Terça-feira, 15 de Março de 2011

Faz hoje cinquenta anos – por Carlos Loures

 

O meu primeiro emprego foi na R.T.P. Como já aqui contei a propósito de uma subscrição que com outros colegas fizemos na empresa a favor da compra da rotativa para o jornal República, havia na sede da empresa, que funcionava na Rua de São Domingos à Lapa num palacete pertença da actriz Mariana Rey Monteiro, um pequeno grupo de activistas anti-regime  que até a gente de direita, legionários e informadores da PIDE incluídos, sabia quem eram. Éramos, no entanto, tipos profissionalmente cumpridores, de quem os directores gostavam e estávamos protegidos pela aura romântica que rodeava os transgressores da ordem estabelecida. Em todo o caso, os relatórios eram feitos. Quando, quatro anos depois fui preso, a PIDE estava ao corrente das minhas movimentações na RTP. Estávamos em 1961.

 

1961 foi um annus horribilis para o regime. Ora vamos recordar alguns dos principais acontecimentos -  21 de Janeiro - Assalto ao paquete "Santa Maria" por um comando luso-galego chefiado por Henrique Galvão. 4 de Fevereiro - assalto à cadeia de Luanda e a uma esquadra da polícia por militantes do MPLA, causando alguns mortos. 23 de Fevereiro - O Conselho de Segurança da ONU emitiu a primeira resolução condenatória da política colonialista de Salazar. 15 de Março - em Angola, a UPA, enraizada principalmente entre os Bakongo, mas com aderentes também entre os Ambundu e os Ovimbundu, iniciou a sua luta armada na região do norte, nomeadamente no concelho do Uíge estendendo-se mais tarde para o sul, até à actual província do Bengo. Foram barbaramente massacrados colonos brancos e trabalhadores negros, provocando cerca de oito mil mortos. Talvez mesmo dez mil.

 

 

13 de Abril - teve lugar o golpe palaciano de Botelho Moniz e o contragolpe de Salazar  - que, apoiadopelo general Kaúlza de Arriaga, demitiu os conspiradores (que ingenuamente lhe deram um prazo para se demitir) . 10 de Novembro foi desviado um avião da TAP, da carreira Casablanca - Lisboa, por um comando chefiado por Palma Inácio, que lançou milhares de panfletos revolucionários sobre Lisboa e Margem Sul. 10 de Dezembro -  Do presídio de Caxias, evadiu-se um grupo de presos políticos, fugindo num Chrysler Imperial blindado. O carro fora oferecido a Salazar e estava a ser reparado na oficina da prisão.  17/19 de Dezembro - a União Indiana invadiu militarmente o Estado Português da Índia, anexando-o. 19 de Dezembro - José Dias Coelho - escultor e antifascista foi assassinado pela PIDE nua rua de Alcântara. 31 de Dezembro – assalto ao quartel de Beja por oposicionistas armados, tendo morrido o Sub - secretário de Estado do Exército - Jaime Filipe da Fonseca.

 

Num país onde parecia nada acontecer, o ano de 1961 desmentiu essa pasmaceira. E não referi acontecimentos internacionais desfavoráveis ao regime. Mas voltarei a este ano, pois os cinquentenários vão ser mais do que muitos, Dias depois de 15 de Março. os repórteres de imagem da RTP enviaram filmes sobre os massacres no Norte de Angola. Salazar vendo-os, não autorizou que as imagens mais chocantes passassem na televisão. A administração da empresa organizou então uma sessão destinada apenas ao pessoal masculino.

 

Num fim de tarde no salão principal assistimos às imagens horrorosas que mais tarde, depois de Abril de 1974, foram reveladas. O pequeno grupo de oposicionistas, que defendia abertamente a independência das colónias, estava sob os olhares dos colegas, como se fôssemos nós e não a gente de Holden Roberto quem praticou aquelas atrocidades. Os colegas olhavam-nos com um tal ar de censura que estávamos incomodados. Quando as luzes se acenderam, havia lágrimas em alguns olhos e rostos irados. O mais velho de nós, um homem franzino e de baixa estatura,  muito corajoso, disse então qualquer coisa como - «É horrível. Ninguém pode estar de acordo com uma coisa destas. Mas quase 500 anos de evangelização e de «civilização» deviam ter criado pessoas diferentes, seres humanos incapazes de cometer crimes destes contra outros seres humanos». Todos nós, os «insurras» assentimos. Houve uma descompressão. Como comentámos depois entre nós,  tanto ódio acumulado era em si mesmo uma trágica condenação do colonialismo. As imagens de corpos decapitados, de crianças de colo esventradas. de mulheres mortas, sendo evidente a violação, de pénis espetados em paus... Nem nos piores pesadelos se vêem imagens tão dolorosas de evocar.

 

Foi em 15 de Março de 1961 - faz hoje 50 anos.

 

 

publicado por Carlos Loures às 12:00
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Sexta-feira, 11 de Março de 2011

Olhó prós pivots por Luis Moreira

Luis Moreira

 

A ver se eu percebo. A RTP, pública,  está a deixar sair uma série de estrelas cadentes. Uns regressam aonde já foram felizes ( o que não é avisado) outros nem por isso. E, a RTP não está de modas vai à concorrência buscar um rapazinho que custa muito dinheiro, quando tem prata da casa mais que suficiente. Isto pouco tem a ver com qualidade, no jogo de xadrez que vem aí há que colocar os peões.

 

Há dinheiro novo a escorrer no sector, parece ser daquele senhor com ar de conde que já foi dono da TVI e que vendeu e agora está a voltar. Eu, que ando aqui a ver passar os comboios acho que o que se está a preparar é a privatização da RTP, pública, muito nossa. E, porquê, perguntam vocemecês.

 

Porque não se anda com a mão estendida a pedir sem ter um custo, então andamos a pedir e temos Televisões a darem milhões de prejuízo? A Alemanha tem televisão pública? O nosso Paulo Rato não vai gostar nada disto que estou para aqui a antecipar mas espero que não mate o mensageiro. Então e para que servem os quadros que estão a abandonar a RTP para irem para a TVI?

 

Porque para se ganhar o concurso da privatização é preciso ter lá gente que conheça a RTP por dentro, conheça os números, os pontos fortes e fracos, gente a mais, gente a menos, gente a mandar embora, até se chegar a um preço de compra que seja suficiente para comprar e não seja tão elevado que inviabilize  a exploração do negócio.

 

Por acaso no outro dia a SIC e a TVI trocaram de caras no entretenimento, e agora quem sai da RTP é gente da informação, será que levam o "portfólio" de políticos que lhes concedem as entrevistas?

 

Isto terá a ver com o "novo" jornal daquele rapazinho que ganha massa às pázadas e que prepara a jogada seguinte que é ter uma estação de televisão?

 

Quem continua a ficar de fora ( porque quer ) das jogatanas é o único que é empresário ( a sério) do sector e que está há mais tempo na actividade, que não anda às golpadas políticas de controlo da comunicação social, e que tem há muito jornais de referência e uma estação que se aguenta. O resto não passam de uns rapazes que, a troco de muito dinheiro, dançam ao sabor da música. A privatização vai mexer com muita gente há que contar espingardas e alguns "piram-se" a tempo.

 

Vai uma aposta?

publicado por Luis Moreira às 13:00
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Quarta-feira, 10 de Novembro de 2010

A rotativa do República

Carlos Loures


Em 1961, o São Martinho calhou a um sábado. Com colegas da RTP fui festejar a data para um restaurante dos arredores. Cozido à portuguesa, vinho tinto, castanhas assadas e água pé... Ao meu lado sentou-se um jovem, uma meia dúzia de anos mais velho do que eu, mas com menos de trinta anos, trabalhava no Lumiar enquanto eu estava na rua de São Domingos à Lapa. Falámos durante o almoço. Chamava-se João. João Soares Louro. Era um simples funcionário, mas de categoria superior à minha, pois trabalhava na empresa desde a fundação. Brincámos com a semelhança do nome – Louro, Loures. Um colega tranquilizou-me discretamente. O Soares Louro era «dos nossos». E, antes das entradas, já percebêramos que estávamos do mesmo lado. Anos depois, viria a ser administrador da empresa. Em 1994, estive com ele numa reunião da RTC para combinar uma campanha publicitária. Não lhe recordei esse dia de três décadas atrás. Até porque, embora delicado, correcto, via-se que não estava bem disposto. Talvez já estivesse doente. Nesse São Martinho de 1961, no regresso, a Lisboa, fomo-nos despedindo e o Soares Louro recomendou, a mim e a outros três colegas de esquerda, que passássemos pela sede da candidatura da oposição democrática, instalada perto do Martim Moniz, salvo erro na rua do Socorro.

As eleições legislativas, realizavam-se no dia seguinte, mas a Oposição retirara-se pois não tinha condições mínimas para concorrer. Apesar disso, havia trabalho político a fazer. Lá fomos. Uma sala muita pequena cheia de gente. Uma senhora franzina, de cabelo claro, muito enérgica, atendeu-nos. Apresentámo-nos e logo nos arranjou que fazer. Nem mais nem menos que dinamizar na empresa uma subscrição nacional a favor da compra de uma nova rotativa para o jornal “República”. A senhora chamava-se Maria Eugénia Varela Gomes e era a esposa do então capitão, um homem que corajosamente, punha em risco a sua carreira, ao aceitar ser candidato pela Oposição. Após o assalto ao quartel de Beja em que o marido foi gravemente ferido, seria presa pela PIDE e barbaramente torturada. Durante a campanha, no Teatro da Trindade, assistira a uma sessão de esclarecimento em que falavam os candidatos pelo círculo de Lisboa. Entre eles o capitão Varela Gomes. Começara por ler a sua intervenção, mas depois, enervado, pôs os papéis de parte e fez um discurso de improviso de uma acutilância que era rara por aquela época. Atacou o ditador tacanho, a influência da Igreja Católica, a polícia política, a Guerra Colonial que começara nesse ano, a Censura, em suma pôs em causa os fundamentos da ditadura. A sala irrompia em frequentes e vibrantes aplausos.

Nós, aquele grupo de quatro oposicionistas, começámos logo na segunda-feira a nossa tarefa. Percorremos as secções, aproveitámos a hora do almoço (eu fora eleito para a comissão que dirigia o refeitório, a biblioteca e as actividades culturais e, fora das horas de serviço, movimentava-me pelo edifício sem que isso fosse notado). Da Alameda das Linhas de Torres chegou-nos um grande contributo. Conseguimos uma importância elevada, uns contos de réis, que não traduzo em euros porque ficaria ridícula. E não o era. Lá fomos os quatro um fim de tarde levar o dinheiro ao jornal em nome dos «Democratas da RTP».

O jornal, pela importância da doação e por vir donde vinha, do pessoal de uma empresa do Estado, logo na edição seguinte nos meteu na lista que, diariamente, era publicada. O presidente do Conselho de Administração andou uma manhã aos gritos pelos corredores: «Onde é que estão os democratas da RTP?» e agitava um exemplar do República. Foi um dia de juízo. Toda a gente sabia quem tinha recolhido os donativos. Os quatro do costume. Ninguém nos denunciou. E havia gente de direita, com legionários pelo meio, inclusive. O meu chefe de secção, que não se metia em política, mas contribuíra com um donativo, fez uma intervenção ameaçando quem falasse de passar a ser desprezado «como um cão», foi a expressão que utilizou. O director de serviços apoiou-o de forma discreta, mas firme. Este director, um economista, morreu jovem, pouco depois de eu ter saído (logo no mês seguinte, em Dezembro desse ano de 1961) e vejo agora que há um realizador com o seu apelido. Talvez um filho.

A camaradagem, e também o medo do desprezo geral, sobrepuseram-se às convicções políticas. Nenhum dos (poucos) salazaristas assumidos nos denunciou. Até porque se os oposicionistas activos eram conhecidos, os salazaristas também e se houvesse denúncia, mesmo que estivessem inocentes, seriam acusados. E o Presidente esqueceu a questão. Não me recordo se a rotativa foi comprada nessa altura ou se isso só aconteceu quando o jornal foi reformulado no começo da década seguinte. Não é importante. Onde quero chegar é à seguinte questão - que jornal era este pelo qual nos arriscámos a ser presos e a perder o emprego? Era um vespertino que eu não apreciava (embora tenha, uma ou outra vez, publicado colaboração minha), muito agarrado aos republicanos históricos e, na sua última fase, disputado por pecepistas e «socialistas». Mau aspecto gráfico, artigos geralmente respeitáveis, mas enfadonhos. Era, em todo o caso, um jornal importante.

Fora fundado em 1911, por António José de Almeida. Nos anos da ditadura o "República" manteve-se sempre na oposição. Tenho para mim a convicção de que Salazar o conservou como amostra do seu «liberalismo». Carvalhão Duarte, José Magalhães Godinho e Raul Rêgo, personalidades importantes na área republicana, maçónica e socialista, foram os seus últimos directores. Pouco antes da nossa tarefa política, estivera em evidência durante a campanha para a eleição presidencial de 8 de Junho de 1958, em que dera grande cobertura à candidatura de Humberto Delgado.

Mas, no final da década de 60, o "República" atravessava um acentuado período de decadência, comentando-se a inevitabilidade da sua extinção, pois não passava dos 10 mil exemplares de tiragem diária. Contudo, em 1972, foi reanimado por um aumento do capital social. Renovado o equipamento, para os seus quadros entraram pessoas ligadas ao movimento que iria dar lugar ao Partido Socialista, militantes da Acção Socialista Portuguesa, fundada em Genebra, em Novembro de 1964: Mário Soares, Raul Rêgo (que substituiu Carvalhão Duarte na direcção), Gustavo Soromenho… A equipa redactorial foi rejuvenescida com gente da mesma área: Mesquita, Arons de Carvalho, Jaime Gama, António Reis e Álvaro Guerra e outros. As tiragens subiram e o jornal assumiu uma maior visibilidade.

Todavia, após a Revolução de Abril, o jornal foi sacudido por uma tremenda agitação, pois a uma administração e a uma equipa redactorial conotadas com o Partido Socialista, opunham-se os trabalhadores gráficos e administrativos, ligados a partidos de esquerda. A crispação foi-se acentuando e quando no princípio de Maio de 1975 a administração tentou admitir mais redactores ligados ou conotados com o PS, foi convocada uma Reunião Geral de Trabalhadores que condenou a crescente hegemonia socialista, boicotando a saída do jornal no dia seguinte.

Esta situação foi depois ultrapassada, mas, dias depois, novo impasse - O destaque dado pela redacção a uma visita da delegação de um grupúsculo maoísta à China, movimento adversário do PCP, e um artigo condenando a posição dos trabalhadores da Radiotelevisão Portuguesa ligados ao PCP, foram a gota que fez transbordar a taça. Desencadeou-se um irreversível processo de ruptura que colocou em confronto, de um lado, a Administração, a Direcção e os redactores e, do outro lado da barricada, a Comissão Coordenadora de Trabalhadores dos gráficos e trabalhadores dos serviços administrativos e comerciais. E o «República» que resistira durante os quase 50 anos de ditadura, não resistiu à luta política, após o advento da democracia.

Deixou de ser publicado.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Sexta-feira, 8 de Outubro de 2010

De olhar atento à beleza

O meu nome é Paulo Rato e sou o mais recente colaborador do Estrolabio. Já vos fui apresentado, mas gostava de ser eu a falar do Paulo Rato. Aqui está:
Nasceu em Janeiro de 1947, céptico, racional e materialista.

De olhar atento à beleza, quotidianamente renovada, das nuvens no céu (mesmo se o cinzento predomina), das incontáveis tonalidades de folhas e ervas, flores e raízes, dos troncos e seus desenhos, nunca iguais; e também da obra dos homens que aprenderam a olhar, a ouvir, a decifrar na pele o passar do vento e o que traz consigo, e se lançam à árdua tarefa de inventar novos sentidos para o que os sentidos captam e, por diferentes vias, com várias ferramentas, recriar o voo do gavião ou, do cavalo (livre, não selvagem) a corrida e o salto e o seu rasto.

Crê que, em boa parte, se lhe aplicam estas palavras, com que Jorge de Sena se resume a si mesmo: "Inquieto e franco, altivo e carinhoso, / Será sempre sem pátria. (...)".

Aprendeu a ler aos três anos, por razões explicáveis, mas não lembradas com minúcia. E nunca mais parou de ler. Doença grave condenou-o a quase cinco anos de longos repousos, intensificando a leitura, sem plano... nem limites. A Biblioteca da casa surge, assim, como uma aventura contínua, de peripécias tão diversas como insolitamente irrequietas nas dobras do espaço-tempo, narrada por incontáveis vozes e suas maneiras próprias.

Entrou no Liceu quase como o "Selvagem" do Aldous Huxley, com quatro anos de realidade roubados da sacola da vida, pesada de saberes desarmónicos e digeridos apenas como o pequeno estômago consentira.

Como referiu o Carlos, não se recorda de alguma vez ter aceitado como "naturais" a miséria e a injustiça.

Mas quando, aos 14 anos, descobriu que vivia numa ditadura, foi a prisão da palavra que mais o indignou e lhe impôs a luta. Decisão tomada, exercitou-se com um rigor também inato: músculos e gestos, já não leituras. Depois, entrou para o PCP. E foi "pré" tudo o que era associação de jovens estudantes (liceus, cineclube,...). Usou alguns dos seus pequenos talentos para desenhar postais para a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e CGTP (mais tarde, para ilustrar caricaturalmente a sua revista) e em traduções.

Por engano, seguiu "Ciências" e é capaz de ser "bacharel" em Engenharia (ou quase). Engano desfeito, alongou o período de visitas à Universidade e adiou-se da tropa, com tanta sorte que chegou ao 25 de Abril como "instruendo" na EPAM...

Entretanto, entrara na Emissora Nacional (assinando alegremente o papelucho do "integrado"+"repúdio", cônscio de que quem não tem honra nem dignidade merece falsas juras, fintas, golpes baixos e o que de pior haja).

E foi assim. Na EN e na RDP, foi técnico, locutor, autor e realizador, documentalista.

Foi activista e dirigente sindical, membro quase permanente da CT/RDP e de várias estruturas organizativas das CTs, membro dos Conselhos de Opinião da RDP e da sequente "SGPS".

Aposentou-se antecipadamente, antes que mais lhe roubassem na "pensão" e no domínio do "seu" tempo de decisão.

Com algum desgosto: chefiava, na altura, o Arquivo Áudio da RDP, que incluía a Discoteca e o Arquivo Histórico; participara em reuniões internacionais e descobrira que a preocupação de resguardar um património (inestimável) registado "em som" era algo de muito recente, que trazia questões aliciantes, pela dificuldade de resolução e a criatividade e empenhamento requeridos, o que os mais destacados oficiantes, a nível internacional, já demonstravam, juntando-lhe aquele grão de aluada loucura, tão característico destas estranhas actividades, quase druídicas; também descobrira que tais oficiantes tinham percursos semelhantes ao seu, com origens académicas (tais matérias eram quase inexistentes ou mesmo de todo ausentes nas Universidades) e profissionais não coincidentes com o documentalismo áudio, mas com bases, interesses e práticas culturais múltiplas e convergentes.

No seu caso, continuava a decidir das aquisições de novos registos fonográficos e a fabricar programas de rádio, aliando a construção do presente à preservação do passado histórico.

O desgosto foi, entretanto, totalmente dissipado pela degradação do sector radiofónico dentro da "Rádio e Televisão de Portugal", pela nulidade da CT em exercício, pela inoperância do Conselho de Opinião (a que foram retirados os representantes dos trabalhadores da empresa) e pela única característica discernível no actual CA - a "lata".
publicado por Carlos Loures às 10:00
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Terça-feira, 13 de Julho de 2010

A televisão que temos (a televisão é para estúpidos?) - II

Carlos Loures



Disse ontem que não percebia porque é que se gastava o dinheiro dos contribuintes em lixo, mas foi uma força de expressão, pois percebo perfeitamente as razões dessa aberração - a RTP está na guerra das audiências com a TVI e com a SIC e para isso precisa de baixar o nível cultural das suas emissões. À medida que os canais da concorrência vão descobrindo fórmulas de atrair audiências com concursos tontos, com telenovelas onde tudo é mau, do enredo às interpretações, passando pela realização, a RTP vai atrás, sempre atrás, imitando, procurando ir mais abaixo nesta espiral descendente, que não sabemos onde irá parar. O serviço público de televisão não deveria entrar nessa competição. com os canais privados. A sua função deveria ser informar, formar, divertir educando… Mesmo correndo o risco de perder telespectadores. Mantê-los servindo-lhes programas que competem em falta de qualidade com a «concorrência», vendo quem consegue exibir o lixo mais nauseabundo, não é prestar um serviço público.

Woody Allen, disse algures que, na Califórnia, não se deve deitar fora o lixo - «Eles reciclam-no sob a forma de programas de televisão». O problema é que este conselho passou a ser válido fora da Califórnia, mesmo na Europa, particularmente em Portugal. Dissemos num texto anterior que as palavras cultura e televisão estavam a deixar de fazer sentido quando aparecem em conjunto; em contrapartida, a palavra lixo, coaduna-se perfeitamente com a televisão que se faz dos nossos dias.


Gustavo Bueno, o pensador espanhol, criador do conceito de Materialismo Filosófico, publicou em 2002 um livro a que chamou «Telebasura y democracia», ou seja «Telelixo e Democracia». O subtítulo da obra é elucidativo - «cada povo tem a televisão que merece». Afirmação que tem graça, mas que não pode corresponder à verdade. Quando um povo é muito inculto tem tendência a preferir programas fúteis, idiotas mesmo. Isso não significa que «mereça» que lhe sirvam o lixo que ele prefere.

É uma interpretação muito redutora do princípio democrático que obriga a respeitar a vontade das maiorias, esquecendo que é função das instituições democráticas do Estado proporcionar meios para as pessoas elevarem o seu nível cultural e educacional. Tanto mais que, neste caso, a vontade da maioria prejudica essa maioria e beneficia o negócio. Mas, aparte este slogan que não sei se é da autoria de Bueno ou de algum «génio» do marketing, o livro é muito interessante. Não conheço tradução em língua portuguesa, mas tudo o que ali se diz sobre a qualidade da televisão espanhola é aplicável, por maioria de razão, à televisão portuguesa que, pelo que tenho visto, consegue ser pior do que a do estado vizinho, embora isso pareça difícil. Para além do lixo servido como entretenimento e que cria dependência nos telespectadores, há a vertente política de um meio que Karl Popper, como já vimos noutro texto anterior, não hesitou em classificar como «um perigo para a democracia»

O eixo temático do livro de Gustavo Bueno é a observação sistemática que o filósofo fez sobre o Big Brother (Gran Hermano, na versão espanhola), programa visto diariamente por onze milhões de telespectadores. Os níveis de abjecção e de indigência mental alcançados em Espanha, parecem não terem ficado nada a dever aos que em Portugal se atingiram. Porque, como afirma Gustavo Bueno, os índices de audiência na sociedade democrática é que orientam a produção de novos programas. E Bueno remata o raciocínio dizendo que não será por razões éticas ou morais, «mas sim por razões de simples sobrevivência democrática». E cita Lope de Veja, grande dramaturgo espanhol dos séculos XVI e XVII: «homem de teatro que conhecia as leis do mercado séculos antes da televisão: “Se o vulgo é néscio, é justo falar-lhe néscio para lhe dar prazer.”» Será verdade que o néscio e o inculto, por uma questão de preguiça intelectual, têm prazer em que lhes falem na linguagem e segundo os conceitos que melhor dominam, sem terem que fazer esforço mental.

Mas, seguindo este critério, o néscio nunca deixará de o ser.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Segunda-feira, 12 de Julho de 2010

A televisão que temos (a televisão é para estúpidos?) – I



Carlos Loures

Konrad Lorenz o grande naturalista austríaco (1903-1989), prémio Nobel para a Medicina em 1973, criou o conceito do imprinting, que em castelhano se traduziu por «impronta», mas que entre nós se tem preferido deixar em inglês, já que uma tradução literal – estampagem, cunhagem, gravação - podia dar lugar a uma distorção do conceito científico. O que é o imprinting? Estudando o comportamento dos gansos recém-saídos da casca, Lorenz verificou que eles aprendem a seguir a mãe, mesmo que seja uma falsa mãe, um ser humano, outro animal ou mesmo um objecto, copiando-lhe o comportamento.

Num tempo de agressividades e de fundamentalismos, seria útil compreender os mecanismos desse comportamento que, à primeira vista, é irracional e autodestrutivo. Volto ao tema inicial. Saído da casca, o meu primeiro emprego «a sério» foi na RTP. Por isso, talvez, à luz do conceito etológico do Lorenz, me tenha ficado dos longínquos dois anos em que lá trabalhei o hábito de preferir o canal de serviço público aos outros dois que surgiram muito posteriormente. Vejo diariamente os serviços informativos da RTP, o «Jornal da Tarde» emitido do Porto e o «Telejornal». Imprinting? Talvez.


Vou abordar pormenores. As coisas transcendentes ficam para depois. Entre o que se tem e o que se idealiza é preciso criar degraus. Se deixamos um abismo intransponível entre realidade e sonho, nem as asas da imaginação de quem lê o consegue por vezes transpor. E as pernas da realidade muito menos. Mutatis mutandis, entre o canal de serviço público que temos e o que gostávamos de ter, a diferença é abismal. Por isso, vou referir alguns dos modestos degraus que poderiam conduzir a RTP ao patamar satisfatório que merecíamos ter num serviço público de televisão. Se o soubéssemos exigir.

No que se refere ao «Jornal da Tarde», lamento os critérios de um alinhamento que privilegia notícias regionais sem grande relevância, deixando para o fim acontecimentos mais importantes da actualidade nacional ou internacional. Não seria preferível a RTP ter mais dois ou três canais regionais onde se desse uma informação local completa e minuciosa (como o da Madeira e o dos Açores e como acontece com a descentralizada TVE? Embora se compreenda perfeitamente a necessidade de dar, num palco com audiência nacional, protagonismo à região Norte, esse desiderato resulta muitas vezes em mau jornalismo – o que diríamos de um jornal que trouxesse na primeira página um vulgar acidente de viação ocorrido na cidade onde o periódico se edite e nas páginas interiores a notícia de um terramoto na China, ou de um descarrilamento na Índia, com centenas de mortos? Deficiência, essa comum a todos os serviços informativos da RTP, é uma exagerada extensão, incluindo peças temáticas, com maior ou menor interesse, mas que não têm a ver com o tipo de informação que se espera. Os serviços da RAI, por exemplo, são modelares, pois em meia hora dizem tudo o que de importante se passou no mundo e no país. Na RTP (e nos outros canais generalistas) existe a ideia de que um serviço informativo é «uma espécie de magazine».

Dá-se demasiada importância ao futebol. Não é invulgar os serviços abrirem com um flash de um jogo o que me leva logo a pensar: «hoje não aconteceu nada de importante». E às vezes nem é verdade. Outra coisa que não percebo é a razão por que se gasta tanto dinheiro em tele-tontice, pagando a «cantores populares» que nos despejam em cima, doses maciças de analfabetismo de pornografia primária, servidos sob uma suposta forma musical. Lixo, que serve para preencher programas como a Praça da Alegria, Portugal no Coração, e quejandos, verdadeiros hinos à imbecilidade (salvo uma ou outra entrevista que teria interesse se os apresentadores fossem capazes de as fazer).

Registo também o tique anedótico dos jovens profissionais que, depois de termos escutado uma personalidade discorrer sobre qualquer assunto da sua área de actividade, nos «explicam», como se estivessem a fazer uma tradução do chinês, .as mais das vezes em linguagem confusa e demorada, aquilo que, por vezes, a pessoa disse de forma escorreita e ágil. Como fazem todos os mesmo, penso que será lição (mal) aprendida nos cursos de jornalismo onde lhes devem ter dito para encerrar cada entrevista com uma breve síntese do que o entrevistado disse. Coisa de que a maioria não é capaz
publicado por Carlos Loures às 12:00
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