Quarta-feira, 24 de Novembro de 2010

NATO - afinal quem é o inimigo?

Luis Moreira

A Rússia juntou-se à NATO (embora a desoras o que nestas coisas tem sempre significado), ficaram de fora a China da mão de obra baratinha para os produtos das multicionais, e o Irão e aqueles países ali à volta.

O Presidente dos US veio cá dizer que não está nada a virar-se para o pacífico, a UE continua a ser o seu grande aliado, e com os países da antiga URSS aí a bater à porta há que dar todas as garantias que estão protegidos do Urso de Leste.

Este executa a política mais velha de sempre " se não os vences junta-te a eles" e vai ajudando o Irão com o enriquecimento do urânio, para efeitos pacíficos e científicos, evidentemente.

A Nato, sem inimigo que se veja não tem coragem de se desmantelar, mas vai reduzir a dimensão, enquanto o Ocidente tem à perna o Afeganistão. A crise faz soar o alarme no Orçamento dos US e grande parte do seu gigantesco déficit vem das tropas que estão estacionadas no exterior.

Há, pois, que levar a UE a reforçar o esforço militar para ter sobras que lhe permitam, aos US, entender-se com os países que estão aí cheios de força e que ameaçam a sua hegemonia. É tão bom mostrar aos europeus que essa coisa do "chapéu de chuva" americano tem que ser pago.

Os atentados terroristas e as ameaças cibernéticas (?) dão nova força à NATO, nascida defensiva, mas no estado actual das coisas, como se viu no Iraque, vira ofensiva em menos de um fósforo, nem precisa de ter o acordo dos parceiros, a não ser os mordomos que sempre aparecem para a fotografia, como aconteceu nos Açores.

Neste mundo global e multiplural creio que seria bem pior não haver uma força que seja bem superior a todas as outras, sob pena de ninguem se entender. Depois do Pacto de Varsóvia, o mundo ficou mais perigoso, havia um equilíbrio que se desfez. O pior de tudo seria não haver equilíbrio nenhum, mesmo que isso represente a hegemonia de uma das partes.

O que seria de um mundo em que a força caísse nas mãos de todo e qualquer um que, a qualquer momento, lança-se a humanidade no terror de uma terra sem lei? Não gostamos, é a força?

A NATO é uma espécie de polícia do mundo que chamamos quando vemos a casa assaltada!
publicado por Luis Moreira às 13:30
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Terça-feira, 6 de Julho de 2010

Bakunine por Bakunine (Raúl Iturra)




Fragmento da confissão – carta ao czar Nicolau I



Não digo que eu fosse desprovido de amor-próprio, mas jamais este sentimento me dominou; ao contrário, fui obrigado a lutar contra mim mesmo e contra minha natureza toda vez que me preparava para falar publicamente ou mesmo para escrever para o público. Eu não tinha também esses vícios enormes, ao modo Danton ou Mirabeau, eu não conhecia essa depravação ilimitada e insaciável que, para se satisfazer, está pronta a chocar o mundo inteiro.

Se eu sofresse de egoísmo, este egoísmo seria unicamente necessidade de movimento, necessidade de acção. Sempre houve em minha natureza um defeito capital: o amor pelo fantástico, pelas aventuras extraordinárias e inauditas, acções abrindo à visão de horizontes ilimitados e das quais ninguém pode prever onde vai desembocar. Numa existência ordinária e calma eu sufocava, sentia-me mal em minha pele. Os homens procuram ordinariamente a tranquilidade e a consideram como o bem supremo; no que me concerne, ela me mergulhava no desespero; minha alma se encontrava em perpétua agitação, exigindo acção, movimento e vida.

Eu deveria ter no nascido em algum lugar nas florestas americanas, entre os colonos do Far West, lá onde a civilização está ainda em seu início e onde toda existência nada mais é do que uma luta incessante contra homens selvagens e contra a natureza virgem, e não numa sociedade burguesa organizada. Também, se desde minha juventude o destino tivesse querido fazer de mim um marinheiro, eu seria ainda hoje, provavelmente, um bom homem, eu não teria pensado na política e não teria procurado outras aventuras e tempestades a não ser as do mar. Mas o destino decidiu de outra forma e minha necessidade de movimento e de acção permaneceu insatisfeita. Esta necessidade, junta, em seguida, à exaltação democrática, foi, por assim dizer, minha única motivação. No que concerne a esta exaltação, ela pode ser definida em poucas palavras: o amor pela liberdade e um ódio invencível por toda opressão, ódio ainda mais intenso quando esta opressão dizia respeito a outra pessoa, e não a mim mesmo. Procurar minha felicidade na felicidade do outro, minha dignidade pessoal na dignidade de todos aqueles que me cercavam, ser livre na liberdade dos outros, eis todo meu credo, a aspiração de toda minha vida. Eu considerava como o mais sagrado dos deveres o de me revoltar contra toda opressão, fosse o autor ou a vítima. Sempre houve em mim muito de Dom Quixote, não somente na política, mas também em minha vida privada; eu não podia ver, com olhar indiferente, a mínima injustiça, e, por uma razão ainda mais forte, uma gritante opressão; algumas vezes, sem ter a competência nem o direito, eu me intrometi, de modo irreflectido, nos problemas dos outros e cometi, também, durante uma existência agitada, mas vazia e inútil, muitas bestialidades, incorri em muitas contrariedades e fiz inúmeros inimigos, sem odiar, por assim dizer, ninguém. Eis, Sire, a verdadeira chave de todos meus actos insensatos, de meus pecados e de meus crimes. Se falo disso com esta segurança e com esta clareza, é que eu tive durante estes dois últimos anos, bastante tempo para estudar a mim mesmo e para reflectir sobre meu passado; agora me vejo com indiferença, como se pode ver um moribundo ou um morto.



Petersburgo, Fortaleza Pedro e Paulo. 1851.
publicado por Carlos Loures às 15:00
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Segunda-feira, 5 de Julho de 2010

Bakunine por Bakunine (Raúl Iturra)


Carta a seus irmãos e irmãs



Meus queridos amigos! Eu sei a que perigo terrível vos expõe ao escrever esta carta.

Todavia, eu a escrevo; daí vocês concluirão o que é (palavra ilegível) grande para mim a necessidade de me explicar com vocês, e de dizer, ainda que fosse uma única vez mais, sem dúvida a última, em minha vida, livremente, sem coação, o que eu sinto, o que eu penso É a primeira vez, e será a última também que eu farei com que vocês corram risco. Esta carta é minha suprema e última tentativa de me reconciliar com a vida: uma vez bem esclarecida a minha posição, eu saberei se devo esperar ainda na esperança de me poder tornar útil segundo as ideias que eu tinha, segundo as ideias que ainda tenho e que sempre serão as minhas, ou se devo morrer. Não me acusem nem de impaciência, nem de fraqueza; seria injusto. Perguntem, ao contrário, ao meu capitão, agora major, ele repetirar-lhes-á o que me disse com frequência; que raramente ele viu um prisioneiro tão racional, tão corajoso quanto eu; estou sempre de bom humor, estou sempre rindo, – e, entretanto, vinte vezes por dia eu gostaria de morrer, de tanto que a minha vida se tornou penosa. Sinto que as minhas forças se esgotam, a minha alma ainda está forte, mas o meu corpo enfraquece; a imobilidade, a inacção forçada, a falta de ar e sobretudo um cruel momento interior que somente um prisioneiro isolado como eu poderá compreender, e que não me dá descanso nem de dia, nem de noite, desenvolveram em mim os germes de uma doença crónica que, por não ser médico, eu não posso definir, mas a cada dia se faz sentir em mim de uma maneira mais desagradável – são, eu penso, hemorróidas, complicadas por outros factores que eu ignoro; os males de cabeça não me abandonam quase nunca; meu sangue está em plena revolta, sobe ao meu peito, à minha cabeça, e sufoca-me a ponto de me tirar a respiração durante horas inteiras, e quase sempre escuto nos meus ouvidos um barulho parecido com aquele que produz a água fervente; duas vezes por dia, infalivelmente, eu tenho febre, antes do meio-dia e à noite, e durante o resto do dia sinto-me atormentado por um mal-estar interior que me queima o corpo, embaraça a minha cabeça e parece querer-me devorar lentamente; - vocês me verão; você me encontrará bem mudado, Tatiana, mesmo depois da última vez que nos vimos; uma vez tive a ocasião de me contemplar num espelho e achei-me terrivelmente feio. Quanto a isso, preocupo-me um pouco; renunciei, já faz muito tempo, aquilo que os velhos como eu chamam de vaidade, e que os jovens denominam, com mil vezes mais razão, a própria essência da vida; para mim permaneceu apenas um único interesse, um único objecto de culto e de fé, – vocês o denominaram e, se não posso viver para ele, não quero viver absolutamente. Pouco me importa a minha feiura, pouco me importaria também com esta doença se ela me quisesse levar a galope; eu não pediria nada melhor do que partir bem rápido com ela; mas rastejar lentamente para o túmulo, embrutecendo-me durante o percurso, eis o que eu não posso consentir. Minha moral ainda se mantém;

 minha cabeça está lúcida apesar de todos os males que, em regra, fazem dela sua residência; minha vontade, espero, não se dobrará nunca; meu coração parece de pedra, é verdade, mas dêem-me a possibilidade de agir e ele resistirá. Nunca, segundo me parece, tive tantas ideias, nunca ressenti uma sede tão ardente de movimento e de acção. Eu, portanto, ainda não estou completamente morto, mas esta vida da alma que, ao concentrar-se, tornou-se mais profunda, mais possante talvez, mais desejosa de se manifestar, torna-se para mim uma fonte inexaurível de tormentos que eu sequer tentarei descrever. Vocês não compreenderão nunca o que é sentir-se enterrado vivo; dizer-se a todo o instante na noite assim como durante o dia: eu sou um escravo, estou anulado, reduzido à impotência por toda a vida, por escutar mesmo da minha cela o murmúrio da grande luta que se prepara, de uma luta em que se decidirão as mais importantes questões da humanidade, e ter de permanecer imóvel e mudo. Ser rico de pensamentos, dentre os quais pelo menos uma parte poderia ser útil, e não poder realizar nenhum; sentir o amor no coração, sim, amor, apesar desta petrificação exterior, e não poder derramá-lo sobre nada ou sobre ninguém. Enfim, sentir-se pleno de devoção, capaz de todos os sacrifícios, de heroísmo mesmo, para servir uma causa mil vezes santa e ver todos estes arrebatamentos quebrarem-se contra quatro muros nus, minhas únicas testemunhas, meus únicos confidentes! Eis a minha vida! E tudo isso não é nada em comparação com uma ideia igualmente terrível: a do idiotismo que está fatalmente no fim de semelhante existência; tranquem o maior génio numa prisão isolada como a minha e vocês verão que após alguns anos um Napoleão se tornará estúpido, e Jesus Cristo, ele próprio, perverso; eu que não sou grande como Napoleão, nem infinitamente bom como Jesus Cristo, precisaria de muito menos tempo para me embrutecer completamente. Não é verdade que a perspectiva é gozadora? Eu ainda estou, e não me lisonjeio, de posse de todas as minhas faculdades intelectuais e morais; mas sei que isto não pode durar tanto tempo assim; as minhas forças físicas já se enfraqueceram muito; em breve será a vez de minhas forças interiores. Eu espero que vocês compreendam que todo o homem que se respeite um pouco deve preferir a mais cruel morte a esta lenta e desonrosa agonia. Ah! Meus queridos amigos, creiam no que digo, qualquer morte é preferível ao isolamento tão enaltecido pelos filantropos americanos. Por que esperei tanto tempo? Quem poderá dizê-lo; vocês não sabem o quanto a esperança é tenaz no coração do homem. Qual, vocês me perguntarão? A de poder recomeçar aquilo que já me trouxe aqui, somente com mais sabedoria e mais cautela talvez, pois a prisão teve pelo menos isso de bom para mim, deu-me o jazer e o hábito de reflectir, ela, por assim dizer, solidificou o meu espírito; mas ela nada mudou dos meus antigos sentimentos, ela, ao contrário, tornou-os mais ardentes, mais resolutos, mais absolutos do que nunca, e de agora em diante tudo o que me resta de vida resume-se numa única palavra: liberdade.

Fortaleza Pedro e Paulo. Fevereiro de 1854. Kornilov, Gody Stranstvij, op. cit. pp.495-496

______________

Ilustração: Bakunine aos 24 anos, em 1838, auto-retrato em aguarela.
publicado por Carlos Loures às 15:00
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