Menino, bem menino, fiz o meu balão
Papel de seda às cores...
- Tantas eram!
Ai, nunca mais as vi, nos olhos se perderam.
Quando a tarde morria o meu balão subiu
E tão direito ia, tão veloz correu
Que eu disse: "Vai tombar a Lua
E talvez queime o céu."
Anoiteceu.
E no horizonte o meu balão era uma rosa
Vermelha, não minha, aflitiva,
Murchando,
Poisando na água pantanosa
De além.
Ninguém o viu.
Ninguém colheu a angústia dum balão ardendo.
Somente a água verde rebrilhou acesa,
Clamorosa e podre,
Como nos incêndios de Veneza
E rãs, acreditando o mal mortal e seu
Foram fugindo, pela noite fria,
Do balão que ardeu.
Ó tu, quem sejas, o balão fui eu!
…………………………
Não sei qual seja agora o meu querer:
Se ver-te para não ter mais saudades
Se as saudades de te ver,
Que ver-te a dois passos me faz desejar-te
Mais perto
E mais perto
Esmagada comigo
Num rito brutal ─ os dois sangues trocados!
Mas eu sei que ficaremos
Separados
Como valvas de marisco
No cisco da praia!
─ Duas peças do engenho de Deus
Avariado,
Enquanto o Homem não descobre o Mundo.
Ao longe, surge a lua pálida e formosa
lançando sobre a terra o manto de luar;
oiro subtil que paira p´ra nos encantar,
enquanto a brisa esparge o bálsamo de rosa
Mirando, além a tua casa silenciosa
recordo-me dos planos feitos a sonhar;
perdidos, como o fumo que se vai p’lo ar,
numa tarde serena da estação calmosa.
Remiro a tua casa e o meu pensamento
transporta-se veloz e atinge, num momento,
esse quarto, que habitas, em terra distante.
E, vejo-te a dormir; tão formosa, tão bela,
que o luar atravessa os vidros da janela
e beija-te na face, louco, delirante.
Este poema de Políbio Gomes dos Santos, foi escrito em Ansião, no dia 9 de Setembro de 1930, e foi publicado no n.º 1 do jornal Novo Horizonte, saído em 1 de Janeiro de 1931. O poema e esta informação foram obtidos de Ansianenses ilustres, de Manuel Augusto Dias, a quem VerbArte cumprimenta e agradece.
Vitorino Nemésio escreveu este poema em Agosto de 1939, poucos dias depois da morte de Políbio Gomes dos Santos. Está incluído no livro Eu, Comovido a Oeste.
O poeta que morreu entrou agora,
Não se sabe bem onde, mas entrou,
Todo coberto de demora,
No bocado de noite em que ficou.
As ervas lhe desenham
Seu espaço devido:
Depressa, venham
Lê-lo no chão os que o não tenham lido.
Que o sorriso que o veste
Já galga como um potro
As coisas tenebrosas,
E esquecido – só outro:
Este
Nem precisa de rosas.
De Vitorino Nemésio. Incluído em Eu, Comovido a Oeste.
O mundo existe desde que eu fui nado.
Tudo o mais é um… era uma vez
- A história que se contou.
No princípio criou-se o leite que mamei
E eu vi que era bom e chorei
Quando a fonte materna secou.
A terra era sem forma
E vazia;
Havia trevas no abismo.
E formou-se o chão
E amassou-se o pão
Que eu comi.
(Era este aquela esponja que eu mordia,
Que eu babava,
Que eu sujava,
Que uma gente andrajosa pedia).
E então se fez
A geração remota dos papões:
Nascera a esmola, o medo, a prece
E o rosto que empalidece…
E a rosa criou-se,
Desejada,
E logo o espinho,
A lágrima,
O sangue.
Este era vermelho e doce,
A lágrima doce, brilhante, salgada;
No espinho havia o gosto
Da vingança perfumada.
E eu vi que tudo era bom.
E fizeram-se os luminares,
Porque eu tinha olhos,
E o som fez-se de cantares
E de gemidos,
Porque eu tinha ouvidos.
Nasceram as águas
E os peixes das águas
E alguns seres viventes da terra
E as aves dos céus.
O homem que então era vagamente feito,
Dominou o homem, comprimiu-lhe o peito,
E fizeram-se as mágoas
E o adeus,
E eu vi que tudo era bom.
A mulher só mais tarde se fez:
Foi duma vez
Em que eu e ela nos somámos
E ficamos três.
Nisto e no mais se gastaram
Sete longuíssimos dias,
O mundo era feito
E embora por tudo e nada imperfeito,
Eu vi que era bom.
Acaba o mundo
Quando eu morrer.
Sim… será o fim!
Também tu deixas de existir,
No mesmo dia.
E o resto que seguir
É profecia.
Extraído de As Três Pessoas, Coimbra, Portugália, 1938
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O mundo existe desde que eu fui nado.
Tudo o mais é um... era uma vez
- A história que se contou.
No princípio criou-se o leite que mamei
E eu vi que era bom e chorei
Quando a fonte materna secou.
A terra era sem forma
E vazia;
Havia trevas no abismo.
E formou-se o chão
E amassou-se o pão
Que eu comi.
(Era este auela esponja que eu mordia,
Que eu babava,
Que eu sujava,
Que uma gente andrajosa pedia).
E então se fez
a geração remota dos papões:
Nascera a esmola, o medo, a prece
E o rosto que empalidece...
E a rosa criou-se,
Desejada,
E logo o espinho,
A lágrima,
O sangue.
Este era vermelho e doce,
A lágrima doce, brilhante, salgada;
No espinho havia o gosto
Da vingança perfumada.
E eu vi que tudo era bom.
E fizeram-se os luminares
Porque eu tinha olhos,
E o som gez-se de cantares
E de gemidos, Porque eu tinha ouvidos.
Nasceram as águas
E os peixes das águas
E alguns seres viventes da terra
E as aves dos céus.
O homem que então era vagamente feito,
Dominou o homem, comprimiu-lhe o peito,
E fizeram-se as mágoas
E o adeus.
E eu vi que tudo era bom.
A mulher só mais tarde se fez:
Foi duma vez
Em que eu e ela nos somámos
e ficámos três.
Nisto e no mais se gastaram
Sete longuíssimos dias.
O mundo era feito
E embora por tudo e por nada imperfeito,
Eu vi que era bom.
Acaba o mundo
Quando eu morrer.
Sim... será o fim!:
Também tu deixas de existir,
No mesmo dia.
E o resto que se seguir
É profecia.
Apresentamos novamente este texto para recordar o centenário deste grande poeta, com uma obra escassa, mas que merece ser lembrada.
João Machado
No corrente ano de 1911 faz cem anos que nasceu Políbio Gomes dos Santos. No mesmo ano nasceram Manuel da Fonseca e Alves Redol, conforme já foi lembrado aqui no VerbArte. Políbio Gomes dos Santos faleceu em 1939, de tuberculose. No mesmo ano concorrera aos Jogos Florais Universitários de Coimbra, vencendo o prémio António Nobre, com um volume de poemas que mais tarde foi incluído no Novo Cancioneiro, e publicado em 1944. Esse volume tomou o título de Voz Que Escuta, de um dos poemas nele incluídos. Políbio Gomes dos Santos publicara anteriormente, em 1938, As Três Pessoas, outro livro de poemas, que Alexandre Pinheiro Torres, na apresentação que faz do poeta e da sua obra, incluída na edição da Caminho do Novo Cancioneiro saída em 1989, considera indispensável ler para se poder apreciar inteiramente o segundo volume da obra.
Apresento-vos a seguir Poema da Voz Que Escuta, para recordarmos Políbio Gomes dos Santos e a sua obra, neste ano em que se completa o centenário do seu nascimento:
Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro - a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
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