Carlos LouresAproxima-se o dia do centenário da implantação da República e vou, com esta série de três textos, encerrar o tema do Regicídio. Com a plena consciência de que muito (ou mesmo quase tudo) fica por dizer. Tendo servido de assunto a muitos livros, a questão do Regicídio não se esgota em pequenas crónicas que, como esta, apenas permitem aflorar, muito superficialmente, alguns aspectos. Como disse, todas as reconstituições iconográficas do Regicídio são, no mínimo imprecisas. A que vemos acima é, apesar de tudo, uma das menos fantasiosas. O cenário está perfeito, é a Rua do Arsenal sem invenções. O Costa está a ser agarrado pelo cívico que lhe vai disparar um tiro na cabeça. Mas, à esquerda vemos Buíça, que tinha ficado no Terreiro Paço e ali terá sido acutilado e morto. Todavia, mesmo com este erro, talvez seja, entre as muitas dezenas de reconstituições que vi, a que menos mente.
Em todo o caso, ficou na sombra algo que nunca se esclareceu. No Terreiro do Paço, além de Buíça e de Costa, quantos elementos intervieram. Pela peritagem da Polícia Científica, chega-se à conclusão de que foram pelo menos cinco, os que participaram no atentado. É uma evidência que os projecteis encontrados, nos corpos, no landau, nas arcadas, foram provenientes de cinco armas diferentes, embora duas delas fossem iguais – carabinas Winchester de calibre 351. Identificou-se também as munições de calibre 7,65, da pistola Browning do Costa. No landau, foram encontrados vestígios de projécteis de calibre 6,35 e, também no landau, a perfuração de um projéctil 5,5 do chamado tipo «Vello-dog», revólveres de pequeno calibre e fraco poder de penetração que os ciclistas usavam para afastar os cães. Alguns destes disparos parecem ter sido feitos apenas para espalhar o pânico. Algumas testemunhas oculares, falam num intenso tiroteio. Buíça e Costa teriam a missão de matar os membros da família real, enquanto os outros três serviram para criar um clima de confusão e terror. E, tanto os dois regicidas mortos como os nomes que foram apontados (entre eles, o de Aquilino Ribeiro, que sempre negou ter participado na acção) como sendo os dos seus acompanhantes, pertenciam a republicanos. No imaginário popular, cristalizou-se a ideia de que o atentado mortal de 1 de Fevereiro de 1908 foi obra de republicanos ao serviço do Partido Republicano Português é uma ideia falsa.
Talvez a confusão derive do facto de se saber que o atentado foi executado por carbonários e de se considerar que a Carbonária era uma organização republicana. Ora isto não corresponde à verdade, ,pois havia monárquicos na Carbonária.
Para já, vamos ver, em traços muitos largos, no que consistia a Carbonária.
A Carbonária, proveniente do italiano “carbonaro” (carvoeiro) foi organizada de acordo com o modelo maçónico, embora com uma nomenclatura diferente. Obedecendo a um conjunto de grandes princípios (a fé e a virtude, por exemplo), obrigava os candidatos a demonstrar, antes de admitidos no seio da Ordem, serem pessoas de bom carácter, dispostos a ajudar os infelizes, a combater as injustiças, etc. Só passada esta prova inicial, eram admitidos como “aprendizes”. Todos os carbonários, se tratavam entre si por tu e por “bons primos”, substituindo o tratamento de “irmãos”, da Maçonaria. As estruturas equivalentes às lojas maçónicas, designavam-se por “choças”. Havia quatro graus iniciáticos – rachadores, carvoeiros, mestres e mestres sublimes.
Falando das origens: em 1822, deslocou-se a Portugal um grupo de italianos para organizar aqui uma Carbonária, inspirada no modelo italiano. Houve novas tentativas ao longo dos tempos, mas só 1896, surgiu com a sua estrutura definitiva a Carbonária Portuguesa que iria ter um papel importante no derrube do regime monárquico.
Artur Augusto da Luz Almeida, bibliotecário da Câmara Municipal de Lisboa e diplomado pela Faculdade de Letras, com o Curso Superior de Letras, sozinho organizou toda a estrutura: “choças” de 20 homens, cujos 20 chefes formavam uma “barraca”, sendo que cada 20 chefes de “barraca”, constituíam uma “venda”. Portanto, uma «venda» correspondia a cerca de 8 mil homens. Cada responsável de “venda” fazia parte de uma cúpula – a «Suprema Alta Venda».
Havia ainda os “canteiros”, núcleos de base que eram compostos por cinco Bons Primos, por Rachadores que se conheciam a todos entre si, mas que não conheciam mais ninguém. Era uma medida de segurança, que previa a prisão, a tortura, e a impossibilidade de, nessas condições, denunciar mais do que os quatro outros membros do mesmo “canteiro”. Quando se reuniam nos outros órgãos apresentavam-se sempre todos de capuz negro ou com a cara mascarrada de carvão, o que tornava assim impossível a identificação dos superiores, os quais, no entanto, conheciam os subalternos. As primeiras Choças foram formadas com elementos vindos da Maçonaria Académica. Numa das primeiras sessões da “Alta-Venda provisória”, foi apresentada a proposta para serem admitidos elementos populares na Carbonária Portuguesa. Proposta aprovada, mas que motivou a saída de «bons primos» que defendiam que só académicos podiam integrar a organização.
(Continua)
A República Nunca Existiu!
VáriosSaída de Emergência, 2008 E se a República nunca tivesse sido instaurada em Portugal, nem em 5 de Outubro de 1910 nem depois? Estas hipóteses constituem o ponto de partida para 14 «histórias alternativas», escritas por outros tantos autores, que aceitaram o desafio de imaginar um país distinto daquele que verdadeiramente existiu no século XX, e não só. Sempre um Reino, sempre uma Monarquia! Passado, presente e futuro de uma nação foram rescritos, e o resultado é um livro como nunca houve em Portugal. Entre numa dimensão diferente e seja bem-vindo à «outra» costa mais ocidental da Europa, onde «A República Nunca Existiu!»
«A República Nunca Existiu!» é um livro que pretende assinalar principalmente o primeiro centenário do Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 – e, por arrastamento, e antecipação, o primeiro centenário da instauração da República
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A República
Ontem e HojeCoordenação de António ReisEdições Colibri, 2002O Curso Livre «A República Ontem e Hoje (1910-2000)», visou proporcionar uma reflexão e discussão plurais sobre os valores republicanos e a concepção republicana do Estado e da Nação, interligando o passado destes ideais com os desafios do presente e a experiência histórica portuguesa com a experiência europeia. Este livro reúne as comunicações ali apresentadas e debatidas, sempre com elevado índice de participação, a confirmar o grande interesse que a temática escolhida e o seu desenvolvimento despertaram.
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Raul Proença e a “Alma Nacional”Fernando Piteira SantosPublicações Europa-América, 1979Da leitura da revista Alma Nacional, e sem esquecermos que além do seu fundador, António José de Almeida, nas suas páginas se nos depara uma plêiade de escritores, críticos, publicistas políticos, sobressai a colaboração de Raul Proença. E se tivermos em conta a relevância que, após 1921, virá a assumir a sua actividade polémica e doutrinal, particularmente nas páginas da revista Seara Nova, não poderemos furtar-nos à evidência do interesse destas páginas, que, quase totalmente, foram votadas ao esquecimento pelos compiladores da Obra Política de Raul Proença. Não é culpa do autor de um modesto ensaio sobre a existência e função ideológica da revista Alma Nacional se, ao debruçar-se sobre a estratégia e a táctica do Partido Republicano, a presença de Raul Proença adquire relevo e exorbita da moldura que fora concebida. O âmbito da pesquisa era mais vasto.
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O RegicídioMaria Alice SamaraRui TavaresEditora Tinta da China, 2008No primeiro ensaio, «Memória do Atentado», de Maria Alice Samara, constrói-se o roteiro do evento que viria a alterar de forma indelével a história de Portugal, descrevendo-se o palco, as personagens e os acontecimentos, recorrendo ao testemunho dos principais escritores, políticos e jornais da época: «Certo é que até aos dias de hoje, cem anos depois, há ainda perguntas por responder. É, sem dúvida, importante procurar conhecer a verdade sobre os factos, ou, pelo menos, encontrar uma linha coerente de explicação dos mesmos.
Em «O Atentado Iconográfico», Rui Tavares seleccionou uma vasta colecção de imagens - fotografias e gravuras - publicadas na «Ilustração Portuguesa», usando-as como mote para um texto que explora o modo como o regicídio português foi recebido e tratado nesta importante revista, até à deflagração da Primeira Guerra Mundial, em 1914.
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