Quarta-feira, 22 de Junho de 2011

LIÇÕES DE ETNOPSICOLOGIA DA INFÂNCIA - XIX, por Raúl Iturra

(Continuação)

 

O interessante é saber porque é que ao falar de resiliência, o autor fala dos “vilões pequenos patos”. Penso que a ideia não é difícil. Primeiro, vilões por serem capazes de se desenvolver a partir do “agarrar-se” a uma feliz memória pessoal ou da sua cultura. Pequenos patos, porque são capazes de nadar apesar de essa corrente ser tão forte dentro da sua cultura ou processo de interacção social. Hoje em dia tem vindo a público, factos de abuso de menores que, já faz tempo acontecem, mas apenas hoje se defende e se fala, do colo que a sociedade dá aos mais novos por se terem envolvido adultos que organizam o poder de uma nação. É evidente que nem todas as culturas têm este problema, bem ao contrário: muito embora o incesto seja um tabu universal, a pedofilia é definida de forma diferente nas diversas culturas, algumas até a praticam como parte do crescimento dos mais novos. Mas, este conceito é para outro capítulo. O que me interessa ver neste capítulo, é a prevenção que os sabidos homens da religião têm organizado para defender les petits canards de actividades que ou não são rituais, ou, se são rituais, saiam da estrutura organizada, como processo criminoso para novos e velhos, como tenho referido noutros textos. O capital, a nossa relação social, deixa-nos com a ilusão de sermos pais para passar a guardiães dos nossos pequenos e de vigiar os adultos que andam por perto.

 

De facto um pequeno parágrafo do capítulo II do Catecismo Católico Romano de 1992, como o de Lutero de 1529, vai directo ao ponto do que hoje em dia, apenas, denominamos traumatismo. É esse traumatismo e como ele é causado, o que diz respeito ao final desta primeira parte deste tão difícil texto, mas tão necessário pela sua actualidade e incompreensão cultural.

 

Esse pequeno parágrafo parece referir o segundo conceito deste número, a culpa, tal como acontece com o Catecismo de Lutero[1], com o Alcorão[2] e o Torah[3] ou Dez Mandamentos e os Comentários Rabínicos de los Diez Mandamientos, textos que orientam o comportamento do povo judeu. Todos eles referem o mesmo tipo de comportamento, em referência à culpa, denominada pecado. Penso que devia começar pela última frase do parágrafo referido.

 

O parágrafo referido acaba com uma frase que diz: “Portanto, a caridade é o pleno cumprimento da lei” (Epístola de Paulo de Tarso aos Romanos, 13, 8-10)[4]. O que está a querer dizer Paulo de Tarso aos Romanos ao falar de que é obrigação de todo cidadão cumprir a lei, e que cumprir a lei é caridade? Primeiro, está a referir-se à subordinação de todo ser humano aos poderes políticos: “Todos hábeis de estar sometidos a las autoridades superiores, que no hay autoridad sino por Dios, y las que hay, por Dios han sido ordenadas”[5]. Como cidadão romano, está a escrever aos seus compatriotas sobre um tema que era desconhecido, como hoje em dia acontece muito, a caridade. Este conceito, extremamente usado nos textos que fundamentam a nossa cultura, tem um significado não definido, mas muito adjectivado, na época em que se procura a igualdade entre os seres humanos. Não podemos esquecer que no começo deste texto, referimos a hierarquia entre os romanos: cidadãos, submetidos ou sujeitos à autoridade do Pater Familias, escravos, povos colonizados, é dizer, pessoas com manu, etc. A palavra caridade, ao longo do tempo, faz parte da cultura ou costumes dos povos que hoje em dia conhecemos e podemos procurar uma definição ética: Caridade. [...] S.f. 1. (Ética) No vocabulário cristão, o amor que move a vontade à busca efectiva do bem de outrem [...]. 2. Benevolência, complacência, compaixão. 3. Beneficência, benefício, esmola, definição retirada de um texto do ano 2000[6]. Das três alternativas o texto comentado está, a meu ver, a usar o primeiro sentido. Muito embora ao longo dos textos denominados sagrados e que são ensinados às crianças desde muito cedo na sua vida – desde o Século III da nossa era até o dia de hoje, todo ser humano mais novo aprende primeiro as formas de interacção, que na nossa legislação actual denominamos bem comum ou garantia dos bens materiais em igualdade para todos, o princípio representado no artigo 9º da Constituição da República Portuguesa[7]e ao longo do texto constitucional, especialmente no Título III, sobre Direitos e deveres económicos, sociais e culturais, artigos58 a 79.

 

 

 

publicado por João Machado às 14:00
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Sexta-feira, 17 de Junho de 2011

LIÇÕES DE ETNOPSICOLOGIA DA INFÂNCIA - XV, por Raúl Iturra

(Continuação)

 

A essência do recalcamento consiste em afastar uma determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância (1915, livro 11, p. 60 na ed. bras.). A repressão afasta da consciência um evento, ideia ou percepção potencialmente provocadores de ansiedade e impede, dessa forma, qualquer manipulação possível desse material. Entretanto, o material reprimido continua fazendo parte da psique, apesar de inconsciente, e que continua causando problemas.

 

Segundo Freud, a repressão nunca é realizada apenas uma vez e definitivamente: exige um continuado consumo de energia psíquica e neuronal, para manter o material nocivo, reprimido. Para ele os sintomas histéricos com frequência têm sua origem em alguma antiga repressão. Algumas doenças psicossomáticas, tais como asma, artrite e úlcera, também poderiam estar relacionadas com a repressão. Também é possível que o cansaço excessivo, as fobias e a impotência ou a frigidez derivem de sentimentos reprimidos[1].

 

A libido é-me mais importante de analisar, por causa da confusão que causa no saber cultural do conceito. É definido e usado no livro de Moisés e Monoteísmo, da forma seguinte: “Segundo Freud, no ser humano, cada um dos instintos gerais teria uma fonte de energia separadamente. Libido (palavra latina para "desejo" ou "anseio") seria a energia aproveitável para os instintos de vida. "Sua produção, aumento ou diminuição, distribuição e deslocamento devem propiciar-nos possibilidades de explicar os fenómenos psicossexuais observados" (1905a, livro 2, p. 113 na ed. bras.). Outra característica importante da Libido é sua mobilidade, ou a facilidade com que pode passar de uma área de atenção para outra.


A energia do instinto de agressão ou de morte não tem um nome especial, como tem o instinto da vida (Libido). Ela supostamente apresenta as mesmas propriedades gerais que a Libido, embora Freud não tenha elucidado este aspecto.[2]

 

 

 

publicado por João Machado às 14:00
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Terça-feira, 14 de Junho de 2011

LIÇÕES DE ETNOPSICOLOGIA DA INFÂNCIA - XII, por Raúl Iturra

(Continuação)

 

Parecia-me necessário entender certos conceitos, antes de entrar pelas duas temáticas que explicam a incompreensão entre adulto e criança. Especialmente, por estarem baseadas em ideias religiosas da vida pessoal dos autores, todos eles israelitas. O Édipo e o ante Édipo ou Jesus; e o comportamento erótico da infância. Por outras palavras, as ideias psicanalistas não são conceitos inventados, são retirados dos aspectos punitivos do que denominamos religião, definido por mim em textos anteriores como a lógica da cultura e a lógica da história, é dizer, o que orienta, define, incentiva e proíbe comportamentos entre seres humanos cuja base de agir é a felicidade e o desejo que leva à reprodução, à concorrência, ao lucro, à mais-valia. Conceitos todos já definidos nos textos denominados sagrados das várias culturas e invocados por mim em páginas anteriores. No entanto, a melhor definição de religião é proporcionada por Durkheim, conceito que contribui para o entendimento da terapia e as suas técnicas adaptativas ao comportamento definido pela Divindade, que os psicanalistas não denominam histeria nem neuroses, apenas alienação. Durkheim considera a religião como a representação sagrada que o povo tem de si próprio e define-a assim: “Uma religião é um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, retiradas da sociedade e proibidas – crenças e práticas que unificam numa única comunidade moral chamada Igreja todos aqueles que a ela aderem. O segundo elemento que encontra assim lugar na nossa definição não é menos essencial do que o primeiro; porque mostrando que a ideia de religião é inseparável da de Igreja, torna claro que a religião deve ser um facto eminentemente colectivo”[1] Esta definição que tenho usado, na língua original noutros textos, porque define, praticamente, o que os terapeutas procuram: a sociedade e a interacção individual e dentro do grupo. Durkheim, ateu mas pertencente à religião judaica, procura o mesmo tipo de análise de comportamento que Freud e discípulos: uma análise ajustada a uma lógica exógama, não incestuosa, a reconhecer a realidade da libido e de todos os outros conceitos que defini antes. Conceitos entre os quais se encontra o Quarto Mandamento comum às religiões referidas em páginas anteriores: o amor aos ancestrais e o respeito, do qual nasce um conceito que já quase não é usado, o de Édipo, e que Freud analisa no seu texto sobre religião, a partir das seguinte tábuas:

 

 

 

publicado por João Machado às 14:00
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Domingo, 12 de Junho de 2011

LIÇÕES DE ETNOPSICOLOGIA DA INFÂNCIA - X, por Raúl Iturra


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

http://www.youtube.com/watch?v=MBW5a77wINQ

Bellini Norma Casta Diva Maria Callas

 

           IV


       Quarta lição


 O começo da teoria analítica. Entender.

 

Entre outros motivos da não percepção, está a formação diferente, quanto a imaginário, entre adultos e crianças. O conjunto de adultos que procura entender a criança, vive de forma pragmática e pensa de forma material. O caso mais conhecido, é o do fundador da psicanálise, Sigmund Freud[1]. Como diz Storr, biógrafo de Freud, “Sigmund Freud is part of a group of thinkers who have reacted against religion in its formal expression (E.g. Church, liturgy, the belief that God lives in the heavens etc.), but at the same time seeks to internalise key religious concepts and then relate them to the human psyche. However, unlike modern non-realists who see value in religion as a means for promoting certain social and moral values in society (see God as the Sum of our Highest Ideals), Freud is more akin with the likes of Karl Marx who saw religion as an immediate expression of some deeper human problem which needed to be 'cured' (see Marxism). Although Freud was Jewish, he never practiced his religion and in fact he believed that all religion was an illusion which had developed to suppress certain neurotic symptoms in humans” e acrescenta uma frase do autor: “ [Religion] must exorcise the terrors of nature, [Religion] must reconcile men to the cruelty of fate, particularly as it is shown in death, and [Religion] must compensate them for the sufferings which a civilized life in common has imposed on them”.[2] Formas de pensar que dizem respeito ao pragmatismo usado pelos analistas, que retiram das suas formas de pensar, o pensamento simbólico criado pela mente humana entre a natureza e a crença na existência de uma outra vida. Acrescenta o autor da biografia de Sigmund Freud: “In the end Freud believed, as Marx did that the religious instinct in people was curable (even childish), and so at some point in the future could be abandoned. This would happen once people left behind their psychological illusions and live as restored people in a world of scientifically authenticated knowledge. Yet despite this negative assessment of religion Freud's theory can open up other possibilities for explaining why humans have the religious instinct”[3]. Ideias que Freud desenvolve nos seus textos sobre Moisés[4]para comparar uma ideia fundamental da sua teoria: 'If the relation of a human father to his children is, as the Judaic-Christian tradition teaches, analogous to God's relationship to humanity, it is not surprising that human beings should think of God as their heavenly Father and should come to know God through the infant's experience of utter dependence and the growing child's experience of utter dependence and the growing child's experience of being loved, cared for, and disciplined within a family”[5]

 

 

 

 

publicado por João Machado às 14:00
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Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2011

VIVER NÃO CUSTA. O QUE CUSTA É SABER ENSINAR A VIVER – por Raúl Iturra

Ontem escrevi sobre o dever da heresia, por causa de vários políticos andarem a correr para o cargo de Presidente da República. Não há texto em que eu não tenha escrito sobre o debate da hecatombe que deveria percorrer todo o país. Fala-se de tudo, vive-se como se entende, gastam-se as poupanças em divertimentos, o crédito é o rei do dia-a-dia, os debates são sempre entre candidatos e pela televisão que vemos e ouvimos calmamente desde a cama. Não há comícios nem desfiles para apoiar o candidato preferido. Ninguém fala das suas preferências: resultaria num sortilégio, como cumprimentar alguém antes do seu aniversário, dá má sorte…O que pretendemos do próximo Presidente, é apenas debatido na Assembleia da República ou nas reuniões de pessoas do mesmo partido. Do que se fala, é de louvar os candidatos. É raro que, esse pretendente à mais alta magistratura da Nação, sai à rua para esclarecer pontos obscuros do seu programa. Portugal é infantil: não debate, aguarda e espera sem saber qual o programa do candidato da sua preferência, normalmente um programa retirado da ideologia do fechado partido político que apenas admite debates entre os seus membros. Não tenho visto nem ouvido palestras ideológicas públicas: ou não há tempo, ou não há interesse. A maioria dos candidatos tem partidos que os apoiam à porta fechada, apenas entre eles.

 

Convicções que ninguém pode mudar. Não sabemos, não entendemos, os discursos de 1985 são os mesmos do dia de hoje. A crise económica que sofremos, iniciada por um dos candidatos que não soube gerir os bens nacionais nem tomar conta do entesourar das arcas do estado, continua a usar as mesmas palavras de 1985, do tempo em que era 1º ministro.

Não sabemos quem diz a verdade, quem se interessa pelo povo, quem pode representar à sua soberania. Todas as palavras, programas, ideologias, não têm mudado, excepto a que nos mata: retirar ao povo o montante das dívidas que os nossos governantes não souberam pagar. Os governantes, procuram na nossa pobreza, a luz da sua escuridão de líderes que não convencem porque não souberam governar.

 

Será que voltaremos a viver os tempos antes do 25 de Abril de 1974? Perante esta incógnita, penso apenas em mim e tento fugir das manifestações dos que nada dizem e tudo prometem. Pelo que, dentro deste texto, faço uma viragem de tema, que também corresponde ao título do ensaio. E que os candidatos deviam ler.

Esta é a minha ironia para os governantes que apenas se orientam pelas suas ideias, regalias, sem fazerem um pacto de união que salve o país da crise financeira.

 

Esta é a minha irónica mensagem para os que dizem resolver os problemas da nação, mas não conseguem, especialmente endereçada ao candidato que preside actualmente à República e pensa numa divindade, em estreito contacto com a que diz existir:

 

Sem saber como, nascemos. Nascemos sem saber muito bem porquê. Somos resultado da paixão dos nossos adultos.

 

Essa paixão que não permite pensar, apenas agir. Essa paixão que tem, quase sempre como consequência, dar vida. O caminho ao Gólgota, como o nosso com os candidatos, começa mal nasce a pessoa[1].

 

Dizer que viver não custa e, depois, referir o caminho do calvário, parece uma contradição. No entanto, não o é. Dizer que viver não custa é já definir esse caminho semeado de espinhos dos preços, dos horários de trabalho prolongados, das esperas imensas de transportes lotados. De lutar contra a doença, porque o dinheiro descontado, no parco salário, faz falta. Desconto feito pelos mais poderosos que apenas querem continuar a acumular riquezas com a força do trabalho dos outros. Estes espinhos são inevitáveis. A vida ensina como somos matéria e que essa matéria se cansa, se aborrece ou nem sabe como se entreter. Não é em vão que Alice Miller comenta o que está na citação de nota de rodapé[2]. Criança isolada para ser bem dotada.

É por meio destas ideias de Alice Miller, do abuso que as crianças e os adultos sofrem com os políticos, ao serem sempre consideradas pessoas cuja dotação intelectual é inferior ao normal, que entendemos finalmente, que viver não custa, o que custa é ensinar a saber viver. Viver não custa desde que se saiba escapar às doenças, entender de economia e gerir o corpo e a inteligência, com diligência e com informação, como os pretensos candidatos deviam fazer.

 

Os mais novos aprendem estas ideias e outras, pelo real calvário dos seus pais com os líderes da República, esses adultos que são a força de trabalho de uma nação, como já advertia Marcel Mauss em 1924[3].

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 09:00

editado por Luis Moreira às 11:50
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Quarta-feira, 20 de Outubro de 2010

Religião e Moral

Hélder Costa

No saudoso tempo do fascismo éramos obrigados a assistir a umas aulas ministradas normalmente por um vigário com a designação “Religião e Moral”.

Bíblia, catecismo, reprimendas à indisciplina dos alunos, etc.

O civismo limitava-se a respeito à autoridade, silencio e pedir a bênção aos mais velhos.
Vieram-me estas memórias por causa de uma notícia de jornal que revela a despesa de 228 mil Euros contraída pela C. M. de Lisboa com a visita do papa Bento XVI no mês de Maio a Lisboa.

E eu que, na minha eterna ingenuidade, julgava que tinha sido um investimento pago pelo Vaticano para tentar limpar a mancha de desprestígio internacional devido às centenas de casos de pedofilia que manchavam a dita “ Religião e Moral” !

Claro quer tinha ficado triste por ter um Estado laico que se sujeitava a essa vergonha , e afinal o dislate ainda era pior.

Este retrocesso cívico é perigoso e pergunto-me como é possível essa constante impunidade perante as escandalosas notícias da imprensa internacional : há dias “El País” publicava algumasconfissões de uma antiga prostituta amante de um chefe mafioso. Falava dos anos 80, das prostitutas que levava para o arcebispo Marcinkus, o chefe do Banco do Vaticano, e dos sacos cheios de dólares que eram entregues a João Paulo II para serem entregues ao sindicato Solidariedade da Polónia para destruir o regime comunista. Marcinkus, perseguido pela policia Italiana, foi protegido por Andreotti e refugiou-se nos Estados Unidos onde morreu em paz há uns 2 anos…

Nas eleições Brasileiras vemos a interferência sistemática dos evangélicos no debate político racional ; no Médio Oriente não há dia em que não haja mortes por causas religiosas em nome de Deus, na Europa as forças reaccionárias estão sistematicamente a invocar temas religiosos para dividir e manipular os cidadãos.
E parece que há medo de criticar essa falsificação humanista porque ninguém quer passar por ateu ou anti-clerical. A questão não é essa, trata-se de razão e progresso.

Para terminar :
Uma vez alguém consegue falar com Deus e pergunta .
- Meu Deus, qual é a religião que está certa? Cristianismo, Judaísmo ou Islamismo?

- Não sei…eu não sou religioso…

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publicado por Carlos Loures às 16:30
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Sábado, 18 de Setembro de 2010

A propósito de O Osso de Mafoma, de António Macedo (Ou do Cristianismo e do Islamismo)

António Gomes Marques


I - Época histórica

"A acção desta peça decorre durante o primeiro quartel do século X, ..." , assim inicia António Macedo O
Osso de Mafoma, representada na Malaposta em Outubro de 1990.

Aceitando a tradicional divisão da História por épocas, concluímos que é na Época Medieval que decorre a acção da peça. Ora, hoje ainda, há quem considere a palavra medieval como sinónimo de algo contrário ao progresso, apesar dos muitos estudos sobre tal época, já traduzidos para português e em Portugal publicados, nos demonstrarem o quão errónea é tal opinião. Se lermos, por exemplo, um texto de autor anónimo, Jeu d'Adam, representado numa igreja na segunda metade do século XII e que nos fala do feminismo, do antifeminismo, do casamento e da sexualidade, e, se desconhecermos o facto de se tratar de um texto de tal época, julgaremos, facilmente, estar perante uma obra nossa contemporânea. É apenas um exemplo já que, em História, não se tiram conclusões com base num só texto.

O período que vai dos começos da Idade Média, coincidente com a queda de Roma em 395, ou seja, data da divisão do Império Romano em Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente, até 476, data esta que marca o fim do Império Romano do Ocidente e se prolonga até 800, é caracterizado por um certo obscurantismo e mesmo por um regresso ao barbarismo. É o primeiro período da Idade Média, que termina com o chamado Renascimento Carolíngio no fim do século VIII, princípio do século IX, o qual dará origem a novo período de grandes desenvolvimentos, não só na literatura, mas também nas artes e na filosofia, que vai durar até ao fim do século XIII, passando pelo Renascimento do século XII, bem caracterizado por Jacques Le Goff no seu livro Os Intelectuais na Idade Média, que constitui, portanto, o segundo período da Época Medieval, a qual só terminará com a queda do Império Romano do Oriente em 1453 e com o despertar económico que faz adivinhar os tempos modernos e os descobrimentos, sob o grande impulso dos portugueses e também dos espanhóis.
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II - Cristianismo

Se aquele primeiro período da Época Medieval deve algo aos gregos e romanos e também aos germânicos, influências que não devem ser esquecidas, é bom reter que o cristianismo constitui base bem mais importante em tal civilização.

Os historiadores do cristianismo consideram, no seu desenvolvimento histórico, três períodos: antiguidade (séculos I a V), vivendo nas estruturas do Império Romano; medieval (séculos V a XV) em íntimo convívio com as novas estruturas europeias, para as quais deu notável contributo e, por fim, séculos XVI a XX; período da sua expansão, quantas vezes violenta, e da sua universalização.

Do seu fundador, Jesus da Nazaré, pouco se sabe para além de ter nascido na Judeia, mais ou menos no início da nossa era (ou da era cristã), tendo sido crucificado cerca de trinta e três anos depois, no reinado de Tibério.

Terão sido as influências recebidas dos profetas hebreus e das doutrinas dos essénios ("espécie de ordem monástica com tendências ascéticas") que o levaram a pregar.

Jesus da Nazaré nada deixou escrito, nem tão pouco os seus discípulos anotaram fosse o que fosse das suas pregações. O mesmo não sucederá com Maomé.

Nestas doutrinas encontrou Jesus a ideia do Messias salvador, não pela destruição dos que se lhe opunham, mas pela regeneração da vida espiritual e também dos homens.

Provas de que tivesse acreditado haver nascido de uma virgem não existem. Parece, isso sim, ter acreditado ser um Profeta a quem Deus incumbiu de regenerar os homens.

As fontes para conhecermos os ensinamentos de Jesus da Nazaré são os livros do Novo Testamento: as epístolas de S. Paulo e os quatro evangelhos, de S. Mateus, S. Marcos, S. Lucas e S. João, assim como os textos do Velho Testamento.

Quanto a S. Paulo, sabe-se que nunca viu o Pregador e, nos seus discursos, cerca de vinte anos depois da crucificação, nota-se a grande influência da filosofia grega, mas esta influência deve ser entendida mais como uma forma de S. Paulo se fazer entender pelos gregos, utilizando portanto os esquemas mentais a que os seus ouvintes estavam habituados. Repare-se neste extracto: "Atenienses, vejo como em tudo sois os homens mais religiosos. Ao visitar, de passagem, os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta epígrafe: Ao Deus desconhecido. É precisamente aquele que vós honrais sem o conhecer que eu vos venho anunciar. O Deus que fez o mundo e tudo o que ele contém, sendo o Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homem. Também não é servido por mãos de homem, como se precisasse de alguma coisa, ele que dá a todos a vida, a respiração e tudo. Foi ele que, de um só homem, fez surgir o género humano e o espalhou por toda a face da terra, depois de determinar as épocas exactas e os limites do seu domínio; a fim de que os homens procurem a Deus, se é verdade que o procuram às apalpadelas e o encontram, tanto mais que não está longe de cada um de nós, porque é nele que vivemos, nos movemos e somos, como até alguns dos vossos poetas disseram: porque nós somos também da sua raça. Sendo, pois, da raça de Deus, não devemos pensar que a divindade seja semelhante ao ouro, à prata, à pedra, trabalhados pela arte e pelo génio do homem. Esquecendo os séculos de ignorância, Deus fez saber agora por toda a parte e a todos os homens que devem arrepender-se, porque ele fixou o dia em que há-de julgar o universo com toda a justiça pelo homem que designou para este fim, do qual nos deu a certeza universal ressuscitando-o dos mortos".

No que aos Evangelhos respeita, é comum na História terem-se como dignas de crédito as suas pormenorizadas informações. O mais antigo parece ser o Evangelho de S. Marcos, escrito por volta dos anos 60 da nossa era.

Algumas diferenças podem ser encontradas nos quatro Evangelhos. Por exemplo, S. Mateus e S. Lucas falam-nos do nascimento de Jesus Cristo sem pecado, enquanto S. Marcos nada diz a esse respeito e S. João apresenta-O como Deus em forma humana.

Outras contradições poderiam ser apontadas. Não tiram, no entanto, valor aos Evangelhos como a melhor fonte de informação sobre as pregações de Jesus.

O essencial dos seus ensinamentos pode resumir-se no seguinte, que transcrevemos de E. McNall Burns:

" 1) A essência de piedade e o amor a Deus e ao próximo: «Amarás ao Senhor teu-Deus de todo o coração. Amarás ao próximo como a ti mesmo. Não há mais alto mandamento que estes.»

2) O perdão, a cordura e o amor aos inimigos são virtudes cardiais: «Ama teus inimigos... faz o bem a quem te odeia»; «... a quem quer que bata em tua face direita, oferece também a outra».

3) O meio-termo como fundamento da moralidade: «Tudo o que desejais que os homens façam por vós, fazei assim também por eles...».

4) Oposição ao ritualismo como base da religião: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado». (V. aqui a influência judaica – A. G. M.).

5) Condenação do egoísmo e de toda disputa sobre proveitos materiais: «Quem quiser salvar sua vida, perdê-la-á». «É mais fácil um camelo passar pelo buraco duma agulha, que um rico entrar no reino de Deus».

6) A fraternidade dos homens sob a benevolente paternidade de Deus: exemplificada na história do bom samaritano e em numerosas comparações da benevolência de Deus com a bondade de um pai extremoso"

Muitos dos seus seguidores não iriam aplicar à letra muitos dos seus ensinamentos e a principal causa do seu triunfo terá residido no facto de ter aproveitado ensinamentos de variadas religiões, em especial do judaísmo, do maniqueísmo e do zoroastrismo.

Disputas doutrinárias vão ser constantes e uma organização cristã vai nascendo. A influência dos místicos, no seguimento da vida apostólica, e da vida conventual são importantes, embora não tão fundamentais como a organização eclesiástica para a uniformidade do cristianismo.

III - Islamismo

"O termo islão significa «submissão a Deus» e como tal designa essencialmente uma religião, aquela que foi pregada por Muhammad (ou Maomé), no início do século VII da nossa era, na Arábia e que se espalhou, de seguida, nos numerosos países conquistados pelos Árabes muçulmanos no decurso dos séculos VII e VIII" .

Maomé, fundador da nova religião, nasceu em Meca em 570. Órfão muito novo, de pai e mãe, torna-se aos vinte e quatro anos empregado de uma viúva rica, com quem vem a contrair matrimónio, sendo este desafogo económico o que vai permitir-lhe dedicar-se à difusão da sua religião.

A origem de Meca como cidade sagrada perde-se no tempo. Era ali que se encontrava a pedra preta sagrada enviada pelo céu, contida no relicário, Caaba, guardado pela tribo dos Kuraish, uma espécie de aristocratas.

A necessidade de uma nova religião para unir os povos árabes, perdidos em conflitos fratricidas, terá sido compreendida por Maomé. Impressionado pelo cristianismo e pelo judaísmo, começou por pregar contra as perniciosas condições sociais e morais do seu povo, que, a continuarem sem reforma, o levariam à destruição.

Apresentou-se como enviado de Deus. Meca foi pouco receptiva à sua mensagem. Resolve, então, dirigir-se com os seus companheiros à cidade de Iatribe, aproveitando-se das lutas entre as várias facções ali existentes, vindo a impor-se aos seus adversários. A esta deslocação de Meca para Iatribe chamam os maometanos Hégira, que, em árabe, quer dizer fuga. Os maometanos consideram esta data como o início da sua era.

A vitória de Maomé vai permitir-lhe o regresso a Medina precisamente dois anos antes da sua morte, ocorrida em 632, ou seja, no 11.° ano da era muçulmana.

Após a sua vitória, em especial sobre os judeus, que só num ano perdem mais de 600, Maomé mudou o nome de Iatribe para Medina, a cidade do Profeta.

Em Meca, mata alguns dos seus adversários, destrói os seus ídolos mas preserva a Caaba. Meca é designada a cidade sagrada dos maometanos.

A vida religiosa dos seguidores de Maomé é ainda hoje baseada no Corão, livro sagrado, construído com base nas suas pregações e graças à memória dos seus discípulos. «Não há outro deus senão Alá e Maomé é o seu profeta», é uma profissão de fé do islamismo.

“Da sociedade islâmica dimanam regras religiosas, morais e jurídicas para serem cumpridas, em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso, o Soberano no Dia do Juízo Final, portanto o Temível, o que faz aplicar castigos terríveis e suplícios.

Quais as sanções específicas de ordem moral? Em primeiro lugar, o remorso, o arrependimento, o peso da consciência, ou melhor, o penoso exame de consciência. São estas as formas de garantia do cumprimento das regras, aliadas ao Juízo de Deus que tudo vê e que de tudo sabe.

As de ordem social são talvez bem mais amargas. Consoante o comportamento do Homem, haverá uma reacção por parte da Sociedade estabelecida. São a crítica e a condenação que o desrespeito à regra suscitou. É a opinião pública que se abre sobre a conduta a reprovar. São, enfim, muitas vezes, o banimento do Homem da Sociedade em que vivia, o seu exílio compulsivo, nunca esquecendo as contas que, de qualquer modo, ele terá de prestar, no fim, a Allâh.

Deparamos com sanções morais e jurídicas correspondendo às regras de natureza moral e jurídica e penas próprias de infracções a normas religiosas que dizem respeito à fé.

A ideia fundamental da religião a1corânica, neste caso, é a de que mais não vivemos do que uma mera vida transitória, passageira, mais ou menos longa, que não tem em si a extensão do seu valor. Só é medida, segundo valores eternos, à luz da ideia de uma vida extra terrena, em cujo limiar todos os homens serão julgados. Na base desse juízo, está o valor ético da própria existência do Homem; neste caso, a religião alcorânica é mais acessível à índole humana. Está mais de acordo com o comportamento dos homens do que a religião católica. Mas, em ambas, o remorso é, para o Crente, uma forma de sanção imediata e imperiosa. É o que se entende e se depreende de frases como esta: «A Vida Imediata é somente jogo e distracção. Se acreditarem e forem piedosos, Allâh dar-vos-á recompensas sem que vos retire os vossos bens.» (O Corão). Entendamos, pois, que tudo quanto nos foi dado é apenas uma provisão para a vida neste mundo, mas o que se acha junto de Deus é melhor e mais duradouro para os crentes, para os que se apoiam no seu Senhor - é o que depreendemos do «capítulo»: «Recompensa dos Crentes e dos Infiéis no Além». Mas como misericordioso que Deus se nos apresenta, com frequência, há também que contar com o perdão: aos crentes, fiéis e arrependidos a tempo e horas, o Senhor oferece compensações não só ultra terrenas mas também durante a vida. A sanção é, pois, uma forma de garantia daquilo que fica determinado numa regra" .

O Islamismo assume-se como um complexo político-religioso, afirmando que a vontade de Deus só se consolidará na Terra com o contributo do poder político: " Assistimos, então, aos juristas e teólogos muçulmanos elaborarem, baseados no fundamento da Revelação Divina, um direito completo, cheio de pormenores, o direito que assenta numa sociedade teocrática, na qual o Estado não tem valor a não ser como servidor da religião revelada. " . Não fez o cristianismo o mesmo? Hoje, o islamismo continua a afirmar o Estado como seu servidor, sendo nisso mais transparente do que o cristianismo.

Será esta uma questão polémica que não iremos tratar aqui.
publicado por Carlos Loures às 02:25
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