Quinta-feira, 2 de Dezembro de 2010

Boris Cyrulnik - 3: Ultrapassar o trauma


Clara Castilho


Como podem as crianças soldado, ou as crianças vítimas de maus tratos, ultrapassar os seus traumas?

Ao verificar-se uma ferida, um trauma, dá-se uma agonia psíquica. O horror do que se viu, do que se sofreu, faz com que se fique morto psicologicamente, com que já não haja força para viver. De tal forma foi assustador o que se viveu, que a única forma de não sofrer é tornar-se pateta.

É que, se, por infelicidade, a criança pensar, vai sofrer. Fica dilacerada, não compreende o que aconteceu, é demasiado forte, provem a agonia psíquica. Ou então, uma parte da sua personalidade fica escarificada, em que morre uma parte da sua personalidade. Mas, à volta dessa parte, persistem brasas de resiliência.

Será preciso que alguém sopre nessas brasas para voltar a surgir vida. E se ninguém soprar, fica-se morto. O que acontece, depois, é o retomar do desenvolvimento, mas com uma parte morta da personalidade, com um traço biológico na memória.

É nessa altura que serão necessário tutores de resiliência para sobreinvestir aspectos em que uma criança que se desenvolveu em boas condições não precisa.

Mas, então como se dará esse “processo” de resiliência? “Processo” é qualquer coisa que está em constante evolução e que depende tanto dos outros, como do próprio. Há genes e são os outros que vão fazê-los falar, permitindo o desenvolvimento biológico, psicológico e social.

Então, como fazer para analisar um “processo de resiliência”? Há que tem em conta a aquisição dos recursos internos, quando se é pequeno e no momento em que as figuras de vinculação impregnam uma aptidão para utilizar os genes humanos ( porque se é humano e não uma minhoca). Depois, será a significação dos acontecimentos que traumatizaram um determinada criança. Importa ainda a disposição que os recursos externos – a família, o grupo social, a cultura – vão dispor à volta de cada criança para lhe disponibilizar tutores de resiliência.

A diferença entre tutores de desenvolvimento e tutores de resiliência poderá ser a seguinte: todas as crianças que nascem possuem tutores de desenvolvimento ( a excepção são as que sofrem uma das 7 000 doenças genéticas, o que só corresponde a 1% dos nascimentos) com necessidade de alteridade à sua volta para se desenvolverem.

Se colocarmos alguns tutores de resiliência, afectivos e sensatos, em redor do pequeno carenciado, este retoma rapidamente o seu desenvolvimento e até pode recuperar o atraso.

A partir do momento em que alguém aceita amá-la, a criança magoada deseja tanto estabelecer uma relação afectiva com essa pessoa, que irá submeter-se às suas crenças, única e exclusivamente com o objectivo de ter algumas ideias para partilhar com ela.

As crianças que aprenderam a ter esperança projectam no palco do seu teatro íntimo um sonho ideal no qual representam o papel de uma criança amada, de um herói prestigiado ou de um adulto que é, simplesmente, feliz. Este trabalho imaginário salva-as do horror. Cuidar destas crianças, alimentá-las, lavá-las é uma necessidade física que, no entanto, não desencadeia um processo de resiliência. Para iniciar um trabalho de resiliência, deveremos iluminar de novo o mundo e voltar a dar-lhe coerência. Isto faz-se pela “narração”.

As crianças que conseguem transformar-se em adultos resilientes são aquelas que foram ajudadas a dar sentido às suas feridas. O trabalho de resiliência consistiu em lembrarem-se dos choques para fazerem deles uma representação de imagens, de acções e de palavras para interpretar a ferida narcísica.


Boris Cyrulnik nous parle de la résilience
Enviado por Psychologies-com. - Vídeos de notícias do mundo inteiro.
publicado por Carlos Loures às 11:00
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Terça-feira, 20 de Julho de 2010

Criança, uma obra em aberto - Abuso sexual


Clara Castilho



Linhas orientadoras para actuação em casos de indícios de abuso sexual de crianças e jovens

Em cerimónia na Casa Pia de Lisboa, foi lançado no dia 14 de Julho este livro, distribuído a técnicos que trabalham nestas áreas e resultante do trabalho de vários anos de uma larga equipa multidisciplinar, sob a orientação de Tilman Furniss.

Esperemos que possa contribuir para que, atempadamente, se possam evitar situações dramáticas como as que ocorreram há anos.

No entanto, é preciso não esquecer que a maioria dos abusos sexuais ocorre dentro de portas, dentro da própria família ou vindos de pessoas que com ela se relacionam muito proximamente !!!

Tilman Furniss (professor da Universidade Muster, Alemanha, e Tavistock Clinic, de Londres) tem-se deslocado a Portugal desde há, pelo menos, 10 anos, para levar a cabo acções de formação, duas vezes ao ano, de 4 dias. Estou certa que da sua vasta experiência alguma coisa ficou e que estaremos mais atentos aos indícios que poderão apontar para a ocorrência de abusos sexuais.

Tudo isto me faz lembrar o menino L., de 8 anos na altura, que segui em apoio psicoterapêutico. Da mãe nada se sabia, o pai estava em cura de desintoxicação, uma tia recebia-o ocasionalmente aos fins de semana, mas mostrava-lhe claramente que preferia o seu irmão, com ele também a viver numa instituição. L. parecia viver num mundo da lua, as aprendizagens escolares nada lhe diziam. Fazia uns desenhos bonitos e pormenorizados e com bom sentido estético.

A certa altura do apoio dado na minha instituição, começámos a juntar várias indicadores e acabámos por suspeitar de um abuso sexual. Feita a denúncia, tal foi confirmado. No apoio comigo, o L. não era capaz de falar do assunto. Não me olhava nos olhos, escondia-se debaixo da camilha da mesa que tenho na minha sala, e aí montava brincadeiras em que havia meninos abandonados e perseguidos. Eu ia falando com ele, inventando novas personagens reparadoras que davam um rumo diferente às suas histórias.

O tempo foi passando, fomos a tribunal. Aí tive que falar com ele sobre o que lá ia fazer. O que podemos dizer a uma criança a quem lhe aconteceu tal coisa, que teve que sofrer operações cirúrgicas para que o seu organismo pudesse recuperar e ficar mais equilibrado? Como lhe podemos prometer que o “mau” vai ser castigado?

Vai alguma vez esquecer? O que vai fazer da sua revolta ?

Os anos passaram. L. procura-me regularmente, aí de 2 em 2 meses, sempre sem avisar. Continua na instituição, pois não se verificaram condições para que alguém da família ficasse com ele (o irmão foi viver com a tia ...). Fala de alguns projectos relacionados com os estudos e da futura profissão. Não é capaz de falar de emoções. Mas a sua ida lá corresponde a uma necessidade de um afecto, de um calor humano, de um mimo. Quer sempre lanchar. Como se encher o estômago fosse encher a alma. Sinto que está tudo antes das palavras, da capacidade de dar nome às coisas. Sei que fui importante na sua vida, terei sido uma “tutora de resiliência” (Cyrulnuk).

Na semana passada veio com um colega, estava eu mesmo a sair. Peguei neles e fomos lanchar à beira rio. Riam-se imenso, encabulados, estranhando a minha companhia. Devoraram dois bolos cada um e uma coca-cola. Tentei conversar de coisas do dia-a-dia, férias à porta (mas que férias as deles?), telemóveis, professores chatos, sei lá. E lá se foram, pareciam satisfeitos. E eu também, apesar de ter faltado a um compromisso. Mas este compromisso que tenho para com o L. está acima de tudo, nunca vai desaparecer.
publicado por Carlos Loures às 11:00
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