Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2011
No momento em que a escassez de empregos é sabiamente mantida, onde a precariedade ganha o terreno e onde, trivialmente, o trabalho se reduz a um custo, o sociólogo Castel interroga-se sobre a justificação do seu sacrossanto “valor” tanto em voga e ao gosto da direita, com se mostra com a eleição do candidato Sarkozy.
Desde há uma dezena de anos que se tem estado a produzir uma transformação considerável e inesperada na representação da função e na importância do trabalho na sociedade francesa. Em meados dos anos 1990 floresciam os discursos sobre o trabalho " valor em via de desaparecimento" , ou mesmo sobre o " fim do trabalho". Traduziam a opinião - errada mas na moda - que o trabalho perdia a sua importância como pedestal privilegiado da inserção dos indivíduos na sociedade.
Paralelamente, o debate público era animado por reflexões mais sérias sobre a possibilidade de lutar contra o desemprego reduzindo a duração do trabalho a fim de melhor reparti-lo. Reflexões mais sérias porque o pleno emprego não se mede pela duração do trabalho, nem a sua produtividade pelo tempo passado a trabalhar. Não é por conseguinte insensato pensar que, no âmbito de uma melhor organização do trabalho, tendo em conta os ganhos de produtividade e os progressos tecnológicos, se poderia trabalhar menos trabalhando melhor, como o atesta a história do capitalismo industrial.
Qualquer que seja a sua pertinência, estes debates desapareceram completamente da cena pública. Assiste-se, pelo contrário, a uma extraordinária sobrevalorização do trabalho feita através de uma ideologia liberal agressiva que encontra a sua tradução política directa nas orientações da actual maioria, com o presidente da República à cabeça. A virulência da crítica às leis ditas " Aubry" sobre a redução do tempo de trabalho após a mudança de maioria em 2002 roçou, por vezes, a histeria. " A França não deve ser um parque de divertimentos" , declarava durante o verão de 2003 Jean-Pierre Raffarin, então primeiro ministro. A França tornou-se a lanterna vermelha da Europa, ela atola-se no declínio porque os Franceses não trabalham bastante: a campanha presidencial foi dominada por esta apologia do trabalho, e a habilidade com a qual Nicolas Sarkozy a orquestrou foi, para muitos, a razão do seu sucesso.
Todos se lembram dos slogans que incitam ao trabalho, e que trazem consigo a promessa que trabalhar mais é, ao mesmo tempo, o meio para melhorar o seu poder de compra e também o meio para realizar o seu dever de cidadão e ajudar a França a reencontrar o lugar que merece no concerto das nações. Isto, evidentemente, para todos os que querem bem trabalhar, que têm a coragem para tal. Esta celebração do trabalho com efeito é acompanhada da estigmatização de todos os que não trabalham. É a suspeita que pesa sobre os desempregados de serem " desempregados por vontade própria" , sobre os quais se vai multiplicar os controlos e as pressões para que aceitem todo e qualquer emprego. É também a condenação dos " assistidos" , como os beneficiários do RMI, acusados de serem parasitas que vivem às custas da França que se levanta cedo.
Estas posições, de resto populares, poderiam parecer se não aberrantes, pelo menos paradoxais, dado que uma das características da situação actual está precisamente no facto de que o trabalho falta e que o pleno emprego já não se assegura mais, desde há trinta anos. Contudo, é neste contexto que o estímulo incondicional ao trabalho assume todo o seu verdadeiro sentido.
É necessário com efeito pensar em conjunto as três componente da situação presente: primeiramente, há o não-emprego, isto é uma escassez de postos de trabalho disponíveis sobre o mercado de trabalho susceptíveis de assegurar o pleno-emprego; deuxio, há uma sobrevalorização de trabalho de que resulta, com efeito, um imperativo categórico, uma exigência absoluta de trabalhar para ser socialmente respeitável; em terceiro lugar, existe esta estigmatização do não-trabalho assimilado à ociosidade culpada, à figura tradicional do " mau pobre" vivendo às custas dos que trabalham.
Estas três dimensões funcionam de uma maneira complementar para impulsionar uma política que pode conduzir à actividade plena sem que isso signifique o regresso ao pleno emprego Todos devem e poderiam trabalhar se se baixa o limiar de exigência que comanda o acesso ao trabalho. É necessário por conseguinte trabalhar ainda que o trabalho não assegure as condições mínimas de uma certa independência económica. É assim que o cidadão se transforma em " trabalhador pobre" , figura que está em vias de ganhar raízes na nossa paisagem social. De modo nenhum é conveniente ou gratificante ser, um " trabalhador pobre", qualquer que seja o ponto de vista. Contudo é melhor que ser um " mau pobre" , um miserável parasita assistido.
Desenha-se assim uma estratégia que, no limite, poderia reabsorver o desemprego ganhando progressivamente terreno através da multiplicação de formas degradadas de trabalhar. Poder-se-ia assim restaurar uma sociedade de actividade plena (palavra de ordem da OCDE) sem que se possa falar de sociedade de pleno emprego, se se entende- por emprego um trabalho relativamente seguro da sua duração (superioridade do CDI), firmemente enquadrado pelo direito do trabalho e coberto pela protecção social. O processo está em curso. De contratos ajudados em serviços pontuais à pessoa passando pela aumento rápido das formas ditas " atípicas" de empregos que representam hoje mais de 70% das contratações, põe-se em prática uma larga gama de actividades que institucionalizam a precariedade como um regime de cruzeiro no mundo do trabalho. A insegurança social está de regresso, e um número crescente de trabalhadores vive de novo " diariamente a jornada" , como se dizia antigamente.
O novo regime do capitalismo que se instala desde há trinta anos após a saída do capitalismo industrial não está em condições de assegurar o pleno-emprego. A prova: a existência de um desemprego de massa e a precarização das relações de trabalho. Mas não é isto que ele visa, e os que o realizam atiram-se pelo contrário ao estatuto do emprego denunciando os custos que este representa e os obstáculos que põe ao livre desenvolvimento da concorrência a nível do planeta.
Em contrapartida, este capitalismo pretende alcançar a actividade plena para maximizar a produção das riquezas, que continua a depender do trabalho. A China oferece neste momento o exemplo de um fantástico desenvolvimento económico em grande parte devido ao facto do custo do trabalho aí ser muito baixo, porque as garantias ligadas ao emprego estão raramente associadas às actividades que se exercem livremente.
Não estamos na China, mas a França está empenhada numa dinâmica de subida de importância em diferentes tipos de actividades, aquém do pleno emprego. Estas formas de sub emprego são geralmente pouco atractivas e elas não asseguram as condições de base necessárias para ter uma vida decente. Concebe-se por conseguinte que pressões se devem exercer para fazer aceitar estas formas de trabalho: é necessário absolutamente que trabalhes para escapar ao desprezo que está ligado ao mau pobre. É finalmente tanto sobre uma chantagem de ordem moral como sobre um raciocínio económico que assenta a orquestração actual da incondicionalidade do valor trabalho pelas autoridades que nos governam.
É necessário continuar a defender o valor trabalho, porque ainda não se encontrou alternativa consistente ao trabalho para assegurar a independência económica e o reconhecimento social numa sociedade moderna. Mas também é necessário lembrar que há trabalho e trabalho. O trabalho é essencial como apoio da identidade da pessoa através dos recursos económicos e dos direitos sociais a que dá acesso. Pelo contrário, a instituição de formas degradadas de emprego em nome da exigência de trabalhar custe o que custar e a ganhar seja o que for, tem conduzido também à degradação do estatuto de trabalhador e, finalmente, à degradação da qualidade de cidadão. Não basta " reabilitar o trabalho" , como se propõe fazê-lo o presidente da República: seria necessário respeitar a dignidade dos trabalhadores.
(Fonte: Robert Castel, Travailler plus, pour gagner quoi?,Le Monde, 9 de Julho de 2008)
A seguir: Depois da crise, que revoluções? - por Jean-Claude Milner
publicado por Carlos Loures às 21:00
editado por Luis Moreira às 15:18
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Domingo, 28 de Novembro de 2010
Quinta-feira, 2 de Setembro de 2010
Carlos MesquitaNeste terceiro texto sobre a produtividade queria ir ao principal entrave competitivo não estrutural, a informalidade, segundo o estudo coordenado pelo governo e desenvolvido pelo Mckinsey Global Institute (MGI). O “não cumprimento das obrigações por parte dos agentes económicos” representa 28% (o maior valor) do diferencial de produtividade; considerado pelo estudo atacável, ou seja, que medidas políticas e administrativas poderiam inverter a situação. A evasão fiscal (IRC, IRS, IVA) a falta de pagamento das obrigações sociais, (segurança social e salário mínimo) e o não cumprimento das normas de mercado, no nosso país compensa. A prová-lo está o número de agentes económicos que optaram pela actividade ilegal, ou semi-legal pois têm porta aberta e toda a população recorre aos seus serviços. Há cada vez mais profissionais a fecharem as suas empresas mantendo a actividade, saindo do mercado normal e optando por trabalhar sem passar factura. Isto acontece porque há mercado, há clientes para esse comércio e indústrias paralelos.
Os números são extraordinários, a economia paralela (estimativa da CGTP) custa ao Estado 14 mil milhões de euros/ano (dois TGVs por ano) valor próximo do défice das contas públicas que é 8,3 do PIB ou seja 14,2 mil milhões de euros. A economia paralela custa tanto num ano como todas as medidas de austeridade tomadas e a tomar para “pôr as contas em ordem”.
É nisto que devemos reflectir em vez dos peanuts das décimas para cima ou para baixo, quer do crescimento económico quer do desemprego. A verdade é que ninguém tem coragem ou saber, nem governos nem oposições para irem ao cerne dos problemas. A discussão política está viciada na fulanização, nos faits divers, nas gafes, porque é fatigante debruçarem-se sobre a natureza dos problemas económicos, para mais quando não há soluções milagrosas ou imediatas. Adiante. O estudo do MGI diz também que os agentes económicos informais detêm uma quota de mercado superior à que obteriam se não beneficiassem das vantagens de preço e margem permitidas pela evasão fiscal e a fuga às obrigações sociais. São uns bruxos. Propõem racionalizar o sistema fiscal, reforçar os mecanismos de auditoria, a aplicação de penalidades acrescidas e consciencialização da opinião pública, e dizem que em Espanha funcionou. Por cá, o que tem acontecido é que devido à crise internacional e nacional, perante a redução natural das receitas dos impostos, o fisco limitou-se a perseguir as empresas, aproveitando uma conjuntura negativa de negação do crédito bancário, para aplicar coimas por tudo e por nada, levando muitas delas com problemas conjunturais de tesouraria a fechar portas. A receita fiscal aumentou, é verdade, mas a médio prazo a morte das galinhas dos ovos de ouro tem consequências. Não é com menos empresas que se conseguem mais receitas; a subida do desemprego é o ajustamento normal ao encerramento quer natural quer provocado de muito do tecido empresarial, as razões fundamentais estão na política tributária e nas políticas de crédito do sistema bancário, ambas promotoras da economia informal. O que o país precisa é de mais economia “oficial”, mais empresas e trabalho legais, que paguem as contribuições devidas. Quando a política discutir a economia politica vamos no bom caminho. Esperemos sentados.
Quinta-feira, 26 de Agosto de 2010
Carlos Mesquita
Como se vê pelo título e subtítulo, 7 a 2 é resultado magro para a produtividade, e nem há notas de cêntimo. A produtividade em Portugal, segundo um relatório de 2008 da Associação Industrial Portuguesa (AIP) será 70,8 por cento da média europeia. O presidente da AIP dizia o ano passado, que o facto de Portugal produzir menos 30% que a média dos restantes países europeus era uma vergonha; que nenhum país consegue afirmar-se competitivamente, crescer e desenvolver-se, sem que a produtividade aumente significativamente. Numa coisa temos sido produtivos, a fazer e encomendar estudos e relatórios sobre a produtividade e a competitividade, para só falar destes. Dizem todos o mesmo acerca das causas, diferem nos remédios consoante os interesses particulares de quem paga os estudos; umas razões são estruturais como o perfil produtivo tradicional, baseado em mão-de-obra intensiva de baixo custo, a braços com a concorrência de outros países sem leis laborais e que praticam dumping fiscal e ambiental. Situação impossível de resolver sem investimento na reconversão dos sectores que herdámos, para outras especializações com incorporação de maior valor acrescentado. Isto é dito e repetido há muito, mas ainda ninguém disse como se faz mantendo a “obsessão do deficit” e vendo os juros da dívida a aumentar.
Seria melhor primeiro tentar perceber porque o investimento tem diminuído impossibilitando a mudança de perfil produtivo e igualmente a criação de mais fontes de riqueza. O motivo porque não há mais investimento está intimamente ligado aos dois factores fundamentais da nossa falta de produtividade, a economia informal e a falta de regulamentação das condições concorrenciais. As mudanças artificiais no tecido empresarial, efectuado com fundos da CEE, transformando cada operário especializado ou chico-esperto em empresário, principalmente no período cavaquista, com um IAPMEI louco financiando capacidade industrial instalada várias vezes superior às nossas necessidades, teve o seu epílogo no tempo guterrista, em que para manter os indicadores de emprego, apareceu o “plano Mateus” de regularização de dividas, que foi o balão de oxigénio para empresas inviáveis continuarem a destruir aquelas que tinham todas as condições para hoje ainda existirem. Era impossível uma empresa que pagasse as suas contribuições à segurança social e ao desemprego, que tivesse os empregados e instalações no seguro, etc. concorrer com outras que nada disso pagavam (nem o IVA) e continuavam a laborar com a cumplicidade do Estado.
A lei Mateus foi cumprida por apenas 6% dos aderentes, marca o fim de uma geração de empresários, que não se metem noutra, e marca também a data em que Portugal interrompeu um período de crescimento que ainda não conseguiu reencontrar.
(continua)
Terça-feira, 24 de Agosto de 2010
Carlos MesquitaO Homem actual prepara-se em grande parte da sua existência para trabalhar mas como em todos os desígnios só alguns têm sucesso no trabalho. Quando não basta trabalhar, mas se exige alta produção por pouca retribuição, a labuta já não é projecto próprio é levar uma vida de trabalho para quase nada e carregar a maior parte das vezes as culpas da improdutividade. Cada um de nós terá as suas experiências. Na cadeia do trabalho desempenhei várias funções, de operário a industrial, quadro intermédio e superior e coisas similares. Numa das profissões fui técnico de produtividade se é que isso existe; deram-me um curso de MTM, em português, metodologia de trabalho e tempos e controlo de produção.
Quando ouço falar em produtividade não recordo o tempo de operário ou de industrial, mas a prova, de aferir as performances laborais de centenas de postos de trabalho numa multinacional americana que estava cá para explorar a mão-de-obra barata. O objectivo do MTM seria a eficiência na produção industrial para reduzir custos, baseada na desmontagem e análise dos sistemas de fabrico e do trabalho como acção, procurando novos métodos optimizadores da mão de obra e a introdução de apoios tecnológicos que acabassem com os desperdícios, digo seria porque na prática os ganhos de produtividade conseguiam-se através da exigência do aumento das cadências laborais e quase nenhuns projectos de reengenharia eram adoptados, a mão de obra era tão barata e as leis de protecção laboral inexistentes que era preferível puxar pelos operários até ao limite que investir em equipamentos e sistemas (robotizado, segundo me lembro, só para fazer parafusos). O ordenado mínimo mensal que o 25 de Abril trouxe era mil e trezentos escudos, (não chegava a seis euros e meio por mês) portanto fazer aqui, em Singapura ou na Polónia, alguns dos países onde o grupo tinha fábricas era o mesmo. Trabalhar ao limite para conseguir produtividade era por exemplo não tirar os olhos de lentes de aumentar que permitiam mexer em semicondutores e algum tempo depois ter problemas visuais, diminuir por isso a produtividade e ser despedido, trabalhar sem direitos nenhuns, de baixa só com autorização do médico da empresa que até mantinha ao serviço pessoas com fracturas. Baixar a cadência significava despedimento e a substituição por outro trabalhador dos muitos desempregados que a cintura industrial fornecia, levando alguns a empenhar-se nas tarefas mesmo doentes, até ao limite.
Hoje diz-se que os direitos que os trabalhadores conquistaram impedem a produtividade, e que os ordenados fabris põem em causa a competitividade; só é certo se o preço da mão-de-obra é a única vantagem competitiva (na verdade a relação entre salários e produtividade dos portugueses e dos restantes europeus desmente que cá a produtividade seja menor) a questão é se Portugal precisa desse tipo de empresas, e se a forma como vamos concorrer no mercado internacional, é voltando a estes tempos que presenciei e os operários chineses vivem todos os dias. Há quem o defenda.
(continua)