueles que gemiam com a leitura de Os Maias, tantas páginas, cresceram nelas incomparavelmente mais do que os alunos de hoje com os documentos que agora lhes apresentam. Apenas um exemplo: participei numa reunião de formação dos assistentes durante a qual um folheto da McDonald’s do Brasil era proposto como documento pedagógico para o ensino do português língua estrangeira em França. (No comment.)

Faço a presente digressão pelo ensino para afinal aqui declarar que, tal como Almeida Garrett, também não faço a descrição pormenorizada de Santarém. Estas Novas Viagens contam um percurso pedestre de Lisboa a Santiago de Compostela, atravessam um Portugal que só pode ser visto desta maneira – a pé. Não vou por isso descrever-te, leitor curioso, os monumentos de Santarém; que tu conheces. Os quais eu aliás desta vez também não vi. Visitei-os noutras ocasiões em que aqui cheguei de carro. E hei-de revê-los quando aqui voltar.

O objectivo da viagem é agora outro: atravessar o Portugal que existe para além das cidades e das auto-estradas. (Almeida Garrett lembrou que havia Portugal fora do triângulo situado entre o Chiado, a Rua do Ouro e o Teatro de S. Carlos.)

E, como Almeida Garrett não passou para além de Santarém, entro agora, digamos... numa terra incógnita da literatura.

Vamos juntos descobri-la.
publicado por Carlos Loures às 10:00
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Sexta-feira, 4 de Junho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo IX

Viagem retardada: Lisboa

Passou-se quase um mês. Percorri entretanto alguns quilómetros de bicicleta, muitos de carro e comboio, mais ainda de avião, por ter que voltar a Paris, onde também fiz uma grande caminhada pelo parque de Saint-Cloud, Marne-la-Coquette, Vaucresson, Bougival, ilha de Chatou e margens do Sena até Colombes, um percurso que cita Guy de Maupassant como Sintra traz sempre Eça de Queirós à memória. A beira e as ilhas do Sena onde escritores, artistas, cocottes, funcionários, comerciantes e burgueses passavam os domingos e o Verão, a Grenouillère onde tomavam banho, o restaurante Fournaise onde se reuniam, que Renoir pintou em O Almoço dos Remadores, que Maupassant evoca, entre outros contos, em La femme de Paul (A mulher de Paul) – e que ainda existe com um aspecto semelhante ao que então tinha. Mudaram os clientes, evidentemente, agora há sobretudo turistas, no entanto atravessar aquele espaço causa ainda a sensação insólita de circular dentro de um quadro de Renoir ou de um conto de Maupassant: uma experiência agradavelmente perturbadora.

Planeava continuar a viagem para Santiago de Compostela no dia 21. Ora na véspera, regressando de casa da minha mãe, subia a R. da Palma na direcção dos Anjos, quando senti um contacto no meu saco. Virei-me. Um homem negro ultrapassou-me, vi vários ciganos à minha volta. Também não me hão-de assaltar aqui no meio da rua, pensei eu. Esqueci-me do incidente até chegar a casa e descobrir, quando procurei a chave, que me faltava a bolsa na qual trazia, entre outras coisas, dinheiro e documentos. Voltei a descer à Mouraria, na esquadra encontravam-se em mudanças, não podiam registar a ocorrência, fosse ao Rossio onde, quando cheguei, encontrei uma fila para assinalar ocorrências do mesmo género. Enquanto esperava conversei com um polícia. A senhora é portuguesa? Não está a viver em Portugal... E explicou que aqueles roubos costumam ser cometidos por romenos que agem em grupo e atacam toda a gente mas muito em particular turistas: os turistas são malucos. Eu quis saber porquê. Andam com o dinheiro e os documentos quase à mostra nas mochilas, só falta convidarem os romenos abrirem e servirem-se. São malucos. Expliquei que os turistas vivem em sociedades nas quais este tipo de violência não existe, argumentando que, enquanto em Paris não conheço ninguém que fosse alguma vez roubado, em Lisboa sou a única que, até agora, havia conseguido escapar – sem valor estatístico, pois compara o incomparável, esta verificação não deixa contudo de ser significativa.


Conclusão: tornei-me uma lisboeta como as outras. Entretanto, quando contei o roubo aos meus amigos, alguns exclamaram: também andas sempre a pé! Ando e quero andar. Um espaço onde não podemos caminhar não é uma cidade: é uma concentração de medos. Conheci isto no Brasil e, embora lá deixasse amigos, não sinto vontade de voltar.

Consequência: no dia 21 às oito e meia da manhã, em vez de partir na direcção de Santarém, dirijo-me para o Areeiro. A polícia recomendou que esperasse quatro dias antes de requerer outro cartão, porém não me agrada a ideia de o meu bilhete de identidade circular por aí nas mãos de romenos; quanto mais entidades oficiais notificarem o roubo, mais descansada me hei-de sentir. No Areeiro dão-me a lista de locais onde posso fazer o cartão único, o mais próximo situa-se nas Olaias, basta virar na primeira rua à direita, contudo um senhor, a quem explicam o mesmo, recomenda-me que não vá. Não aceito a ideia de haver na cidade zonas interditas mas já tenho por ora a minha dose de complicações; dirijo-me à Fontes Pereira de Melo. (Sinto-me de maneira exagerada uma lisboeta como as outras.) A mesma funcionária adverte que, se não me resta qualquer cartão de identidade, devo apresentar um familiar ou duas testemunhas que certifiquem as minhas declarações. Pois... Pai não tenho, filhos também não, o marido é francês – restam o meu irmão, que não está disponível, a minha mãe, que se encontra doente. E, durante o dia, os meus amigos trabalham. Então as impressões digitais? Não servem. Estão lá para quê? Isso não sei, replica a senhora, encolhendo os ombros. Estranho, parece-me. (E terá sem dúvida parecido aos leitores que alguma vez passaram pelos mesmos transes.) Por fim, vencida a dificuldade da identificação, fui atendida na Fontes Pereira de Melo com muita gentileza e eficiência.

Já havia chovido na véspera, choveu durante todo o dia 21, uma chuva por vezes muito forte. Consolei-me com esta evidência: se tivesse partido para Santarém caminharia à chuva – o que, mesmo com impermeável, não tem graça.

A meteorologia previa ainda chuva na quinta-feira dia 22 porém, se eu adiasse, não estaria depois disponível, esperaria durante mais três semanas; e, mesmo então, como estamos no Outono, também talvez chovesse.

Optei por arriscar.
publicado por Carlos Loures às 10:00
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Quinta-feira, 3 de Junho de 2010

Novas Viagens na Minha Terra

Manuela Degerine

Capítulo VIII

Etapa 3, da Azambuja a Vila Franca

Terceira parte

Subimos, a bom trotar das mulinhas, a empinada ladeira.


Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra

Passa das de três e meia, o calor, a partir de agora, começa a abrandar, o saco tornou-se leve – mas o pé dói-me cada vez mais. Abandono o dique, atravesso uma planície muito vasta cuja horizontalidade e cujas distâncias me impressionam. Deve ser grandioso caminhar aqui no Inverno ou na Primavera. Não, esta luz e este calor não me convêm...

Há quatro anos, numa viagem pelos Açores, extasiei-me a cada passo – e dei tantos – com aquele campo da minha terra: tão florido, ameno e asseado. Até agora, na região de Lisboa, atravessei um campo muito sujo; aqui parece-me enfim um pouco mais limpo.

Antes de chegar a Omnia, efeitos do calor e da dor no pé, começo a andar à toa. Primeiro engano-me num caminho sem engano possível, vou parar a uma casa particular, onde um rapaz e um senhor elegantes, pai e filho provavelmente, me recebem com urbanidade – não têm o aspecto, o cão, o medo e a linguagem dos rurais. Despeço-me lamentando que ninguém me conte a história daquela casa e daqueles dois habitantes; eu neste momento sinto-me cansada demais para a inventar. Poucos metros mais adiante, paro para tirar da mochila outro pacote de bolachas, penduro o bordão numa cerca, deixo-o lá esquecido e só reparo na subida para Santarém: dois quilómetros para um lado, dois quilómetros para o outro, como se os trinta e dois da jornada não bastassem. Recupero o bordão.

Apesar da experiência na primeira etapa, o bordão continuava a parecer-me inútil e incómodo... Na verdade não me conseguia imaginar a bater num cão – mesmo feroz. Ora em Porto de Muge, lança-se um na minha direcção, eu levanto a arma, o bicho dá meia volta. E agora, há pouco, numa vinha, corre um pastor alemão atrás de mim, pêlo e dentes assassinos, eu mostro o bordão, já mais confiante; e de imediato a fera se vai embora. Ignorava esta magia do bordão!

Recomeço a subida. Vejo, pela primeira vez, à beira da estrada, um fio de água sem cor nem cheiro na qual cresce até agrião. Chego a Santarém. Onde faço idas e voltas numa indecisão que não me é habitual. Entro num Centro Comercial, bebo um sumo de papaia. A coxear. Busco os bombeiros, que estão lá para baixo, a quilómetro e meio daqui. Mais vale eu procurar um hotel. O pé direito doi-me cada vez mais. Que hipóteses tenho de poder amanhã caminhar vinte e um quilómetros até Arneiro das Milharicas?

Concordo contigo, leitor atento, há um cansaço a partir do qual se torna perigoso teimar, é nestas ocasiões que se partem pernas ou se perdem objectos necessários, chaves, telemóveis ou documentos. Tens razão. Prefiro parar agora. Mais vale sarar a bolha do pé e, na próxima ocasião, prosseguir as minhas viagens.

Caminho ainda até à estação de Santarém e sento-me por fim num comboio que hoje me parece de um luxo quase fabuloso.
publicado por Carlos Loures às 10:00
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