Só esta liberdade nos concedem
Os deuses: submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.
Nem outro jeito os deuses, sobre quem
O eterno fado pesa,
Usam para seu calmo e possuído
Convencimento antigo
De que é divina e livre a sua vida.
Nós, imitando os deuses,
Tão pouco livres como eles no Olimpo,
Como quem pela areia
Ergue castelos para encher os olhos,
Ergamos nossa vida
E os deuses saberão agradecer-nos
O sermos tão como eles.
Adelina: a bruma que era ontem
voa – não é já. Foi-se tão prestes
como o João das Índias. E foi lá
que um pêro se ficou – tão são,
tão nosso irmão.
Adelina: que é do candeeiro
que tu dizias fosco? A luz que deu
dá ora gosto. Por isso aqui te digo
que após a morte é um minuto grande
e outro umbigo.
E está-se, Adelina. Se como burro
dói, é vero, mas está-se.
Até que passe.
Este poema foi incluído em Poemas a Isto, de 1962. E fomos encontrá-lo no Retábulo das Matérias, editado pela Gótica em 2001, e que agrupa a poesia de Pedro Tamen, de1956 a 2001. Ao Pedro Tamen e à Gótica o nosso obrigado e os nossos cumprimentos.
Menino, bem menino, fiz o meu balão
Papel de seda às cores...
- Tantas eram!
Ai, nunca mais as vi, nos olhos se perderam.
Quando a tarde morria o meu balão subiu
E tão direito ia, tão veloz correu
Que eu disse: "Vai tombar a Lua
E talvez queime o céu."
Anoiteceu.
E no horizonte o meu balão era uma rosa
Vermelha, não minha, aflitiva,
Murchando,
Poisando na água pantanosa
De além.
Ninguém o viu.
Ninguém colheu a angústia dum balão ardendo.
Somente a água verde rebrilhou acesa,
Clamorosa e podre,
Como nos incêndios de Veneza
E rãs, acreditando o mal mortal e seu
Foram fugindo, pela noite fria,
Do balão que ardeu.
Ó tu, quem sejas, o balão fui eu!
publica-se às 3ªs e 6ªs
coordenação Pedro Godinho
De Ernesto Guerra da Cal – para ler, reler e partilhar
os sete poemas de:
Ramalhete de Poemas Carnais
"In Memoriam" de Ricardo Carvalho Calero
[ dia 5/7 - II FADO CHORADO SOBRE UM AMOR PASSADO ]
hoje: III DESENCONTRO
I.M. Carvalho Calero/ G. da C. | |||||
III | |||||
DESENCONTRO ******************** | |||||
“No te quiero más castigo | |||||
que estés durmiendo con otro | |||||
y estés soñando conmigo”. | |||||
(Copla popular andaluza) | |||||
Os Olhos mutuamente | |||||
fechados e perdidos | |||||
cada um | |||||
no seu longínquo Olhar | |||||
Os Lábios mutuamente | |||||
colados e arredios | |||||
e cada um | |||||
entregue | |||||
a um alheio Beijar | |||||
Os Corpos enlaçados | |||||
e evadidos | |||||
cada um | |||||
para um ausente Lugar | |||||
E ambos os Corações | |||||
remotos e abstraídos | |||||
cada um | |||||
no seu independente Latejar | |||||
E a única Emoção presente: | |||||
o agoniante Esforço errante | |||||
da Imaginação | |||||
- a imaginar! | |||||
LONDRES | |||||
6 de Outubro | |||||
1990 | |||||
[ dia 19/7 - IV EUCARISTIA SACRÍLEGA ]
Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza, e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:
Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:
Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania:
Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco.
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Papel amarrotado desse chá que tomaste
na tarde de qual dia, ou o copo de vidro
depressa transformado na total transparência,
não é que inexistente, mas de mínima espessura
sobre o cais deste porto onde ninguém aporta,
não o papel rasgado, não o desfeito em fogo,
incolor, inodoro, antraz ignoto, anuro,
coisa que sim, que é, mas já não o que foi,
vazia intensidade, inútil excrescência
da vida tilitante
- eis o que tenho agora
quando o dia amanhece e cai no saco roto
da débil complacência com que já não me vejo.
Este poema incluiu Memória Indescritível, 2000. Ao Pedro Tamen e à Gótica, responsável pela edição em 2001 do Retábulo das Matérias, os cumprimentos e o obrigado de VerbArte.
(1878 - 1967)
HOG Butcher for the World,
Tool Maker, Stacker of Wheat,
Player with Railroads and the Nation's Freight Handler;
Stormy, husky, brawling,
City of the Big Shoulders:They tell me you are wicked and I believe them, for I
have seen your painted women under the gas lamps
luring the farm boys.
And they tell me you are crooked and I answer: Yes, it
is true I have seen the gunman kill and go free to
kill again.
And they tell me you are brutal and my reply is: On the
faces of women and children I have seen the marks
of wanton hunger.
And having answered so I turn once more to those who
sneer at this my city, and I give them back the sneer
and say to them:
Come and show me another city with lifted head singing
so proud to be alive and coarse and strong and cunning.
Flinging magnetic curses amid the toil of piling job on
job, here is a tall bold slugger set vivid against the
little soft cities;Fierce as a dog with tongue lapping for action, cunning
as a savage pitted against the wilderness,
Bareheaded,
Shoveling,
Wrecking,
Planning,
Building, breaking, rebuilding,
Under the smoke, dust all over his mouth, laughing with
white teeth,
Under the terrible burden of destiny laughing as a young
man laughs,
Laughing even as an ignorant fighter laughs who has
never lost a battle,
Bragging and laughing that under his wrist is the pulse.
and under his ribs the heart of the people,
Laughing!
Laughing the stormy, husky, brawling laughter of
Youth, half-naked, sweating, proud to be Hog
Butcher, Tool Maker, Stacker of Wheat, Player with
Railroads and Freight Handler to the Nation.
publica-se às 3ªs e 6ªs
coordenação Pedro Godinho
De Ernesto Guerra da Cal – para ler, reler e partilhar
os sete poemas de:
Ramalhete de Poemas Carnais
"In Memoriam" de Ricardo Carvalho Calero
hoje: II FADO CHORADO SOBRE UM AMOR PASSADO
I.M. Carvalho Calero/ G. da C. | ||||
II | ||||
FADO CHORADO SOBRE UM AMOR PASSADO ************ | ||||
“Las pisadas de arena que la ola | ||||
soñolienta y fatal borra en la playa”. | ||||
JORGE LUÍS BORGES | ||||
Pelo teu corpo | ||||
de limão maduro | ||||
desço | ||||
seguro | ||||
ao fundo | ||||
do mais fundo | ||||
rincão | ||||
do meu adorabundo coração | ||||
Que | ||||
ainda contigo agora | ||||
na saudosa desora | ||||
do passado | ||||
chora | ||||
a fio | ||||
como um rio | ||||
pelo jasmim errado | ||||
cuja doce e equívoca fragrância | ||||
amargando está em mim | ||||
inveterado | ||||
a tal | ||||
astral | ||||
distância | ||||
ESTORIL | ||||
Janeiro | ||||
1989 |
[ dia 12/7 - III DESENCONTRO ]
Acordar na cidade logo de manhã
e esperar a noite com exactidão
no encontrar do último comboio
que parte conciso para outro dia
sair na estação que é central
de outra cidade já a anoitecer
onde talvez seja o lugar habitual
do vendedor ambulante das sortes
quase grandes
no caminho designadamente antecipado
pelo voo dos pássaros migradores
que agora mesmo se vão de partida
para outra cidade de amanhecer definitivo
e depois da viagem sempre conhecida
da porta em porta na cidade
adormecer ao aviso da madrugada
e esperar o sinal propício indicado
pelo caminho persistente dos peixes
a subir o rio exaustivamente nele
acordar na noite da noite na cidade
até chegar o momento muito matinal
de partir no primeiro comboio efectivo
da manhã de outra cidade a entardecer
Este poema integra a obra Contos do Gin-Tonic, de Mário-Henrique Leiria. Reproduzimo-lo a partir da 6.ª edição, da Editorial Estampa. Pedimos a compreensão da da editora, assim como a dos herdeiros do autor. A ambos enviamos os nossos cumprimentos.
DIVULGAÇÃO
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Fui buscar este poema aos Sonetos Completos de Antero Quental (1842 - 1891), da Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, edição de 2002. À Editora Ulisseia e a Ana Maria Almeida Martins, autora da magnífica introdução que acompanha a obra, VerbArte apresenta os seus melhores cumprimentos.
Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,
Minguar, fundir-se sob a luz que jorre;
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste.
Sou apenas a lágrima de ninguém
caída
Que em dia de nevoeiro
foi vertida
e pelo rio recolhida.
Ou o resto duma tela pintada
quadro de vida
Sombra de mim
Sonhada.
Sou o princípio e o fim... de nada
Obra inacabada
Que há-de ser pó... e semente
Sou um produto de gente
Aquilo que o mundo fez
E deixou germinar...
Para sempre
Cresceu com o tempo
À chuva e ao vento
Deu frutos
Em terra de ninguém
Carregado de versos e sonhos
Lavados com lágrimas de alguém
Fazemos parte desse mistério
sonhado
Fazemos parte da bruma
que criámos
Levantamos depois este véu
Há sombra dum sol brilhante
que nasceu
Somos um pouco sol e sombra
Dum sorriso meio louco
meio sério
Somos o resto da poeira
solta
Que assenta quase louca
No restolho deste mistério
Somos pedra da estátua feita
Escopro duro dos seus traços
Somos o busto já erguido
Nem perfeito nem definido
No meio de todos embaraços
Somos parte desse mistério
Sorriso meio louco, meio sério
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