O Mistério de Lagarde
OK, então é Christine Lagarde que vai para o FMI. Desejo-lhe boa sorte. E gostava que tivéssemos alguma ideia quanto à qualidade do trabalho que ela vai fazer, quanto à linha de orientação que ao FMI vai dar.
Não é que ela ela seja particularmente enigmática: além de ser inteligente, é séria, responsável e criteriosa, sob todos os pontos de vista. Mas, é claro, isso é exactamente o que me preocupa.
Porque estamos hoje a viver numa época em que, por enquanto, aquilo a que dantes chamávamos convencionalmente loucura chama-se agora prudência e ao que dantes chamávamos prudência chama-se agora loucura. As coisas que as Pessoas Muito Sérias, as de hoje, querem fazer – reduzir imediatamente os défices, "normalizar" as taxas de juros, preocuparem-se com a inflação -- são exatamente o tipo de coisas que poderão transformar a crise de 2008 - até (? ) em décadas de estagnação.
Com a orientação de Strauss-Kahn, o FMI estava a caminhar para uma posição menos dogmática, com uma mentalidade mais aberta do que as principais organizações Internacionais. Isso também não quer dizer muito, mas foi muito melhor do que fizeram os loucos economistas que assumiram como o poder na OCDE ou no Banco Internacional de Pagamentos. .
Portanto, a questão é: será que o FMI vai tornar-se mais sensível sob a direcção de Lagarde? Para bem da economia mundial, não acreditamos que tal venha a acontecer.
As pessoas mudam mas não o FMI
2. Um texto de Attac
Christine Lagarde acaba de ser eleita directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) em substituição de Dominique Strauss-Kahn. No momento em que o Parlamento grego vota um novo plano de austeridade injusto e inútil sob a pressão da União Europeia e do FMI, esta decisão leva a que se evite todo e qualquer debate sobre uma reorientação radical do Fundo. Mas a actualidade judicial francesa (processo Tapie) ou o agravamento previsível da crise financeira poderão muito bem voltar a colocar este debate na ordem do dia e dentro dos próximos meses. É por esta razão que Attac mantém a candidatura da sua co-presidente Aurélie Trouvé para a direcção do FMI e compromete-se desde já a desencadear diligências para que venha a aparecer uma candidatura altermundista que venha do Sul do planeta..
É a quinta vez que este posto, tradicionalmente reservado a um Estado europeu, cabe à França, e não tem nenhuma razão para com isso se congratular conveniente infelizmente congratular-se. Desde os anos 80, a política do FMI continua a ser a mesma, qualquer que tenha sido o seu Director-Geral. Assim, é sob a direcção de Jacques de Larosière (1978-1987), depois sob a direcção de Michel Camdessus (1987-2000) que foram elaborados os planos de ajustamento estrutural que têm conduzido à ruína tantos países da América Latina, da África ou da Ásia, e de tal modo foi assim que a maior parte dos países emergentes ou em desenvolvimento recusaram recorrer ao FMI ou ao Banco Mundial (foi de resto o que acabou de fazer muito recentemente o Egipto).
As coisas iriam mudar com DSK? Era necessário ser bem ingénuo para acreditar nisso. Com excepção de uma ligeira maquilhagem , o funcionamento da instituição continuou a ser o mesmo: continua a ser “um dólar = uma voz”, de modo que os Estados Unidos, com mais de 17% das votos , dispõem de um direito de veto que lhes permite controlar o FMI, onde os grandes países da União Europeia desempenham também um papel essencial. Há contudo uma coisa que mudou : com a crise financeira, que o FMI foi de resto incapaz de ser capaz de prever , são agora os países europeus que são obrigados a aplicar planos de austeridade tão draconianos como os precedentes impostos aos países em desenvolvimento. A Hungria, Ucrânia, a Letónia, a Irlanda, a Grécia, Portugal são as mais recentes vítimas de programas de uma rara violência social. Com Christine Lagarde, pelo menos, não haverá mais a mínima ambiguidade: esta advogada de negócios é ultraliberal e não o esconde. Mas não vamos também acreditar que o seu concorrente ao lugar de Director-Geral, o Mexicano Agustín Carstens, teria sido uma melhor escolha. Este que se quer assumir como o representante dos países emergentes é sobretudo um economista procedente da escola de Chicago, tão neoliberal como Christine Lagarde. É por isso que uma candidatura alternativa é necessária para defender a ideia de que uma reforma radical do FMI, que deve deixar de privilegiar a defesa dos credores e dos bancos e deve existir e virar-se para a ONU e tendo , com regra essencial “um país = uma voto”. E é com esta condição que o FMI poderá talvez encontrar a credibilidade que hoje não tem aos olhos dos povos.
Attac France, Les têtes changent, le FMI ne change pas,
Paris, 29 de Junho de 2011
por Paul Krugman, Publicado em 25 de Maio de 2011
Prémio Nobel da Economia
Tornou-se evidente que a Grécia, a Irlanda e Portugal não serão capazes de pagar as suas dívidas na totalidade
Queixo-me muitas vezes, justificadamente, do estado actual da discussão económica nos EUA. A irresponsabilidade de certos políticos - por exemplo dos republicanos que defendem que o incumprimento no pagamento da dívida pública americana não seria tão grave como isso - é assustadora.
Mas pelo menos nos Estados Unidos os que defendem que aumentar as taxas de juros e cortar na despesa, apesar do nível altíssimo de desemprego, vai melhorar as coisas enfrentam a oposição da Reserva Federal e da administração Obama.
Na Europa, pelo contrário, são eles que mandam há mais de um ano, insistindo que a estabilidade da moeda e o equilíbrio orçamental são a resposta a todos os problemas. Por trás desta insistência estão algumas fantasias económicas, em particular a da fada da confiança - isto é, a convicção de que cortar na despesa vai de facto criar emprego, porque a austeridade vai criar confiança no sector privado.
Infelizmente, a fada da confiança está a fazer-se rogada e a discussão em torno da melhor maneira de lidar com esta realidade desagradável ameaça tornar a Europa o centro de uma nova crise financeira.
Depois da criação do euro, em 1999, verificou-se em vários países europeus anteriormente considerados de risco, e que enfrentavam por isso limites ao endividamento, enormes fluxos de entrada de capital. Afinal, pareciam pensar os investidores, se a Grécia, Portugal, a Irlanda e Espanha faziam parte de uma união monetária europeia, o que é que poderia correr mal?
A resposta a esta pergunta tornou-se, como é evidente, dolorosamente óbvia. O governo da Grécia, vendo-se em posição de pedir dinheiro emprestado a um custo apenas ligeiramente superior ao que a Alemanha tinha de pagar, endividou-se demasiado. Os governos da Irlanda e da Espanha não o fizeram (Portugal fica no meio), mas os seus bancos sim, e quando a bolha rebentou os contribuintes viram--se encurralados pelas dívidas dos bancos. O problema foi agravado pelo facto de o boom de 1999-2007 ter feito subir os preços e os custos nos países endividados a um nível muito superior ao dos dos seus vizinhos.
Que fazer? Os líderes europeus ofereceram empréstimos de emergência aos países em crise, mas apenas em troca de compromissos com programas de austeridade selvagens, feitos sobretudo de cortes da despesa. A objecção de que estes programas põem em causa os seus próprios objectivos - não só impõem efeitos negativos drásticos à economia, mas ao agravar a recessão reduzem a receita fiscal -, foi ignorada. A austeridade acabaria por estimular a economia, dizia-se, porque aumentaria a confiança.
Ninguém adoptou a ideia da austeridade como estímulo da economia com mais convicção que Jean-Claude Trichet, o presidente do Banco Central Europeu (BCE). Sob a sua liderança, o banco pregou o rigor financeiro como elixir universal a aplicar de imediato em toda a parte, incluindo em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, onde o desemprego continua alto e que não estão a sofrer a pressão dos mercados financeiros.
No entanto, como já disse, a fada da confiança até agora ainda não apareceu. A crise económica nos países europeus com problemas de endividamento agravou-se, como seria de esperar, e a confiança, em vez de aumentar, está em queda livre. Tornou-se evidente que a Grécia, a Irlanda e Portugal não serão capazes de pagar as suas dívidas na totalidade, embora Espanha talvez se aguente.
Se quiser ser realista, a Europa tem de se preparar para aceitar uma redução da dívida, o que poderá ser feito através da ajuda das economias mais fortes e de perdões parciais impostos aos credores privados, que terão de se contentar com receber menos em troca de receber alguma coisa. Só que realismo é coisa que não parece abundar.
Por um lado, a Alemanha adoptou uma atitude dura em relação a qualquer ajuda aos vizinhos em dificuldades - isto apesar de uma das principais motivações do actual programa de resgates ser proteger os bancos alemães de perdas.
Por outro lado, o Banco Central Europeu está a comportar-se como se estivesse determinado a provocar uma crise financeira. Para começar, está a subir as taxas de juros, apesar do estado terrível de muitas economias europeias. Além disso, os responsáveis do BCE têm-se pronunciado contra a ideia de qualquer reestruturação da dívida - na realidade, a semana passada um dos membros do conselho de governadores sugeriu que mesmo uma restruturação pouco ambiciosa da dívida grega bastaria para o BCE deixar de aceitar os títulos da dívida grega como garantia em empréstimos aos bancos do país. Isto é equivalente a declarar que se os gregos pedirem qualquer reestruturação o BCE retira o apoio ao sistema bancário grego, completamente dependente dos seus empréstimos.
Se os bancos gregos caírem, a Grécia pode ser forçada a sair do euro - e é fácil ver como isto pode ser a primeira peça de um dominó que se estende a grande parte da Europa. Então que estará o BCE a pensar?
Estou convencido que isto é apenas falta de coragem para enfrentar o fracasso de uma fantasia. Parece-lhe tolo? Quem é que lhe disse que era o bom senso que governava o mundo?
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