Este é um texto sobre o processo eleitoral, o que se deseja que dele resulte para o país, e como se vê o futuro de todos.
Estamos a três dias das eleições legislativas. Os portugueses estão profundamente traumatizados com a situação em que o país se encontra. Vão votar sob o peso de pesados condicionalismos, nomeadamente os derivados da situação económica e financeira, que lhes são apresentados como sendo sem saída, obrigando-os a pagar pesados encargos a entidades supranacionais, em relação às quais não dispõem de qualquer poder, nem sequer o das eleger numas quaisquer eleições.
Para a generalidade dos portugueses, habituados secularmente à submissão ao rei, à igreja, aos ricos e poderosos, a situação parece sem dúvida sem saída. O que há á fazer é escolher quem vai negociar com essas entidades, de preferência alguém que esteja bem visto por elas. Pode ser que assim se consiga alguma indulgência. Mais uns fundos, mais uns empréstimos. Ir ao fundo das questões nunca, porque quem está acima pode sentir-se melindrado e ameaçar com mais medidas restritivas.
Não estou a dramatizar ou a querer chocar quem tiver a paciência de me ler. Perdoar-me-ão, mas este é o estado de espírito de muitos portugueses. Há os que entram em fuga psicológica e não vão votar, nem querem ouvir falar das eleições. Não os condeno. Simplesmente penso que a sua atitude é de quem está farto desta tragicomédia, desistiu, e deixa andar o destino. Entretanto, há outros, sem dúvida o maior contingente, que vai votar para escolher o mais sedutor, o que melhor consegue assumir o ar de bem comportado, mais convincente, para levar a Merkel, o Trichet, o Sarkozy, o FMI, etc. Obviamente que não vão escolher ninguém que defenda que tem de se bater o pé a quem nos quer subjugar, ou que diga que a subida que a subida das taxas de juro não se deve assim tanto aos nossos pecados, mas muito mais à ganância de alguns senhores.
A verdade é que no domingo o grosso do pessoal vai votar nos bem comportados, e que Portugal vai estar cada vez mais mergulhado numa depressão profunda.
Pouco interessa que vá para lá o Sócrates (sem dúvida um tipo muito mau) ou o Passos Coelho (não deve ser melhor) e que o Paulo Portas esteja no governo pela certa. O problema é que os portugueses (perdoem a imagem tauromáquica) não aceitam que têm de agarrar o destino pelos cornos, e torcê-lo bem torcido. Que não é matando-se a trabalhar ou deixando-se morrer de fome que vão conseguir endireitar o país. Nem emigrando em massa (ia a dizer fugindo em massa).
É claro que tem de se produzir mais e melhor. Mas para se conseguir esse grande objectivo é preciso antes do mais romper com a santa aliança que controla a vida económica do país, formada pela banca, pelos grupos económicos, com relevo entre estes, durante os últimos cinquenta anos, pelos empresários ligados á construção civil e pela massa trabalhadora, com salários baixos, mas a quem foi concedido o “privilégio” (entre aspas, mas que aspas) do crédito barato e acessível. Os frutos dessa santa aliança estão à vista. Em 1969 estimava-se que em Portugal seria preciso construir quinhentos mil fogos. Hoje em dia fala-se em centenas de milhar acabados e prontos para a venda, mas que não encontram comprador. A taxa de natalidade caiu abruptamente, e a população envelhece a olhos vistos. A emigração voltou a aumentar. Importa-se 80 % do que se consome.
Os grupos económicos, muito centrados na construção civil e afins, procuram agora virar-se para a saúde, a educação e a área social (veja-se o caso dos lares, residências, apoio domiciliário, e outras valências destinadas aos idosos. Claro que aos idosos que podem pagar). No que respeita à indústria e à agricultura, só se interessam pelos produtos que se destinam à exportação. Estas exportações estão sempre afectados pelo valor alto do euro, em relação ao dólar, ao iene, yuan, e outras moedas. Este valor alto dificulta as exportações, e favorece as importações, contribuindo de certo modo para desencorajar a nossa indústria. A este respeito, veja-se o caso dos produtos chineses.
Sobre estes assuntos o programa da troika nada diz. O que só demonstra que não vai resolver os nossos problemas. Vai contribuir para um endividamento ainda maior, e agravar a dependência ao exterior. É óbvio que não estamos em tempo de autarcia, e que a abertura ao exterior não é, em si, necessariamente, um mal.
Mas há que produzir mais e melhor, não só para exportar, mas também para fazer face, numa escala muito maior, ás nossas necessidades. O problema do crédito exigiria um grande reforço da Caixa Geral de Depósitos, que nunca poderia ser privatizada, ao contrário do que, insensatamente, preconiza Passos Coelho (nem Ricardo Salgado apoia tal disparate).
Não vou propor que votem neste ou naquele partido. Mas a realidade é esta. Sair da Europa, ou mesmo só do euro, nesta altura, parece muito difícil. Mas as directrizes que visam sobretudo defender os bancos e os mercados financeiros têm de ser contrariadas.
Sejam pela clareza e pela frontalidade. Votem bem. Um abraço.
(ilustração de José Magalhães)
(Pedimos desculpa pela má tradução)
Grécia, Irlanda e PortugalBancarrota ou democracia?por Nick Dearden [*]
Não chega a ser surpresa que as centenas de pessoas reunidas na conferência de que acabo de retornar concordassem em que o pacote de "salvamento" da Grécia aprovado há 12 meses fracassou em proporcionar uma solução para o problema de dívida do país.
Do mesmo autor:
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . |
.
Os eternos rivais de que falo não são o gato e o cão da minha imagem. Antes fossem! Porque os eternos rivais são pessoas de dois países fronteiriços, sempre de costas viradas, o mais forte sempre a invadir o mais fraco. Como o leitor pode adivinhar, estou a falar do nosso pequeno país Portugal, e do gigante que o rodeia a Espanha. Digo pequeno, por ser a população de não mais de dez milhões de habitantes, enquanto a Espanha conta com trinta e nove milhões. As relações entre estes dois países nem sempre foram harmoniosas, apesar dos desencontros terem sido esporádicos. Claro que exagero que estes países sejam como o cão e o gato. Em tempos, Isabel de Castela, podia ter sido pretendente ao trono de Portugal por ser filha de uma Infanta Portuguesa, Isabel da casa de Avis. Isabel de Castilha, filha de Juan II de Castilla e da sua segunda mulher, Isabel de Portugal (1428-1496), nasceu em Madrigal de las Altas Torres (Ávila) a 22 de Abril, Quinta-Feira Santa, de 1451, no paço que hoje é ocupado pelo Monasterio de Nuestra Señora de Gracia. Lugar e data de nascimento, têm sido historicamente discutidos, ninguém, há época, estava consciente da importância que essa menina teria no futuro Juan II de Aragón, que tratou de negociar em segredo com Isabel a boda do seu filho Fernando. Foi bem sucedido, após grandes batalhas de Corte por causa de serem primos, mas o Vaticano dispensou este impedimento, passando assim Fernando de Aragón a ser príncipe consorte de Isabel. Ora, durante seu reinado unificou a Espanha, ganhou as guerras com os emiratos árabes que ocupavam a península e enviou-os para a sua terra, tal como aos mouros que regressaram à sua terra Natal, Marrocos. O resto da história está no meu livro Esperanza, uma história de vida, editado por Estrolabio, 2010, Lisboa, texto que pode ser acedido em: http://estrolabio.blogs.sapo.pt/. Para acabar com a História de vida de Isabel, que recebeu do Vaticano o título da Católica pelas suas proezas de converter, sem medo do perigo, toda a península hispânica, ao catolicismo, confiandoem Cristóvão Colombo para circum-navegar os mares proibidos ou temidos, até encontrar uma terra, que denominara Índias Orientais, convicto que estava de ter descoberto uma outra passagem para a Índia, contudo, ao reparar no seu engano navegou pela costa, mais tarde mapeada e cartografada por Américo Vespucio, desta dádiva de Colombo à sua protectora Isabel. Outro motivo, ainda, para ser chamada Isabel a Católica, enobrecer o descobridor, que passou a ser duque de Carvajal, com os seus descendentes ainda vivos e endinheirados.
Até este ponto, não parece haver uma rivalidade eterna entre as duas monarquias, pelo contrário, havia parentesco de consanguinidade entre os habitantes dos dois reinos. No caso de Isabel, e apesar dos esforços do seu irmão, Enrique IV, para a casar com Afonso V de Portugal, o que não veio a ocorrer porque Isabel o achou demasiado velho. Contudo, Enrique IV, que pelo Tratado de los Toros de Guisando teria de aprovar o matrimónio de Isabel, continuava, mesmo após a rejeição de sua irmã por Afonso V, a querer a aproximação ao reino de Portugal, pela via do matrimónio, restando-lhe a sua filha Juana que veio a casar com Juan II de Portugal, filho de Afonso V de Portugal. Assim, Isabel, como membro da família real, iria para o reino vizinho e, à morte do seu esposo, o trono de Portugal e de Castela passaria para D. João II de Portugal e sua esposa, Juanala Beltraneja. Qual, porém, a rivalidade? A rivalidade era casar a Isabel com o Rei de Portugal, ou a filha, Juana a Beltraneja, com o Infante herdeiro do trono português.
É um Portugal nebuloso o que temos hoje em dia, cheio de secretas esperanças e de cada vez menos valores. Com a revolução, já lá vão uma quantidade de anos, chegou a democracia nas palavras que depressa desapareceu nos actos (se alguma vez chegou a existir neles), chegou alguma modernidade e um moderado desenvolvimento, subiu temporariamente o nível de vida de uns quantos, com todos a passaram a considerar-se aristocratas e, fruto de inúmeros erros, os critérios das escolhas das chefias baseados na competência foram desaparecendo como que por encanto, substituídos pelo laxismo, facilitismo, pelo grupo político predominante e pelo favorecimento económico.
Desde o tempo do poeta Pessoa que os fantasmas povoam o nosso imaginário, se bem que mesmo antes do primeiro quarto do século passado, seja certo que também eles por cá tenham andado.
Nessa altura quase só se falava do saudoso Rei, Sebastião fedelho imberbe e esperança de um povo, falecido ou não às mãos calejadas dos mouros infiéis, ou do outro, Rei assassinado às mãos dos da nova situação.
Se nessas alturas vivíamos sebastianicamente no desejo intenso do seu regresso, numa nevoenta manhã e expoente máximo que viria a ser na vida Portuguesa, hoje em dia em nada é diferente, excepto nos objectos da esperança.
Hoje suspira-se pelo regresso de Salazar ou de Sá Carneiro, pelos ideais do 25 de Abril ou pela democracia, pelas ajudas europeias ou pela moeda chinesa, pelas novas oportunidades ou pelo rendimento mínimo, por não pagar impostos ou por comprar bom e barato mesmo que roubado, pelo petróleo que não temos ou pelas energias alternativas, pelo FMI ou por novo e competente governo, mas sempre na secreta esperança de poder viver em grande e trabalhar moderadamente.
Nos dias de hoje sentimo-nos roubados, injustiçados e mal geridos, mas vivemos a expensas do Estado e da sua caridade, dizemos como sempre se disse, mal de tudo e de todos, temos fome de democracia e sede de justiça (desde que se não aplique a nós) e, mais uma vez estamos sem estaleca para nos rebelarmos, deixando tudo para que os outros façam por nós o que deve ser feito, mesmo sabendo que nunca o farão.
Para só falar de uma das bases da vida de um povo, a par da saúde e do trabalho, a reforma das reformas das reformas do ensino que se têm vindo a efectuar nos últimos trinta anos, feitas em especial para os primeiros ciclos de aprendizagem (primário e secundário), colocaram o nível da educação em Portugal numa plataforma muito baixa. A falta de autoridade dos professores e a falta de qualidade de muitos deles (como em todas as profissões), em conjunto com o aumento exagerado do protagonismo dos encarregados de educação, que entretanto se esqueceram que o trabalho de educar começa em casa, e com a arrogância e rebeldia não controladas dos alunos, e ainda com a política instalada do ‘politicamente correcto’ e com a caça aos votos, também ajudam a este estado de coisas.
A nossa falta de capacidade para nos bastarmos a nós próprios, vivendo anos a fio acima das nossas possibilidades, conjuntamente com o cada vez maior grupo de cidadãos egoístas e convencidos da sua superioridade (que copiam de alguma forma o que de mau existe por essa Europa fora e têm poiso perene nas cadeiras do poder), uma elite oca fútil e caduca que não aceita os de classe economicamente mais desfavorecida como seus pares ou até, tão pouco como seres humanos, revelando-se no fim pouco menos que miseráveis e donos de uma mentalidade senhorial e colonial, começam a ser olhados de maneira pouco simpática pelos detentores dos votos a dar, e fazem já parte do anedotário universal.
É uma realidade nebulosa a que se vive em Portugal, com o comum dos cidadãos continuadamente à espera daquele salvador que há-de vir numa manhã de nevoeiro, mas que enquanto tal desiderato não acontece vai vivendo sonolentamente na dependência de subsídios de toda e qualquer espécie fornecidos pelo Estado convencido do direito que lhe assiste em viver assim.
Triste Portugal, por onde e para onde estas gentes mandantes te estão a levar, cantando e rindo.
Da esquerda para a direita Abel Manta, Aquilino Ribeiro, Gualdino Gomes e Júlio da Costa Pinto à porta da Havaneza de Lisboa em 1938.
Percurso Esgotado
(continuação)
Durante longos doze dias a presença constante de amigos nunca deixou só D. Carminda, dia e noite a seu lado falando-lhe baixinho na esperança de o despertar do estado de coma. Botto sofre, luta contra a morte lá no fundo do seu alheamento, mas Caronte e a sua barca esperam-no na Baía de Guanabara. Há uma luz cristalina que lhe abre um caminho infinito por um túnel de cânticos. É a luz de Lisboa a abençoá-lo com as pequenas casas de Alfama a descreverem um desenho suave sobre o rio. Há varinas na rua gritando o peixe, ardinas correndo a vender jornais, amoladores de facas e navalhas anunciando-se ao som estridente da flauta. Olha o Fernando no Martinho da Arcada, o Pacheko a pintar cenários para revistas, a Amália a cantar no Luso, a Beatriz Costa a fazer uma rábula no Variedades! À porta da Bertrand está o Aquilino Ribeiro e o seu grupo e o Gualdino Gomes, esse crítico arrasador, continua a frequentar o Café Chiado onde se encontram agora os neo-realistas. Nas avenidas passam Buicks, Chevrolets, Studbakers. Vem ali o Villaret a declamar a Julieta do Beco das Cruzes e o Filipe Pinto a cantar um fado meu. Raul Leal diz-me que me esperas e tu, António Ferro, também. Já vou, já vou aí!
Talvez nunca se tenha sentido tão tranquilo, tão seguro de si, tão suavemente humano como neste dia 16 de Março de 1959. Não há dúvidas nem certezas, tampouco vaidades e egoísmos. Está tudo finalmente concluído e cumprido. Um silêncio de luzes mortas ilumina-lhe a estrada para além. Carminda toma-lhe as mãos e sobre elas repousa as lágrimas de uma vida. Enche-se o quarto da generosidade daquela mulher, do seu amor indimensionável. Há pessoas assim capazes de sacrifícios pelos outros. Nos limites de uma consciência para além do coma mortal reconhece na rapidez de um segundo que não tem mais o direito de a sacrificar à sua fama nem ao exibicionismo do seu talento. Fugazes sombras convidam-no como musas inspiradoras a conhecer outro território sublime. Quebra a ténue lâmina de fogo que o separa desse destino infinito e, soerguendo-se do leito, deixa-se ficar humildemente debruçado nos braços da morte a repousar da tragédia.
Após autópsia o corpo do poeta é transferido, pelas 11 horas da manhã do dia 17, para as instalações da Beneficência Portuguesa onde permanece em câmara ardente. Ali comparecem um representante do Presidente da República do Brasil e outro da embaixada de Portugal além de outras instituições. Às 17 horas desse mesmo dia, depois do «esquife [ter sido] retirado da Beneficência Portuguesa pelos representantes diplomáticos de Portugal, Associações Portuguesa e amigos» o funeral segue para o cemitério de S. João Batista com a urna envolta numa bandeira de Portugal, conforme pedido de D. Carminda. Astério de Campos faz o elogio fúnebre do poeta diante do túmulo, a sepultura nº 771. José Maria Rodrigues, que escreveu a este propósito uma reportagem emocionante, acentua que o funeral foi «vazio de gente». Em contrapartida O Globo informa que ao funeral «compareceu grande número de intelectuais, poetas, jornalistas, representantes do Sindicato dos Jornalistas, presidente da Associação Brasileira de Imprensa e populares». Celebrado, popularizado, vendido, traduzido, reconhecido no Brasil como só dois ou três escritores portugueses vivos o seriam naquele tempo; morria pobre, esquecido da pátria, desprezado pelos editores, esta figura dramática que fora essencialmente um provocador, agora morto, enterrado, sossegado e em paz.
Pura ilusão! Passado muito pouco tempo já se especulava sobre as posições da embaixada de Portugal em ter criado dificuldades para a transladação do corpo para Portugal, conforme a vontade de D. Carminda, tornando o acto inviável. Afirmava-se também que a embaixada não teria dado a merecida atenção à morte do poeta, notícias que obrigaram a embaixada a publicar nos jornais um esclarecimento sobre a forma como actuou não faltando com a sua presença e colaboração no acto fúnebre e pagando todas as despesas com o funeral. Na verdade, o cônsul português no Rio de Janeiro terá explicado à viúva que a transladação dependeria do consentimento das autoridades de Lisboa (jornal A Voz de Portugal) o que demoraria imenso tempo. Por cá, isto é, em Lisboa, dizia-se que as autoridades, ou melhor a autoridade Salazar é que não concedera licença para tal.
A tua saga, António, estava ainda longe de terminar mesmo depois de morto. Mas isso que importava se o melhor elogio à tua pessoa, se assim o quisermos entender, seria publicado no mês de Abril, no nº. 22 da revista Leitura–a revista dos melhores escritores, na secção “Os dias, os factos, os homens”: «pediu [António Botto], antes de morrer, para ser enterrado em Portugal. Dificuldades de ordem burocrática negaram ao poeta o seu último desejo. (…) Assim, como Portugal não reclamou o seu Poeta, nós o guardaremos até o dia em que poetas portugueses mortos em exílio voltem a ter lugar no coração da pátria.», o que só viria a acontecer seis anos depois.
Apesar de tudo o Brasil foi teu amigo.
_____________________
História Breve de Uma Boneca de Trapos
Era uma vez uma boneca
Com meio metro de altura.
Insinuante, bonita,
Mas. Pobremente vestida.
Um ar triste – uma amargura
Diluída no olhar …
- Grandes olhos de safira,
E um sorriso combalido
Como flor que vai murchar.
Quase a meio da vitrine
Lá daquela capelista
Essa boneca de trapos
A ninguém dava na vista!
Ninguém via o seu sorriso!
Ninguém sequer perguntava:
Quanto vale a «marafona»?
Quanto querem pla «Princesa»? …
Passaram anos – Com eles,
Foi a minha mocidade
E cresce a minha tristeza.
Quem é que dá pla Boneca
Que os meus olhos descobriram
Lá naquela capelista
Quase à esquina do jardim? …
- Quem dá por ela? Ninguém.
E quantas almas assim!
(In “Canções – Intervalo” – pag. 179 – ed. Círculo de Leitores – Lx. 1978)
Os Últimos Anos de Infortúnio
(continuação)
O Brasil que lhe ofereceu glórias não lhe poupou desgraças. Humanamente o poeta esquece as primeiras e enreda-se na malha das segundas. Na sua psique fragilizada acumulam-se recalcamentos que alivia em apontamentos escritos sobre o país escolhido para emigrar. No diário, entre 13 de Outubro e 23 de Novembro de 1958, talvez num dos mais tristes momentos da sua vida, António Botto não poupa comentários críticos e depreciativos em impressões avulsas, na maioria telegráficas, indicando pessoas, marcas, coisas, observações da vida corrente, estabelecendo o contraponto entre a nação rica e «a miséria [que] é o pão de cada dia». A sua realidade conjugada com um envolvimento social difícil deprime a ponto de proclamar a revolta interior de forma algo violenta: «Levanta-te Rei D. João VI, e vem presenciar este novo campo de concentração para os que trabalham. Os outros, os magnates, esses arrastam correntes de ouro pelas ruas da capital desprezada, cheia de lixo e covas onde se podem enterrar os pobres» (BNL- espólio de AB – cota E 12/63).
Botto foi sempre um homem sensível à miséria social, provavelmente pela vincada memória das suas origens sobre as quais podia mentir mas não se podia furtar. Em muitos dos seus poemas e outros textos encontramos solidariedade com a dor e infelicidade alheias. Creio que foi sincero no desgosto perante o drama dos outros onde integrava também o seu. A realidade dos que labutavam no charco da ignorância e da pobreza entristecia-o, pelo que não deixou de se emocionar com o destino daqueles que viviam no limbo do sacrifício. Daqui deriva, certamente, a imagem de um Brasil «árido [onde], a hostilidade é o brazão sem nobreza deste país condenado pela política» (BNL-espólio de AB-cota E 12/163). Não obstante ser política qualquer crítica social (mesmo a sua), o lusitano poeta declarava-se «visceralmente anti-política», pois dizia: «…De resto não sou um político: sou um poeta» (Revista da Semana), o que não o impediu de escrever, provavelmente em 1954, durante o levantamento popular na Hungria, o Poema aos Estados Unidos da América sem Política Nenhuma (inédito dactilografado no espólio), de gosto duvidoso mas suficiente para concluir que o seu autor era manifestamente anti-estalinista e anti-comunista. E não serão por acaso políticas as duas cartas escritas a Salazar? Remetida a primeira, ainda em 1958, da Almirante Alexandrino, felicitas o ditador pelo aniversário que ocorrerá em 27 de Abril, informando-o que o teu maior desejo seria estar em Lisboa nessa data para poderes «apertar a sua mão comovido e feliz».Um caso de idolatria, para não dizer bajulação, a repetir-se na segunda, datada de 2 de Fevereiro de 1959, em que manifestas a tua veneração de sempre para com o ditador, «Agora que esse caso deploravelmente lamentável do sr. General Humberto Delgado deixou de andar nas notícias de jornais, todos os dias, como oposição que foi (…)». Para quem era «visceralmente anti-política» tornava-se evidente que a política não te era de todo indiferente, ou pelo menos um certo tipo de personalidades políticas, como se deduz pela desconfortável leitura das duas cartas carregadas de elogios. Estes serão, contudo, pecados menores ditados pelo exagero que punhas nas palavras e atitudes como se representasses em palco a figura de António Botto por ti próprio. Este exercício de um salazarismo servil, jamais manifestado enquanto viveste em Portugal, só encontra explicação no desejo secreto que acalentavas de regressar à pátria. Salazar nunca te respondeu. Salazar não gostava de ti.
O caso da tua exoneração compulsiva da função pública foi disso significativo embora o inquérito oficial tenha englobado sete funcionários, entre os quais três senhoras. Na altura (1942) eras 1º escriturário de 2ª classe do Arquivo Geral do Registo Criminal e Policial e foste acusado de “Não manter na repartição a devida compostura e aprumo, dirigindo galanteios e frases de sentido equívoco a um seu colega, denunciando tendências condenadas pela moral social; Fazer versos e recitá-los durante as horas regulamentares do funcionamento da repartição (…)”. Publicado o resultado do processo no Diário do Governo Botto vem para a rua e passou a vangloriar-se publicamente de ser o primeiro pederasta português com direito a reconhecimento oficial, chegando a mandar imprimir cartões de visita com tal classificação. A sobranceria sarcástica do autor de Ciúme acerca da deliberação que o atinge esconde um presumível ressentimento sobre a decisão pública, a qual terá efeito devastador na sua vida. A nova ordem jesuítica do salazarismo nunca lhe perdoou a personalidade arrevesada e provocatória atacada por muitos mas também defendida como forma de salvar o poeta e a sua obra da onde de hipocrisia moralista.
Na prática colegas de letras afastaram-se, ou cortaram relações, com António Botto devido ao seu homossexualismo e feitio maledicente origem de sérios dissabores de que o período do Brasil não foi excepção. Queixava-se, por isso, de ser esquecido pelos amigos, não ser acarinhado como sentia merecer, do infortúnio que o atingia ao ponto de considerar que «a perseguição [entrara consigo] no barco». A estiagem da sua carreira literária e a arquitectura de fantasias roubam-lhe lucidez pois classifica-se figura ilustre à qual a Colónia Portuguesa não presta homenagem, antes lhe torpedeia os lugares que tem nos jornais Mundo Português, Voz de Portugal e Globo. Na realidade todos são culpados das suas desgraças e ele o único inocente, como podemos ler em registo inédito: «Acabo este livro de impressões sobre o Brasil, pedindo uma indemnização ao Império da Banana porque vim iludido com as falsas reportagens de tanto cretino comprado para as fazer. Indemnização pela neurastenia., pela perda da saúde, pelos aborrecimentos, pela perda da vontade pela vida, e pela soma de infâmias que pretenderam com a semente da inveja manchar o meu nome limpo de artista, de Homem e de Poeta» (sic) (BNL-espólio da AB- cota E12/174).
Estes desabafos fortemente ditados pela amargura de situações desesperadas não correspondem literalmente à verdade. António Botto sentia prazer em lamentar-se pelas desatenções de que era vítima esquecendo-se que imensas vezes as motivava. Não obstante, são incontroversas as provas de constante e verdadeira amizade de muitos portugueses e brasileiros ali radicados. Rodearam-no de atenções, proporcionaram-lhe oportunidades, ajudaram-no moral e materialmente impedindo a sua queda total. Mesmo nos piores momentos, apesar de Botto nada de relevante ter acrescentado à sua obra publicada em Portugal, desfrutou de condigna posição entre a intelectualidade brasileira e destaque na imprensa como se verifica no noticiário do seu internamento na Beneficência Portuguesa e depois nas circunstâncias da sua morte.
(continua)
Em cima: Retrato de António Botto por Almada Negreiros
Damos hoje início a uma pequena antologia de poemas de António Botto:
Canção Mutilada
A tarde cai amaciando a terra,
E enchendo-a de miragens tentadoras
Enquanto o sol,
Nos últimos alentos,
Se prende aos galhos de um arbusto
Que, ressequido, à beira de uma ermida,
Parece o próprio símbolo da vida.
De enxada ao ombro, alguns trabalhadores,
Pisam o pó e as pedras dos caminhos
- Como bandeiras humanas
Movidas pelo infortúnio,
Sem alegria, sórdidos, curvados,
Mas enormes no seu frémito de luta!
Ah!, nem a Morte quer os homens
Quando eles são desgraçados!
As estrelas lá, no alto,
Riscam cintilantes brilhos.
E em bandos –
Os maltrapilhos,
Silenciosos e ateus,
Zombam do Amor
E até de Deus!
A miséria
Quando atola
O homem nos seus negros labirintos,
Dá-lhe, também, a loucura
Dos mais trágicos instintos …
Agora, neste momento,
A noite –
É uma imensa realidade …
E eu julgo ver a Justiça
Afundar-se na penumbra
Da sua inútil verdade.
NOTA - Este poema de A. Botto é datado de 1936 e vem incluído no livro “Imagens do Alentejo”, da colecção “Amanhã”, que era dirigida por Henrique Zarco e o livro de sua autoria. A obra foi editada em 1936 e Botto foi convidado a fazer o poema.
Rolf Damher
Salvação uma ova. Com este tipo de medidas, embora necessárias de imediato, apenas compra-se tempo. A salvação só garante uma mudança fundamental e simultânea de estratégia da parte da União Europeia que provoque uma espécie de uma onda de tsunami de efeitos benéficos para o mundo (New Deal). Se não agirmos, o tsunami será despoletado por forças superiores e teremos que sofrer os seus efeitos – o desmoronamento do nobre ideal europeu, da União Europeia e do Euro.
Rolf Damher
SPIEGEL ONLINE, 08.01.2011
-----------------------------------------------------------------
Plano alemão: Portugueses em crise devem refugiar-se debaixo do "guarda-chuva de salvação"
-----------------------------------------------------------------
Portugal opõe-se à ruina financeira. Todavia, pelos vistos os governos em Berlim e Paris contam, segundo informações do SPIEGEL, com o colapso iminente desse estado em crise. Por isso querem obrigar o país a refugiar-se debaixo do "guarda-chuva de salvação" do euro - equipando-o, se necessário, com meios ilimitados.
O artigo original em alemão:
http://www.spiegel.de/wirtschaft/soziales/0,1518,738457,00.html
PS: as últimas notícias dão como inevitável a entrada do FMI em Portugal. Face às movimentações desesperadas do governo a tentar evitar o inevitável, como procurar vender dívida soberana a nações cada vez menos estimáveis e, depois da Suiça, anunciar que não aceita o papel financeiro representativo português, como garantia nos empréstimos entre nações, vêm agora a Alemanha e a França a dar o golpe de misericórdia, anunciando que a situação gravíssima portuguesa pode infectar a Espanha.
E, claro, deduz-se que depois da Espanha virá inclusivé a toxidade do próprio euro, porque os países que não contam já estão todos no leito da morte, mas a Espanha já é um caso sério devido à sua dimensão e poderio económico e após ela seria, literalmente, o desastre há dois anos anunciado.
(Continuação)
Da Estratégia de Lisboa a uma outra política, a uma outra Europa, à Europa do futuro
Senhor Presidente, com a Estratégia de Lisboa em 2000 à União atribuiu-se um novo objectivo estratégico para a década seguinte: “Tornar [-se] no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social”. A partir deste objectivo sobre o qual tantos louvores se escreveram, pensámos, a partir daí, que o modelo europeu ia assentar na deslocalização da produção de bens salariais e de tecnologia pouco evoluída para África, para o sueste asiático e em particular para a China. Paralelamente, faria investimentos maciços na educação, na investigação, na formação, assistir-se-ia a um forte aumento do seu “capital imaterial”, o nível de desenvolvimento científico e profissional, assistir-se-ia a um aumento crescente de produções de alto valor acrescentado e teríamos desencadeado o mecanismo da troca desigual, possível sobretudo nas economias globalizadas, entre países de baixos e altos salários para os mesmos níveis de qualificação e com os capitais produtivos completamente móveis à escala internacional. A União Europeia iria, pensávamos, assegurar a obtenção do pleno emprego, com altos salários médios por hora de trabalho e a taxa de lucro igual à do resto do mundo, como resultado da concorrência dos capitais à escala mundial, iria assegurar os mecanismos de riqueza adicional a que se chama de troca desigual. A União Europeia iria crescer fortemente, assente quer nas políticas de pleno emprego quer no resultado do excedente comercial obtido também com o mecanismo da troca desigual: venda de produtos caros, resultantes dos altos salários, compra de produtos baratos devido aos baixos salários dos países produtores destes bens. Por esta via, instalar-se-ia um novo imperialismo, imperialismo não financeiro, imperialismo comercial e tanto mais assim quanto não há no quadro internacional os mecanismos desejáveis de compensação, mas se a saída fosse essa, a Europa seria também outra e generosa poderia compensar estes mecanismos via a ajuda externa. Enganámo-nos redondamente.
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
. Aventar
. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
. ProfBlog
. Sararau