António Gomes Marques(Continuação)IIIO Decreto-Lei n.º 225/2006, de 13 de Novembro, articulado com a Portaria n.º 1321/2006, de 23 de Novembro, «estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério da Cultura, a entidades ou pessoas singulares que exercem actividades de carácter profissional de criação ou de programação nas áreas da arquitectura e do design, das artes digitais, das artes plásticas, da dança, da fotografia, da música, do teatro e das áreas transdisciplinares», como pode ler-se no Artigo 1.º do citado Decreto-Lei.
Dos objectivos, definidos no Artigo 3.º, destaco o que se diz nas alíneas:
a) Assegurar o acesso público aos diversos domínios da actividade artística, concorrendo para a promoção da qualidade de vida, da cidadania e da qualificação das populações;
b) Descentralizar e dinamizar a oferta cultural, corrigindo as assimetrias regionais, e promover a actividade artística como instrumento de desenvolvimento económico e de qualificação, inclusão e coesão sociais;
Ao analisar-se a distribuição das verbas destinadas a tais apoios, apenas no que ao Teatro respeita, verifica-se de imediato que as grandes fatias são distribuídas a estruturas sediadas em Lisboa e Porto, com realce para a capital. Se as estas verbas juntarmos os orçamentos dos Teatros Nacionais de Lisboa e Porto, então a diferença, para o que resta dos dinheiros públicos para o território nacional, começa a ser escandalosa a política de distribuição. Se o critério que seguirmos para este nosso juízo for a divisão em Grande Lisboa, Grande Porto e restante país, então o resultado obtido torna-se inqualificável, sobretudo quando os objectivos fixados são os que transcrevemos do Artigo 3.º do Decreto-Lei.
uero com isto dizer que as estruturas daquelas duas cidades recebem dinheiro a mais? De modo nenhum. A verdade é que o dinheiro para a cultura é insignificante e os vários Governos no pós-25 de Abril são muito criativos a produzir legislação e muito pouco interessados, se pensarmos apenas na prática, no real desenvolvimento cultural do país. Para que não haja comparações indevidas, é bom não esquecer que é só este período do pós-25 de Abril que estou a analisar.
Claro que a distribuição dos dinheiros pelas várias estruturas também é demonstrativa de vários compadrios, de grandes injustiças e, podemos mesmo dizer, que algumas dessas estruturas estão a receber apoios que a legislação, se aplicada com rigor, talvez não permita.
Deixo esta questão para outro momento, não só por não estarem aqui representadas todas as estruturas que recebem apoio, muito ou pouco que seja, e também por não querer provocar uma discussão que dificilmente acabaria durante este Congresso e que poderia até gerar conflitos insanáveis.
IVVoltando à questão principal, que é a incapacidade do Ministério da Cultura para descentralizar, dinamizar a oferta cultural e corrigir as assimetrias regionais, é bom lembrar o preâmbulo do referido Decreto-Lei quando se propõe, com a legislação em vigor, valorizar a rede de cine-teatros e outros equipamentos culturais, que inclua a residência permanente ou periódica de entidades de criação artística, assim como promover a fixação de entidades de criação e produção artísticas no interior. Escreve-se ali também que se visa favorecer a articulação entre o apoio às artes e outras políticas sectoriais.
Analisando o que realmente acontece no país, logo se poderá concluir que de boas intenções está o inferno cheio.
Não conheço toda a rede de cine-teatros existente no país, referida naquele preâmbulo, mas admito que em tais espaços predomina o chamado teatro à italiana, até por a maioria desses espaços me parecer ser constituída por recuperações de antigos cine-teatros. Em Portugal, também há poucos arquitectos virados para a criação de outro tipo de espaços, mas ainda estão a tempo de aprender com o que fez Nuno Teotónio Pereira em Algés, onde criou o célebre 1.º Acto.
A técnica e as tecnologias admitem novas possibilidades e, ao conceber-se um espaço teatral, hoje, há que pensar em dar a mesma importância à acústica, à luz, ao movimento e à óptica e não esquecer que a cena exige, ou pode exigir, uma outra dimensão e a imaginação dos criadores não pode ver-se limitada por um palco à italiana.
Estarei a ser muito exigente? Haverá criadores, alguns entre nós neste momento, que dirão: «quem me dera ter sempre um palco à italiana!». No entanto, insisto, ninguém me tira da cabeça que com o dinheiro que se tem gasto em alguns destes teatros se poderia ter feito bem melhor. Os Recreios da Amadora é um bom exemplo, assim como me parece que com o dinheiro gasto na recuperação do Teatro Nacional D. Maria II se poderia ter feito trabalho de melhor qualidade, mais adequado à prática teatral e a um total aproveitamento das salas se tivesse havido a humildade de ouvir as pessoas que do teatro fazem profissão.
O que se quer hoje é um espaço em transformação que possa modificar-se segundo as necessidades do momento (a história da Igreja mostra como deve fazer-se: veja-se as transformações que a arquitectura das igrejas tem sofrido, servindo as necessidades e o espírito do tempo – Brasília, Macedo de Cavaleiros, ...). Não se pretendem espaços de betão gigantesco, mas também não se pretendem espaços reduzidos que não permitam a apresentação de bons espectáculos. Lembro-me bem das dificuldades para meter no palco dos Recreios da Amadora o «Tio Vânia», espectáculo estreado na Malaposta, pelo Centro Dramático Intermunicipal Almeida Garrett.

Outro aspecto a ter em conta é o conforto do espectador, e deste conforto o mais importante tem a ver com a possibilidade de apresentar o melhor espectáculo possível. Se o espaço para a cena é, evidentemente, fundamental em qualquer espaço teatral, é indispensável ter outros locais de trabalho: área administrativa, área de ensaios, oficinas, camarins, gabinete para o(s) Director(es), etc. E, pergunto: não deveria também o conforto oferecido ao espectador ser levado em conta aquando da atribuição dos apoios às várias estruturas?
(Continua)