Maria Inês Aguiar Poema a quatro mãos
(Adão Cruz)
doce pranto em que todos os meus medos mergulhei
em ti floresci
restos de fruto que não colhi mas ousei
seara do meu tempo sopro de vento lento
porto de alento que vislumbrei na noite de um dia vago
e foi em ti que descansei o meu desejo cansado
no outro lado do sol
aonde a chuva mansa descansa
e é em ti que madrugo e invento a aurora
sem te acordar
o abrigo deste momento em que o instante volta a gritar
ah liberdade!
canteiro de povo e remendo de jade
depois do Inverno
serei a Primavera
Adão Cruz Já não entendo este mundo
(Adão Cruz)
Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar o céu povoado,
E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?
E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.
Walt Whitman
Não entendo este mundo moribundo este mundo escuro nascido no ventre da pátria de Whitman sem sol e sem luar já não entendo esta onda de sismos e cifrões esta dor de milhões de cabeças rolando como esferas para o fundo dos abismos.
Não entendo este mundo dilacerado e sem vida já não aguento este frio de quatro paredes este jogo perdido no vazio cemitério da história este profundo alarido este diabólico mistério de morte concebido esta vida sem sentido a que chama mercado e democracia a argentária escória da pátria de Whitman.
Não entendo este mundo de olhos vendados com barras de ferro este silêncio absorto e abstracto no assalto impune a soberanas nações pela bocarra da NATO pátria de Whitman este mundo de vidas e almas sem direitos nem justiça este mar de sangue escorrendo pelas garras dos algozes este rasgar de corações este martírio dolorosamente tatuado na pele dos inocentes por tanques e aviões.
Não entendo este mundo constantemente ameaçado por mísseis e canhões já não entendo tantas metástases do cancro da guerra este perigo sistémico diariamente arquitectado esta inelutável evolução para a desordem suprema e já não sou capaz de aguentar o peso desproporcionado da exponencialidade do crime chamado super-lucro brilhando na pátria de Whitman como a luz do inferno na ponta dos punhais.
Não entendo este mundo escorraçado para as bermas da fome por esta infame corrida central para o inglório podium da pátria de Whitman por entre as malhas da ganância enlouquecida neste imparável caminho do caos e da fatalidade esta ensanguentada bandeira erguida para o nada este constante apunhalar da liberdade.
Não entendo este mundo apodrecido já não entendo a secura do grande rio da esperança de Whitman já não acredito no sonho do poeta quando subiu a colina para admirar o céu povoado e o céu desabou quando foram abarcados esses mundos de conhecimento e prazer o céu desabou no místico obscurantismo da mente e da razão e a poesia morreu devorada pela globalização da morte e da destruição.
Não era isto Walt Whitman o que queriam dizer as tuas palavras e os teus poemas nem nunca os teus versos tiveram a forma de algemas.
Palavras de um soldado americano
(enviado por Carlos Leça da Veiga)
Este soldado não tem o coração de chumbo, mas de ouro! ...de amor e compaixão...
Assistam e passem adiante! Mereceu os aplausos de pé!! Contundentes e verdadeiras as palavras do soldado.
O soldado apareceu morto 2 dias depois do discurso. A autópsia revelou ter sido um ataque cardíaco. Depois de um discurso destes, é difícil acreditar em ataque cardíaco... a menos que tenha sido provocado!
Fernando Pessoa São Pedro
(ilustrações de Almada Negreiros)
Tu, que Diabo?, és velho.
És o único dos trez que traz velhice
Ás festas. Tuas barbas brancas
Têm contudo um ar terno
A que o teu duro olhar não dá razão.
Parece que com essas barbas brancas
Por um phenomeno de imitação
Pretendes ter um ar de Padre Eterno.
Carcereiro do céu, isso é o que és.
Basta ver o tamanho d'essas chaves —
As que Roma cruzou no seu brasão.
Segundo aquelle passo do Evangelho
Do "Tu és Pedro" etcetera (tu sabes),
Que é, afinal uma fraude
Meu velho, uma interpolação.
Carcereiro do céu, que chaves essas!
Nem dão vontade de ser bom na terra,
Se, segundo evangélicas promessas
Vamos parar, ao fim, a um céu claustral.
Isso — fecharem-me — não quero eu,
Nem com Deus e o que é seu
Que o estar fechado faz-me mal
Até na beatitude do teu céu,
Entre os santos do paraíso,
(A liberdade — Deus dá a Deus —
Um Deus que não sei se é o teu),
O estar fechado, aqui ou alli, dizia eu
Faz-me terríveis cócegas no juizo.
Enfim, que direi eu de ti, amigo,
Que não seja uma coisa morta,
Anti-popular, gongorica,
Por fruste deselegante,
Como de quem. sem saber nada. exhausto,
Começo por duvidar bastante,
Desculpa-me chaveiro antigo,
De que tivesses existência histórica.
Mas isso, é claro, não importa
Se nos trazes
A alegria da singeleza
Ou a bondade que não sabe ter tristeza.
O peor é que nada d'isso fazes.
O teu semblante é duro e cru
E as barbas que roubaste ao Deus que tens
Só arrancam aos dandies teus loquazes
Ditos de dandies cinicos desdens.
Que diabo, és uma série de ninguens.
O Santo são as chaves, e não tu.
Para uns és S. Pedro, o grão porteiro,
Para outros as barbas já citadas,
Para uns o tal fatidico chaveiro
Que fecha à chave as almas sublimadas.
Para uns tu fundaste a Roma do Papado
(Andavas bêbado ou enganado
Ou esqueceste
O teu posto quando o fizeste)
E para outros enfim, como é o povo
E segundo as ideas que elle faz,
És quem lhe não vem dar nada de novo —
Umas barbas com S. Pedro lá por traz.
É difficil tratar-te em verso ou prosa,
Tudo em ti, salvo as barbas, é incerto,
Tudo teu, salvo as chaves, não tem ser
E a alma mais humilde é clamorosa
De qualquer coisa que se possa ver,
Em sonho até, qual se estivesse perto.
Olha, eu confesso
Que nunca escreveria
Este vago poema, em que me apresso
Só para me ver livre do teu nada,
Se não fosse para dar um cunho
A este livro da triologia
(Santo António, S. João, S. Pedro —
De popular, que bem que soa!)
Mas porque diabo de intuição errada
E que vieste parar a Junho
E a Lisboa?
Isto aqui ainda tem
Um sorriso que lhe fica bem,
Que até, até
No teu dia,
(O estupor velho
Como um chavelho,)
Nas ruas
O povo anda com alegria,
É fé,
Não em ti nem nas barbas tuas
Mas no que a alegria é.
Olha, acabei.
Que mais dizer-te, não sei.
Espera lá, olha
Roma, fingindo que viceja,
Lentamente se desfolha.
Teu ultimo gesto seja
Um gesto volvente e mudo.
Se tens poder milagroso,
Se essas chaves abrem tudo,
Deixa esse céu lastimoso.
Deixa de vez esse céu,
Desce até à humanidade
E abre-lhe, enfim no mudo gesto teu,
As portas do Inferno, e da Verdade.
(in Fernando Pessoa, Os Santos Populares, Edições Salamandra e Casa Fernando Pessoa)
(tão desconcertante em relação a São Pedro, como o poema de Fernando Pessoa, é este fado cantado por Amália)
Fernando Pessoa São João
(ilustrações de Almada Negreiros)
Ó Precursor, fizestel-a bonita!
Não que teu Christo, incarnação do Bem —
Não seja quem seja o teu Divino Anunciado.
O mal são os que após, sem mystica divina
Nem ternura christã, ou só humana,
Metteram a Jesus na cella da doutrina
Com as algemas do ódio manietado
Para depois manchar de falsa fé
O pobre homem que todo homem é
A cruel multidão negramente infinita
Que tem sido o algoz ou o ladrão
Da ingénua humanidade afflicta —
Esses que, aqui mesmo, pelos modos,
Dão ao inferno realisação...
Ah, não podiam ser peores, nem
Que a mulher do Diabo, se elle a tem,
Os tivesse parido a todos.
Eu bem sei que houve muito santo e crente,
Muito puro, bondoso e inocente.
Bem sei, bem sei:
Sei-o eu e sabe-o toda a gente.
Mas esses, cuja alma está em Christo
São só isto —
Qualquer remédio que se dissolvesse
No chá que para isso ha,
E cujo gosto nelle se perdesse;
O chá fica sabendo só a chá.
Se o remédio faz bem,
Não o sabe ninguém.
Que o chá não presta, não duvida alguém.
Sabemos isso, e sabel-o hia antes
De todos nós teu Mestre que viria,
Propheta, Deus e guia dos errantes,
Quão dolorosamente o saberia?
Sei que houve astros no céu da fé vazia.
Sei, mas repara que falso isso soa!
Por mais astros que a noite use brilhantes,
Que Diabo!, a noite não se chama dia.
Ó Precursor! Fizeste-a boa!
Dahi, para nós, és de Lisboa,
Não és o precursor de nada.
Es um rapaz ainda menino
Que tem por missão boa,
Por missão sorridente e socegada
Ter ao collo um cordeiro pequenino.
Lá o que esse cordeiro significa
Não tem cheiro
Para o povo, que tem a alma rica
Da emoção que não conhece.
Para elle o cordeiro é um cordeiro,
E o menino sorri e a vida esquece.
O resto são fogueiras
E os saltos dados a gritar
Com um medo exaggerado
Feito tudo de maneira
A mostrar
O riso, as pernas e o agrado.
E quente e anonyma a aragem,
Tudo é juventude e viço
Num arraial multicolor e vasto.
Bonito serviço
Como homenagem
A quem, ainda com cabeça, foi um casto!
Mas é assim que és
E é assim que serás,
Até que pisem esta terra os pés
Do ultimo fado que o Destino traz.
Então, esperamos, eu e todos,
Ver-te "surgir no céu", como quem vence
Tudo que é realidade ou illusão
Por o menino ser que lhe pertence,
E os seus bons e santos modos
"Com o cordeirinho na mão",
Como te viu Catullo Cearense.
Mas, desçamos à terra,
Que, por enquanto, o céu aterra,
Porque antes d'isso mette a morte.
Ha muita coisa desconhecida
Na tua vida.
Tens muita sorte
Em ninguém saber da partida
Que em mil setecentos e dezassete
Tu fizeste à Egreja constituída
Estás, eu bem sei, cansado
Com o que a Egreja se intromette
Com tua vida e o teu divino fado.
(E) foi então que, para te vingar
E à maneira de santo, os arreliar
Desceste mansamente à terra
Perfeitamente disfarçado
E fizeste entre os homens da razão
Um milagre assignado,
Mas cuja assignatura se erra
Quando em teu dia, S. João do Verão,
Fundaste a Grande Loja de Inglaterra.
Isto agora é que é bom,
Se bem que vagamente rocambolico
Eu a julgar-te até catholico,
E tu sahes-me maçon.
Bem, ahi é que ha espaço para tudo,
Para o bem temporal do mundo vario.
Que o teu sorriso doure quanto estudo
E o teu Cordeiro
Me faça sempre justo e verdadeiro,
Prompto a fazer fallar o coração
Alto e bom som
Contra todas as fórmulas do mal,
Contra tudo que torna o homem precário.
Se és maçon,
Sou mais do que maçon — eu sou templário.
Esqueço-te santo
Deslembro o teu indefinido encanto.
Meu Irmão, dou-te o abraço fraternal.
(in Fernando Pessoa, Os Santos Populares, Edições Salamandra e Casa Fernando Pessoa)
Nota: Se não fosse a Carla, não haveria cantiga para o São João porque eu desconhecia esta interpretação da Amália. Vamos ver se alguém descobre uma para o São Pedro.
.
Ethel Feldman
Ethel Feldman Tens um nome tão bonito!
Adão Cruz Canções antigas
(Adão Cruz)
Na recordação das canções antigas veste-se meu coração das verdes folhas do desejo e entoa na fragrância dos campos a melodia dos olhos pendurados na profundidade do céu.
Na sombra da figueira diz-me adeus o sol em acenos de azul e violeta por entre os ramos e o sons de uma flauta de lábios doces que por ali poisou entre sonhos infinitos do lusco-fusco.
As primeiras chuvas do verão humedecem como lágrimas as palavras ditas e não ditas no silêncio dos caminhos perfumados de terra e folhas molhadas.
E nada se reconhece na lembrança muda das tardes que para sempre morreram mas os passos ecoam em silêncio por entre os pés das oliveiras onde outrora floriam mil risos de criança.
Que fez de mim este crepúsculo azul como flecha espetada no vento ferindo de morte toda a vida de meu sonho-menino?
Onde está a pedra que se fez onda o regato que se fez rio a tripla chama infinita da vida luz e verdade que se apagou na alma nua quando sagradas selvas e misteriosas crenças de punhal à cinta quiseram que fosse santa?
Meu coração peregrino de seu perdido tesouro entre o sol e as desgarradas nuvens de infinitos céus ainda hoje se arrasta entre a razão e o abismo em pálido reflexo de ouro para ser criança na hora de partir.
(ilustrações de Almada Negreiros)
S. ANTÓNIO
S. JOÃO
S. PEDRO
Ainda que escriptos sobre o thema popular dos três santos lisboetas de Junho,
estes poemas não são, nem pretendi que fossem, populares. Baseados no obscuro
sentido pagão do nosso povo, pretendeu-se que o passassem para outro nível; que,
sendo fieis à emoção simples do povo lisboeta, interpretassem sem obscuridade
desnecessária, com as complexidades naturaes da intelligência.
Foram escriptos, todos os três, no dia 9 de Junho de 1935. Chronologicamente,
pois, não há nelles erro, salvo se houver qualquer coisa de erro em toda antecipação.
9/6/1935
Fernando Pessoa
SANTO ANTÓNIO
Nasci exactamente no teu dia —
Treze de Junho, quente de alegria,
Citadino, bucólico e humano,
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!
Santo António, és portanto
O meu santo,
Se bem que nunca me pegasses
Teu franciscano sentir,
Catholico, apostólico e romano.
(Reflecti.
Os cravos de papel creio que são
mais propriamente, aqui,
Do dia de S. João...
Mas não vou escangalhar o que escrevi.
Que tem um poeta com a precisão?)
Adeante ... Ia eu dizendo, Santo António,
Que tu és o meu santo sem o ser.
Por isso o és a valer,
Que é essa a santidade boa,
A que fugiu deveras ao demónio.
És o santo das raparigas,
És o santo de Lisboa,
És o santo do povo.
Tens uma aureola de cantigas,
E então
Quanto ao teu coração —
Está sempre aberto lá o vinho novo.
Dizem que foste um pregador insigne,
Um austero, mas de alma ardente e anciosa,
Etcetera...
Mas qual de nós vae tomar isso à lettra?
Que de hoje em deante quem o diz se digne
Dexar de dizer isso ou qualquer outra cousa.
Qual santo! Olham a árvore a olho nu
E não a vêem, de olhar só os ramos.
Chama-se a isto ser doutor
Ou investigador.
Qual Santo António! Tu és tu.
Tu és tu como nós te figuramos.
Valem mais que os sermões que deveras pregaste
As bilhas que talvez não concertaste.
Mais que a tua longínqua santidade
Que até já o Diabo perdoou,
Mais que o que houvesse, se houve, de verdade
No que — aos peixes ou não — a tua voz pregou,
Vale este sol das gerações antigas
Que acorda em nós ainda as semelhanças
Com quando a vida era só vida e instincto,
As cantigas,
Os rapazes e as raparigas,
As danças
E o vinho tinto.
Nós somos todos quem nos faz a história.
Nós somos todos quem nos quer o povo.
O verdadeiro titulo de gloria,
Que nada em nossa vida dá ou traz
É haver sido taes quando aqui andámos,
Bons, justos, naturaes em singeleza,
Que os descendentes dos que nós amámos
Nos promovem a outros, como faz
Com a imaginação que ha na certeza,
O amante a quem ama,
E o faz um velho amante sempre novo.
Assim o povo fez contigo
Nunca foi teu devoto: é teu amigo,
Ó eterno rapaz.
(Qual santo nem santeza!
Deita-te noutra cama!)
Santos, bem santos, nunca têm belleza.
Deus fez de ti um santo ou foi o Papa? ...
Tira lá essa capa!
Deus fez-te santo! O Diabo, que é mais rico
Em fantasia, promoveu-te a mangerico.
És o que és para nós. O que tu foste
Em tua vida real, por mal ou bem,
Que coisas, ou não coisas se te devem
Com isso a estéril multidão arraste
Na nora de uns burros que puxam, quando escrevem,
Essa prolixa nullidade, a que se chama historia,
Que foste tu, ou foi alguém,
Só Deus o sabe, e mais ninguém.
És pois quem nós queremos, és tal qual
O teu retraio, como está aqui,
Neste bilhete postal.
E parece-me até que já te vi.
És este, e este és tu, e o povo é teu —
O povo que não sabe onde é o céu,
E nesta hora em que vae alta a lua
Num plácido e legitimo recorte,
Atira risos naturaes à morte,
E cheio de um prazer que mal é seu,
Em canteiros que andam enche a rua.
Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António—
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?
(in Fernando Pessoa, Os Santos Populares, Edições Salamandra e Casa Fernando Pessoa)
Ethel Feldman
com o sol de cada manhã,
beijo teu beijo até anoitecer
e se o rouxinol cantar
direi a ele que esse beijo
é só nosso até o amanhecer
na tua boca molhada
beijo a vontade de liberdade
Omar Khayamm traduzido por Manuel Bandeira
(Adão Cruz)
Os doutores e os sábios mais ilustres
Caminharam nas trevas da ignorância.
O que não impediu que em vida fossem
Tidos por luminares do seu tempo.
Que fizeram? Pronunciaram
Algumas frases confusas
E depois adormeceram
Para toda a eternidade.
(In Rubaiyat (2004) . Manuel Bandeira traduziu a partir da tradução do persa para o francês feita em 1925 por Franz Toussaint)
Adão Cruz In limine
(Adão Cruz)
Pelos caminhos de prantos e sorrisos dentro de um tempo farto de horas sem minutos a vida vai colhendo flores que murcham por não serem simples flores ou flores simples sem exigências de estufa ou jardim flores de terra húmida céu por cima e sol de permeio.
Em tudo o que me é vida interfere a vergonha de ser adulto descortino as janelas que me disseram haver dentro dos homens e só vejo muralhas nada de crianças os homens comeram as crianças os homens comeram-se crianças os homens pariram-se adultos.
Os pongídeos chegaram a homens quinze milhões de anos para o homem ser bicho… bicho erecto rastejo de púrpura.
Eu nasci na erva e dormi no feno e acordei com a voz dos melros e rouxinóis e saltitei com os pardais vesti-me de sol e despi-me de luar estreei o mundo no abraço das árvores e no beijo dos rios meus olhos dormidos casavam a noite e o dia no mesmo silêncio de sonho-menino a vida viveu em mim crescendo todos os tamanhos e medindo todos os céus também eu fui criança e matei em mim a criança que procuro ao pensar que eram de amor as mãos que a mataram.
Passei a vida a correr tropeçando nas sombras arrumei ao canto da luz mil horas vazias sangradas a curricular futuros para ser gente na praça dos homens pisei os passos pequeninos nos avessos da verdade e palmilhei léguas vagarosas a tossir poeira.
Vestido de ausências fui renascendo de amor pela vida fora nos infinitos da fantasia que outros foram lentamente matando com fruído prazer.
António Sales Serenidade
(Adão Cruz)
No coração do tempo
encontro inexplicável quietude
perante uma obra de arte
escutando uma sinfonia
contemplando uma paisagem
que me beija com ternura.
Fico estático.
Um sol interior aquece-me a alma,
um sopro de solidão, sem tristeza,
envolve-me de prazer
uma voz serena
conversa em surdina comigo.
Deixo-me ficar quieto no tempo
como se o tempo fosse
a medida da eternidade
e não a relatividade da passagem.
Algueirão, 02.06.2011
Sobre o concerto que apresentamos a seguir, cuja interpretação privilegia, diz António Victorino d'Almeida no seu livro Músicas das Minha Vida "Parece-me porventura ser o mais belo Concerto de Violino de Toda a História da Música e estou mesmo em crer que Beethoven o assinaria de muito bom grado - ou talvez até o trocasse pelo seu, quem sabe?..."
Maria Inês Aguiar Mãe de todas as mães
(Adão Cruz)
dóis-me mulher
com as tuas dores antigas
em espaços ocos a preencher
dóis-me em feridas
numa parte de mim
num lado qualquer
dóis-me entre o teu sonho e o teu ver
a continuação do teu ser
dóis-me em dores infernais
das tuas mazelas ancestrais
dóis-me o vácuo
a inversão do tempo
na outra margem do lamento
dóis-me em arrepios de medo
subtis sons silenciosos
desassossego dessa essência
quase apagada
dóis-me mãe de todas as mães
(Infelizmente não nos é autorizada a integração da belíssima interpretação de "Woman" de John Lennon sugerida pela Inês. Mas não perdemos nada em tê-la substituído por esta canção e, sobretudo, pelo discurso proferido no início)
A culpa é do pólen dos pinheiros,
Dos juízes, padres e mineiros.
Dos turistas que vagueiam nas ruas,
Das strippers que nunca se põem nuas.
Da encefalopatia espongiforme bovina,
Do Júlio de Matos, do João e da Catarina.
A culpa é dos frangos que têm HN1,
E dos pobres que já não têm nenhum.
A culpa é das putas que não pagam impostos,
Que deviam ser pagos também pelos mortos.
A culpa é dos desempregados,
Cambada de malandros feios, excomungados.
A culpa é dos que tem uma vida sã,
E da ociosa Eva que comeu a maçã.
A culpa é do Eusébio que já não joga a bola,
E daqueles que não batem bem da tola.
A culpa é dos putos da Casa Pia,
Que mentem de noite e de dia.
A culpa é dos traidores que emigram,
E dos patriotas que ficam e mendigam.
A culpa é do Partido Social Democrata,
E de todos aqueles que usam gravata.
A culpa é do BE, do CDS e do PCP,
E dos que não querem o TGV.
A culpa até pode ser do urso que hiberna,
Mas não será nunca de quem governa!
Autor desconhecido
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