(Continuação)
Parece-me evidente que o conceito de protecção contra o qual luta o de resiliência, é difícil de aplicar em épocas remotas à nossa era. O conjunto de autores que estão a defender o desenvolvimento de um ser humano que tem sofrido um trauma, entre os quais os invocados como Cyrulnik e Sá, estão a referir-se a épocas posteriores à criação do conceito de laissez-faire, laisez-passer, de François Quesnay[1] e o seu discípulo Adam Smith[2] e usado desde esse tempo pelos economistas liberais que invoco nos meus textos citados em nota de rodapé. O que interessa deste parágrafo, é demonstrar como o desenvolvimento da tecnologia ou dos instrumentos de trabalho, desenvolve não apenas o grupo social que os possui, como a cada indivíduo que os apropria, bem como aos lucros que os bens no mercado, oferecem ao proprietário, análise não considerada pelos autores psicólogos invocados. Análise que faz Karl Marx num texto recentemente divulgado[3], ao debater com Adam Smith sobre a teoria do valor e do desenvolvimento do grupo social e não apenas do indivíduo. Para Smith, como para Quesnay e seus seguidores, o desenvolvimento não está na ilusão do carinho ou da emotividade – apesar de ter escrito um texto sobre a temática dos sentimentos, em 1759[4]. Este feroz ataque que adianto, é por estar a pensar em duas épocas diferentes da mesma sociedade: a época quando culturalmente se pensava por outros, a época em que pensar por si próprio não era adequada ao tipo de mais valia possível. Na época de Justiniano, Hipona e até Aquino no Século XIII, as formas de optar eram em representação de outros, enquanto desde o Século XVIII, já com um Gracchus Babeuf[5] a agir em prol da igualdade, a lista de representados acaba por começar a perder-se, a deixar de existir e a relação entre os seres humanos parece começar a ser uma forma de existir, não apenas de optar, mas de atingir uma liberdade passível de ser transmitida a seres humanos mais novos, é dizer, as crianças das quais tenho vindo a falar. Seres humanos que começam apenas agora a serem sujeitos de importância para investigadores, eruditos, para a lei e para a interacção social. A criançada parece não existir antes da época de ser precisa para um certo tipo de produção. E a sua capacidade para gerir é apenas pensada para a vida adulta. Justiniano, na sua codificação da lei romana, fala no Livro 3 dos mais novos como sujeitos de tutória ou pelos pais ou por um curador nomeado pelo grupo do Senado encarregue dos assuntos de Adopção. Tal e qual as mulheres que, enquanto são pessoas maiores de idade e não casadas, podem livremente usufruir dos seus recursos, trabalhar, optar. Mas, o matrimónio romano, como o nosso até 1956, levava a mulher a ser sujeita do marido o Pater Famílias. Na época romana, há o matrimónio com manus o sine manus, formas de poder escapar à tutela e curadoria do Pater Familias caso houvesse convenções matrimoniais prévias a separar os bens de cada um dos nubentes na base de um contrato nupcial de separação de bens, ou seja, na base de um inventário que regista o que pertence a cada um. A mulher romana sine manus, ficava liberta da curadoria do Pater Famílias, como no caso do mundo latino, ao celebrar um matrimónio com separação de bens – inventário já não necessário com as reformas do Código Civil mais recentes.
Será que estou a entrar mais pela relação económica que pelas relações emotivas? Mas, não será que essas relações emotivas estão regulamentadas pela economia, fazem parte da relação, dos sentimentos, como queria avançar ao analisar o excesso de cuidados que a lei manda ter seja na relação paterna – filial, quer entre cônjuges, ou entre pais e filhos. Para o que é preciso entrar na análise das normas abrangentes, simbólicas, não consideradas pelos analistas do comportamento. Normas a existir dentro de nós e que criam a ilusão de sermos pais, enquanto a realidade sublimada em terapia leva-nos a pensar que o terra – a – terra não existe na vida social. Ou, por outras palavras, como fazer para que, com economia, com lei acumulada no tempo, com idades separadas perante a responsabilidade, com tabus e proibições acabemos, no entanto, por amar sem obstáculos? Serão ideias sentidas para se aprenderem durante o transcorrer da vida, aprendidas, aceites, explicadas ou retiradas das formas do entendimento dos mais novos, por o mais velho ser possuidor do real e o mais novo, um ser humano sem conceitos, ou com uma epistemologia em formação, sendo assim o mais velho, o eterno pater – familias, que obriga a amar na relação progenitores – descendentes? Não resisto à tentação de entrar pela análise dos textos denominados sagrados que obrigam a um determinado tipo de comportamento e criam uma culpa, o pecado, para iludir a relação adulta criança.
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