Apreciei muito favoravelmente o texto do Adão Cruz em que, e muito bem, puxou as orelhas ao bispo Carlos Azevedo.
Parece que o cardeal Cerejeira está a querer voltar e os de Roma a quererem, mais uma vez, como sempre, um lugar ao sol. Na verdade a instituição da hierarquia romana não perde uma oportunidade para colocar-se ao serviço dos possidentes e quando o faz é por saber de fonte segura que eles estão com muito poder e têm as coisas bem encaminhadas.Assim deduzo que a situação é pior do que já parece.
Os outros, os que estão na mó debaixo para quem devem orientar as suas queixas e dar conta dos seus projectos?
Deixo a pergunta no ar e não dou a minha resposta por não querer ouvir acusações consequentes a certas ideias políticas ditas de esquerda.
Peço, apenas, que seja recordada a evolução histórica do País já que é aqui que temos e devemos viver.
Carlos Leça da Veiga
Dei comigo a ler uma notícia sobre declarações de D. Carlos Azevedo, Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social. Não costumo ler, habitualmente, nos jornais, notícias sobre a Igreja, mas desta vez escorregaram-me os olhos. Como eu respeito muito as pessoas, embora não respeite muitas vezes o que dizem e o que representam, permito-me tecer algumas considerações às considerações de D. Carlos Azevedo.
Em primeiro lugar as suas declarações são declarações banais, o que não impede de que sejam perversas. D. Carlos Azevedo diz o que qualquer vulgar político está farto de dizer. “Que Portugal tem de encarar-se como um país pobre e não pode viver acima daquilo que é, mas apesar de ser pobre pode ser um país onde se viva de modo sereno e feliz”. Como, gostaria eu de saber! E diz mais. Diz que “temos de ter muita confiança em que aquilo que nos vai ser dito é a verdade do que está a acontecer, e tem de ser essa política de verdade a constituir a nossa confiança”. A Igreja sempre o disse, para quem a quis ouvir, embora todos saibamos que não há mais redonda mentira.
Estas palavras de D. Carlos Azevedo fariam rir se não causassem amargura. No mínimo, produzem em mim alguns arrepios, ao exumarem este espírito salazarento da pobreza feliz.
D. Carlos é suficientemente inteligente para saber que não há países ricos e países pobres mas sim meia humanidade que é rica e meia humanidade que é pobre. E esta meia humanidade é pobre porque a meia humanidade rica vive à custa dela. Os EU são um país rico e, no entanto, quarenta milhões de pessoas vivem pior do que se vive em Portugal, considerado um país pobre. Por outro lado, há países muito mais pobres do que os EU, onde as pessoas, de uma maneira geral, têm um bom nível de vida.
O problema, como muito bem sabe D. Carlos Azevedo, não está, em princípio, na pobreza nem na riqueza de um país, mas no brutal desequilíbrio de um sistema que sempre cavou e cava cada vez mais fundo um fosso abismal entre ricos e pobres. D. Carlos Azevedo sabe, mas não lhe convém dizer, que a causa está no roubo e na exploração dos mais fracos pela quadrilha que domina o mundo, que a causa está no abjecto capitalismo selvagem que vai levar o mundo à degradação total. Ele sabe-o tão bem como nós mas não é capaz de o dizer, até porque a Igreja faz parte integrante do núcleo duro deste execrável sistema. Sem capitalismo, sem obscurantismo e exploração dos mais fracos a Igreja não sobreviveria. Não me venham, pretendendo tudo justificar, com as caridades, sem dúvida louváveis se não fossem a toalha branca a que a Igreja sempre limpou as mãos sujas.
Para os parasitas do mundo, de facto ser pobre é uma fatalidade, não sendo permitido aspirar a mais, não sendo lícito ter direitos, lutar por eles, ter sonhos, anseios e projectos. O que é preciso é ser sereno e feliz na pobreza e na exploração. Nada de revoltas, indignação e luta. Sempre foram estas as palavras da Igreja através dos séculos e sê-lo-ão no futuro porque ela sabe que os seus parceiros sempre foram os ricos e os poderosos, e contra eles nunca a Igreja se rebelou. A Igreja sabe mas não quer ver, nem lhe dá jeito, que é muito maior a felicidade de viver numa sociedade justa e equilibrada do que a felicidade de contemplar a pobreza do alto de um pedestal, ainda que ela constitua uma permanente motivação para a caridade descer à rua, mantendo a sua natureza de necessária e sempre desfraldada bandeira da Igreja.
D. Carlos Azevedo e a igreja sabem que o poder político pouco mais é do que o executor dos interesses do poder económico. Além disso, os políticos são, muitas vezes, medíocres, facilmente corruptos, insensíveis e sem a visão construtiva de um mundo que colide com os seus interesses pessoais e de grupo. Mas a Igreja, salvo alguns beliscões muito genéricos, nunca os maltrata, não só porque vão à missa e comungam, mas, sobretudo, porque alinham naquilo que a Igreja impõe e exige.
D. Carlos e a Igreja sabem que o povo não é suficientemente culto para entender as complexas relações de causa e efeito, daqui decorrendo a sua incapacidade para romper o amorfismo e empreender as mudanças de comportamento necessárias à germinação da semente de uma sociedade nova. Mas em vez de o ensinarem e de o fazerem crescer através do conhecimento e da cultura obrigam-no a calar-se e a rezar.
D. Carlos Azevedo e a Igreja sabem que os mais responsáveis, os ditos intelectuais, aqueles que, por força do conhecimento, mais próximos deveriam estar da verdade e da moral, os detentores da ciência e da cultura nos seus mais diversos ramos, os agentes da abertura das mentalidades, estão obrigatoriamente enfeudados, consciente ou inconscientemente, nas formas obscurantistas do pensamento único, impostas pelas linhas dos grandes interesses a que a Igreja não é alheia.
Ser pobre é tremendamente penoso. Querer que o pobre seja sereno e feliz é um ultraje, D. Carlos Azevedo. A pobreza não é só feita de fome. Ela é também de natureza emocional. Os factores emocionais abrangem essencialmente as perturbações afectivas, criando sentimentos destrutivos e corrosivos como a depressão e as perturbações ansiosas.
Os factores de stress crónico constituem um grande leque, incluindo o desrespeito do Estado pelo cidadão, o baixo apoio social, a insegurança na doença, o baixo estatuto sócio-económico, o endividamento e a crua insensibilidade da especulação bancária, a progressiva angústia da vida cada vez mais difícil numa sociedade dita de progresso e desenvolvimento, os conflitos de trabalho, os desencontros conjugais e familiares, sempre crescentes numa sociedade injusta e pouco solidária como a nossa, o espírito fortemente abalado pela rigidez afectiva e pela incapacidade de sentir prazer com a vida, a aversão ao trabalho, a propensão para a violência, o estado de incapacidade funcional e as queixas somáticas que daí advêm e que se arrastam pela vida fora, a sensação de não se ser amado, a amargura do viver só, o isolamento social, a falta de confidentes, as más condições de trabalho, a falta de paz no emprego, as tarefas repetitivas, a rotina excessiva sem escapes criativos, a sensação de confinamento rígido, o desequilíbrio entre esforço e compensações, as más condições habitacionais, os maus-tratos infantis, as más experiências de toda a ordem.
Esta sim, é a pobreza no seu estado puro e ninguém tem o dever e a obrigação de ser pobre.
A pobreza de Portugal e de tantos outros países está na asfixia da vida, provocada por todos aqueles que neste país e neste planeta vivem da morte.
Portugal é um país pobre, D. Carlos Azevedo, como tantos outros, porque não os deixam ser ricos. Capazes disso eram eles.
Repare, D. Carlos Azevedo, que o JN impõe hoje a sua pessoa como FIGURA DO DIA.
Pudera!
Tempos Difíceis ( Hard Times,1854), um livro onde Dickens aborda a dureza da vida numa época dominada por um industrialismo que privilegiava a máquina em detrimento do ser humano. O capitalismo mostrava os dentes e as garras. Mulheres grávidas e crianças trabalhavam nas fábricas por salários de fome. Também hoje se vivem tempos difíceis – o desemprego aumenta, os salários dos que trabalham são congelados ou mesmo reduzido, pequenas pensões de reforma têm de fazer face a menores participações do Estado no custo dos medicamentos (sabendo-se como os velhos deles dependem), os jovens, mesmo que possuam diplomas do ensino superior, cada vez mais têm dificuldade de aceder ao primeiro emprego… Tempos difíceis, de facto. Particularmente difíceis?
Fernão Lopes na Crónica de D. João I, referindo-se à grande crise de 1383-85, clama – «Ó geração que depois veio, povo bem-aventurado que não soube parte de tantos males nem foi quinhoeiro de tais padecimentos!». E no entanto, vinte anos depois, embora sem o sofrimento provocado pelo cerco castelhano, com as máquinas de guerra expelindo os seus projécteis sobre Lisboa, incendiando ruas inteiras, não se pode dizer que tenham sido tempos felizes. Houve, de facto, um período de paz relativa, com escaramuças e pilhagens de ambos os lados da fronteira entre 1396 e 1402. Mas a guerra com Castela reacendeu-se – mais sofrimento, mortes. Tempos difíceis de novo.
A crise de 1383-1385 já não é do meu tempo.
Nasci quando o incêndio da Guerra Civil lavrava para lá das nossas fronteiras e depois foi continuada pela II Guerra Mundial e lembro-me das manobras de black out, com a cidade mergulhada na escuridão e os céus varridos pelos focos de projectores; recordo as janelas cobertas de fita adesiva (para evitar estilhaços em caso de bombardeamento), Sobretudo, recordo as cadernetas de racionamento, carimbadas na Junta de Freguesia, e do ar preocupado da minha mãe, tentando fazer milagres para alimentar o nosso pequeno agregado. Lembro-me de ouvir o meu pai gritar indignado contra os que se aproveitavam das carências gerais para enriquecer, vendendo géneros e produtos no mercado negro.
Lembro-me da penúria que só não afectava os muito ricos. Os pobres viviam muito mal. Os «remediados», versão indígena da «classe média» patinhavam em dificuldades e em esforços para manter o estatuto. Havia uma faixa intermédia – a «pobreza envergonhada»: gente pobre, mas que pretendia passar por remediada. Um funcionário público (nosso familiar afastado) homem que trabalhava num ministério do Terreiro do Paço, vinha a pé de Queluz até ao centro de Lisboa, por não ter dinheiro para o comboio ou camioneta – tinha um enorme rancho de filhos e o ordenado nem a meio do mês chegava. Engravatado, fato de três peças, chapéu de feltro, e aí vinha ele, saindo de madrugada para poder estar a horas no serviço. Criara-se, portanto, uma ampla paleta de eufemismos para uma expressão simples – miséria.
Havia os ricos. Algumas fortuna feitas no caldo social da miséria generalizada. Uns ostentavam a riqueza sem quaisquer pruridos. E havia alguma «riqueza envergonhada» - pessoas ricas, mas que pretendiam passar também por remediados. Razões várias – vergonha de comer bem quando tanta gente passava fome; evitar ter todos os dias à porta um cortejo de pedintes… Tempos difíceis.
A Guerra Colonial veio juntar a todos os outros flagelos económicos o temor pelas vidas dos jovens combatentes. Todas as famílias tinham familiares nas Forças Armadas. Tempos difíceis.
Vivemos actualmente tempos muito difíceis…
Porém, indigna ouvir dizer que há quarenta anos atrás, durante a ditadura, se vivia melhor. É um insulto para quem viveu nessa época, comparar as dificuldades actuais com as desses tempos. E nem me vou dar ao trabalho de fazer a comparação.l. Quem sabe como se vivia, compreende o que quero dizer, quem não sabe, por não querer saber, ou não se querer lembrar, não merece o esforço de uma explicação.
Tempos difíceis os de hoje. Não nos devemos resignar e devemos lutar por que sejam menos difíceis. Exigindo justiça – voltando a Fernão Lopes, ele considerava que a Justiça continha em si todas as outras virtudes. Lutemos, pois, pela Justiça. Que se saiba, no entanto, que ela nunca reinou. Sempre os poderosos a manipularam de modo a que os tempos sejam difíceis para quem não tem poder.
Agora, como há mil anos.
. Ligações
. A Mesa pola Normalización Lingüística
. Biblioteca do IES Xoán Montes
. encyclo
. cnrtl dictionnaires modernes
. Le Monde
. sullarte
. Jornal de Letras, Artes e Ideias
. Ricardo Carvalho Calero - Página web comemorações do centenário
. Portal de cultura contemporânea africana
. rae
. treccani
. unesco
. Resistir
. BLOGUES
. Aventar
. DÁ FALA
. hoje há conquilhas, amanhã não sabemos
. ProfBlog
. Sararau