Sábado, 6 de Novembro de 2010

Boris Cyrulnik

Clara Castilho


Boris Cyrulnik volta a Lisboa, no dia 19 de Novembro, para participar no Colóquio da Revista Portuguesa de Psicanálise, a realizar no Instituto Franco-Português.

Médico, psiquiatra, neurologista e psicanalista, primeiro, etólogo de formação depois, Boris Cyrulnik abriu o campo da pesquisa, em França, à etologia humana, dentro de uma abordagem decididamente pluridisciplinar, revolucionando inúmeras ideias pré-estabelecidas sobre o ser humano. Os seus trabalhos debruçam-se, entre outras temáticas, sobre o conceito de resiliência, essa capacidade de superar os traumatismos psíquicos e as mais graves feridas emocionais: doença, luto, violação, tortura, deportação, guerra... Violências físicas e morais às quais milhões de crianças, mulheres e homens estão expostos no mundo de hoje. Apoiando-se em inúmeros exemplos observados localmente, no seu consultório de psicoterapeuta, assim como nas suas missões no exterior – da Bósnia ao Camboja, passando pelo Brasil e pela Rússia –, explica-nos como, mesmo nos casos mais terríveis, as pessoas podem recuperar e retomar o curso de suas vidas, graças a algumas faculdades adquiridas na infância e ao apoio recebido por pessoas empenhadas, depois da experiência traumatizante.

A 18 de Novembro de 2006 esteve presente em Lisboa, a convite do Centro Doutor João dos Santos – Casa da Praia, que comemorava os seus 30 anos de existência e trabalho junto das crianças e famílias, com uma sessão na Escola Superior de Educação em Lisboa. Dessa Conferência, podemos destacar:

“O que foi espantoso é que temos uma explicação para as atrofias cerebrais e que não são genéticas. São relacionais. Se não há um Outro para estimular a criança, as redes cerebrais não se vão desenvolver. Se não houver interacção, com o prazer e a dor que lhes estão associados, o prazer e a dor de voltar a estar com o Outro, o bebé não saberá colocar-se no lugar das interacções, “seduzir” a mãe, sorrir-lhe, chorar, fingir que está mal para lhe chamar a atenção. Se o bebé não puder aprender isto, aprende o medo de viver. A partir daí, encontros posteriores vão provocar medo, porque não são familiares. Porque não se adquiriu, neurologicamente, na memória, o sentimento de familiaridade, toda a informação é sentida como um “stress”.

Então, chegamos à definição possível de resiliência. A resiliência vem do mundo da Física. Em Psicologia e na Psicanálise, usam-se metáforas que vêm da Física. A “sublimação”, por exemplo. Quando se diz “este filme é sublime”, não se pensa na origem da palavra, que fala da transformação de um corpo sólido que passa directamente para um estado de vapor. Foi Freud que propôs esta metáfora e, hoje, quando se vai ao cinema e se diz que um filme é sublime, não se pensa na transformação química. O que não impede que venha dessa metáfora química. Outro exemplo: quando se diz que se está “deprimido”, não se pensa que se está abaixo de um certo nível de pressão física. E, no entanto, é uma metáfora que vem da Física e que quer dizer falta de pressão, estar-se abaixo de um certo nível de pressão, de uma certa força.

Então, a Psicologia e a Psicanálise estão cheias de metáforas. E as metáforas ajudam a pensar. Mas podem também ser uma armadilha para o pensamento…Ora, a resiliência é uma metáfora que vem da Física, o que quer dizer que um corpo físico recebe um golpe, não se parte e retoma um tipo de desenvolvimento, guardando a memória do golpe na estrutura física. Em analogia, o trauma que foi recebido, no caso de uma criança que fica traumatizada, fica esse traço gravado no seu cérebro. Se a deixarmos só, essa criança vai morrer fisicamente – as explicações da Biologia que hoje sabemos -, vai morrer psicologicamente, vai ficar débil, vai ter medo de tudo, vai ficar delinquente, porque não aprendeu os rituais da interacção.

Mas, se tomarmos consciência deste raciocínio, vamos envolvê-la, vamos organizar à sua volta estruturas de interacção que lhe permitirão retomar o seu desenvolvimento. Esta é uma definição possível de resiliência.

Quando trabalhei na Roménia e na Colômbia, observávamos que muitas crianças morriam. Ainda hoje, muitas crianças morrem, estando fisicamente sãs. Quando púnhamos à sua disposição comida e bebida, elas não comiam. Isto porque a comida e a bebida, se, por um lado, correspondem a necessidades biológicas, por outro, são já modos de interacção com um sentido. Quer dizer, que só se pode comer para alguém que se ama. Se não houver nenhum objecto de amor às volta das crianças, comer ou beber não tem sentido. Não comerão, não beberão. Vimos isto em crianças rodeadas de frutas, de bolos e que não comiam porque, para elas, isso não significava nada.

Se se verificar uma ferida, um trauma, dá-se uma agonia psíquica. O horror do que se viu, do que se sofreu, faz com que se fique morto psicologicamente, com que já não haja força para viver. De tal forma foi assustador o que se viveu, que a única forma de não sofrer é tornar-se pateta. Se, por infelicidade, a criança pensar, vai sofrer. Fica-se dilacerado, não se compreende o que aconteceu, é demasiado forte, chega a agonia psíquica. Ou então, uma parte da sua personalidade fica escarificada. Como uma escara, há uma parte morta da personalidade, mas à volta dessa parte, há brasas de resiliência. Mas será preciso que alguém sopre nessas brasas para voltar a surgir vida. E se ninguém soprar, fica-se morto. O que acontece, depois, é o retomar do desenvolvimento, mas com uma parte morta da personalidade, com um traço biológico na memória. É nessa altura que serão necessário tutores de resiliência para sobreinvestir coisas que uma criança que se desenvolveu bem não precisa.”

LIVROS EDITADOS EM PORTUGAL:


CYRULNIK, Boris - Memória de maçado e palavras de homem. Lisboa, Instituto Piaget, 1993.


CYRULNIK, Boris – Nutrir os afectos, Lisboa, Instituto Piaget, 1995.


CYRULNIK, Boris – Sob o signo do afecto, Lisboa, Lisboa, Instituto Piaget, 1995.


CYRULNIK, Boris – O nascimento do sentido, Lisboa, Instituto Piaget, 1995.


CYRULNIK, Boris – Do sexto sentido : o homem e o encantamento do mundo , Lisboa, Instituto Piaget, 1999.


CYRULNIK, Boris - Uma infelicidade maravilhosa. Porto, Ambar, 2001.


CYRULNIK, Boris – Resiliência, essa inaudita capacidade de reconstrução humana, Lisboa, Instituto Piaget, 2003.


CYRULNIK, Boris – O murmúrio dos fantasmas. Lisboa, Temas e Debates, 2003.


CYRULNIK, Boris – O homem , a ciência e a sociedade. Lisboa, Instituto Piaget, 2004.


CYRULNIK, Boris – Diálogo sobre a natureza humana , Lisboa , Instituto Piaget, 2004.
publicado por Carlos Loures às 11:00
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Segunda-feira, 9 de Agosto de 2010

Que importância tem o futebol

Carlos Loures

Está a começar uma nova época de futebol e vou hoje fazer uma reflexão sobre a real importância do futebol. Sem a mínima esperança de que produza algum efeito - as paixões exacerbadas, os insultos aos adversários, a  marginalidade das claques, a corrupção, o aproveitamento político, a demagogia barata de dirigentes cediços, tudo isso vai andar à solta. Mas eu gosto de pregar no deserto. Cá vai.

Gerhard Vinnai (Estugarda, 1940) é um psicólogo social alemão. Até à sua aposentação em 2005, foi professor na Universidade de Bremen . Escreveu um ensaio a que deu o título O futebol como ideologia. No prefácio da edição portuguesa – datada de 1976 – Vinnai, incorrendo num lugar-comum, afirmava que Portugal era um país em que «o futebol e Fátima competem ainda no esforço de consolar as massas da miséria da sua vida de todos os dias». De 1976 para cá, a situação alterou-se substancialmente – para melhor numas coisas, para pior noutras – Fátima e o fado (Vinnai esqueceu-se do fado), perderam terreno, mas o futebol que naqueles anos em que a luta política assumiu um papel importante na vida dos cidadãos, perdeu protagonismo, veio depois a recuperar o seu papel cimeiro nas preocupações mais ingentes de grande número de cidadãos.



Ainda me lembro, durante a ditadura, de ver em cafés, bares, em barbearias, em lugares públicos onde se juntavam homens, pequenos cartazes impressos que diziam . «Proibido discutir política e futebol». Não se podia discutir política porque era perigoso, a PIDE tinha olhos e ouvidos onde menos se esperava. Já discutir futebol era uma fonte de zangas e de desordens. Imaginem um bar ou uma taberna – vinho e futebol era uma mistura explosiva. Daí os cartazes. Mantenho uma opinião que tenho expendido abundantemente - discutir futebol na óptica clubística, reduz a capacidade de raciocínio, transformando pessoas inteligentes em mentecaptos. Gosto muito de futebol e até tenho uma forte e indeclinável opção clubística. No entanto, nunca atribuí ao futebol, que é só um jogo, a importância que vejo muita gente conceder-lhe. É um jogo e é um negócio. Mas hoje só quero falar do jogo e da sua incidência, quase sempre negativa, nas mentalidades.

O período de férias que atravessamos é uma época boa para abordar este tema. O ambiente está calmo. Ainda não entraram em funcionamento as utopias clubísticas e as teorias da conspiração que cada clube criou para seu uso exclusivo. Embora nessas teorias haja mais verdade do que seria desejável – corrupções, negócios obscuros, influências políticas… Será que um simples jogo justifica quer as cavilações imaginadas, quer as manobras sujas verdadeiras? Acho que não. O futebol bem jogado, sem trapaças, é um jogo muito belo. Mas é só isso. Um jogo. Ganhe quem ganhar, perca quem perder, nenhum dos problemas que afectam os portugueses ficam mais perto de ser resolvidos – desemprego, subida dos índices de pobreza, o estado do ensino, da cultura e da saúde, o baixo poder de compra, a marginalidade e a corrupção, ou seja, todos as doenças endémicas do País estarão longe de ser erradicadas e não será o futebol que as erradicará. Pode é fazê-las esquecer. Isto, por muito bem que o campeonato corra a uns e mal a outros.

Acho muito engraçado quando ouço dizer a um adepto de qualquer destes clubes grandes que ser benfiquista, portista ou sportinguista é qualquer coisa de especial, de único. Embora eu próprio experimente essa sensação - sobretudo com o estádio cheio e com a águia a voar - de quem basta estender os dedos para tocar o céu (dizem que o ópio provoca uma sensação semelhante). Acho graça, porque somos todos iguais, com reacções iguais. Por exemplo, se o futebol do Benfica anda, como andou em épocas anteriores, na mó de baixo, descubro-me a preferir falar de futsal ou de basquetebol ou de qualquer outra modalidade em que o meu clube esteja a sair-se bem. E se não estiver a sair-se bem em nenhuma, derivo para a música sinfónica ou para a banda desenhada.

Naturalmente que nada disto é exclusivo dos adeptos portugueses. Em Paris, nos tempos do Racing Paris, o Red Star (fundado pelo mítico Jules Rimet), do Stade de France, o futebol era o desporto-rei. Quando as equipas do Sul, como o Marselha começaram a ganhar os campeonatos, a pouco e pouco, os parisienses foram deixando de ir ao futebol. O Red abandonou o futebol em 1948, o Racing em 1964 e o Stade em 1966. Hoje, com o pífio Paris Saint-Germain a perder jogos, preferem o râguebi. Já, aqui há uns anos, me disse um parisiense «isso do futebol é lá para os marselheses», franzindo o nariz como se estivéssemos perto de peixe estragado.

O futebol transformou-se na ideologia de muitos milhões de portugueses de Norte a Sul. Claro que agarradas ao futebol vêem outras coisas, tais como ancestrais problemas regionalistas. Como já tenho dito, chamar mouro (ou galego) a alguém não constitui objectivamente uma ofensa. Porém, subjectivamente é-o. E é uma agressão sem sentido, pois Portugal, desde as suas origens, sempre foi um vórtice onde se sumiram etnias.

Pensando bem, o futebol não tem qualquer importância. A não ser que o transformemos em ideologia ou em religião. Mas essa não é uma atitude sensata. O nosso clube estar a ganhar ou estar a perder, pode-nos dar alegria, boa-disposição, como disse Vinnai »distrair-nos das misérias das nossas vidas de todos os dias», mas para o que verdadeiramente importa, não conta. É igualzinho a zero.

Um zero tão redondo como uma bola de futebol.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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