Sábado, 29 de Janeiro de 2011

A crise de 1929, o regresso? - por Martin Wolf

Há sinais de recuperação que estão a aparecer, aqui e ali. De toda a maneira, é o que nos asseguram. Mas antes de concluir que o fim da recessão está próximo, devemos interrogar a história para ouvir o que esta tem para nos dizer. Este é um dos guias de que dispomos na difícil situação que estamos a passar. Por felicidade, temos dados. Por infelicidade, a história que nos relatam não é nada agradável.

Dois historiadores de economia, Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Kevin O'Rourke, do Trinity College em Dublim compilaram números que nos dizem mais do que os longos discursos (ver www.voxeu.org, "A Tale of Two Depressões", Junho de 2009). Neste seu texto, os professores Eichengreen e O'Rourke datam o início da actual recessão mundial em Abril de 2008 e o da Grande Depressão em Junho de 1929.

Quais são as suas conclusões sobre a fase em que estamos já com um pouco mais de um ano depois do início da crise? A má notícia é que essa recessão corresponde ponto a ponto à primeira fase da Grande Depressão do século XX. A boa notícia é que o pior ainda pode ainda ser evitado.

Em primeiro lugar, o declínio na produção industrial global reproduz de modo assustador o que foi observado durante a Grande Depressão. Na Europa, o declínio na produção industrial em França e na Itália foi mais forte do que na similar fase da crise na década de 1930, enquanto que o declínio actual na Grã-Bretanha, Alemanha, Estados Unidos e no Canadá é aproximadamente a mesma que na crise de 29. Mas o colapso da indústria do Japão, apesar de uma muito recente recuperação foi muito pior do que o que aconteceu na década de 1930.


Em segundo lugar, a queda acentuada no volume do comércio mundial foi muito pior do aconteceu em 1929. Na verdade, a baixa registada durante o primeiro ano no mundo corresponde ao observado nos primeiros dois anos da Grande Depressão. E isto não tem nada a ver com medidas de protecção, mas sim com a queda da procura de bens manufacturados.


Em terceiro lugar, apesar da sua recente recuperação, a queda nas bolsas mundiais é muito maior do que o foi durante o período correspondente da primeira grande crise mundial.


Isto leva os autores do estudo a concluir sem qualquer hesitação: "Numa escala global, seguimos a mesma evolução, talvez até mesmo pior do que a seguida durante a Grande Depressão. Os acontecimentos que se estão a passar (...) são de uma escala dimensão semelhante à da crise dos anos 30. "


No entanto, o que deu o seu nome à Grande Depressão, foi uma forte queda durante três anos consecutivos. Hoje, o mundo aplica as lições aprendidas com os acontecimentos dos anos 1930 por John Maynard Keynes e por Milton Friedman, os dois mais influentes economistas do século XX. A resposta política dada a esta crise deixa pressagiar que o desastre não se vai reproduzir.

Os professores Eichengreen e O'Rourke não deixam de sublinhar esta diferença essencial. Durante a Grande Depressão, a média ponderada da taxa de desconto das sete maiores economias nunca desceu abaixo dos 3%. Hoje, está próxima de zero. Até mesmo o Banco Central Europeu, o mais inflexível dos grandes bancos centrais, reduziu a sua taxa chave para 1%.

Do mesmo modo, durante a Grande Depressão, a oferta de moeda afundou-se, enquanto que esta continua a crescer hoje. Na verdade, a combinação do forte crescimento monetário e de uma recessão suscita dúvidas no que diz respeito à explicação monetarista da crise de 1929.


Finalmente, a política orçamental foi muito mais agressiva desta vez. No início dos anos 30, a média ponderada do défice de vinte e quatro países mais desenvolvidos manteve-se abaixo de 4% do seu produto interno bruto (PIB). Hoje, os défices orçamentais serão muito superiores. Nos Estados Unidos, o défice público deverá chegar a quase 14% do PIB.


A questão é agora de saber se as medidas de relançamento sem precedentes que têm sido tomadas conseguirão compensar as consequências do colapso financeiro e da acumulação de dívidas nunca até agora atingida do sector privado nos Estados Unidos e nos outros países. Se os planos de relançamento lhes são superiores afastar-nos-emos do caminho que levou à Grande Depressão. Se não forem superiores, voltaremos a fazer o caminho da Grande Depressão. O que todo o mundo espera é óbvio. Mas o que devemos esperar?


Estamos a assistir a uma corrida contra-relógio entre por um lado o sanear das contas dos privados e o reequilíbrio mundial da procura e, por outro, a durabilidade das politicas de relançamento económico.


Só encontraremos uma forte procura sustentada do sector privado depois das contas das famílias sobreendividadas, das empresas sobreendividadas e dos sectores financeiros sub-capitalizados terem sido melhoradas, ou depois de os países com altas taxas de poupança comecem a consumir ou a investir mais.


Nada disto vai acontecer de modo rápido. Na realidade, tendo em conta a excepcional acumulação de dívida registada durante a década passada, é muito mais provável que leve anos. Durante os últimos dois trimestres, por exemplo, as famílias nos Estados Unidos reembolsaram apenas 3,1% das suas dívidas. O desendividamento é um processo longo. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos passaram a ser o único tomador significativo de fundos. Da mesma forma, o governo chinês poderia rapidamente aumentar os seus investimentos. Mas ser-lhe-á mais difícil desenvolver e por em prática uma política capaz de elevar o seu nível de consumo.


A maior probabilidade é que a economia global tenha que aplicar políticas monetária e orçamental durante muito mais tempo do que muitos acreditam ser necessário. Isto necessariamente irá causar nervosismo nos políticos - e nos investidores.


Perfilam-se no horizonte dois perigos entre si contraditórios. O primeiro é que os planos de relançamento foram postos em prática muito cedo, como foi o caso na década de 30 e no Japão na década de 90. Isto conduzirá a uma recaída em recessão, devido ao facto de o sector privado, ainda não estar em condições de gastar - ou de não estar disponível para isso.

O outro perigo é que, ao contrário do caso anterior, as medidas de relançamento sejam dadas por concluídas demasiado tarde. Isto levaria a uma perda de confiança na estabilidade monetária, agravada pelas preocupações sobre a capacidade de se assumir a dívida pública, principalmente nos Estados Unidos, o emissor da principal moeda mundial. No limite, a subida dos preços dos produtos em dólares e de subida das taxas de juro das obrigações do Tesouro a longo prazo, poderiam mergulhar os Estados Unidos - e as outras economias no mundo – numa perniciosa estagflação. Contrariamente ao que dizem alguns alarmistas, não tenho actualmente conhecimento de qualquer um desses sinais anunciadores de um pânico. Mas este não está excluído.


Em 2008, a economia mundial mergulhou em recessão. A resposta política tem sido de uma dimensão sem precedentes. Mas aqueles que acreditam que estamos no início de uma forte recuperação liderada pelo sector privado tirem daí as suas ilusões. Os caminhos para a recuperação sustentável serão provavelmente longos, difíceis  e incertos.

publicado por Carlos Loures às 21:00

editado por Luis Moreira às 12:19
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Domingo, 29 de Agosto de 2010

O futuro do capitalismo

Luís Moreira

Fernando Sobral apresenta na Sábado este livro de Anatole Kaletsky que coloca a questão de estarmos ou não perante o fim do capitalismo depois desta crise que abalou o mundo.

A sua opinião é que o capitalismo corre para uma quarta variante da economia de mercado desde os tempos da revolução industrial. A primeira fase mediou entre a época do governo mínimo e do laissez faire e o crash de Wall Street em 1929, seguida de uma segunda vaga marcada pelas teses de Keynes e Beveridge, onde se assistiu a um reforço do Estado. A terceira vaga coincidiu com a falência deste modelo, que foi substituído pelo Estado mínimo dos tempos de Reagan e Thatcher e onde se disseminou o capitalismo digital sem fronteiras.

Esta fase dos fundamentalistas do mercado chegou ao fim e vai ser substituído por um capitalismo que aceita que tanto o mercado como o Estado erram.

O capitalismo mostra uma grande capacidade de adaptação e é isso que estamos a ver com as medidas que foram tomadas com o objectivo de reverter a crise, com um sector financeiro que tenta a todo o custo voltar ao passado recente como se nada tivesse acontecido.

Mas há fenómenos por explicar como seja o facto de países como o Brasil, China, Singapura, India que têm um Estado mais interventivo na economia se terem defendido melhor da crise global. Outra questão preocupante é o facto de a retoma estar em curso mas o emprego não arranca, o que mostra que há outra adaptação do mercado ainda não visível.

Henry Paulson, o secretário de Estado da economia de Bush foi o principal culpado da crise, agarrado ao mercado não deixou que o estado interviesse, permitindo a falência do Lehman Brothers e o arrastamento de todo o sistema global.

Há ainda muitas dúvidas e muitas explicações não totalmente compreendidas, mas nada será como dantes.
publicado por Luis Moreira às 13:30
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