Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2011

Ser e ter - por Carlos Loures

Talvez  Shakespeare pudesse ter formulado a famosa dicotomia deste modo – To have or not to bethat is the question. Para que assim tivesse sido, teria de conhecer a sociedade actual onde, para se ser, para se existir, é preciso ter. Nos nossos dias, introspecções sobre o ser ou o estar? Perda de tempo – uma olhadela à conta bancária resolve a questão. Se tem, é e está. Não tem? Não existe, é como se não estivesse.

E, no entanto, o bom William já vivia na época em que os dados estavam a ser lançados. O protestantismo vinha impor o dever da riqueza, o pecado de ser pobre e de um homem não poder prover todas as necessidades da sua família, por oposição ao catolicismo que defendeu sempre (e persiste)  na pobreza como virtude. Esta mentalidade, plantada no Novo Mundo, resultou naquilo que sabemos – uma nação que impõe os seus valores, em última instância a ferro e fogo.

 

No entanto, no  interior da sociedade norte-americana, todos os estigmas que a mentalidade ianque espalhou estão presentes – consumismo feroz e acéfalo, marginalidade, tóxico-dependência, violência, subvalorização da cultura. Tudo o que de nefasto os E.U.A. exportam, existe no seu interior. É o que se chama provar do próprio veneno.

 

Quando se fala tanto no magno problema do Ensino, pareceu-me oportuno lembrar Être et avoir (Ser e Ter) um filme realizado por Nicholas Philibert em 2002 e interpretado por George López. Vi-o em DVD, não me recordo, mas penso que não foi exibido comercialmente. Conta a história de um ano lectivo numa pequena escola de aldeia, em França. Um jovem professor candidata-se ao lugar e é aceite. O seu objectivo é ensinar, mas um problema se lhe depara – tem de ministrar o ensino numa sala onde há crianças de várias idades (entre os quatro e os onze anos), graus de conhecimento e de educação diferentes, etnias também distintas, pois há filhos de emigrantes.

 

A maneira engenhosa, metódica, profissional, como resolve o problema (os problemas), constitui uma lição magnífica sobre a arte de ensinar. Há outros filmes como, por exemplo, o «Clube dos Poetas Mortos» que nos chamam a atenção para essa dimensão de qualquer espécie – transmitir os conhecimentos adquiridos ás crias. Generosidade é um conceito humano. Deveria ter dito antes, o sentido da sobrevivência. Só sobrevivem as espécies que transmitem o saber acumulado às novas gerações. Nesta medida o que está em perigo não é a sobrevivência do homo sapiens, é a sua transformação em homo ignarus ou em homo nescius.

 

No filme de Nicholas Philibert,  narra-se de forma exemplar a forma como este professor programava as aulas e as preparava, sempre sem esquecer as capacidades de cada um dos alunos, fixando objectivos, prazos. É  evidente que tem consciência de que os mais velhos o deixarão no Verão para acederem ao segundo ciclo, ao liceu.

 

Sabendo que o acompanhamento aos seus alunos estava limitado no tempo, o professor conversava com cada um deles, ajudava-os a vencer a angústia de enfrentar o grupo nas idas ao quadro e as risadas que cada erro despertava nos que sabiam, com os mais pequenos fazendo eco. O pânico de enfrentar multidões, de falar em público, acompanha-nos muitas vezes até à idade adulta.

 

Naturalmente que este professor dispunha de autoridade, não enfrentava um grupo disposto a incinerá-lo. Esta sociedade de grandes superfícies, sexo e violência, transpira ódio à cultura. É uma atitude da imbecilidade perante a inteligência, um confronto em que a estupidez procura vencer o saber, tornando-o ridículo e risível. É um sentimento que passa de pais para filhos. O professor enfrenta pequenos energúmenos arrogantes, crianças que podiam ser normais, mas que a falta de educação em casa, substituída pela função deletéria da televisão, transforma em aberrações.

 

Em «O Clube dos Poetas Mortos», outro exemplo de como ensinar, o professor John Keating, ensaia a sua pedagogia pouco ortodoxa perante um grupo de alunos com características pessoais diferentes, mas não existem exemplares como os que o professores actualmente enfrentam. A exortação do verso de Horácio, carpe diem quam minimum credula postero (Colhe o instante, sem confiar no amanhã), teria nas colmeias suburbanas, uma leitura diferente e de efeitos imprevisíveis, pois os conceitos de fruição são completamente diferentes.

 

Ter ou não ser. Se não tens um carro topo de gama não és ninguém.

 

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 12:00
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Segunda-feira, 7 de Fevereiro de 2011

Cartas a Um Jovem Poeta 2 - Rainer Maria Rilke

coordenação de Augusta Clara de Matos

 

 

 

 

 

Boas e Más Memórias

 

Quanto a mim, esta é a mais bela das Cartas a Um Jovem Poeta

 

 

 

 

Rainer Maria Rilke  Cartas a Um Jovem Poeta

 

 

 

 

 

CARTA VII

 

 

 

 

 

 

Meu caro senhor Kappus:

 

 

 

 

Longo tempo passou sobre a sua última car­ta. Não me queira mal. Trabalho, incómodos e preocupações quotidianas impediram-me de lhe escrever. Além disso, desejava que a minha resposta fosse o eco de dias calmos e bons. (A ante-primavera, com os seus desagradáveis al­tos e baixos, fez-se aqui fortemente sentir). Hoje estou um pouco melhor e aqui me tem, meu caro senhor, a saudá-lo e a dizer-lhe o melhor que puder (faço-o de todo o coração) várias coisas a propósito da sua última carta.

 

 

 

 

 Como vê, copiei o seu soneto porque o achei belo e simples, feito em moldes que lhe permi­tem mover-se com uma serena compostura. De todos os versos seus que conheço são os me­lhores. Ofereço-lhe esta cópia por saber como é importante e cheio de ensinamentos vermos o nosso próprio trabalho em letra estranha. Leia estes versos como se fossem de outro e então sentirá, bem no seu íntimo, a que ponto são seus.

 

 Foi para mim uma alegria reler várias vezes esse soneto e a sua carta. Agradeço-lhe ambos. Não se deixe perturbar na sua solidão pelo facto de sentir veleidades de a abandonar. Uti­lizadas com calma e reflexão, essas tentações devem mesmo ajudá-lo como instrumento sus­ceptível de alargar a sua solidão a um país ainda mais rico e mais vasto. Os homens têm, para todas as coisas, soluções fáceis e conven­cionais, as mais fáceis das soluções fáceis. Con­tudo, é evidente que se deve preferir sempre o difícil: tudo o que vive lá cabe. Cada ser se desenvolve e se defende a seu modo e tira de si próprio, a todo o custo e contra todos os obstáculos, essa forma única que é a sua. Sabe­mos muito poucas coisas, mas a certeza de que devemos sempre preferir o difícil não nos deve nunca abandonar. É bom estar só, porque a solidão é difícil. Se uma coisa é difícil, razão mais forte para a desejar. Amar também é bom porque o amor é difícil. O amor de um ser humano por outro é talvez a experiência mais difícil para cada um de nós, o mais alto teste­munho de nós próprios, a obra suprema em face da qual todas as outras são apenas prepa­rações. É por isso que os seres muito novos, novos em tudo, não sabem amar e precisam de aprender. Com todas as forças do seu ser, con­centradas no coração que bate ansioso e solitá­rio, aprendem a amar. Toda a aprendizagem é um tempo de clausura. Assim, para o que ama, durante muito tempo e até ao largo da vida, o amor é apenas solidão, solidão cada vez mais intensa e mais profunda. O amor não consiste nisto de um ser se entregar, se unir a outro logo que se dá o encontro. (Que seria a união de dois seres ainda imprecisos, inacabados, de­pendentes?). O amor é a ocasião única de ama­durecer, de tomar forma, de nos tornarmos um mundo para o ser amado. É uma alta exigên­cia, uma ambição sem limites, que faz daquele que ama um eleito solicitado pelos mais vastos horizontes. Quando o amor surge, os novos apenas deviam ver nele o dever de se trabalha­rem a si próprios. A faculdade de nos perder­mos noutro ser, de nos darmos a outro ser, todas as formas de união, ainda não são para eles. Primeiro, é preciso amealhar muito tem­po, acumular um tesoiro.

 

 Nisto consiste o erro tão frequente e tão gra­ve dos novos: precipitam-se quando o amor os atinge, porque faz parte da sua natureza não saberem esperar. Entregam-se quando a sua alma é apenas esboço, inquietação, desordem. Mas quê? Que pode fazer a vida desta confu­são de materiais desperdiçados a que chamam «a sua felicidade»? E que futuro podem esperar? Cada um se perde a si próprio por amor do outro, e perde também o outro e todos aqueles que ainda poderiam vir... E cada um perde o «sentido do largo» e os meios de o atingir, cada um troca os vaivéns das coisas do silêncio, cheios de promessas, pela confusão estéril, de que só pode sair fastio, indigência e desilusão. Só lhes resta refugiarem-se numa dessas múlti­plas convenções que existem em toda a parte como abrigos ao longo de um caminho perigo­so. Nenhuma região humana é tão rica em con­venções como esta. Lanchas, bóias, cintos de salvação...— a sociedade, neste caso, oferece todos os meios de libertação. Inclinados a ver no amor apenas um prazer, os homens torna­ram-lhe o acesso fácil, barato, sem riscos, como um divertimento de feira. Quantos seres jovens há que não sabem amar, que se limitam a en­tregar-se, como acontece correntemente (e decerto a maioria limitar-se-á sempre a isto), e vergam depois sob o peso do seu erro! Pelos seus próprios recursos, procuram tornar possí­vel e fecunda a situação em que caíram. A sua natureza diz-lhes que as coisas do amor, me­nos ainda do que outras, também importantes, não podem ser resolvidas segundo tais ou tais princípios que servem para todos os casos. Sentem perfeitamente que é um assunto para ser resolvido de ser para ser e que cada caso necessita de uma resposta única, estritamente pessoal. Mas, se já se confundiram na precipi­tação da posse, se já perderam toda a persona­lidade, como poderão encontrar em si próprios o caminho para fugir a este abismo em que soçobrou a sua solidão? Um e outro procedem cegamente. Empregam toda a sua boa vontade em dispensar convenções, como o casamento, para cair em convenções, menos vistosas, é certo, mas igualmente mortais. É que, ao seu alcance, só há convenções. Tudo o que resulta destas uniões turvas, cuja confusão vem da precipitação, só pode ser convencional. O próprio rompimento seria um gesto convencional, impessoal, fortuito, débil e ineficaz. Nunca, nem na morte, que é difícil, nem no amor, que também é difícil, aquele para quem a vida é uma coisa grave terá a ajuda de qualquer luz, de

 

 

(ilustração de Adão Cruz)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por Augusta Clara às 14:00
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Sábado, 5 de Fevereiro de 2011

Ferreira Gullar por Sílvio Castro

coordenação de Augusta Clara de Matos

 

Hoje Falamos de...poesia de Ferreira Gullar, "Prémio Camões-2010"

Sílvio Castro  Ferreira Gullar

 

Numa significativa realidade literária nacional, como é aquela brasileira contemporânea, os nomes dignos de um grande Prêmio pela obra completa são muitos. Se esse Prêmio possui as dimensões internacionais, como acontece com o “Prêmio Camões”, destinado a um escritor de uma das nações componentes da grande Comunidade dos Países Lusófonos, o premiado vem reconhecido como um representante altamente representativo da criatividade artística contemporânea de seu país. Ferreira Gullar possui todas as dimensões que o “Prémio Camões-2010” lhe reconhece e proclama. Poeta dedicado igualmente à crítica e ao ensaio, bem como autor de obras teatrais, ele demarca com clareza algumas características da modernidade brasileira. Autor que sabe criar a própria expressão a partir do valor essencial da linguagem, ainda que capaz de profunda participação com o mito poético, não o limita aos valores da pura subjetividade lírica. Nele se apresenta igualmente acentuada e assumida participação com a realidade, mais em particular com a realidade civil. Esta, nascida de uma forte integração com os problemas sociais e políticos de seu país, faz derivar naturalmente no poeta uma integração com os problemas próprios de outras realidades nacionais. Ferreira Gullar é naturalmente um poeta empenhado, um poeta político. Assim sendo, ele corresponde a uma já consagrada norma derivada da ação e teoria da história da Modernidade brasileira referente ao conceito de “poeta maior”, conceito nascido de um esclarecimento de um outro grande poeta brasileiro moderno, Manuel Bandeira, que se definia um “poeta menor”, pois, sempre segundo ele próprio, a sua poesia se confinava na dimensão lírica, nunca ousando atingir aquela do empenho social. Para esta, e portanto para a melhor definição do “poeta maior”, Bandeira os encontrava em criadores como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

Certamente, foi a partir da magnífica conceituação de Manuel Bandeira que Sérgio Buarque de Hollanda, na sua Introdução ao volume de Gullar, Toda Poesia (1980), escrevia sobre o autor:
“(… ….) Parece-me a mim, além disso, que, exceção feita de algumas peças de Mário de Andrade e também de Carlos Drummond de Andrade (mormente em Rosa do Povo) é o nosso único poeta maior dos tempos de hoje.“

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em São Luís do Maranhão aos 10 de setembro de 1930. Portanto, o Prêmio que agora lhe vem concedido pode ser integrado nas muitas comemorações e homenagens que o poeta brasileiro já recebe e receberá pelo seu próximo oitantésimo aniversário. Gullar publicou sua primeira coletânea de poemas, Um pouco acima do chão, em 1949, transferindo logo após para o Rio de Janeiro. De 1954 é A luta corporal, livro de poemas que desperta imediatamente grande interesse na crítica literária brasileira e que será um dos pontos de referências para a teoria do Movimento da poesia concreta, de 1956, principalmente derivada da ação de Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. Depois de um período de participação com o movimento concretista, a poesia de Gullar assume novos rumos, indo na direção de um maior empenhol social. Este período, começado em 1962, se acentua a partir de 1964, em oposição ativa contra o regime militar então instaurado no Brasil. Integrado no CPC da União Nacional dos Estudantes, de que era presidente quando do golpe militar, o poeta se integra na divulgação de uma poesia de contestação civil, em especial a partir dos Cadernos do Povo Brasileiro que acolhe os volumes do movimento dos Poemas para a liberdade, da série Violão de Rua. Perseguido político, se exília inicialmente no Chile de Allende e posteriormente na Argentina. No exílio argentino escreve, em 1975, o seu livro de maior repercussão, Poema sujo, publicado em 1976.

Ferrera Gullar faz parte da “Geração de ‘56”, segundo os critérios que adoto para a história da literatura brasileira moderna e contemporãnea (em particular nas páginas da minha História da Literatura Brasileira, 3 vv., Lisboa, 1999-2000). A “Geração de -56”, dentro do quadro da moderna poesia brasileira, sucede àquela fundadora do Movimento modernista brasileiro, a de 1922 e à sua complementar, aquela dos poetas de 1930, bem como ao possível movimento revisionista da “Geração de -45“. Desta maneira, a Geração de ‘56 absorve os ideais de liberdade criadora própria dos movimento modernistas fundadores, assim como endossa muitas das revisões formais quanto à linguagem poética, propostas pelos poetas de 1945. Os poetas de ’56 procuram aliar os processos formais mais condizentes ao novo poema da liricidade moderna a uma mais forte politização da poesia. Gullar, nos seus poemas, interpreta bem todo esse complexo percurso.

Nele existe uma natural e profunda preocupação para com a liguagem poética. O seu poema se realiza a partir naturalmente de um forte ânimo lírico, sempre porém em consonância com o espaço do real, como convincentemente vem traduzido no poema “Arte poética”:

Não quero morrer não quero
apodrecer no poema
que o cadáver de minhas tardes
não venha feder em tua manhã feliz
e o lume
que tua boca acenda acaso das palavras
- ainda que nascido da morte –
some-se
aos outros fogos do dia
aos barulhos da casa e da avenida
no presente veloz

Nada que se pareça
a pássaro empalhado múmia
de flor
dentro do livro
e o que da noite volte
volte em chamas
ou em chaga
vertiginosamente como o jasmim
que num lampejo só
ilumina a cidade inteira

Será justamente de uma tal posição de precisa consciência lírico-formal que Ferreira Gullar saberá dar voz a poemas de acentuado empenho sócio-político, como acontece em “Meu povo, meu poema”:


Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova

No povo meu poema vai crescendo
como no canavial
nasce verde o açúcar

No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro

Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta :

publicado por Augusta Clara às 14:00

editado por Luis Moreira às 14:06
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Quinta-feira, 30 de Dezembro de 2010

Os poetas. ladrões de fogo ou artífices do verbo?







Carlos Loures
Definir a natureza da arte poética, é, como poderemos ver no apreciável painel que vamos expor na nossa “maratona poética”, uma discussão tão antiga quanto a civilização. Platão, Aristóteles, Horácio, Boileau, milhares de filósofos e de poetas discorreram sabiamente sobre este tema. Teremos oportunidade de, nas 24 horas do dia 8 de Setembro, ler 72 textos – poemas, textos poéticos, citações… Uma ampla panorâmica sobre esse tema tão discutido ao longo dos séculos.
“Ladrões de fogo” foi uma designação que usei num texto que publiquei na revista “Pirâmide” , da qual já aqui tenho falado. Nesse texto comparo os poetas a Prometeu. O poeta é um ladrão de fogo, um mago. Pelo poder da palavra cria a beleza para a ofertar aos homens. A comparação faz sentido, é sugestiva, mas talvez haja outra, menos bela, mas não menos verdadeira. Vejamos.
O poeta produz esta magia usando palavras comuns e não palavras mágicas. Esta capacidade de, com palavras usadas no dia a dia, construir um poema, pode conduzir-nos à tal conclusão, complementar da primeira – além de mago, o poeta é um artífice.
A comparação com Prometeu trazendo o fogo do Olimpo para a terra ou, como também já li algures, com Orfeu enfeitiçando a natureza, homens, animais e plantas, com o seu canto melodioso, é muito bonita. Mas equipará-lo a um trabalhador leva-nos a uma imagem , menos “poética” no sentido convencional, mas mais integradora da arte poética no quotidiano.: -o poeta é um artífice. A expressão «artes e ofícios» tem aqui pleno cabimento - o poeta é, portanto, um homem comum, um artista como um sapateiro ou um alfaiate o são. Em vez de cabedal ou de tecido, usa palavras, sentimentos e conceitos como matéria prima. Ofício: poeta. Daria lugar a conversas como esta: - "Ah, sim o Jorge. Olha, foi colocado como poeta na Covilhã".

Na verdade e humor aparte, a divinização do poeta, isola-o e condena-o ao ostracismo. Ora um poeta, um escritor, um artista deveria ter uma função na sociedade. Como teve. Bem sei que na Pré-História não havia televisão, nem blogues, mas quem, nas sociedades primitivas dispensaria que à noite, acabadas as tarefas diárias, se contassem histórias? Podemos puxar pela imaginação: o fulgor das labaredas das fogueiras cria sombras sinistras nas paredes da caverna. O poeta, o contador de histórias descreve as peripécias da caçada, as crianças aconchegam-se temerosas às mães e as passagens mais excitantes da narrativa são sublinhadas com gritos de medo ou com um rumor de assentimento. Esse contador de histórias, o aedo da Grécia, bardos, jograis, trovadores, tiveram a mesma tarefa de um poeta, ou de um escritor dos nossos dias – efabular a realidade e devolvê-la, valorizada pelo verbo, aos seus protagonistas - os homens comuns.
Vejo, com algum desgosto, persistir um conceito de poesia que nada tem a ver com essa função social, identificando-a com coisas etéreas, devaneios, ideias imprecisas. Ora (e foi isso que tentei dizer com os meus textos anteriores), na minha maneira de ver a poesia nada tem a ver com essa indefinição. Ela  é, tal como o sonho na “Pedra Filosofal” como diz o Gedeão . "uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer” e o poeta, um trabalhador tão necessário como todos os outros. Claro, há grande poesia intimista, que ao dar-nos conta da dor, da angústia do indivíduo que a confessa, nos torna conscientes das nossas próprias dores e angústias. Não estou a querer reduzir o território da poesia.
Não foi por acaso que escolhemos para o arranque da "Maratona Poética" o poema de Fernando Pessoa,
vestindo o seu heterónimo de Bernardo Soares, Autopsicografia. aquele que diz: "O poeta é um fingidor/
Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente... Todos conhecemos esta primeira quadra. Mas há mais duas e, quanto a mim, é na segunda que se encontra a receita poética pessoana: "E os que lêem o que escreve,/Na dor lida sentem bem,/Não as duas que ele teve,/Mas só a que eles não têm."
Ao fingir as dores que realmente sente o poeta torna quem o lê consciente das dores da Humanidade.
publicado por João Machado às 16:00
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Domingo, 26 de Setembro de 2010

Terreiro da Lusofonia: Joam Roiz de Castel-Branco, um trovador do idioma galego-português

Desconhecem-se as datas precisas de nascimento e morte de Joam Roiz de Castel-Branco. Julga-se que terá vivido entre finais do século XV e as primeiras décadas do séc.XVI. Fidalgo da Casa Real de D.Manuel e, depois, da de D.João III, foi em 1515 nomeado contador da fazenda da Beira.

De acordo com o que hoje se sabe, a obra poética de João Roiz de Castell - Branco consiste em quatro composições incluídas no Cancioneiro Geral ,de Garcia de Resende. Duas são trovas com contornos epistolares: numa, dirigida a um amigo em Alcácer Ceguer, o autor traça um quadro dos prazeres da vida em Portugal, contrapondo-lhes riscos vários da vida militar no Norte de África; noutra, endereçada a um companheiro em Lisboa, faz o elogio do retiro rústico em terras beirãs, que opõe aos sobressaltos da vida do paço e às inglórias agruras das expedições ultramarinas. Este texto deve ser relacionado, com outros do Cancioneiro Geral, e com a tradição de louvor da aurea mediocritas imitação dos clássicos que seria com frequência cultivada pelos poetas do séc. XVI.

As outras duas peças são uma glosa a um vilancete castelhano e a cantiga “Senhora, partem tam tristes”, de grande beleza formal e que desenvolve um tema recorrente no Cancioneiro Geral: o da partida. Joam Roiz de Castel-Branco, um dos construtores do galego-português, está, de pleno direito, neste Terreiro.

Fernando Correia da Silva apresenta-nos uma brilhante biografia ficcionada deste trovador. _________________________________
Fernando Correia da Silva

Paço em Sintra onde D. João II

foi aclamado rei.

(PERTURBANDO O REPOUSO DO POETA)


- Ó Joam Roiz de Castel-Branco:

sei que viveste na segunda metade do século XV. Sei que foste aplaudido trovador na corte de D. Joam II, o Príncipe Perfeito, monarca impulsionador dos Descobrimentos Portugueses. Sei que ao abandonares o Paço foste viver na cidade da Guarda, onde te dedicaste à agricultura e à contabilidade. Sei que hoje repousas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Peço desculpa mas vou perturbar o teu repouso com a minha agitação dos séculos XX e XXI.

Reparo que estás acordando, já te espreguiças. Resmungas:

- Que quereis de mim, ó Mafoma?

- Mafoma? Quem, eu?

- Sim, Mafoma, mouro, infiel.

- Joam Roiz, mouro eu cá não sou. E infiel também não. Antes pelo contrário, sou um fiel admirador da tua poesia.

Volta a espreguiçar-se mas corrige a acintosa saudação:

- Que quereis então de mim, ó perturbador?

- Quero ouvir alguns dos teus poemas.

- Ai sim? Vou então dizer-vos um poema que enviei a António Pacheco, veador da moeda de Lisboa.

- Veador? Hoje já não se usa essa palavra.

- Estais insinuando que as palavras morrem?

- Ou morrem ou transformam-se. Hoje diríamos vedor ou inspector da moeda de Lisboa.

- Mesmo depois da minha vida ainda estou a aprender coisas novas. Grato, gosto disso...

- Mas porquê um poema para António Pacheco?

- Porque ele mandou-me uma carta motejando de mim. E a melhor forma de revidar era mandar-lhe um poema.

- Estou a perceber. E como era o poema?

- Como era, não! Como é! Já vos digo.



Declama:

- Já me nam dá de comer

senam minha fazendinha;

rei nem roque nem rainha

nam queria nunca ver.

O pagar das moradias

é o que mais contenta,

o despachar da ementa,

as madrugadas tam frias;

trabalhar noites e dias

por ser na corte cabidos,

e, os tempos despendidos,

ficar com as mãos vazias.

Interrompo:

- Ó Joam Roiz, não era esse o poema que eu queria ouvir.

Fica irritado:

- O que eu começo, acabo sempre, nunca paro a meio caminho.

- Pronto, não leves a mal, avança!

E ele avança:

Armadas idas d'além

já sabeis como se fazem:

quantos cativos lá jazem,

quantos lá vão que nam vêm!

E quantos esse mar tem

somidos que não parecem,

e quam cedo cá esquecem,

sem lembrarem a ninguém!


E alguns que sam tornados,

livres destas borriscadas,

se os is ver às pousadas,

achai-los esfarrapados,

pobres e necessitados

por mui diversas maneiras

por casas das regateiras

os vestidos apenhados.


Por isto, senhor Mafoma,

tresmontei cá nesta Beira,

por tomar a derradeira

vida, que todo o homem toma;

porque há lá tanta soma

de males e de paixam

que, por não ser cortesão,

fugirei daqui té Roma.

Pensei que já tínhamos chegado ao fim, porém ele remata ainda:

Agora julgai vós lá

se fiz mal nisto que faço:

em me tirar desse Paço

e mudar-me para cá;

pois é certo que, se dá

algum pouco galardam,

lança mais em perdiçam

do que nunca ganhará.



Amália Rodrigues canta este nosso trovador com música de Alan Oulman:



- Joam Roiz, posso agora dizer-te qual dos teus poemas eu queria ouvir?

- Dizei lá!

- Queria ouvir a tua CANTIGA, PARTINDO-SE.

- E porquê essa e não outra?

- Porque me seduz.

- E por que vos seduz?

- Não sei o que responder-te.

- Sei eu o motivo da sedução. Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso por terem mordido e comido a maçã do pecado. Sabeis disso?

- Sim, já ouvi falar disso.

- Os descendentes de Adão e Eva, por vergonha tapam as suas partes pecaminosas mas não se aguentam e estão sempre a provar e a comer a maçã do pecado. Que nome dais a esse comportamento?

- Contravoltas da PAIXÃO?

- Contravoltas da PAIXÃO? Não está mal visto. Na minha CANTIGA, PARTINDO-SE um cavaleiro apaixonado, em vésperas de partir talvez para o além-mar, despede-se da bem-amada. Está tudo dito ou é preciso dizer mais alguma coisa?

- Precisas dizer muito mais, ó Joam Roiz... Antes de ti, na corte os jograis tocavam e cantavam. Mas depois a poesia palaciana, da qual és um exemplo típico de trovador, limitou-se a declamar. Há porém um golpe de mágica na tua CANTIGA, PARTINDO-SE porque ela consegue incorporar a música no próprio texto. De tal forma que, no meu século XX (e já lá vão cinco séculos...) Alain Oulman sobre ela compôs melodia que Amália Rodrigues interpretou. E o mesmo aconteceu com o nosso compositor e cantor Adriano Correia de Oliveira. Pergunto: que mágica foi essa que tu usaste?

- Não foi mágica, foi engenho.

- Explica lá esse engenho.

- A CANTIGA é toda em redondilha maior, sete sílabas. E todos os versos têm dois acentos tónicos, ora na 3.ª e 7.ª sílaba, ora na 4.ª e 7.ª ora na 5.ª e 7ª. ora isto, ora aquilo. Desta forma consegui eu criar um ritmo avassalador.

- Está tudo explicado?

- Não, não está. Há também um engenho especial para as rimas. As dos primeiros quatro versos, emparelham a rima do 1.º com a do 3.º e a do 2.ª com a do 4.º. E essas rimas encontram eco nos últimos quatro versos. E os cinco versos que ficam pelo meio, também rimam entre eles, o 5.º com o 7.º e o 8º., o 6.º com o 9.º.

- É tudo?

- Não, ainda não. Falta apontar o advérbio tam, surda pancada que antecede tristes, termo este que domina toda a CANTIGA. Tam irrompe dez vezes. Duas nos quatro primeiros versos. Cinco nos cinco seguintes; cinco em cinco é coincidência que favorece puxar a trela de cinco adjectivos. Mais informo que os três derradeiros tam surgem nos últimos quatro versos. Percebeis a intenção?

- Não sei. Canta lá essa tua CANTIGA para eu verificar se percebi.

E ele canta:

CANTIGA, PARTINDO-SE

Senhora partem tam tristes

meus olhos por vós, meu bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguém.



Tam tristes, tam saudosos,

tam doentes da partida,

tam cansados, tam chorosos

da morte mais desejosos

cem mil vezes que da vida.



Partem tam tristes os tristes

tam fora d'esperar bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhuns por ninguém.



- Percebi e estou deliciado, ó Joam Roiz!



Dilui-se o trovador e as suas palavras começam a converter-se em água fresca. Antes que decorra um século LUÍS DE CAMÕES virá beber desta fonte.

Ouçamos agora a voz de Amália Rodrigues, com o poema de Joam Roiz de Castel-Branco e música de Alan Oulman:


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Domingo, 15 de Agosto de 2010

Iraque - não ouvem a voz do poeta!




Luís Moreira

Hamed al-Maliki é um dramaturgo e poeta Iraquiano que vive na Iraque. Os sublinhados são meus:

Iraque

O Iraque é uma enorme tragédia sem fim.Sou um pessimista, a diferença é que agora sou um pessimista ameaçado de morte.Os americanos abriram as fronteiras aos terroristas para que viessem para aqui e não chegassem à américa.Tantas vezes fui ameaçado e tantos amigos mortos, muitos fugiram.Não vale a pena ficar.Falhámos, só nos resta fugir.

Judeus

Tenho um projecto sobre os Judeus que já não existem no Iraque, que foram forçados a abandonar o Iraque em 1949.Foram privados de nacionalidade e levaram com eles a sua riqueza. Podem matar-me por isto!

O lenço

Tenho outro projecto sobre a polémica do uso do lenço, através de famílias iraquianas que nos últimos anos encontraram refúgio em países europeus.Os Belgas e os Franceses têm todo o direito de proibir o lenço, se não gostam da cultura desses países ocidentais, porque é que lá querem viver? A fobia muçulmana, (porque a extremismos responde-se com estremismos) não tenho visto para entrar em Itália, eu um liberal, mas Londres dá asilo a extremistas e não dá vistos a homens de cultura.Os que fizeram explodir os comboios em Espanha e o metro em Londres descendiam de famílias extremistas, mas a Europa não deu visto a um artista como eu.Esta vai ser a cena final, uma Europa sem nenhum muçulmano.

Americanos e Ingleses

Tinhamos um Saddam antes de 2003, agora temos 100, toda a gente quer ser califa, profeta.Uns já se vêm outros ainda não.Se os americanos saírem, então,vamos ver milhares de Saddam.Eu tinha medo mas sabia onde estava a linha vermelha, agora não sei, há milhares de linhas vermelhas.
Faltam heróis aos árabes, como sempre faltaram, sobram líderes religiosos e sectários e príncipes de guerra. E faltam causas, é por isso que nos matamos uns aos outros.O Iraque nunca foi um país, os Ingleses confundiam as alianças tribais com um sentido de nação.Vamos mergulhar numa guerra civil sectária em toda a região,Sunitas contra xiitas, extremistas contra extremistas, muçulmanos contra muçulmanos, nunca haverá paz com diferentes grupos étnicos, já aprendemos isso com a segunda guerra mundial.

Conclusão

Vamo-nos matar todos uns aos outros, estamos num processo de assassínio em curso, talvez depois a voz do poeta se faça ouvir!

Oferta

A todos aqueles que, sistematicamente, atribuem todos os erros e todos os pecados à Europa, à sua própria terra onde crescerão os seus filhos e netos!
publicado por Luis Moreira às 13:30
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