Durante muitos anos, depois da sua morte, continuaram a acender-se lamparinas de azeite em sua memória. Nas juntas de freguesia do interior viam-se fotografias de Sidónio penduradas na parede, ao lado das de Salazar.
A sua figura tem sido evocada nestes anos de brasa, em que o espectro da I República vem pairando sobre o Terreiro do Paço, São Bento e Belém, antigo triângulo da classe política.
Forçadas analogias irrompem da pena dos colunistas mais avisados. Brande-se o risco do sidonismo para vestir uma pele de autocrata ao actual presidente da República. E este já se viu obrigado a jurar: nunca os caminhos de Sidónio trilharei.
É sabido como Fernando Pessoa viu em Sidónio Pais, num clássico poema, o chefe nacional em que, por uma efémera hora, «encarnou el-rei Dom Sebastião.
- Por determinação do comando-geral das forças armadas, é proibido aos militares dizerem que há guerra em Angola. “Há apenas acções militares para manter a segurança pública.”
- Chega a Angola o BCaç 248.
2
- Marcado o dia 22 de Novembro do ano corrente para a eleição geral dos deputados à AN – Assembleia Nacional.
- Morre em combate 1 militar da CCaç 164.
3
As tropas portuguesas retomaram Caiongo, o derradeiro posto em poder dos rebeldes. Em menos de 4 meses as Forças Armadas Portuguesas haviam reocupado toda a região afectada. Durante quase 6 meses os guerrilheiros da UPA, sob a coordenação de João Baptista Traves Pereira, ex-Alferes do exército colonial português, ocuparam uma área geográfica cuja extensão era 4 vezes maior do que Portugal.
5
Manifestações em Lisboa e Alpiarça, que originam várias detenções.
7
Discurso de Venâncio Deslandes, a dar por findas as operações militares no Norte de Angola, passando-se à fase das operações de polícia: “(...) Se a guerra se pudesse compartimentar em fases perfeitamente distintas, diríamos que teriam assim terminado as operações propriamente ditas e estaria iniciada a fase sequente de operações de polícia, embora ainda em grande parte no âmbito militar.”
8
No Norte de Angola actuam já 25 batalhões de caçadores, num total de 98 companhias operacionais com efectivos de 16.000 homens e cinco baterias de artilharia de campanha.
10
Morrem em combate 2 militares. Um da CCaç 89 e um da CArt 118.
11
Morre em combate 1 militar da CCaç 168.
12
- Partida para Angola da imagem de Nossa Senhora de Fátima, depois de uma cerimónia em que estiveram presentes o cardeal Cerejeira e o chefe de Estado.
- Morre num acidente o tenente-coronel Fernando Lamelino do BCaç 159.
13
Carta aberta de Amílcar Cabral ao Governo português, reclamando a independência da Guiné e de Cabo Verde, ao mesmo tempo que a cooperação dos respectivos povos com o Governo português.
14
Morre num acidente o tenente da Força Aérea António Dias.
18
- Cerimónia da entrega das insígnias aos primeiros fuzileiros navais, no Alfeite, destinados a Angola.
Logo após os inícios das ocorrências em Angola constatou-se que a Marinha necessitava de unidades especialmente treinadas para operar em terra em acções contra guerrilha. Assim foram criadas a nova classe de sargentos e praças – a dos Fuzileiros e as respectivas unidades operacionais: Batalhões, Companhias e Pelotões de Fuzileiros e Destacamentos de Fuzileiros Especiais.
- Morre em combate 1 militar do DInt 209.
20
Morre em combate 1 militar da CCaç 111.
21
- Partem para Angola os BCaç 317, 321 e 325.
- Início de um colóquio internacional, promovido pela União Indiana, sobre as colónias portuguesas.
23
O Diploma Legislativo Ministerial n.° 54 do Ministro do Ultramar, de 23 de Outubro de 1961, conferiu a possibilidade de, em tempo de guerra ou de emergência, as milícias serem constituídas num Corpo de Voluntários, na dependência do Governador-Geral.
27
- Manifestações exigindo a demissão de Salazar e o fim da guerra. - Constitui-se na Venezuela o Movimento Democrático de Libertação de Portugal e Suas Colónias.
- Álvaro Cunhal critica o Partido Comunista Chinês no decurso do XXII Congresso do Partido Comunista da União Soviética.
31
- Entrega ao presidente da República de uma carta pelos candidatos da oposição, a exigir a substituição do Governo.
- Durante este mês as baixas das forças portuguesas totalizaram 21 mortos. Em acções de combate morreram 6 militares.
NOVEMBRO
?
- Forças da ONU intervêm no Catanga para pôr fim à secessão. - Recomposição do Comité Executivo da UPA, com Alexandre Taty, vice-presidente, e Jonas Savimbi, secretário-geral.
3
As forças portuguesas iniciam a Operação “Gazela” que tem como missão genérica neutralizar um bando inimigo assinalado na região do Vale do Loge.
5
O Governo define as bases para a «unidade económica da Nação».
6
Manifestação do Exército de apoio ao Governo, na sequência da carta da oposição de 31 de Outubro.
8
D. L. n° 44017. Cria a representação de Portugal junto da organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
10
- Desastre de aviação do Chitado, em que morreu o general Silva Freire, comandante da Região Militar de Angola, e mais 14 militares do Exército a da Força Aérea. Entre os quais o brigadeiro José da Silva Correia, quatro tenentes-coronéis, dois majores, dois capitães, um tenente, um alferes, dois sargentos e um cabo.
- Tomada, em pleno voo, de um avião da TAP, da linha Casablanca-Lisboa, que sobrevoa a capital, o Barreiro, Beja e Faro, lançando milhares de panfletos. Do comando de seis pessoas fazem parte Palma Inácio, Camilo Mortágua, Maria Helena Vidal, Fernando Vasconcelos, José Martins e Amândio Silva.
11
Em Almada, durante confrontos com forças policiais no decurso de manifestações, é morto a tiro pela GNR Cândido Martins Capilé, militante do PCP.
12
- Eleições para a Assembleia Nacional tendo a oposição concorrido em oito círculos, mas desistindo. - O adido militar da Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa visita Angola.
13
Condenação por 90 votos contra 3, pela Comissão de Tutela da ONU, da política colonial portuguesa.
14
- Partida do primeiro Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE 1) para Angola. Os Destacamentos de Fuzileiros Especiais (DFE), inicialmente com um efectivo de 75 elementos e posteriormente com 80, estavam vocacionados para acções essencialmente ofensivas de limitada duração e de restrita profundidade a partir da orla ribeirinha. - Abandono por Portugal de uma sessão da 4ª Comissão da ONU, em protesto pela audição de dois dirigentes do Movimento de Libertação da Guiné a Cabo Verde.
- Morre em combate 1 militar da CArt 102.
18
Início de uma acção de limpeza sobre a região de Quindaca, em Angola, no itinerário Nova Caipemba-Colonato. Intervieram duas Companhias de Caçadores com o apoio da Força Aérea.
19
Morre em combate 1 militar do BCaç 261.
22
Alteração do sistema tributário português, para fazer face às despesas de guerra.
23
Operação “Ventarola”, que se prolongou até dia 2 de Dezembro, no sector a norte e a sul do rio Bengo, no sector compreendido entre Lambrele-Matari e Caxia (Angola). Uma praça morta e uma ferida gravemente.
24
Parte para Angola o BCav 345.
27
Anúncio, pelo governador-geral de Angola, de «nova actividade terrorista» no Norte do Território.
28
- Morrem em combate 2 militares. Um furriel da CCaç 89 e um cabo da CArt 102.
- Em Angola inicia-se a operação “Lagarto”, acção executada na sequência de acções psicológicas levadas a cabo tendo em vista a recuperação parcial dos elementos refugiados nas matas.
29
Seis militares da CCav 121 morrem num acidente em Angola.
30
Durante este mês as baixas das forças portuguesas totalizaram 35 mortos. Em acções de combate morreram oficialmente 4 militares.
DEZEMBRO
?
- Embarcaram para Angola, em 1961, seis Companhias de Caçadores Especiais cujos comandantes receberam instrução no CIOE – Centro de Instrução de Operações Especiais. Os instrutores do CIOE eram oficiais e sargentos com formação obtida além fronteiras e conhecedores das envolventes da luta anti-guerrilha, com passagem prolongada por centros de instrução e treinos conjuntos com forças estrangeiras nomeadamente nos Estados Unidos, em França e na Argélia.
- Acordo entre Mário de Andrade, líder do MPLA, e Humberto Delgado, para a formação de uma Frente Unida contra o regime português.
- O Bispo de Luanda, D. Moisés, afirma em Carta Pastoral apoiar “as aspirações justas e legítimas dos negros” e bate se pela libertação do padre Joaquim Pinto de Andrade, preso pela PIDE.
2
- Expulsão de Portugal de quatro missionários norte-americanos, acusados de apoio aos movimentos angolanos.
- Morre em combate 1 militar da CCaç 63.
4
Um grupo de militantes comunistas – Francisco Miguel, José Magro, Costa Carvalho, António Gervásio, Domingos Abrantes, Ilídio Esteves e Rolando Verdial – evadem-se da prisão de Caxias, utilizando o automóvel blindado que estivera ao serviço de Oliveira Salazar.
9
- A Índia concentra tropas junto à fronteira de Goa.
- Morre em combate 1 militar da CCaç 190.
12
Evacuação de mulheres e crianças de Goa.
13
Morre em combate 1 militar da 3ªCCaç/RINL
14
- Determinação de Salazar sobre a Índia: «Apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos». Salazar ordena a sua defesa a qualquer preço.
- Portugal dispunha neste local de um total de cerca de 3.500 homens, mal armados, contra uma força que, no mínimo, integrava 45.000 soldados indianos, com apoio aéreo e marítimo.
- Início da operação “Marlene” em Angola, executada por duas Companhias de Caçadores, tendo o IN atacado Quissalávoa, e reagido defensivamente ao longo do itinerário Aldeia Viçosa-Cólua-Quissalávoa-Quipedro, especialmente nas regiões de Zeia Tema, Quicas e Quissalávoa.
16
- Intimação do Governo da União Indiana para a evacuação dos territórios de Goa, Damão e Diu. - Veto da União Soviética a um projecto de resolução do Conselho de Segurança da ONU, a condenar a União Indiana pela ameaça militar contra Goa, apresentado pelos Estados Unidos, França a Turquia.
17
Início da operação militar que leva à ocupação de Goa, Damão e Diu por parte da União Indiana.
19
- Apresentação da rendição das tropas portuguesas ao comando indiano, contrariando as ordens de Salazar. Nos combates morreram 25 militares portugueses. Os restantes foram feitos prisioneiros. Salazar deixou-os ficar prisioneiros largos meses. Quando regressaram, demitiu os oficiais do quadro a partir da patente de capitão.
- Instituição pela Assembleia-Geral da ONU de um Comité Especial para os Territórios Administrados por Portugal (Comité dos Sete), a convidar os estados membros a recusar qualquer ajuda ou assistência utilizável contra as populações dos territórios coloniais.
- Uma brigada de agentes da PIDE assassina numa rua de Alcântara, o escultor José Dias Coelho, militante e funcionário clandestino do PCP.
25
Dois militares da CArt 118 morrem em combate.
28
Mais 2 militares da CArt 118 morrem em combate.
30
- Discussão de Salazar com alguns ministros sobre a hipótese de abandono da ONU por Portugal.
- Humberto Delgado entra clandestinamente em Portugal, passa por Lisboa e dirige-se a Beja, para comandar a revolta que deverá eclodir a partir do Regimento de Infantaria 3.
31
- Durante este mês as baixas das forças portuguesas totalizaram 15 mortos. Em acções de combate morreram 7 militares.
- No final do ano Portugal tem 33 477 efectivos militares em Angola, 4 736 na Guiné e 11 209 em Moçambique, tendo as tropas portuguesas sofrido oficialmente um total de 240 mortos em Angola sendo 151 em combate. A percentagem das despesas com as Forças Armadas representou 38,6 por cento das despesas públicas.
- Chegada a Angola da 2ª Companhia de Caçadores Pára-quedistas.
- Chegam a Angola a 8ª e a 10ª CCE.
- Os ataques a fazendas e povoações continuam durante o mês de Abril e os reduzidos meios militares movimentam-se sem descanso, tentando salvar as populações mais ameaçadas.
- Os fazendeiros do Norte de Angola, atacados pela UPA, são ajudados por um grupo de civis de Luanda proprietários de pequenos aviões – que formaram a Esquadrilha de Voluntários do Ar (EVA). Descolavam da capital e levavam aos colonos sitiados mantimentos, medicamentos e armas. Regressavam a Luanda com refugiados. A Esquadrilha de Voluntários do Ar (EVA) foi fundada, em Angola, por Rui de Freitas, Carlos Monteiro, Afonso Vicente Raposo, Carlos Mendes, Jaime Lopes, Rui Manaças, Mário Dias e Pereira Caldas. Cada um fez centenas de horas de voo – em socorro dos colonos do Norte. Voavam muitas vezes em condições difíceis e aterravam nas picadas lamacentas.
1
Decreto da organização da Defesa Civil do Território, com criação nas colónias de uma comissão de coordenação de defesa civil.
2
Emboscada em Cólua, a uma coluna militar da 7ª CCE, sendo mortos 9 militares, dos quais dois oficiais: capitão Abílio Castelo da Silva e tenente Jofre Prazeres.
5
- São emboscadas, nos Dembos, em Angola, duas patrulhas militares.
- Os guerrilheiros da UPA emboscavam as tropas e, por vezes, atacavam em hordas, às centenas: enfrentavam as balas de peito aberto, armados de catanas, paus e canhangulos, alguns aos gritos de “bala não mata”. Os militares estavam mal armados: dispunham de poucas armas automáticas, apenas de velhas espingardas Mauser de repetição.
8
Primeira referência pública de Salazar à questão de Angola durante uma recepção aos agricultores do Baixo Mondego.
9
Falha o pronunciamento militar do general Botelho Moniz para depor Salazar.
10
Ataque à povoação de Úcua na estrada Luanda-Carmona, com o massacre de 13 brancos.
11
Ataque a uma patrulha portuguesa próximo de Tando Zinge, Cabinda.
12
Ataque à povoação de Lucunga, com massacre da maior parte dos seus habitantes brancos.
13
- Ataque de guerrilheiros provenientes do Congo-Brazzaville a Bucanzau, em Cabinda.
- Um furriel do BCaç 1 e dois soldados da CCaç 60 e CCaç 67 morrem em combate.
- Perante a evidente gravidade da situação e a necessidade de medidas militares de maior amplitude, o Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, que passara também a ocupar a pasta da Defesa Nacional, após a tentativa de golpe de estado que pretendia afastá-lo, ordenou o envio rápido e em força de expedições militares para Angola.
14
Declaração de Salazar: «A explicação é Angola, andar rapidamente e em força é o objectivo…».
15
Imposto o recolher obrigatório nos bairros suburbanos de Luanda.
17
Primeiro ataque da UPA à Vila de Damba, em Angola.
18
- Fundação, em Casablanca, da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas).
- Partida dos primeiros contingentes militares, para Angola, formados por Pára-quedistas, por via aérea.
20
- Aprovação, pela Assembleia-Geral da ONU, da Resolução 1603 (XV), incitando o Governo português a promover urgentes reformas para cumprimento da Declaração Anticolonialista, tendo em devida conta os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
- Morrem em combate 3 militares da 3ª Bat/GACL.
21
As primeiras tropas expedicionárias portuguesas partem para Luanda, via marítima.
23
- Partida de uma companhia de legionários para Angola.
- Parte de Lisboa o primeiro transporte de material de guerra no navio Benguela.
24
Tropas pára-quedistas são enviadas com a finalidade de suster a sublevação, proteger as populações ameaçadas, limpar itinerários mais importantes e libertar as pequenas povoações e fazendas ainda cercadas pelos guerrilheiros da UPA. Procedeu-se à recuperação de Ambrizete-Lufico, Mamarosa, 31 de Janeiro, Bungo, Úcua-Pango, S. Salvador, Quipedro, Nambuangongo, Maria Tereza, Mucaba, Quicabo, Canda, Dange, Sacandica, Quitexe, Bembe-Songo, Tendele, Aldeia Viçosa e tantas outras povoações e postos administrativos.
26
- A Força Aérea Portuguesa baseada no Engage, em Angola, multiplica as acções na Serra de Mucaba e nas áreas limítrofes de Damba, 31 de Janeiro e Bungo.
- Pela primeira vez aterra em Mucaba um avião Dornier, pilotado pelo tenente-aviador Durão. Trinta civis, um furriel e um chefe de posto, barricados na igreja de Mucaba, protagonizaram uma épica resistência aos ataques de centenas de sublevados.
28
Criação do Movimento Nacional Feminino.
30
- O Conselho Nacional de Segurança norte-americano é secretamente autorizado a financiar a UPA de Holden Roberto.
- Morre em combate um soldado pára-quedista do BCP 21.
- As baixas militares são já significativas neste mês de Abril. (18 mortos em combate).
MAIO
1
- A pasta do Ultramar é entregue a Adriano Moreira que, em 1 de Maio, acompanhado pelo Secretário de Estado da Aeronáutica, está em Luanda para assistir ao desfile das tropas do primeiro contingente expedicionário que ali chegaria no dia seguinte, via marítima.
- Morre em combate um soldado do BCaç 3.
2
- Desfile em Luanda do primeiro grande contingente militar transportado por via marítima composto por 2 Batalhões de Caçadores (BCaç 88 e BCaç 92), 9 Companhias de Caçadores (CCaç), 9 Companhias de Artilharia (CArt), 2 Companhias de Cavalaria (CCav) e 4 Pelotões de Polícia Militar (PelPM).
- Ataque a Sanza Pombo e novos ataques a Mucaba e à Damba, no Norte de Angola.
4
- Ataque ao Songo, a norte de Carmona. - Salazar remodela o Governo. Franco Nogueira entra para Ministro dos Negócios Estrangeiros e o general Venâncio Deslandes é nomeado governador-geral e comandante militar de Angola. - O Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, inicia a publicação de 33 diplomas legislativos para Angola.
- Morre em combate um soldado da CCaç 82.
5
- Partem para Angola os BCaç 96 e 109.
- A mentalidade com que as tropas portuguesas entravam na guerra ficou bem patente no discurso de despedida de um contingente, proferido pelo ministro do Exército, general Mário Silva: «Vamos para combater, não contra seres humanos, mas contra feras e selvagens. Vamos para combater animais selvagens. Vamos enfrentar terroristas que devem ser abatidos como animais selvagens».
6
- Ataque a São Salvador do Congo.
- As tropas metropolitanas recém-chegadas começam imediatamente a reocupação militar de toda a região afectada com unidades de tipo batalhão e a acorrer às povoações que ainda continuavam isoladas e sem qualquer defesa militar.
- O transporte das companhias era feito tendo por base jipes Willes MB 4x4 mod. 1944, "jipões" Dodge 4x4 mod. 1948, camiões GMC 6x6 mod. 1952 e Ford mod. Canada 4x4 (rodado simples). Esta última viatura possuía no tejadilho da cabine, sobre o local ao lado do condutor, uma abertura circular na qual se podia colocar em operação uma metralhadora.
- Morre em combate um soldado da CCaç 61.
7
- O correspondente do jornal Observer, em Luanda, calcula que foram mortos mais de 20 000 africanos desde o início da revolta, em 4 de Fevereiro.
- Os guerrilheiros, nestes primeiros meses de guerra, acreditavam na ressurreição: mesmo que fossem mortalmente atingidos voltavam a viver – só morriam se lhes fosse amputada parte importante do corpo. Os militares receberam ordens para decapitarem os cadáveres e espetarem a cabeça em estacas – para provar aos vivos que morriam se atacassem os portugueses.
8
- Criação dos batalhões de Caçadores Pára-Quedistas n ° 21 (BCP 21), em Angola, e n° 31 (BCP 31), em Moçambique.
- Ataques a Sanza Pombo, Úcua, Santa Cruz, Macocola e Bungo, com utilização de novas armas.
- Morrem em combate um alferes e um soldado pára-quedista.
13
Os contingentes de reforço chegados a Luanda avançam para o Norte. A coluna é composta por 150 jipes, 20 camiões de quatro toneladas e 6 camiões-tanques. Em algumas das viaturas foram instaladas protecções em chapa de aço de 10 milímetros. A coluna que, chegada ao Negage, se divide por dois eixos: o primeiro, definido por Songo, Damba e Maquela do Zombo, está a cargo do BCaç 88; o segundo, por Púri, Sanza Pombo, Macocola, Quimbele e Santa Cruz, a cargo do BCaç 92. As suas companhias, algumas delas de reforço, ocupam todas as povoações das áreas onde iam estacionando.
14
- Chegada a Luanda do navio Vera Cruz arvorado em transporte de tropas, com mais dois batalhões e quatro companhias. O BCaç 96 parte para a região de Úcua, o BCaç 109 para Ambrizete.
- Sucedem-se os embarques para Angola de unidades incipientemente preparadas para o tipo de guerra com que vão defrontar-se, com mau equipamento e mau armamento.
16
Morrem em combate 1 alferes e 4 praças do BCaç 3.
17
Morre em combate um sargento do RIL.
18
Morre em combate um soldado do RIL.
21
Ataque frustrado ao nó de comunicações do Toto, a sul de Bembe.
24
- Ataque pela UPA a Quimbele durante treze horas consecutivas. - Ataque ao posto de Porto Rico, próximo de Santo António do Zaire, com utilização de armas automáticas.
26
- Pedido de convocação urgente do Conselho de Segurança do ONU, por mais de 40 países afro-asiáticos, em face do agravamento da situação em Angola. - Lord Home, ministro britânico dos Estrangeiros, visita Lisboa para conversações com Salazar.
- Morre em combate um 1º cabo da CCaç 94.
28
- Morre em combate um soldado do BCaç 3.
- Partem para Angola os BCaç 114, 155 e 156.
30
- Morre em combate um soldado da CCaç 82.
31
- Entrevista de Salazar ao New York Times.
- Chegada do Batalhão de Caçadores 88 à Damba.
- Separação da União Sul-Africana da Commonwealth, tomando a designação de República da África do Sul.
- Durante este mês as baixas das forças portuguesas totalizaram 16 mortos. Em acções de combate morreram 15 militares.
JUNHO
1
- Kennedy e De Gaulle discutem o problema de Angola. - O governo cria um «imposto de consumo» com a finalidade de financiar o esforço de guerra nas colónias africanas.
- Morre em combate um furriel da CCaç 94.
2
- Ataques a fazendas em torno de Carmona, Negaje e Ambriz. - Fuga de Portugal para o estrangeiro de estudantes ultramarinos, muitos dos quais virão a desempenhar papel importante na luta nacionalista.
5
Início do 1º Curso de Fuzileiros em Vale de Zebro.
6
Início do 1º Curso de Enfermeiras Pára-quedistas, das 11 candidatas que iniciaram o curso, 6 conquistam a Boina Verde. Pela primeira vez na história militar portuguesa as mulheres têm lugar nas fileiras.
8
- Desaparecido em Angola, um PV-2, avião da Força Aérea que apoiava as operações do BCaç 92, com três tripulantes a bordo.
- Morrem quatro militares da Força Aérea. Um tenente e um cabo em acidente; um sargento e um furriel em combate.
9
Aprovação, pelo Conselho de Segurança do ONU de uma resolução deplorando profundamente os massacres e demais medidas de repressão da população angolana, podendo comprometer a persistência desta situação a manutenção da paz e segurança internacionais.
11
Morrem em combate 2 militares. Um da CCaç 67 e um da Força Aérea.
12
Morre em combate 1 militar da CCaç 105.
13
- Lucunga, no dia 13 de Junho, foi o primeiro posto administrativo a ser reocupado.
- Morre em combate 1 militar da CCaç 93.
14
Forças da Marinha, desembarcadas em Ambrizete, ocupam Tomboco e Quinzau.
15
Partem para Angola os BCaç 132, 137 e 141.
17
A Grã-Bretanha anuncia a venda a Portugal de duas fragatas equipadas para a guerra em África.
18
Morre em combate 1 militar da CCaç 78.
19
- Ataque dos guerrilheiros da UPA à vila de Ambriz, com utilização de armas automáticas.
- Morrem em combate 2 militares. Um soldado pára-quedista do BCP 21 e um soldado da 5ª CCE/RIL.
- O rio Chitoango, em Cabinda, passa a ser regularmente patrulhado por uma embarcação armada e por botes de borracha da Marinha.
21
Morrem em combate mais três militares do BCaç 3.
22
Criação da Secretaria de Estado de Aeronáutica, que substitui a Subsecretaria de Estado, mantendo como titular KaúIza de Arriaga, que desempenhara um papel importante na denúncia do golpe Botelho Moniz.
24
- Reocupação de Cuimba, a este de São Salvador do Congo.
- Morre em combate 1 militar do BCaç 92.
26
Morrem em combate 2 militares da CArt 119 e do CmdAgr 2.
27
- Visita a Lisboa de Dean Rusk, secretário de Estado norte-americano.
- Morre em combate 1 militar da CCaç 99.
28
Partem para Angola os BCaç 158 e 159.
30
- Primeiro comunicado oficial das Forças Armadas, referindo a morte de 50 militares entre 4 de Fevereiro e 30 de Junho em Angola.
- Ainda e segundo a mesma fonte, durante este mês de Junho as baixas das forças portuguesas totalizaram 30 mortos. Em acções de combate morreram neste mesmo mês 17 militares.
Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais. Fazem outro sentido os atuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE? 8:14 Quinta feira, 21 de Out de 2010
Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso mas breve interregno democrático. Durou menos de 40 anos, entre 1974 e 2010. Nos 48 anos que precederam a revolução de 25 de abril de 1974, viveu sob uma ditadura civil nacionalista, personalizada na figura de Oliveira Salazar. A partir de 2010, entrou num outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstrata chamada "mercados". As duas ditaduras começaram por razões financeiras e depois criaram as suas próprias razões para se manterem. Ambas conduziram ao empobrecimento do povo português, que deixaram na cauda dos povos europeus. Mas enquanto a primeira eliminou o jogo democrático, destruiu as liberdades e instaurou um regime de fascismo político, a segunda manteve o jogo democrático mas reduziu ao mínimo as opções ideológicas, manteve as liberdades mas destruiu as possibilidades de serem efetivamente exercidas e instaurou um regime de democracia política combinado com fascismo social. Por esta razão, a segunda ditadura pode ser designada como "ditamole".
Os sinais mais preocupantes da atual conjuntura são os seguintes. Primeiro, está a aumentar a desigualdade social numa sociedade que é já a mais desigual da Europa. Entre 2006 e 2009 aumentou em 38,5% o número de trabalhadores por conta de outrem abrangidos pelo salário mínimo (450 euros): são agora 804 mil, isto é, cerca de 15% da população ativa; em 2008, um pequeno grupo de cidadãos ricos (4051 agregados fiscais) tinham um rendimento semelhante ao de um vastíssimo número de cidadãos pobres (634 836 agregados fiscais). Se é verdade que as democracias europeias valem o que valem as suas classes médias, a democracia portuguesa pode estar a cometer o suicídio.
Segundo, o Estado social, que permite corrigir em parte os efeitos sociais da desigualdade, é em Portugal muito débil e mesmo assim está sob ataque cerrado. A opinião pública portuguesa está a ser intoxicada por comentaristas políticos e económicos conservadores - dominam os media como em nenhum outro país europeu - para quem o Estado social se reduz a impostos: os seus filhos são educados em colégios privados, têm bons seguros de saúde, sentir-se-iam em perigo de vida se tivessem que recorrer "à choldra dos hospitais públicos", não usam transportes públicos, auferem chorudos salários ou acumulam chorudas pensões. O Estado social deve ser abatido. Com um sadismo revoltante e um monolitismo ensurdecedor, vão insultando os portugueses empobrecidos com as ladainhas liberais de que vivem acima das suas posses e que a festa acabou. Como se aspirar a uma vida digna e decente e comer três refeições mediterrânicas por dia fosse um luxo repreensível.
Terceiro, Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais. Fazem outro sentido os atuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE? Onde está o princípio da coesão do projeto europeu? Para gáudio dos trauliteiros da desgraça nacional, o FMI já está cá dentro e em breve, aquando do PEC 4 ou 5, anunciará o que os governantes não querem anunciar: que este projeto europeu acabou.
Inverter este curso é difícil mas possível. Muito terá de ser feito a nível europeu e a médio prazo. A curto prazo, os cidadãos terão de dizer basta! Ao fascismo difuso instalado nas suas vidas, reaprendendo a defender a democracia e a solidariedade tanto nas ruas como nos parlamentos. A greve geral será tanto mais eficaz quanto mais gente vier para a rua manifestar o seu protesto. O crescimento ambientalmente sustentável, a promoção do emprego, o investimento público, a justiça fiscal, a defesa do Estado social terão de voltar ao vocabulário político através de entendimentos eficazes entre o Bloco de Esquerda, o PCP e os socialistas que apoiam convictamente o projeto alternativo de Manuel Alegre.
Os economistas têm tido um papel fundamental nas mudanças da nossa sociedade, seja em momentos cruciais onde governaram como primeiros-ministros, Oliveira Salazar e Cavaco Silva, seja nos outros governos. A definição da política económica do país teve sempre a mão decisiva de professores de economia, idos da Universidade para a governação. Todas as opções politicas nas áreas de economia e finanças tiveram a chancela de aprovação de economistas e foram elaboradas por eles.
Incontestavelmente, para a situação critica em que nos encontramos, os economistas que exerceram cargos nos governos muito contribuíram, assim como os que não governando, fizeram e fazem pressão do exterior para condicionar o rumo da política económica. A intervenção individual ou em grupo dos economistas na vida politica tem toda a legitimidade, se a intenção for esclarecer e debater os temas da sua área de especialidade. Mas o que se tem passado é que ao invés de clarificarem a situação, têm aumentado a confusão. Economistas ex-governantes sem desempenho eficaz quando exerceram o poder, surgem agora com as soluções milagrosas para resolver a crise. Produzem opiniões contraditórias com a sua prática e com o que antes afirmavam. Desdobram-se em diagnósticos e comentários diversos e para todos os gostos. A barafunda está instalada.
Na base do desacerto estão as escolas teóricas distintas, fundamentalmente três famílias de pensamentos divergentes. Até o prémio (em memória de) Nobel é capaz de premiar dois economistas que defendem o contrário um do outro. Para além das divergências de soluções há o oportunismo patente nas reviravoltas do pensamento dos economistas, consoante estão no executivo ou na oposição. Para os políticos é facílimo conseguir o apoio às suas medidas de conceituados economistas, como para qualquer oposição é facílimo conseguir o apoio às suas criticas, de outros conceituados economistas.
É tudo conceituado, grandes economistas, a ciência é que não existe. Por isso passam a existência a “fazer previsões e a justificar porque falharam as previsões feitas”. São eles que descredibilizam a sua actividade. Já fazem parte do anedotário popular “ Deus criou os economistas para os meteorologistas parecerem competentes”.
Enquanto a discussão é entre eles, académica, não vem mal ao mundo, o problema é quando têm oportunidade de aplicar as suas teorias; ao nível macroeconómico está patente na crise global que atravessamos, e no quotidiano da vida empresarial há vastos exemplos da sua impreparação para actuarem na economia real.
O que digo peca por generalizar, mas é o sentimento comum, sigo com atenção e consideração os ensinamentos daqueles cujas doutrinas económicas mais se aproximam do meu pensamento, mas que por desistência ou outras dificuldades, não têm conseguido impor uma alternativa à corrente liberal dominante, no ensino em Portugal, e nas decisões das instituições internacionais.
Se nada fizermos para corrigir o curso das coisas, dentro de alguns anos se dirá que a sociedade portuguesa viveu, entre o final do século XX e começo do século XXI, um luminoso mas breve interregno democrático. Durou menos de quarenta anos, entre 1974 e 2010. Nos quarenta e oito anos que precederam a revolução de 25 de Abril de 1974, viveu sob uma ditadura civil nacionalista, personalizada na figura de Oliveira Salazar. A partir de 2010, entrou num outro período de ditadura civil, desta vez internacionalista e despersonalizada, conduzida por uma entidade abstracta chamada “mercados”. As duas ditaduras começaram por razões financeiras e depois criaram as suas próprias razões para se manterem.
Ambas conduziram ao empobrecimento do povo português, que deixaram na cauda dos povos europeus. Mas enquanto a primeira eliminou o jogo democrático, destruiu as liberdades e instaurou um regime de fascismo político, a segunda manteve o jogo democrático mas reduziu ao mínimo as opções ideológicas, manteve as liberdades mas destruiu as possibilidades de serem efectivamente exercidas e instaurou um regime de democracia política combinado com fascismo social. Por esta razão, a segunda ditadura pode ser designada como ditamole.
Os sinais mais preocupantes da actual conjuntura são os seguintes. Primeiro, está a aumentar a desigualdade social numa sociedade que é já a mais desigual da Europa. Entre 2006 e 2009 aumentou em 38,5% o número de trabalhadores por conta de outrem abrangidos pelo salário mínimo (450 euros): são agora 804.000, isto é, cerca de 15% da população activa; em 2008, um pequeno grupo de cidadãos ricos (4051 agregados fiscais) tinham um rendimento semelhante ao de um vastíssimo número de cidadãos pobres (634.836 agregados fiscais). Se é verdade que as democracias europeias valem o que valem as suas classes médias, a democracia portuguesa pode estar a cometer o suicídio.
Segundo, o Estado social, que permite corrigir em parte os efeitos sociais da desigualdade, é em Portugal muito débil e mesmo assim está sob ataque cerrado. A opinião pública portuguesa está a ser intoxicada por comentaristas políticos e económicos conservadores – dominam os média como em nenhum outro país europeu – para quem o Estado social se reduz a impostos: os seus filhos são educados em colégios privados, têm bons seguros de saúde, sentir-se-iam em perigo de vida se tivessem que recorrer “à choldra dos hospitais públicos”, não usam transportes públicos, auferem chorudos salários ou acumulam chorudas pensões. O Estado social deve ser abatido. Com um sadismo revoltante e um monolitismo ensurdecedor, vão insultando os portugueses empobrecidos com as ladainhas liberais de que vivem acima das suas posses e que a festa acabou. Como se aspirar a uma vida digna e decente e comer três refeições mediterrânicas por dia fosse um luxo repreensível. Terceiro, Portugal transformou-se numa pequena ilha de luxo para especuladores internacionais. Fazem outro sentido os actuais juros da dívida soberana num país do euro e membro da UE? Onde está o princípio da coesão do projecto europeu?
Para gáudio dos trauliteiros da desgraça nacional, o FMI já está cá dentro e em breve, aquando do PEC 4 ou 5, anunciará o que os governantes não querem anunciar: que este projecto europeu acabou. Inverter este curso é difícil mas possível. Muito terá de ser feito a nível europeu e a médio prazo. A curto prazo, os cidadãos terão de dizer basta! Ao fascismo difuso instalado nas suas vidas e reaprender a defender a democracia e a solidariedade tanto nas ruas como nos parlamentos. A greve geral será tanto mais eficaz quanto mais gente vier para a rua manifestar o seu protesto. O crescimento ambientalmente sustentável, a promoção do emprego, o investimento público, a justiça fiscal, a defesa do Estado social terão de voltar ao vocabulário político através de entendimentos eficazes entre o Bloco de Esquerda, o PCP e os socialistas que apoiam convictamente o projecto alternativo de Manuel Alegre.
(Publicado na revista "Visão" em 21 de Outubro 2010)
Berta Maia – Diz-me Dente de Ouro: quem te mandou matar o meu marido?
(esta fala é repetida por outras vozes a seguir a cada fala de BM ou de AO)
Abel Olímpio – Ninguém mandou. Desconfie a senhora daqueles que mais choram o seu marido.
Berta Maia – Tu hás-de falar. Tu falarás.
Abel Olímpio – Padre Lima, ... ia receber dinheiro ao jornal “A Época”...
Berta Maia – Eles vão-te matar. Não morras sem me dizeres a verdade.
Abel Olímpio – Minha senhora, a República não avança porque os monárquicos se introduzem nela e não deixam.
Berta Maia – Fala, Dente de Ouro... fala!
Abel Olímpio – Eu fui aliciado pelo Padre Lima, residente na Rua da Assunção, 56 – Direito.
Sou o cabo de artilharia da Armada, nº 2170, e estou a prestar declarações sem coacção, nem dádivas ou promessas, para efeitos de justiça e revisão do processo das vítimas de 19 de Outubro.
O Padre Lima dizia nas reuniões: “no próximo movimento revolucionário, depois de tudo organizado, como devia ser, lançavam-se no movimento para o empalmar, e donos da situação liquidavam-se os republicanos, em especial os do 5 de Outubro, e vingava-se a morte de el-rei D. Carlos”. Berta Maia (com o filho nos braços) – Ninguém me pode dar o meu marido. Mas limpei a sua honra e o ideal dos republicanos honestos.
(Slide—morte de Carlos da Maia e reprodução ao vivo—Dente de Ouro dá tiro na nuca a Carlos da Maia)
Cena 21
O silêncio
(Salazar sentado numa cadeira É novo, entra senhora Maria. Mimam cálices de porto).
Senhora Maria – Aqui está o biscoitinho e o portinho, senhor doutor.
Salazar – Muito obrigado, senhora Maria. Olhe, não quer um cálicezinho?
Senhora Maria – Não vale a pena, muito obrigada, senhor doutor.
Salazar - Vá lá, tome lá um golinho... que é para não dizer que o Salazar é um sovina.
Senhora Maria – Valha-me Deus, se alguma vez eu era capaz de uma coisa dessas!
Salazar - É que eu estou satisfeito com umas coisas, quero comemorar, e também quero saber a sua opinião
Senhora Maria - Se eu souber dizer alguma coisa que se aproveite...
Salazar – O que é que pensa daquele caso do Dente de Ouro?
Senhora Maria – Olhe, senhor doutor, vê-se que Deus não dorme. Quem é que havia de dizer que passados tantos anos, aquele monstro ia começar a falar... grande mulher, aquela senhora...
Salazar – Pois olhe, eu acho que isto já deu conversa a mais e vou proibir que os jornais falem do assunto.
Senhora Maria – O senhor doutor é que sabe, mas olhe que agora, anda toda a gente a querer saber o que se passou... e parece que aquele bandido que matou a Maria Alves também estava metido nisso...
Salazar – O perigo disto é que há amigos nossos que estiveram metidos no caso, e se isso se sabe é uma carga de trabalhos.
Senhora Maria – Parece impossível. Então não foram esses republicanos, ou lá o que é, que mataram aqueles senhores?
Salazar – Está a ver... a coisa estava tão bem feita, que até a senhora acreditou... está-se a descobrir que foi a nossa gente quem organizou tudo; é por isso que tem de se pôr uma pedra sobre o assunto.
Senhora Maria – O que vai haver pr’aí de barulho...
Salazar – Está enganada. Esses republicanos, democratas e revolucionários e outros nomes que lhes quiser chamar, calam-se todos.
Senhora Maria – Oh senhor doutor!
Salazar – Mataram o Machado Santos e quem é que quer saber disso? O Carlos da Maia, com a mania da seriedade... e o Granjo...
Senhora Maria – O senhor Granjo parece que até estava a governar menos mal...
Salazar – Estava, estava. Estava a cortar no que a populaça exigia. Era para ficar bem visto pelos capitalistas. Esse ainda está pior. Primeiro, porque os seus antigos companheiros aproveitaram isso para dizer que ele tinha mudado, que já não merecia confiança, e que foi muito bem feito ter morrido como morreu. Os capitalistas e os monárquicos também não irão mexer uma palha, porque esse tipo de política é para ser feita por nós, e não por eles.
Está a perceber porque é que eles se vão calar?
Senhora Maria – Alguém há-de refilar.
Salazar – Senhora Maria, vai tudo ficar calado, até porque apanharam medo a sério. Já perceberam que a gente não está para brincar, e que as coisas vão mesmo endireitar. O reviralho acabou. Umas prisões, uns safanões dados a tempo, umas deportações para bem longe... Timor, Cabo Verde, Costa de África... ficam a fazer a revolução com os pretinhos...eles é que gostam dessas algazarras… (ri)... os que nós deixarmos por aqui, a gente já os conhece... não fazem mal a uma mosca e até convém que digam as suas coisas para parecer que o nosso regime respeita a liberdade. Está tudo bem assim, e nem podia ser de outra forma.
Senhora Maria – O Senhor doutor Salazar é muito inteligente.
Salazar(bebe) – Olha traga-me a minha mantinha….
(Senhora. Maria põe-lhe a manta nos joelhos)
É muito bom este vinho do Porto...
(Som de máquina de escrever e voz)
- Condenados só vi, até agora, os executores, aqueles cujas culpas não oferecem dúvidas. Trabalharam por sua conta estes carrascos? Saiu das suas cabeças essa ideia terrível de assassinar gente honrada e deixar com vida tantos miseráveis?
Quem preparou a aura do terror? Das suas revelações é que depende a justiça, não a do tribunal republicano, que só condena marujos e soldados, mas a outra, a que algum dia, tarde ou cedo, se fará em nome da Nação.
Rocha Martins
(Som da camioneta. Faróis no ciclorama .)
Voz off (acompanhando a entrada dos personagens)
Os autores morais dos crimes nunca foram inquiridos.
Alfredo da Silva fugiu para Espanha, voltou a financiar outro golpe – o 28 de Maio – e foi recompensado com A Tabaqueira, o grande negócio dos tabacos.
Gastão de Melo e Matos, monárquico e investigador pertenceu à Comissão de Censura de Espectáculos
Carlos Pereira continuou a dirigir a sua Companhia das Aguas
O Padre Lima voltou para a terra, sendo pároco em Macedo de Cavaleiros e Mogadouro. Morreu em paz .
Augusto Gomes, preso pelo assassinato de Maria Alves
Abel Olímpio, o Dente de Ouro, foi degredado para Àfrica.
O sargento que assassinou Carlos da Maia nunca foi preso.
Tinha-se dado o golpe do 28 de Maio, e estes crimes foram cobertos com um oportuno manto de silêncio.
( 4 Actores (Alfredo da Silva, Gastão de Melo e Matos, Carlos Pereira e Padre Lima) atiram para os projectores que se vão apagando até se atingir o black – out)
Salazar era tacanho , comparado com as vedetas de hoje
Esteve 47 anos a viver entre a D. Maria e o galinheiro de S. Bento, cheio de medo, não ía para lado nenhum, era o "sr. esteve" porque nunca se anunciava que ía, anunciava-se que tinha ido, manteve todo um povo na miséria, nenhum governante estrangeiro o recebia, meteu-se em guerras onde sempre perdeu, todo um país exposto ao rídiculo.Poderia ter feito tudo "democraticamente", à luz do dia, com viagens por todo o mundo . Se eu não tivesse um ódio profundo "ao sr. professor" ainda acreditava que o melhor mesmo é uma ditadurazinha, não se gasta dinheiro em eleições, pode sempre dizer-se que a ditadura é "a bem da nação". Só vejo um mal, são aqueles discursos de três horas do "querido líder", mas alguma coisa se havia de arranjar, nem que fosse entrar na clandestinidade...
PS: agora me lembro que Manuela Ferreira Leite já teve esta ideia, mas era só por seis meses...
O baile de Pinto da Costa
Um verdadeiro baile que Pinto da Costa deu para as câmaras televisivas. Um baile a quem o fez passar por coisas menos boas, por notícias sobre a sua vida e o seu património, mas um baile, no caso, uma valsa, ao governo na pessoa do secretário de estado do desporto.
É uma boa maneira de andarmos duas semanas sem falar no Freeport, nem no Face Oculta, foi por isso que o Laurentino veio a correr dizer que era grave, muito grave, tão grave que mandou instaurar um inquérito, sem ouvir o interessado, diz Pinto da Costa
Eu já estive num almoço, mais uma vintena de pessoas, com o Pintinho que é um poço de humor, de capacidade oratória, capaz de entreter uma plateia durante duas horas com o pessoal rendido à sua erudição . Conta histórias, que se percebe serem verdadeiras, sem nunca pisar o risco, nessa tarde o "bombo da festa" foi o major,(presente) toda a gente percebia, mas o sr Pinto da Costa, fazia de conta que não era com ninguem, jogadores vendidos duas vezes com a massa e entrar outras tantas, mas ninguem se queixa, segundo o velho principio "zangam-se as comadres..."
Um tratado , deu-se ao luxo de aconselhar o governo sobre o limite do rídiculo, já chamou "filho da puta" aos maiores amigos, e não é só no Porto, é em todo o lado, é até uma prova de amizade, "meu cabrão por onde andas..." tudo amizade e é a maneira de se estar no futebol, linguagem universal, "ó maricas passa aí a bola..." só quem não percebe nada de bola é que acha que isto são ofensas, nada, é tudo carinho, ferramentas, ambiente dos balneários...
Acompanhantes e visitas na blogosfera
Um dia um colega de blogue revelou-me que eu tinha um texto intitulado "Acompanhantes a 6,49 Euros" que já tinha sido visitado por milhares de pessoas. Eu, francamente,achei grotesco, é um texto simples que tenta fazer humor com as acompanhantes de mão cheia, que custam dinheiro, mas são companhia em qualquer parte. Com glamour, inteligência, saber estar...
Incomodado com a revelação, perguntei a outra colega do mesmo blogue como se explicava aquilo, tantas visitas e um ano depois ainda com visitas.A resposta foi lúcida e sagaz, "pois, Luis, sempre que no Google alguem escreve a palavra "acompanhante", o teu texto é um dos seleccionados"!
1. Foi preciso chegar aos dias de hoje para se verificar (se assim pudemos afirmar) que em Olivença, apareceram vozes, por ora, ainda, pouco assumidas a defender ideias de autonomia, dentro do quadro legal permitido em Espanha. A verdade é que Portugal (entenda-se por Governo português) não contribuiu, de forma muito visível, para a criação de posições reivindicativas do território ao longo destes dois séculos. Sabemos que o deveria ter feito, face às responsabilidades nacionais e que ocasiões não faltaram para tal. Nas ausências de tomadas de posição não podemos lamentar que se esbocem, agora, no seio da sociedade oliventina, movimentações no sentido autonómico quando a Espanha revela sinais de desagregação política. Não temos dúvidas que o aparecimento destes sintomas (que se revelarão incómodos para ambos os Governos) resultam do lento processo que fervilha em sectores da população oliventina em resultado das contradições políticas, económicas, sociais e culturais, com maior evidência entre as camadas jovens. Estas, perante a falta de perspectivas locais (em relação as regionais e nacionais) desejam dar um passo em fiente, perante as dificuldades e os bloqueamentos que os isolam no contexto geral. Verificam, que aquele tipo de democracia pouco mais lhe dá que a liberdade em abstracto, que apesar de parecer um dom precioso, não lhes chegam dentro dos conceitos neo-liberais impostos. Desejam mudanças do sistema, com novas e actuais oportunidades de participação na sociedade.
O desemprego, evidencia o carácter desarmonioso do tipo de crescimento que a Espanha tem, com a agravante que todos os aspectos negativos do tipo de desenvolvimento, se reflectem de forma mais negativa, como mal revelam os “números” e os índices “embastelados” nos da denominada Comarca de Olivença – unidade territorial administrativa que integra vários “concelhos” da Extremadura. Talvez, possamos interpretar estas atitudes autonómicas como uma “fuga para a frente”, com dois sentidos: mostrar descontentamento às autoridades centrais e regionais de Espanha; ou recordar o passado (que eles não conhecem bem) como ameaça ou como pronúncia de algo cujo sucesso não alcançamos neste momento. Também sabem que do lado de cá, não poderão contar quase com nada, para além de algum companheirismo e esperança fraterna, pois o Governo de Portugal está enleado numa teia de compromissos e de dependências económicas que entravam a lucidez e as vontades de se encetar seja o que for de aproximação com Olivença e o seu povo.
Convirá, porém, reflectirmos um pouco sobre estas ideias “autonómicas” que parecem a muitos caídas de repente dos céus. Tanto quanto se consegue saber outras ideias estão a surgir, em simultâneo, a militantes de duas estruturas políticas locais – de oposição ao partido que tem gerido o território. É necessário dizer que estamos em cima de eleições autárquicas. Muitos daqueles que ainda “arranham” o português alentejano, por tradição familiar, com apelidos ou alcunhas bem nossos, apesar da aculturação forçada, estão desiludidos, diríamos mesmo amargamente desiludidos. Como reagirão perante este “rebuçado” autonómico? É uma incógnita que convém acompanhar. Há sinais visíveis que pelo menos estas duas forças políticas estão a movimentar-se e a seguir o exemplo do actual presidente de Câmara que tem vindo a Lisboa para se incorporar no desfile do 25 de Abril. Voltaremos nós mais uma vez, a encolher os ombros e a pensar que “essas coisas” nada têm a ver connosco? A questão de Olivença não deixou, ainda, de ser uma causa transversal na nossa sociedade e na nossa consciência nacional, apesar de ser assumida por minorias de várias ideologias. O exemplo de TIMOR poderá ser evocado. É que se trata de defender a nossa honra, o nosso património cultural (algum dele defendido pela legislação portuguesa), a língua e as nossas tradições e, ir assim ao encontro do que muitos oliventinos pensam. 2. Há dois séculos que Olivença é espezinhada e Portugal também. Há quem afirme que é tempo suficiente para abandonarmos esta causa.
Se houvesse espanhóis que fizessem o mesmo em relação a Gibraltar, muitas vozes se levantariam no país vizinho – e, quanto a nós com razão, pois apenas passaram três séculos sobre a cedência do rochedo mediterrânico. Não queremos aqui discutir questões que não nos dizem respeito, mas se a evocamos é para acrescentar a flagrante incoerência de Espanha – num caso diz sim, noutro diz não! E Olivença está espezinhada porquê? Vejamos. Se em 1801, Olivença era tão importante como Badajoz, um século depois registava menos residentes que à data da ocupação. E, ainda, hoje a população revela índices de crescimento tão lentos que, praticamente, se mantém, em termos absolutos, no mesmo patamar demográfico. Grande parte da fuga da população para os concelhos limítrofes do Alentejo, no século XIX, está na explicação desta estagnação. Porém, no século XX, registou-se outra fuga em massa, devido à guerra civil e à miséria que assolou a “Província” em que inseriram administrativamente Olivença, o que forçou a uma forte corrente de imigração.
Muitos oliventinos, nessas ocasiões, optaram pelos concelhos limítrofes, particularmente, Vila Viçosa e Elvas, enquanto outros imigraram para a Catalunha e Madrid, ocultando, em muitos casos, a sua naturalidade. Mas, o abandono no século XIX, não se deu só por parte dos trabalhadores rurais, mas também dos proprietários da terra, sobre os quais foram desencadeadas ameaças e pressões de toda a ordem. Bastará ler uma história da Estremadura para conhecermos as violências cometidas pelas Leis de Desamortização, os roubos e as pilhagens da propriedade – a apropriação dos baldios, dos bens da Coroa e da Casa do Cadaval, da Misericórdia e a ocupação das quintas das famílias seculares, bem como dos bens dos burgueses que através do comércio começavam a desenvolver a Vila de Olivença. A par da pilhagem económica, assistia-se a proibição do português como língua e as escolas – públicas e privadas - foram encerradas. A campanha contra a língua portuguesa chega a utilizar exemplos de profundo racismo – “a língua portuguesa é falares de preto”! A Igreja, sob a orientação do Bispo de Badajoz, assume a repressão proibindo o português nos actos religiosos. Também o ensino de história de Espanha irá provocar o desconhecimento de todo o passado oliventino, a par da falsificação de dados históricos, como hoje é corrente e premeditado. E a repressão sobre a identidade? Com a destruição de Cartórios e Arquivos, verificou-se a adulteração de nomes e apelidos portugueses. Hoje há nomes irreconhecíveis, que não são nem portugueses nem espanhóis. E quanto a memória colectiva? A toponímia foi modificada, os epitáfios do Cemitério de Olivença foram ultrajados, grande parte da heráldica destruída. Quem tenha dúvidas – investigue. Vá e veja. Indague como se processou a repressão e quantos enforcamentos houve em Olivença a culminar a diversas formas de violência. Tudo foi feito para amordaçar a consciência, espezinhando-se a liberdade e a memória do povo oliventino.
Atentemos num exemplo. Quando se aguardava que Franco cumprisse a palavra dada a Salazar, Olivença içou a bandeira portuguesa no alto da Torre de Menagem. O incumprimento do “trato” levou ao fuzilamento de “uns tantos” oliventinos .3. “Olivença é um caso que se resolve no próximo ano” – disse Aznar em Lisboa, aos órgãos de comunicação social portuguesa. Foi com este cinismo político que o antigo primeiro-ministro de Espanha respondeu. Mas, do lado de cá, o cinismo é maior porque nem respostas ambíguas ouvimos. De facto, o Tratado de Badajoz de 1801, que concedia o território a Espanha foi denunciado (declarado “nulo e de nenhum vigor”), pelo Manifesto de 1 de Maio de 1808. Por este acto legislativo, jamais revogado e, ainda, legalmente em vigor, a assunção da nossa soberania sobre o território passou a constituir Direito interno, enquanto tal, vinculativo. O que, no devir histórico, encontrou sempre consagração nas constituições portuguesas, (na de 1911) e nomeadamente na actual que, absolutamente, atendeu a essa assunção, indicando que “Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu” – art.º 5.º - n.º 1, aspecto assinalado por vários dos nossos constitucionalistas: Jorge Miranda, Gomes Canotilho e Vital Moreira. Proclama-se, ainda, que “O Estado não aliena qualquer parte do território português” (art.º 5.º - n.º 3) e estabelece-se que é “tarefa fundamental do Estado garantir a independência nacional” ( art.º 9), e “assegurar a defesa nacional” bem como, “a integridade do território” ( art.º 273). Então em que ficamos? A quem cabe defender a Constituição? Ao Chefe de Estado? Aos que governam? Ou àqueles que os elegeram para nos representar?
* Economista e Professor Universitário
Transcrito, com a devida vénia deALAMEDA DIGITAL Nº 10, Novembro/Dezembro de 2007 (Publicado originalmente no Jornal de Coruche)
Nota da redacção do Jornal de Coruche:
Consultados alguns historiadores especialistas nos anos 30, não nos foi possível encontrar a mínima evidência da combinação de Salazar com Franco sobre Olivença, citada neste excelente artigo do Prof. Consiglieri. O Autor afirma ter recorrido às Memórias de Freitas do Amaral como fonte do facto.
Nas comemorações do centenário do nascimento de Ricardo Carvalho Calero, não podia deixar de recordar um dos seus amigos portugueses – Manuel Rodrigues Lapa, um dos homens que, do lado de cá da fronteira mais se empenhou na reabilitação do galego e na sua reintegração no tronco comum do galego-português. Em Agosto de 1932 fez a sua primeira viagem à Galiza para participar numa homenagem a Castelão. Foi um marco importante da vida de Rodrigues Lapa, pois o seu amor por aquela nação irmã, acompanhá-lo-ia para sempre. Em Junho de 1981, fez uma última viagem à «sua» Galiza. Foi a Santiago de Compostela para participar no lançamento de um livro de Carvalho Calero - Problemas da Língua Galega. A ligação ao berço do idioma, foi uma constante na sua vida: «Nunca deixei de me ocupar da Galiza, que é para mim um vício e uma necessidade»., disse. A Galiza foi uma das maiores paixões da sua vida. Façamos, pois, uma síntese da sua biografia e dessas relações com os irmãos do Norte.
Manuel Rodrigues Lapa, nasceu em 22 de Abril de 1897 na Anadia, no extremo Sul do antigo reino da Galiza. Em 1919 licenciou-se em Filologia Românica e em 1929 entrou no corpo docente da Faculdade de Letras de Lisboa como assistente, indicado por José Leite de Vasconcelos. Bolseiro em Paris (1929-1930), doutorou-se com a dissertação Das origens da poesia lírica em Portugal na Idade Média. Em 15 de Fevereiro de 1933, proferiu no Salão da Ilustração Portuguesa, uma conferência que daria brado e iria marcar para sempre a sua vida – A política do idioma e as Universidades. O texto da palestra foi publicado na Seara Nova. Para entender a celeuma provocada, é preciso que nos situemos historicamente.
Como uma cobra que despisse a pele, a Ditadura Nacional ia dando lugar ao Estado Novo. Em Março, conciliando as diversas correntes de opinião coexistentes no seio da Ditadura, realizou-se um plebiscito para aprovar a Constituição da República. Com «vitória» neste plebiscito, onde a liberdade de expressão e de voto estiveram ausentes, ficou consolidado o edifício jurídico-institucional que, com uma ou outra mudança de pormenor, iria vigorar por mais de quatro décadas. Por isso, as críticas de Manuel não passaram em claro – foi afastado da docência universitária e – vitória da sabujice – o Conselho Escolar aprovou por unanimidade uma censura às suas palavras. Porém, nem tudo era cinzento – a juventude reagiu: 74 alunos prestaram-lhe homenagem junto de sua casa. No Ministério da Instrução Pública, os jovens entregaram um protesto pelo afastamento «do insigne medievalista que é o Prof. Rodrigues Lapa». Nove alunos foram suspensos.
Salazar continuava a montar o seu sistema. Em Agosto foi criada a Polícia de Vigilância do Estado, PVDE, antecessora directa da PIDE. No mês seguinte, surgiu outro importante instrumento do regime – o Secretariado de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro. Porém, apesar de o clima repressivo se ir adensando, Manuel não desarmou e repetiu a sua polémica conferência na Associação dos Artistas, em Coimbra. Em Outubro, voltou a dar aulas num liceu, desta vez no de Viseu. No mês seguinte, prestou provas para professor auxiliar (com o Livro de Falcoaria de Pero Menino), sendo aprovado por unanimidade. Em Dezembro, saiu no Diário do Governo, o decreto da sua nomeação. No dia 30 recomeçou a leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, de onde fora irradiado meses antes.
Em 1934 foi editada uma das suas mais emblemáticas obras – Lições de Literatura Portuguesa: épocamedieval – com dez edições até 1981.. A sua actividade como publicista prosseguiu – recensões, ensaios, iam sendo publicados em jornais e revistas de Portugal e do estrangeiro. As coisas pareciam tomar um ritmo normal. Porém, Salazar estava atento e desencadeou uma das primeiras grandes purgas – Em Maio de 1935, demitiu compulsivamente Rodrigues Lapa, impedindo-o (por decreto-lei) de aceder a qualquer cargo público. Na mesma altura outros 32 funcionários civis e militares foram demitidos, entre eles, Norton de Matos, Abel Salazar, Carvalhão Duarte. A carreira universitária de Manuel em Portugal chegara ao fim.
Na Universidade, Hernâni Cidade defendeu Rodrigues Lapa, lamentando a «perda de uma colaboração utilíssima». Em Outubro, voltou ao ensino, leccionando agora no Colégio Ulissiponense, em Lisboa. No mês seguinte começou a dirigir o semanário cultural O Diabo, substituindo Ferreira de Castro. Em Julho de 1936, eclodia a Guerra Civil de Espanha, facto a que Rodrigues Lapa não poderia ser alheio. Vejamos este vídeo:
Em Fevereiro de 1937 iniciou a publicação da colecção Clássicos Sá da Costa. Dirigiu também a colecção de Textos Literários da Seara Nova. Em Julho, Salazar escapou de um atentado à bomba, levado a cabo por anarquistas. Em consequência desse atentado e também devido à Guerra Civil espanhola, a repressão acentuou-se. Porém, Manuel prosseguiu a sua tarefa de ensaísta, em prol da língua portuguesa e dos direitos de cidadania. Em 1939, traduziu e apresentou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Em 1941, Manuel continuou dirigindo as colecções da Sá da Costa e da Seara Nova. Em Janeiro, morreu o seu mestre José Leite de Vasconcelos e, em Abril, Salazar proferiu o famoso discurso Todos não somosdemais para continuar Portugal. Em Maio, foi a vez de falecer Raul Proença. Em 1945 publicou na Seara Nova a sua obra de maior êxito editorial – Estilística da Língua Portuguesa (até 1984 foram publicadas oito edições em Portugal e três no Brasil). Em 1949: o general Norton de Matos candidatou-se pela Oposição democrática às eleições para a presidência da República. Manuel, numa entrevista ao Diário de Lisboa, não teve papas na língua - «É chegada a oportunidade de acabar, sem sobressalto, com este estado de coisas, que nos envergonha como europeus»: referindo-se, obviamente, à ditadura salazarista. No dia seguinte foi preso em sua casa. Esteve sete dias detido no Aljube «ouvindo bimbalhar os sinos da Sé de Lisboa e vendo as pombas revoar livremente no céu azul.» Passados dias foi solto, mediante caução – a ficha da PIDE diz que foi preso «por atentar contra o brio e decoro nacionais e injúrias ao Governo da Nação» - Manuel não se atemorizou – em O Estado de São Paulo publicou uma série de seis artigos sob o título genérico de Em prol da democracia.
Parecia um dia de Verão igual a todos os outros, aquele 3 de Agosto de 1968. Salazar passava as férias no Forte de Santo António do Estoril como, aliás, acontecia todos os anos. No terraço, batido pelo sol, preparava-se para ler os jornais diários enquanto o calista, o senhor Hilário, lhe iria tratar dos pés. Segundo se disse depois, o ditador sentou-se pesadamente sobre a cadeira de lona, ou melhor, deixou-se cair. A cadeira não terá aguentado o impacto, desconjuntou-se e Salazar teria batido violentamente com a cabeça nas lajes. Corroborando esta versão do calista e da D. Maria de Jesus, o ex-ministro e embaixador Franco Nogueira (que não terá assistido ao acidente) conta que, embora queixando-se de dores no corpo e, particularmente, na cabeça, o ditador não deixou que o médico fosse chamado e foi tomando aspirinas. Esta a versão oficial, com mais ou menos pormenores.
Há uma segunda versão. O barbeiro Manuel Marques, que também teria assistido à queda, afirma que esta não se deu da cadeira. Esta estaria fora do lugar e Salazar distraidamente, já a olhar para os jornais, caíra desamparado.
Uma terceira versão, afirma que a queda se terá dado na banheira, mas para evitar que o País fosse sacudido por anedotas pícaras, com a nudez do ditador como tema principal, inventou-se a história da cadeira, com descoordenação entre a versão do ministro e a do barbeiro. Um ex-ministro de Salazar, já há muitos anos, afirmou-me que esta, a da banheira, é que é a versão correcta. Mas, para o caso não interessa, Salazar caiu, bateu com a cabeça e não se quis tratar, como relatou Franco Nogueira.
As dores não passavam e as aspirinas já não faziam efeito. Só em 4 de Setembro, aceitou que estava doente. No dia 6 foi internado no Hospital de São José. Há discrepâncias quanto ao diagnóstico – hematoma intracraniano, trombose cerebral… mas unanimidade na urgência de operar. Em 7 de Setembro foi operado no Hospital da Cruz Vermelha. Ficou incapacitado e o presidente da República, em 27 de Setembro, nomeou Marcello Caetano para substituir Salazar. E aqui começou a comédia.
Foi o Adriano de Carvalho, um amigo jornalista (entretanto falecido), quem me chamou a atenção do potencial dramático da situação. Viera visitar-me e trouxera um exemplar, salvo erro do Le Monde, onde se dizia que Salazar não sabia que fora substituído e que os «ministros» do seu governo iam à residência de S. Bento, para reuniões do «conselho de ministros». E todos eles, estando à frente de empresas ou em cargos políticos, se prestavam àquela farsa.
Soube depois que aquele teatro do absurdo, dirigido pela D. Maria de Jesus, tinha uma logística complicada. Um grupo de senhoras ia todas as manhãs a S. Bento preparar os jornais para o «Senhor Professor». Cortavam todas notícias que as pudessem desmascarar.
As visitas das crianças das escolas, ritual que vinha desde os tempos heróicos da «Revolução Nacional» continuavam. Um dia, uma das senhoras quis brilhar e perguntou a uma menina, supondo-a devidamente amestrada: «- Diz lá, querida, quem é o Senhor Presidente do Conselho?» «- É o Senhor Professor Marcelo Caetano!», respondeu a garota, provocando o pânico entre as senhoras do grupo e as professoras. Mas Salazar não reagiu, manteve o sorriso apático e distante. O tal ex-ministro do seu último governo garantia-me que Salazar, nos momentos de lucidez, sabia o que se passava, fingindo que se deixava enganar.
Talvez. No entanto, deixo a ideia a um dramaturgo que a queira aproveitar: um ditador tem um acidente, fica afectado. Os ministros e secretários de Estado, que já estão todos a olhar pela vida, em conselhos de administração de empresas públicas, de bancos, de multinacionais, no dia do conselho de ministros têm de deixar os seus afazeres e ir ao Palácio reunir e despachar com sua excelência. Deliberando, intervindo, sugerindo, como se fosse a sério. Perante um ditador que talvez saiba o que se passa, mas que finge não saber…
A Cadeira de Sidónio Ou a Memória do Presidencialismo
José Freire Antunes
Publicações Europa-América, s. d.
Onde ia esse homem buscar um tal fascínio? Durante muitos anos, depois da sua morte, continuaram a acender-se lamparinas de azeite em sua memória. Nas juntas de freguesia do interior viam-se fotografias de Sidónio penduradas na parede, ao lado das de Salazar. A sua figura tem sido evocada nestes anos de brasa, em que o espectro da I República vem pairando sobre o Terreiro do Paço, São Bento e Belém, antigo triângulo da classe política. Forçadas analogias irrompem da pena dos colunistas mais avisados. Brande-se o risco do sidonismo para vestir uma pele de autocrata ao actual presidente da República. E este já se viu obrigado a jurar: nunca os caminhos de Sidónio trilharei. É sabido como Fernando Pessoa viu em Sidónio Pais, num clássico poema, o chefe nacional em que, por uma efémera hora, «encarnou el-rei Dom Sebastião»
Daquilo que devo queixar-me e de como entendo dever fazê-lo.
A destruição do regime salazarista viveu não só da contribuição muito significativa, perseverante, esforçadíssima e quantas vezes heróica dos anti-situacionistas, fossem eles os independentes, fossem, sobretudo, os organizados, civis e militares mas, também, dever-se-á acrescentar – porque não pode nem deve esquecer-se – do beneficio duma ajuda, aliás interesseira, facilitada pelas necessidades tácticas da política ianque.
A ditadura salazarista, coisa de tão má memória, depois de ter desfrutado duma muito longa protecção por parte da chefia da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), nos finais dos anos sessenta e, sobretudo, no inicio dos setenta, começou a deixar de poder contar com ela, tudo por força da satisfação dalguns dos interesses políticos ditados pelas vicissitudes da chamada “guerra fria”. Na conformidade dalgumas das conveniências políticas consideradas mais necessárias ao desenvolvimento duma nova atitude da política internacional dos Estados Unidos da América do Norte (EUAN), designadamente no seu conflito com a Rússia Soviética (URSS), era obrigatório, para aquela potência mundial ter de assumir formas de amolecimento táctico na agressividade mantida, em frio, contra a URSS. Disso resultaram vantagens para a corrente de oposição à ditadura salazarista e, depois, marcelista. A vitalidade contestatária da população portuguesa que o 28 de Maio de 1926 muito fez tremer e esmorecer, essa, muitos anos após, uma vez reconhecido o logro político montado, haveria de prosseguir num crescendo de oposição ao “estado novo”, circunstância que o tempo tornaria muito mais perceptível e vigorosa, sobretudo, depois da candidatura à Presidência da República, em 1957, do General Delgado para, mais tarde, nos primeiros dos passados anos setenta, ter beneficiado bastante com a perda suficiente, mas inquestionável, da protecção ianque dada, até então, ao regime ditatorial salazarista. Com efeito o amolecimento táctico da agressividade latente nas relações entre os EUAN e a URSS, por hipocrisia cautelosa, impôs aos EUAN a necessidade de demonstrar um refrear definitivo da sua protecção aos regimes ditatoriais do ocidente europeu – português, grego e castelhano – então, sob sua custódia. Acrescente-se que, por parte dos EUAN, no caso particular de Portugal, esse amolecimento e o consequente abrandamento da protecção oferecida ao anticomunismo salazarista teve de ser um tanto mais acrescido pela necessidade de eles mesmos, EUAN, ficarem em melhores condições para dar àquele seu adversário principal, e ao mundo, uma demonstração, com a visibilidade bastante, da sua sempre anunciada e constantemente reiterada política de defesa intransigente do que conclamam como democracia e como direitos humanos traduzida, à época, pelo apoio dado aos Movimentos de Libertação das, então, colónias portuguesas, contrariando deste modo a vontade do regime do “estado novo”. Este posicionamento dos EUAN, mau grado adverso aos interesses do regime salazarista, um seu aliado de sempre, impôs-se-lhe para dar credibilidade ao seu proclamado anticolonialismo, uma atitude que, de caminho, como retorno consequente, a seu tempo, haveria de dar-lhe vantagens políticas no mundo já em franca descolonização.
Na verdade, os EUAN necessitavam de apresentar-se a esse mundo com uma bagagem discursiva suficiente para, sob disfarce, poderem começar – recomeçar – uma sua ingerência política de tal modo viesse a culminar numa futura pilhagem a ser feita livre da concorrência, tanto dos colonizadores em retirada como, também, daqueles do leste europeu que projectavam conseguir instalar-se. Assim, para satisfazer as suas declarações de acendrado democratismo, não só foram obrigados a mandar por termo aos regimes fascistas em funções nas áreas da sua influência absoluta, como fossem os regimes de Portugal, dos estados grego e espanhol mas, por igual, a exigir que Portugal, um caso com muitas particularidades colonialistas, avançasse para dar a liberdade imediata às suas colónias africanas. A não ser assim, os EUAN perdiam a sua face e os seus futuros benefícios, frente aos movimentos de libertação cuja vitória final, se já estava antevista, a sua futura exploração financeira – nada de inocências – já estava bem equacionada.
A perda, aliás justíssima, do que restava do império colonial português tinha de ter, como teve, consequências altamente perturbadoras para a vida nacional portuguesa sabido, como era, que todo o manancial financeiro subsidiário do colonialismo terminou e, por fim – esta é a realidade – sem os rendimentos coloniais acessórios, teria de viver-se com as consequentes necessidades e, muito principalmente, com outra organização política, económica e social tal como, também, com novas modalidades de relacionamento internacional. Uma e outras, por força dos interesses mais abjectos, nunca conseguiram vingar, melhor dito, a tê-las havido, foram sempre rechaçadas e Portugal, mais uma vez, viu-se enredado nas malhas tecidas fora de portas pelos agentes maiores dos imperialismos sobrantes, o ianque e o centro-europeu. Uma fortíssima razão de queixa.
O minorar da brecha aberta por essas consequências políticas e económicas perturbadoras do viver português, ou um seu possível colmatar, só podia resultar duma forma de organização política e social afirmada num texto constitucional que tivesse, ao seu alcance indubitável, a possibilidade de dispor e impor a maior equidade social possível e, também, fosse capaz de estabelecer vínculos muito fortes de respeito e obediência rigorosa às regras fundamentais dum estado de direito, sucedâneo natural, note-se bem, dum necessário estado de justiça. A solução encontrada esteve muito longe de ser satisfatória. Foi um erro clamoroso, porquanto não só o modelo constitucional adoptado não revelou capacidade para moldar, com o vigor mais preciso, um estado de justiça política e social como, também, não menos lamentável, não contrariou com frontalidade e firmeza políticas a manutenção de quaisquer formas políticas depreciativas de dependência do exterior. Com efeito manteve a permissão, vinda da anterior política ditatorial, da permanência portuguesa num pacto político-militar multilateral – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – como, também, anos após, permitir, mais outra vez sem consulta popular expressa, ter-se corrido a entrar não num conglomerado económico europeu, por evento, talvez, vantajoso, mas sim em oferecer-se a suserania estratégica do país a um projectado estado europeu de tendência federal – a União Europeia (UE) – que é dominado pela parceria calculista, porém, historicamente impossível de consolidação, do estado germânico com aquele franco.
Em 13 de Outubro de 2000, no jornal “O Independente”, o Professor João Ferreira do Amaral deixou escrito “O que se passa hoje na integração europeia é um insidioso mas nem por isso menos escandaloso processo de destruição da autonomia dos estados-nação, em particular dos mais pequenos. Olhemos para o que se passa em Portugal” e, mais adiante “Por seu turno, as instâncias comunitárias não perdem pitada para humilhar as instituições nacionais”, passagens que, no texto, foram rematadas com “os portugueses, tal como os dinamarqueses, têm o direito de não ser uma colónia de Bruxelas”. OTAN, UE e Constituição, cada qual com modos próprios, são motivos de queixa que não devem escamotear-se. Há, ou não, razão para queixas amargas?
A concepção constitucional, que acabaria por ser desenhada na Constituinte portuguesa de 1975/76, desde logo, não soube expurgar-se – como entendo – dos erros que a história parlamentarista da nossa Primeira República (muito idêntica à da monarquia constitucional) já tinha deixado bem patentes e cuja réplica, por cautela ou por bom senso, deveria saber antever-se e nunca deixar que pudessem repetir-se.
Era imprescindível, senão mesmo obrigatório, fugir-se deliberadamente aos erros consequentes às permissividades, deficiências e insuficiências do funcionamento constitucional como, por sistema, começaram e passaram a ser cometidos, sucessivamente, desde 1822 e que, agora, como a actual experiência constitucional tem confirmado, mais outra vez, mostram existir. Salta à vista, serem desajustados e inconvenientes para a instituição dos comportamentos políticos, económicos, culturais e sociais mais ambicionados pela população portuguesa conforme o pós 25 de Abril bem soube afirmá-lo e, não fora o infausto 25 de Novembro – uma ingerência ianque – teriam conseguido vingar.
Em 1975, durante a elaboração da Constituição, dever-se-ia ter levado em linha de conta que a nova situação do país iria, de imediato, confrontar-se com uma agravante nunca antes sentida, por exacto, a resultante da perda completa dos rendimentos decorrentes da exploração colonial cujos, no antecedente, dum modo não despiciendo, excluídos os oriundos da emigração, sempre remediavam muitos dos prejuízos económicos endógenos, outros tantos daqueles causados pela sustentação duma guerra colonial devoradora e, também, não menos gravoso, pela manutenção deliberada duma péssima redistribuição do rendimento nacional, o resultado consequente e indesejável duma justiça social deficiente. Portugal, após a imperiosa Descolonização, precisava de respostas políticas arrojadas para a sua nova situação. Não teve, mais uma razão para dever queixar-me.
A verdade é que os constituintes não souberam, ou não quiseram saber interpretar, com a justeza mais devida, as condições económicas, culturais, sociais e geopolíticas que a dinâmica da nova vida portuguesa trazia consigo e a qual, logo no dia 25 de Abril de 1974, começou a ficar bem expressa pela demonstração resoluta da vontade popular de, ao invés duma tradição funesta, desta vez – daí a sua grandeza histórica – querer demonstrar-se e afirmar-se como um actor decisivo da sua própria História.
Os partidos políticos eivados duma metafísica ideológica sem razão de ser e, para mais, com ligações espúrias de vassalagem absoluta, firmadas, todas elas, fosse com o Oeste, fosse com o Leste, preferiram aceitar, ou negociar, as opções políticas chegadas do exterior, tal como, em definitivo, foi assegurado pelo 25 de Novembro de 1975, afinal, nada mais que um evento revolucionário de natureza política repressiva. Na verdade, como foi possível observar-se, os partidos políticos com assento parlamentar parece não terem querido reparar ou dar significado bastante ao facto de, desta vez, no 25 de Novembro, ao contrário do acontecido no 25 de Abril, a população, por perceber o logro, não ter esboçado manifestar-lhe quaisquer boas-vindas de aplauso ou de agradecimento. O 25 de Novembro – é bom não esquecer-se – teve de ser aceite pela população porém, de facto, nunca foi considerado como bem-vindo senão pelos possidentes e seus lacaios.
Dele, do 25 de Novembro, por mais que queiram negá-lo, não há quaisquer dúvidas de ter sido feito às ordens da vontade retrógrada dos ianques, para mais – assim ia o mundo – com o assenso tácito e táctico dos representantes do Leste europeu. Tudo estava combinada desde Yalta. Há, ou não, motivo bastante para dever queixar-me?
O 25 de Novembro foi a última revolução político-militar havida em Portugal, donde têm de ser-lhe atribuídas todas as opções políticas consequentes, a constitucional incluída que, quaisquer delas, umas após outras, em boa verdade, primaram por ter o condão de anunciar dificuldades sucessivas para quem só vive da venda da força do seu trabalho e que, com o decorrer do tempo, governo após governo, passaram a ser um pesadelo que, maltratou toda a esperança dum viver, ao menos, satisfatório para a generalidade da população. Quantos portugueses, de facto, estão satisfeitos com o que está a passar-se? Há, ou não, razões de queixa?
Desfile de Gomes da Costa e suas tropas após a Revolução de 28 de Maio de 1926
Carlos Loures
Faz hoje 84 anos.
No dia 28 de Maio de 1926, a partir de Braga, desencadeava-se mais um movimento militar. «Mais um», talvez não seja uma definição correcta para o que aconteceu – este golpe não seria uma intentona vulgar como houvera dezenas desde 5 de Outubro de 1910. Este movimento, modificaria radicalmente o País e influenciaria o curso da sua história durante quase meio século.
A República agonizava, sufocava no vómito de mil e uma dissensões: greves, revoltas, assassínios como os da «Noite Sangrenta», múltiplas conspirações. Na Europa, Portugal era ironicamente designado como o «pequeno México». Até alguns republicanos convictos reconheciam a necessidade de pôr ordem no caos.
Presidia Bernardino Machado. De Braga, nessa madrugada saiu uma coluna militar comandada pelo general Gomes da Costa, herói das campanhas africanas e da I Guerra Mundial. As guarnições militares do Porto, de Coimbra, de Santarém, de Lisboa, de Évora, foram aderindo… Aquilo a que se chamaria a Revolução Nacional, triunfou sem quase um tiro ser disparado.
Dias depois, a 6 de Junho, Gomes da Costa desfilava triunfalmente em Lisboa, na Avenida da Liberdade à frente de quinze mil homens. O povo da capital, aplaudia-o freneticamente. A Revolução Nacional deu passagem à Ditadura Nacional. Os espíritos bem pensantes mantiveram a serenidade – tratava-se apenas de arrumar a casa. Mas depois, em 1933, a Ditadura Nacional, supostamente transitória, dava lugar ao Estado Novo referendado e aprovado pela maioria dos cidadãos eleitores. Um Estado Novo, corporativista, anti-parlamentar, católico, com alguma inspiração vinda da Itália fascista, dominado por um ditador mesquinho e tacanho que redesenhou o País à imagem da sua aldeia.
Uma longa noite começou nessa madrugada de 28 de Maio de 1926.