Por toda a Rússia se vive uma tensão insuportável. A chamada intelligentsia, os trabalhadores, os camponeses, as nacionalidades subjugadas, problemas que foram sendo ignorados ou suprimidos brutalmente ao longo da construção do império, transformam-se em matéria inflamável - a Rússia é um gigantesco barril de pólvora.
Os crimes políticos sucedem-se, fogos postos, actos de sabotagem... a violência aumenta de dia para dia, sobretudo nas zonas rurais. O czar e os ministro têm consciência de que o Estado está à beira do colapso e que a Rússia, de um momento para o outro se poderá transformar num vulcão avassalador. No ano anterior começara a guerra com o Japão e as humilhantes derrotas sofridas pelos exércitos russoa ante forças nipónicas que à partida foram subestimadas, contribuem para aumentar a desmoralização generalizada que atravessa transversalmente toda a sociedade russa.
O filme de Sergei Eisenstein( 1898-1948) Couraçado Potemkine é eloquente quanto à violência dos confrontos entre manifestantes e «forças da ordem» naquele ano de 1905- Não resisto à tentação de aqui incluir a mais conhecida cena deste filme, o massacre na escadaria de Odessa, uma das mais famosas da história do cinema.
Este filme realizado em 1925 sobre a revolta de 1905, depressa alcançou grande popularidade. Embora este e outros dois filmes de Eisenstein tenham sido subsidiados pelo Estado, o realizador teve uma invulgar liberdade criativa. Quando realizou A Linha Geral, Estaline quis aconselhar Eisenstein a fazer modificações, pois segundo ele a obra não estava de acordo com o «realismo soviético». E começou logo por querer modificar título que segundo Estaline devia ser O Velho e o Novo. Eisenstein não aceitou a ingerência e foi para os Estados Unidos. Vejamos então a cena da escadaria de Odessa:
No dia 9 de Janeiro ocorreu a tragédia que passou à história como o «domingo vermelho» - a guarda czarista abriu fogo indiscriminadamente sobre homens, mulheres e crianças que se manifestavam diante do Palácio de Inverno, em Sampetesburgo.
E o nosso Koba?
Não pára. Este clima tenso, de confrontação social, constitui o ambiente ideal para o desenvolvimento das suas actividades - como jornalista e como agitador político.
Tudo muda na vida, mudamos nós, mudam os outros e mudam
as circunstâncias. Tudo no mundo muda,
umas vezes para melhor e outras para pior. Hoje deu-me para reflectir, e toda esta reflexão me fez lembrar, nestes tempos de drásticas mudanças, uma das mais fantásticas mudanças que o mundo sofreu, a que resultou da Revolução de Outubro. Revolução que foi o primeiro acto de ruptura com o capitalismo e o primeiro exemplo de uma sociedade nova. Uma sociedade que demonstrou, apesar dos desaires que atravessou e que a atravessaram, que não há alternativa ao socialismo, noção que é, sobretudo hoje, nesta bandalheira universal em que estamos atolados, muito mais clara e transparente.
A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas foi decisiva para alguns dos mais importantes avanços históricos da humanidade, para um equilíbrio de forças nunca possível sem ela, bem como a grande obreira da paz no mundo, com a sua decisiva intervenção na Segunda Guerra mundial. Como todos sabem, mesmo que olhem para o lado, as tropas americanas só intervieram depois da batalha de Kursk, quando se tornou evidente que o exército vermelho, sozinho, venceria os nazis. A Batalha de Kursk foi uma tremenda batalha na Frente Leste. É considerada a maior batalha de blindados de todos tempos, e inclui o maior custo de perdas aéreas em um só dia na história da guerra. Absolutamente decisiva para a derrota nazi.
A pior mudança para a humanidade deu-se com a queda da União Soviética. Ainda hoje o mundo não se deu conta da brutal perda que daí adveio. A queda da URSS constituiu uma grande tragédia para a humanidade. Sem ela perdeu-se o equilíbrio de forças, abrindo caminho a todos os horrores, crimes e misérias do capitalismo, hoje evidentes aos olhos mais cegos. As falhas, por vezes grandes, da sociedade socialista, não anularam, para quem quiser analisar os fenómenos históricos com seriedade, a ideia de que a sociedade soviética foi a mais justa e humana de todas as que se conhecem. E, como todos sabem, essa sociedade ruiu, essencialmente, pelo agressivo poder dos inimigos exteriores e também por factores internos, como a existência de sabotadores que mais não eram do que aliados dos inimigos externos, a perversão do patriotismo, a ambição, a degenerescência mental e a perda da dignidade de muitos dos que tinham sobre os ombros grandes responsabilidades na prossecução da meta socialista. Não foram os valores sociais que acabaram com ela. O mundo é feito de mudança, mas hoje o mundo está bem pior, menos livre, menos justo, menos solidário e menos pacífico. Em nada me custa a acreditar que uma das principais causas reside no desaparecimento da União Soviética, um contrapoder indispensável à furiosa ganância, desumanidade, crueldade e selvajaria imperialista e capitalista.
Às 10 da manhã de 7 de Novembro de 1917 (25 de Outubro pelo calendário russo) – faz hoje 92 anos – consumava-se a Revolução na Rússia e a esperança no Comunismo acendia-se por todo o mundo. Já tudo foi dito sobre este histórico momento de ruptura social, económica e política que transformaria o mundo das décadas seguintes, pelo que apenas vou recordar alguns dos principais tópicos da Revolução bolchevique.
No dia anterior, em Petrogrado (Sampetesburgo), numa acção rápida e bem coordenada, grupos armados do CMR (Comité Militar Revolucionário), afecto aos bolcheviques, haviam ocupado as agências telegráficas, coração do sistema de comunicações, e mandado baixar as pontes sobre o Neva, isolando a cidade do resto da Rússia. Por isso, em 25, à hora mencionada, o periclitante Governo Provisório comunicava ter transferido todo o poder para o Soviete de Petrogrado. Este comunicado foi, segundo se sabe, emitido pelo CMR e redigido por Lenine. Nessa mesma noite de 25 de Outubro, teve início o II Congresso dos Sovietes que elegeu um Conselho de Comissários do Povo. Em 26, foi aprovado o Decreto da Paz, propondo a retirada imediata da Rússia da I Guerra Mundial. Foi também aprovado o Decreto da Terra, que propunha a abolição da propriedade privada e a redistribuição da terra pelos camponeses. Em 2 de Novembro (15 no nosso calendário), Moscovo caiu em poder dos bolcheviques.
Houve, como é natural, resistência a estas medidas revolucionárias, nomeadamente na Ucrânia, integrada no Império Russo e fazendo depois parte da União das Repúblicas. Contra os vermelhos, alinhavam-se os brancos num leque político que abrangia à direita czaristas, liberais, nacionalistas, e à esquerda os anarquistas. Começava uma terrível guerra civil que iria durar até 1921.
74 anos depois, o sistema socialista ruiu e o capitalismo triunfou. Em todo o caso, nessa altura e desde há muito tempo, o sistema que vigorava nas repúblicas soviéticas já pouco tinha a ver com o socialismo fundacional. As contradições sufocavam um regime que se dizia comunista, mas que por muitos era designado por «capitalismo de Estado» e cujo socialismo já só subsistia em aspectos mais ou menos superficiais.
À partida tal desfecho fora previsto, pois, disse-se, o socialismo só poderia triunfar se conseguisse implantar-se à escala mundial. Após a 2ª Guerra, pareceu que isso poderia acontecer, pois parte considerável da Europa, da Ásia e da África foi assumindo-se como socialista. Na América Latina surgiam também focos. Porém, uma coisa são as ideias outra os homens que as põem em prática. E, por esse lado, o socialismo começou mal e não acabou melhor. A Guerra Fria, sobretudo a acção da CIA, foram roendo o sistema pelo exterior. Mas foram sobretudo as muitas contradições internas, sobretudo a corrupção e o despotismo que desgastaram irreversivelmente o sistema. As revoltas da Hungria e da Checoslováquia foram apenas um sinal.
Em Dezembro de 1991, com a demissão de Gorbatchov, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas era formalmente extinta, instalando-se aos poucos a economia de mercado, as redes de droga e prostituição, as máfias… O «mundo livre», digamos para simplificar.