Quinta-feira, 2 de Setembro de 2010

Insones, noctívagos & afins - Antecedentes Ideológicos do Dia do Trabalhador

Retomamos esta rubrica, agora com um formato e um horário diferentes . todos os dias repetiremos a  publicação de um texto que tenha merecido particular interesse dos leitores quando da sua apresentação. O horário será este, o das três horas da manhã. Para iniciar, escolhemos



ANTECEDENTES IDEOLÓGICOS DO DIA DO TRABALHADOR (de Raúl Iturra)

Estava a acabar uma parte do texto da História de Portugal, para acrescentar os remotos antecedentes ideológicos do Dia do Trabalhador. Tenho comigo o livro de 1850, de Philippo Buonarroti, o, um dos membro fundadores da Carbonária1 no nosso país, editado por Chez C Garavay Jeune, em Paris. As dúvidas sobre como foi executado o regicídio em Portugal, são mais do que certas. A Carbonária tinha-se especializado em atentados contra figuras proeminentes da Europa, para semear o liberalismo preconizado por Napoleão, quem ao invadir Portugal sem sucesso de pôr no trono um seu familiar e destruir cidades, pelo menos deu azo a uma ideia nova, materializada na Constituição de 1828, que impôs ao Rei uma Assembleia para não ser um tirano absolutista. Ainda me lembro quando o actual Conde de Mangualde, tetraneto do Albuquerque da época de Bonaparte, me contava que para salvar a vila, hoje cidade, optara por entregar as chaves da fortaleza e ordenar a todos, civis e militares, não oporem resistência, evitando assim os saques, roubos, mortes e violações de direito e de pessoas. Filippo Giuseppe Maria Ludovico Buonarroti, usualmente referido em versão francesa ( French) Philippe Buonarroti (1761 - 1837) foi um italiano igualitário e socialista utópico (Italian egalitarian and utopian socialist), revolucionário, jornalista, escritor, agitador e freemason; a sua actividade foi realizada principalmente em France. De França passou a Portugal, ainda novo, para impor a República pela que o liberalismo lutava na Europa com certo sucesso. Não é possível esquecer que Buonarroti não era apenas sobrinho neto de Michelangelo, o universalmente conhecido escultor e pintor, como era discípulo de Grachus Babeuf revolucionário que com os seus panfletos no seu jornal L'Égalité, como O Manifesto dos Plebeus ou Le Manifeste de Plébéiens, publicado no seu jornal Le Tribun du peuple, de 9 de Frimario do ano IV (30 Novembro 1795), lutou contra a opressão da aristocracia. Os lemas manifestados no seu texto O Manifesto dos Plebeus, de 1885, inspiraram, mais tarde, em 1795, Sylvain Maréchal, que escreveu O Manifesto dos Iguais, e, em 1848, os Marxs, Jenny e Karl Heinrich Presborck Max, com o apoio de Engels, trouxeram a público O Manifesto dos Comunistas.

É a denominada época dos manifestos. Textos que procuravam o levantamento do povo, no propósito de se governar a si próprio, dividindo o país em comunas. Esta divisão politico-administrativa, pressupunha que cada comuna fosse governada pelos vizinhos que a compunham. Foi assim que nasceu a primeira Comuna de Paris e o regicídio dos Bourbon, a Liga dos Comunistas em Marselha e a revolução francesa. Factos históricos por todos conhecidos, mas que me servem, de momento, de ligação entre a tentativa do primeiro auto- governo (primeira comuna de Paris), organizada por Gracchus Babeuf, com as suas ideias e as de Sylvain Marèchal, que pressionavam para a organização desses auto-governos, acabados sempre a sangue e fogo contra o povo. O primeiro auto-governo, de 1785, designado da Igualdade, foi responsável pelo derrube dos Bourbon, pela elaboração da constituição da Primeira República em França e, em Itália, pela substituição da monarquia absolutista dos Bourbon - dois - Sicília pelos liberais Sabóia. Humberto III, da casa de Sabóia, foi o último rei italiano, deposto após a 2ª guerra mundial do Século XX, passou a morar em Cascais, onde viria a falecer de idade avançada, nos anos 90 do Século passado.

O regicídio português, que tão bem é ensinado e ilustrado pelos historiadores portugueses, que recorrem cada vez mais a novas fontes, nomeadamente iconográficas, ao analisarem os desenhos da época, parece-me ser uma consequência da queda das colónias americanas da Monarquia Inglesa, que inspiraram Jefferson a escrever o Manifesto da Independência, reproduzido poucos anos depois, pelo Manifesto do Abade Sieyès: Les Droit des Homes e des Citoyens, incorporados na primeira Constituição Francesa Republicana, de 1795. Foram estes Manifestos que fizeram do Governo português, da segunda década do século XIX, um governo liberal, com Constituição, Assembleia e com o cargo de Primeiro-ministro, passando assim o Rei a governar sem mando. O mando estava na Assembleia e nos Ministros que designava, tendo o Rei só o direito de os aprovar ou rejeitar. Normalmente, aprovava, passando quase a ser um hábito de Direito Costumeiro.

É desta cadeia de acontecimentos do povo rebelde, que nasceram as guerras e, bem mais tarde, a libertação do nosso país, não por Afonso Costa, o mais fanático dos Republicanos nos tempos da Monarquia em Portugal, mas de um conjunto de conspiradores que queriam a igualdade entre todos os membros de um Estado, passando a ser denominados cidadãos.

A ideia de Igualdade já era usada desde meados do Século XVIII, com Mozart, Voltaire e Saint-Simon, entre outros. Este último, viria a influenciar o então liberal Karl Heinrich Presborch Marx, que, por sua vez, daria um passo em frente, organizando a metodologia e a pesquisa sobre a génese do operariado sem meios de produção e a existência de uma outra classe mais poderosa, proprietária de indústrias, manufacturas e valores monetários, denominados mais-valia, de que resultou a fórmula explicativa do capitalismo. Fórmula que quis transmitir ao operariado, com a criação da União Internacional dos Trabalhadores acaba por acender a fogueira das revoluções2.

Os textos de Babeuf eram brilhantes, eruditos, colocam questões que, ainda hoje, eu tento responder, provar e preencher com factos de dois séculos de revoluções. Revolução começada por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como Marquês de Pombal, encarcerado e exilado por querer desenvolver a indústria em Portugal. Para quê? Perguntava a aristocracia, se com os rendimentos das terras vivemos tão bem! Mas assim não aconteceu: a falta de indústrias em Portugal, fez dele não apenas um país rural, bem como pobre e dependente das indústrias manufactureiras de outros países. O nosso país apenas produzia a matéria-prima, transformada em países estrangeiros e vendida como produto acabado em terras lusitanas. Actividades que lesavam a economia das nossas famílias, passando a ser Portugal um país de operários que exportava mão-de-obra para os países desenvolvidos, cobrando uma taxa de emigração, que enriquecia o Estado e os traficantes da emigração. Pelo que a falta de industrialização não aconteceu e colocou o país entre os mais pobres da Europa.

A falta de desenvolvimento sublevou a população portuguesa, que matará o Rei e o príncipe da Coroa, Luís Filipe, seu sucessor. O herdeiro passou a ser o filho mais novo, D. Manuel, que não sabia governar. Acontecimentos todos do ano de 1908, que levaram à proclamação da República a 5 de Outubro de 1910, sendo o Rei e toda a família Bragança, deportados para a Grã-Bretanha e os seus bens confiscados pelo Estado, como me têm referido Duarte Pio e os Van Udem Bragança e como é relatado nos livros da História de Portugal da autoria ou direcção de Joaquim Veríssimo Serrão, António Manuel Hespanha, José Mattoso, Fernando Rosas e Vasco Pulido Valente, entre outros.

A morte de D. Carlos, foi o fim de 200 anos na procura de liberdade, com o exemplo das Colónias britânicas dos Hanôver e das latinas dos diversos Bourbons. Bem sabemos que a história não acabou ai, que o Segundo Presidente da Primeira República, Sidónio Pais, pretendia instaurar a monarquia, mas os republicanos e o povo não o permitiram. A primeira República foi um desastre, Portugal apenas conseguiu estabilidade a partir de 1974, com o alçamento das Forças Armadas contra a ditadura que governava o país, e em 1985, com a entrada na União Europeia, porém, nestes dias, estamos a retroceder, com uma não aparente ditadura de quem nos governa.

Tudo começou no Século XVIII, com a insurreição da burguesia contra a aristocracia e do povo contra a burguesia que pretendia substituir a classe aristocrata. Foi o inicio da denominada Revolução Francesa. Revolução começada, mas nunca terminada. Como Babeuf diz com outras palavras, e Karl Heinrich Presborck Marx com as correctas após anos de análise da revolução industrial, o modo de produção chamado capital intrometia-se, retirando mais-valia desde os Sens Coulotte até ao dia de hoje, envolvido na crise económica que vivemos.

A revolução francesa, no seu desejo de tudo mudar, até o calendário alterou. Por causa desta ideia, a Tomada da Bastilha, ou data marcada para comemorar a Revolução, acontecida a 14 de Julho de 1789, passou, no novo calendário, a ser 26 Messidor, dia de nome "Sauge" (em português Sálvia).

Calendário que vigorou, para além do período da Comuna de Paris 1, de 22 de Setembro de 1792 a 31 de Dezembro de 1805, quando Napoleão Bonaparte ordenou o restabelecimento do Calendário Gregoriano.

As ideias de Babeuf, sobretudo essa de sermos todos iguais, não prosperaram, como a de muitos outros que procuraram a liberdade. François Noël Babeuf (n. Saint-Quentin, Picardia, 23 de Novembro de 1760 - m. Paris, 27 de Maio de 1797), conhecido pelo nome de Gracchus Babeuf, foi um jornalista que participou na Revolução Francesa que veio a ser executado pelo seu papel na Conspiração dos Iguais. Muito embora os termos anarquismo e comunismo não existissem à época em que viveu, foram usados posteriormente para descrever as suas ideias, como diz a fonte que me orienta: Babeuf. Ecrits présentés par Claude Mazauriac, Messidor, Éditions Sociales, 1988, ou La Communauté des Égaux. Le communisme néo-bauviste dans la France des années 1840, Alain Maillard, Éditions Kimé, Paris, 1999, podemos afirmar que procurou a igualdade que levara a revolução francesa. Não é pois de estranhar que a sua participação tivesse ocorrido na conspiração dos iguais. Se A Comuna de Paris foi o primeiro governo operário da história, fundado em 1871 na capital francesa por ocasião da resistência popular ante à invasão alemã, eu diria que, de facto, é a segunda comuna de Paris. A primeira é a conspiração dos iguais, ao pretender que fosse a comuna a governar o povo.

Dizem as minhas fontes: Recém-chegado a Paris, Babeuf tomou partido pelos jacobinos (Robespierre, Saint-Just, etc.) contra os girondinos. Em Maio de 1793 entrou na Commission des subsistances de Paris, onde apoiava as reivindicações dos sans-culottes. Babeuf criticava a acção dos montanheses, concernente ao Terror, dizendo: "eu reprovo este ponto particular do sistema", mas agia em favor de sua continuidade, com a intenção de fazer passar da igualdade "proclamada" à igualdade de facto (a "igualdade perfeita" pela qual ele milita).

Em 23 de Agosto de 1793 foi sentenciado a vinte anos de prisão como resultado de seu julgamento. Os juízes de Amiens o perseguiram com uma intimação e ele foi aprisionado de 14 de Novembro de 1793 (24 brumaire ano II) a 18 de Julho de 1794 (31 messidor ano II), quando foi absolvido em um recurso.

Dez dias após sua liberação, ocorreu o golpe de estado contra Robespierre e os montanheses, o 9 termidor (27 de Julho de 1794).

Babeuf era jacobino e a sua preocupação era que os denominados sem calças – os sans-cullotes a base mais larga dos revolucionários - estivessem cuidados e bem tratados, não trabalhassem horas a mais, pelo que entrou na Comissão de Subsistência, mas sem muito empenhamento para ser bem sucedido no seu ideal referido antes: passar da igualdade proclamada, à igualdade perfeita, como refiro antes e reitero nesta alinha, pela qual ele militava.

Babeuf era, como se sabe, um homem de fé e como tal agia dentro da tumultuosa revolução, na qual ninguém se entendia. A máquina criada pelo médico Louis Guilotin funcionou mais entre os revolucionários, que entre os aristocratas, a qual estava destinada a matar sem dor. Babeuf foi um deles, por ter organizado uma conspiração em favor da igualdade. Dizem os autores que me orientam: A impossibilidade de agir legalmente levou à fundação da Conjuração dos Iguais, dirigida por Babeuf, Darthé, Buonarroti, Sylvain Maréchal, Félix Lepeletier, Antoine Antonelle e outros. O movimento se espalhou por todos os arrondissements de Paris e muitas outras cidades da província. Um "Directório secreto de saúde pública" dirigido por Babeuf coordenava a luta. O objectivo era continuar a revolução e garantir a colectivização das terras para conseguir a "igualdade perfeita" e o "bem comum.

O número 40 da Tribuna do povo provocou sensação. Babeuf dizia que os autores dos "massacres de Setembro" "serviram bem o seu país" e declarava que outro massacre podia aniquilar o governo. Em 11 de Abril, Paris amanheceu coberta de posters, da Tribuna do povo, intitulados análise da doutrina de Babeuf, cuja frase inicial dizia: A natureza deu a todos os homens o direito de gozar de uma parcela igual em todas as propriedades e terminava por conclamar à restauração da constituição de 1793.

Os massacres de Setembro, são assim explicados pelo juízo da História: Rumores da existência de uma conspiração de aristocratas e do clero pronta a desencadear uma vingança ganharam as ruas. O povo, então, temendo possíveis represálias caso o exército estrangeiro chegasse logo a Paris, num acto descontrolado, invadiu as prisões lotadas de gente da nobreza e de seguidores da monarquia, entre elas do Chatelet, na Bicêcle, do Salpétriere, da Prision de la Force e a da l'Abbaye, culminando com o avanço sobre a capela do Carmo. Deu-se então um dos piores episódios da revolução. A pretexto de estar agindo em legítima defesa do povo, a multidão invasora dos chamados sans-cullotes, tendo à frente um tal de Maillard, um capitão da guarda, e o jornalista Hébert, matou os prisioneiros a golpes de pau, espada e foice, sem lhes dar alternativa de defesa, no que ficou conhecido como, "os massacres de Setembro", história comentada por Babeuf no jornal citado antes. Fonte: o referido texto de Mazauriac, bem como Dommanget, Maurice, 1935: Pages Choisis de Babeuf, Armand Colin, pp. 224 em frente.

Intitulei este texto como antecedentes ideológicos do dia do trabalhador.

Bem sabemos que esses antecedentes derivam de uma matança de operários na cidade de Chicago. Em 1886, realizou-se uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago nos Estados Unidos da América.

Essa manifestação tinha como finalidade reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e teve a participação de milhares de pessoas. Nesse dia teve início uma greve geral nos EUA. No dia 3 de Maio houve um pequeno levantamento que acabou com uma escaramuça com a polícia e com a morte de alguns manifestantes. No dia seguinte, 4 de Maio, uma nova manifestação foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores, tendo terminado com o lançamento de uma bomba por desconhecidos para o meio da policia que começavam a dispersar os manifestantes, matando sete agentes. Aa forças policiais abriram então fogo sobre a multidão, matando doze pessoas e ferindo dezenas. Estes acontecimentos passaram a ser conhecidos como a Revolta de Haymarket.

Factos conhecidos e analisados por vários autores, especialmente pelos membros da II Internacional Socialista de 20 de Junho de 1889, em Paris, também atacada pelas forças policiais, no Norte de França, a 1º de Maio desse ano. 10 trabalhadores morreram. Esse novo drama serve para reforçar o dia como um dia de luta dos trabalhadores e meses depois a Internacional Socialista de Bruxelas proclama esse dia como dia internacional de reivindicação de condições laborais.

Mas, nada teria sido possível se não tivesse existido, 100 anos antes, a rebelião dos trabalhadores franceses contra a aristocracia e a clerezia francesa, que serviam o rei e a casa da família do monarca governante. De entre todos, foi Grachus Noël Babeuf o ideólogo da igualdade.

São estes factos que me parecem a mim serem os antecedentes ideológicos do dia do trabalhador. Especialmente a morte de Babeuf, guilhotinado pelos seus correligionários jacobinos após julgamento. O processo foi aberto contra Babeuf e outros 64 acusados em Vendôme em 20 de Fevereiro de 1797, na presença de dois ministros. No julgamento, foi “transportado” numa jaula de ferro. A sua defesa tornou-se, de facto, impressionante dado o teor socialista. Ele que, em parte solidificou a ideia de que a população é uma classe, precisava ser consciente dos factos de traição à revolução começada pelos trabalhadores e exigir os seus direitos inalienáveis. Na sua defesa admitiu-se culpado e afirmou que apenas estava cumprindo o artigo 35 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793. Babeuf foi declarado líder do movimento, mesmo havendo outras pessoas mais importantes envolvidas. Devido ao teor de seu discurso, Babeuf foi condenado à morte. Alguns dos prisioneiros, incluindo Buonarroti, foram exilados. Os demais, como Vadier e seus companheiros da Convenção, foram absolvidos. Drouet fugiu da prisão, de acordo com Barras, com a conivência do Directório. Na hora do veredicto, como último recurso, Babeuf tentou de forma fracassada o suicídio, sendo guilhotinado no dia seguinte juntamente com trinta dos seus seguidores. Era o 8 prairial ano V, ou 27 de Maio de 1797. O conteúdo completo do seu julgamento foi publicado apenas em 1884.

Quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada porção do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres (Babeuf antes de ser guilhotinado).
_____________________

 Do filme "Si Versailles m'était conté", de Sacha Guitry (1953), apresentamos, na voz da grande Edit Piaf, a canção revolucionária de 1789 - Ça Ira.


publicado por Carlos Loures às 03:00
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Sábado, 14 de Agosto de 2010

O Romantismo social português: 1 – Considerações gerais

Sílvio Castro

Movimento de vanguarda, possivelmente o primeiro nesse sentido, o Romantismo se apresenta historicamente em forma complexa, englobando e propondo as mais diversas dimensões para a nova criação literária. Herdeiro dos melhores valores da tradição neo-clássica, entretanto logo se mostra contrário às mesmas e disponível à conquista de surpreendentes e inéditas dimensões artísticas.

‘ Inicialmente, e como elemento tradutor de sua dimensão inovadora, o Romantismo exalta a sua raiz predominante, a Iluminista, traduzindo-a através da elevação da liberdade de criação individual do novo homem romântico como valor inalienável. O novo homem então se mostra eterno enquanto universo referencial e único. Conjugando emoção e racionalidade, o artista romântico conduz a própria individualidade ao plano da total invenção, removendo todo e qualquer tipo de formas sedimentadas, na procura sem limites de invenção e revelação.

Afirmada uma tal dimensão na luta contra todas as forças reativas, o Romantismo conduz a sua consciência da individualidade a confins sem fronteiras, penetrando igualmente em territórios que aparentemente são possíveis negações do quanto afirmado programaticamente pela revolução estética operante e operada. Então, o individualismo romântico se faz capaz de atingir a dimensão de uma renovada consciência do social. Do social que não surge necessariamente de uma premeditada educação cívica, mas que resulta diretamente da iluminação do poeta individualista que se apropria de seu universo civil.

A passagem do Romantismo individualista àquele social é o resultado da totalização do poeta revolucionário em contacto com o seu universo de interrelações. O poeta conjuga então sua natural posição ético-estética com aquela outra, política. Uma das forças condutoras desse movimento giratório do poeta de origem iluminista ao pacto da convivência política se produz através das contribuições revolucionárias de um inicial Liberalismo, ele igualmente fruto da tradição iluminista. Então, o poeta romântico também social passa a ser o amadurecimento absoluto daquele cantor inicial preso às suas emoções reveladoras, agora submetidas ao mais profundo processo de racionalização da consciência pessoal do estar-no-mundo.

Com o desenvolvimento e evolução de seu processo histórico, o Romantismo alarga a sua inicial matriz liberal, de origem iluminista, ao nascente pensamento socialista, ainda este imbuído de lições iluministas, mas revitalizado pelos valores afirmados com a Revolução francesa de 1789.

O poeta unívoco se multiplica assim na atipicidade viva dos tantos valores

que compõem o seu ambiente existencial e social, levando-o a integrar-se conscientemente nele. Seria quanto a teoria schleguiana, uma das bases do Romantismo alemão, definia respectivamente como estágios “Ingênuo“ e “Sentimental” porque passa o poeta romântico na conquista de uma definitiva maturidade criadora.

Se desejarmos definir o conceito-valor que permite ao poeta romântico um tal grande salto criativo, o poderemos fazer, entre outros, a partir daquele de “Nação”. O romântico social exalta com esplendor os valores de sua nacionalidade, a tal ponto que a leva aos confins da universalidade.

Os dois irmãos Schlegel, August Wilhelm von Schlegel (1767-1845) e Friedrich von Schlegel (1772-1829), elegem o “Nacional” como protótipo da dimensão social do Romantismo e para exemplicá-lo, principalmente a partir da teorização de Friedrich, colocam Os Lusíadas como a máxima criação épica possível. Tudo a partir da parcial tradução alemã da obra-prima camoniana realizada por August Wilhelm.

Um tal percurso, visto com todas as características próprias de um Romantismo nacional de claras linhas autônomas, como o é aquele português, o poderemos encontrar criticamente na apreciação direta da ação e da obra de autores como Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Soares de Passos, Antero de Quental, Teófilo Braga, Guerra Junqueiro e Cesário Verde. Verificação crítica que logo em seguida passamos a fazer.
publicado por Carlos Loures às 16:30
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