Segunda-feira, 4 de Outubro de 2010
Versos de Carlos Loures e fotografias de José MagalhãesOs abutres, as hienas,
os tubarões, os chacais
são apenas animais
que lutam para viver.
Chamar abutre ou hiena,
tubarão, lobo ou chacal
a um grande industrial
ou importante banqueiro,
é abuso de linguagem
e ainda para mais
é o erro cometer
de insultar animais
cujo crime é a coragem
de querer sobreviver.
Mister multinacional
não é abutre, nem hiena,
nem tubarão, nem chacal –
não há nada que não venda,
que não importe ou exporte,
come com os dentes da fome
que devora milhões de homens,
vive com as garras da morte
que ceifa vidas à toa.
Mister multinacional
não é abutre, nem hiena,
nem tubarão, nem chacal.
A quem come carne humana
e converte a morte em ouro,
a vida em mercadoria
de reduzido valor,
é errar a pontaria
chamar abutre ou chacal:
- capitalista é canibal!
- capitalista é canibal!
Nota: Estes versos, cujo título é recente, foram escritos durante o PREC para um cantor, o Aristides. Era um sucesso, sobretudo o estribilho - capitalista é canibal! - era gritado por centenas de vozes num berreiro gisgantesco. Penso que não sobreviveram gravações - facto que em nada prejudica, quer a arte poética, quer a musical. Agradeço ao José Magalhães o ter concordado em juntar as suas magníficas fotografias a este regresso ao passado . (CL)
Sábado, 29 de Maio de 2010
Texto publicado na edição do Expresso de 13 de Março de 2010, por Henrique MonteiroQuando comecei a trabalhar, a pátria precisava de ser salva dos desvarios do PREC e por isso pagámos mais impostos. Depois, nos anos 80, houve um choque petrolífero, salvo erro, e tivemos de voltar a salvar a pátria. Veio o FMI, ficámos sem um mês de salário e pagámos mais impostos. Mais tarde, nos anos 90, houve mais uns problemas e lá voltámos a pagar mais, para a pátria não se afundar. Por alturas do Governo de Guterres fui declarado ‘rico’ e perdi benefícios fiscais que eram, até então, universais, como o abono de família. Nessa altura, escrevi uma crónica a dizer que estava a ficar pobre de ser ‘rico’… Depois, veio o Governo de Durão Barroso, com a drª Manuela Ferreira Leite, e lembraram-se de algo novo para salvar a pátria: aumentar os impostos! Seguiu-se o engº Sócrates, também depois de uma bem-sucedida campanha (como a do dr. Barroso) a dizer que não aumentaria os impostos. Mas, compungido e triste e, claro, para salvar a pátria, aumentou-os! Depois de uma grande vitória que os ministros todos comemoraram, por conseguirem reequilibrar o défice do Estado, o engº Sócrates vê-se obrigado a salvar a pátria e eu volto a ser requisitado para abrir mão de mais benefícios (reforma, prestações sociais, etc.), e – de uma forma inovadora – pagando mais impostos.
Enquanto a pátria era salva, taxando ‘ricos’ como eu (e muitos outros, inclusive verdadeiros pobres), os governantes decidiram gastar dinheiro. Por exemplo, dar aos jovens subsídios de renda… por serem jovens; ou rendimento mínimo a uma pessoa, pelo facto de ela existir (ainda que seja proprietária de imóveis); ou obrigar uma escola pública a aguentar meliantes; ou a ajudar agricultores que se recusam a fazer seguros, quando há mau tempo; ou a pedir pareceres para o Estado, pagos a peso de ouro, a consultores, em vez de os pedir aos serviços; ou a dar benefícios a empresas que depois se mudam para a Bulgária; ou a fazer propaganda e marketing do Governo; ou a permitir que a Justiça seja catastrófica; ou a duplicar serviços do Estado em fundações e institutos onde os dirigentes (boys) ganham mais do que alguma vez pensaram.
E nós lá vamos salvar o Estado, pagando mais. Embora todos percebamos que salvar o Estado é acabar com o desperdício, o despesismo, a inutilidade que grassa no Estado. Numa palavra, cortar despesa e não – como mais uma vez é feito – aumentar as receitas à nossa custa.
Neste aspecto, Sócrates fez o caminho mais simples. Fez exactamente o contrário do que disse, mas também a isso já nos habituámos. Exigiu-nos que pagássemos o défice que ele, e outros antes dele, nunca tiveram a coragem de resolver.
Sexta-feira, 21 de Maio de 2010
António A. Sales Todos os dias aparecem na comunicação social uns sujeitos economistas, outros políticos, a predizerem que isto vai ser pior e teremos de apertar mais o cinto. Depois vêm os no activo proclamar que não senhor, as medidas tomadas serão suficientes para atingirmos os 2,8% de défice em 2013. Mas logo avisam, se tiverem de ser prolongadas ou reforçadas tais medidas assim farão. Nada melhor que preparar o pagode para o pior de modo a evitar crises cardíacas.
Podemos estar descansados pois desde que me conheço, e já passei dos setenta, sempre ouvi falar de crise, salvo curtos períodos benéficos para preparar a próxima. Se formos analisar esse novelo das crises nacionais, económicas e financeiras, já em 1850 isto era um taradice e assim por aí fora.
Por isso afirmo que não saberemos viver sem crise. Aviso políticos e economistas para terem cuidadinho não façam muitos cortes no orçamento nem espremam o PREC em demasia pois pode acontecer que, por amaldiçoado acaso do destino, arranjemos um trinta e um de regularizar as contas públicas. Seria maior a tragédia de viver sem crise do que viver com ela. Deixávamos o perigo da bancarrota para entrarmos no da banca recheada. Então, em vez de mantermos o país num equilíbrio instável, arruinado mas decentezinho, transformaríamos isto numa caverna de vadios bem vestidos a gastar à tripa forra o caroço do euro milhões até espatifar tudo novamente.