Sexta-feira, 26 de Novembro de 2010

Dia do Porto: Um retrato do Porto durante a Patuleia

Carlos Loures

Violando os preceitos democráticos consagrados na Carta Constitucional, Costa Cabral vencera as eleições de 1845 cometendo fraudes das mais diversas, desde as “chapeladas” à atemorização de adversários e à compra de votos. Por isso governava num mar de protestos. Os miguelistas, vencidos na Guerra Civil, capitalizaram o descontentamento popular e, particularmente a Norte, eclodiram  levatamentos populares.

Foi o caso da revolta da Maria da Fonte (por se ter proibido o enterramento de mortos nas igrejas) em Março de 1846. Ainda o eco deste levantamento popular não se extinguira quando o marechal Saldanha, com a cumplicidade da rainha D. Maria II, desencadeou o golpe de Estado de 6 de Outubro de 1846 que ficou conhecido por a «Emboscada». Sabendo-se no Porto do golpe saldanhista que eclodira em Lisboa, Passos José, presidente do Município, mandou os sinos das igrejas tocar a rebate, mobilizou a população e garantiu o apoio de algumas unidades da Guarda Municipal e do Exército.

O Duque de Terceira, enviado ao Porto para tentar reverter a situação, quase foi linchado pelo povo em fúria.. Divididos pelos dois campos os carismáticos generais da guerra civil de 1832-34, guerra foi inevitável. O Porto, liderado pela sua Junta onde, entre outras personalidades, se integrava Teixeira de Vasconcelos, bateu-se contra os Cabrais e formou um corpo militar de milhares de homens dispostos a invadir o Sul. Coisa de que foram impedidos por uma esquadra britânica que os aprisionou. Tropas espanholas invadiram Portugal, atravessando o rio Minho e ocupando Valença. Uma poderosa força naval da Quádrupla Aliança (Portugal, França, Espanha e Grã-Bretanha) obrigou a Junta a render-se. Em 24 de Junho de 1847 foi assinada a Convenção de Gramido.

É uma síntese muito rarefeita de dados capitais, mas que pretende traçar o quadro da luta que se travava entre setembristas, os que lutavam por uma situação mais democrática e cartistas, os que privilegiavam a aristocracia e a alta burguesia. Embora com o aproveitamento dos miguelistas a Junta do Porto pautava o seu  omportamento pelo espírito da Revolução de Setembro de 1836, mais liberal e democrático. É neste quadro que se desenvolve o romance "O Prato de Arroz Doce", de António Teixeira de Vasconcelos.

Aspecto da cidade do Porto na época em que ocorreu o episódio da Patuleia (1846-47)



Tinha lido “Um Prato de Arroz Doce”  era ainda criança. Era um livro de minha mãe, lembro-me da encadernação em tela branca, cansada (como dizem os alfarrabistas). Gostei muito. Voltei a lê-lo em 1990, pois numa colecção dirigida pelo meu amigo António Reis – “Testemunhos Contemporâneos” o livro foi incluído e prefaciado pelo nosso colaborador, e também meu amigo, Fernando Pereira Marques. Leitura rápida, profissional, digamos. Voltei há dias a lê-lo para escrever este texto. A minha opinião é diferente da que formulei aos sete anos.

O romance é pobre, assentando num modelo que o Romantismo usou até à exaustão – os amores entre um jovem, heróico, sem mácula e sem o tempero de anti-heroísmo que humanizou as personagens romanescas de um século mais tarde. Outro paradigma romântico (porque só lhe podemos chamar cliché 150 depois!) é a figura feminina, D. Rosa, pura, angélica, só virtudes. Depois há toda a panóplia de personagens complementares – por exemplo,  Ana, a pérfida irmã de Rosa, armando uma intriga venenosa. E por aí fora. O costume. Não me irei deter a descrever o entrecho.

O costume, mas só nos romances vulgares. Camilo talvez ainda escrevendo por jornais nesta altura iria dentro de pouco tempo irromper na LIteratura Portuguesa. escrevendo de uma forma que era tudo menos vulgar. Mas Camilo é uma comparação desleal para qualquer outro novelista, pois era (e é) o romancista português por antonomásia.

O romance histórico, como era entendido em meados do século XIX (o livro foi editado em folhetins em O Comércio do Porto e depois, 1862, sob a forma de livro) não misturava história com ficção. Havia o cuidado explícito de não misturar os dois ingredientes – Teixeira de Vasconcelos foi intercalando as peripécias romanescas com pedaços de história por ele vivida na primeira pessoa. E quem foi este homem?

Oriundo de uma aristocrática família do Norte, António Augusto Teixeira de Vasconcelos nasceu no Porto em 1816 e em 1833, foi, com apenas 17 anos, envolvido na Guerra Civil que, desde 1832 ensombrava o País. O Governo de D. Miguel nomeou-o capitão do regimento de milícias de Penafiel. No ano seguinte, em 1834, a Convenção de Évora Monte, consagrava a vitória liberal e punha termo ao conflito.

Teixeira de Vasconcelos aderiu às ideias liberais e quando em 6 de Outubro de 1846 o marechal Saldanha desencadeou o golpe de Estado (com a cumplicidade de D. Maria II) e o Porto se revolta, o nosso homem faria parte da Junta governativa que se constituiu na «Cidade da Virgem», como lhe chamavam os tripeiros da época ( e também a «Cidade eterna»). E assumiu responsabilidades militares, comandando o Batalhão Nacional de Paredes, e posteriormente entrando como adido no estado-maior de Sá da Bandeira. Quando em Junho de 1847 se pôs termo à guerra civil da Patuleia, Teixeira de Vasconcelos estava entre os signatários da Convenção do Gramido.

A ponte pênsil a que se faz alusão no romance.

 Com esta breve resenha quero demonstrar que quem escreveu o romance «O Prato de Arroz Doce», viveu por dentro os acontecimentos que serviram de pano de fundo à trama ficcionística. Eu diria mesmo que a ficção, pobre e estereotipada, foi um pretexto para explanar as ideias políticas do autor. Em 8 de Julho de 1875, vivendo em Lisboa (na rua da Paz, nº 7) quando saíra uma nova edição do romance, ofereceu-a ao Marquês de Sá da Bandeira, subscrevendo-se como «amigo fiel e obrigadíssimo criado». Na realidade, como documento histórico o livro é muito importante.



Imagem da segunda metade do século XIX. Em primeiro plano, o edifício onde desde 1825 funcionou numa das «boticas dos arcos a filial do Banco de Lisboa. Trata-se da única parte edificada sobrevivente do antigo Convento de S. Domingos (1239-1832), virado para o largo a que deu nome (Largo de S. Domingos). Ao fundo um troço e cruzamento da rua de Mouzinho da Silveira e rua de S. João.

 No livro espelha-se o ambiente vivido na cidade e no País. Uma burguesia e uma aristocracia divididas por ideias políticas, mas unidas por interesses de classe, usando quase sempre de fair play no tratamento dado aos inimigos. Na mesma família havia setembristas e cartistas. O povo levava as coisas mais a sério, ou seja, um homem do povo, campónio ou operário fabril, odiava o inimigo e não raro fazia “justiça” por conta própria. Porque no fundo a guerra era entre os ricos. Esses senhoritos podiam dar-se ao luxo de ter ideias.

O povo era arrebanhado como carne para canhão e, se tinha oportunidade, fazia o gosto ao dedo. Aliás, Patuleia porquê – a facção miguelista vencida era constituída maioritariamente por gente do povo, gente descalça, de “pata-ao-léu”. Daqui se formaria o vocábulo Patuleia.

Pelo seu conhecimento profundo do que foi a Patuleia vivida pelas gentes do Porto, o testemunho dado por António Teixeira de Vasconcelos em «O Prato de Arroz Doce» ultrapassa a sua condição de romance folhetinesco e vulgar, sendo um dos grandes documentos testemunhais existentes ao dispor de quem esteja interessado na história da resistência setembrista da cidade do Porto durante o episódio da Patuleia.

 
publicado por Carlos Loures às 22:00
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Sábado, 4 de Setembro de 2010

República nos livros de ontem nos livros de hoje - 139 e 140 (José Brandão)


Perfil de Sidónio Pais

Bruno de Montalvão

Lisboa, 1942

Sidónio Pais ocupa lugar de relevo no conjunto de valores da nossa Raça.

O seu nome pode inscrever-se na galeria dos mártires e, por isso, tem um lugar escolhido no meu coração,

Nunca recebi qualquer benesse da política ou da obra sidonista e no entanto, à medida que o tempo passa mais se afervora o meu culto e a minha admiração por essa nobre figura de português.

Se este pequeno e singelo preâmbulo à «Vida e Obra de Sidónio Pais», trabalho a que pacientemente me tenho dedicado, for agora bem acolhido pelo público, não me furtarei a lançar à luz da publicidade essa obra em que procuro focar, com a maior clareza possível, a vida, a obra e as intenções do desventurado Presidente.

O AUTOR

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O Poder e o Povo

(A Revolução de 1910)

Vasco Pulido Valente
Moraes Editores, 1982

Da revolução de 1820 à queda da Monarquia, em 1910, a Coroa apoiou invariavelmente os partidos moderados «cartistas» contra o perigo do jacobinismo urbano. E excepto por breves intervalos, estes conseguiram prevalecer sobre as forças «democráticas» e radicais, a que apenas se aliaram nos mais negros dias da guerra civil Entre 1847 e 1852, a esquerda pequeno-burguesa dissolveu-se em dúzias de facções impotentes ou foi absorvida e domada pela Regeneração. A nova burguesia terra-tenente, financeira e comercial dos «barões» liberais dominou o Estado, quase sem desafio, até 1903-1905. Os médicos, advogados, professores, oficiais, funcionários públicos, comerciantes, pequenos empresários da indústria oficinal e médios proprietários rurais, que haviam dirigido a ala intransigente do «Vintismo», a revolução de Setembro e a revolta da Patuleia ficaram sessenta anos numa posição subordinada.
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publicado por Carlos Loures às 18:00
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Quarta-feira, 30 de Junho de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 43

Carlos Leça da Veiga


Só Portugal é que não podia ter colónias?

Entre 1808 e 1850, Portugal foi vítima de transtornos políticos não só memoráveis como, também, dum vulto tal que arrasou, com um imenso significado e consequências irreversíveis, o património económico nacional. Continua a ser difícil compreender-se como conseguiu sobreviver ao cariz gravoso – imensamente gravoso – das circunstâncias subsequentes e, apesar de tudo, ter conseguido sair, com certo donaire, dos descalabros político, económico e social em que, sucessivamente, teve de viver.

A agressão militar da França napoleónica cujas acções de pilhagem deixaram marca indelével para todo o sempre têm de somar-se várias outras vicissitudes, todas muito perturbadoras, inclusive criminosas, como tenha sido a sujeição ao despotismo duma década de ocupação militar inglesa, como foi a imensa alteração económica causada pela inevitável independência do Brasil, como foi a traição da “Abrilada” e o seu repugnante miguelismo absolutista a exigir, como aconteceu, a consequente guerra civil entre 1832 e 1834 para, depois, até á regeneração em 1850, o país ter passado a ser vitimado por quanto ficou consagrado como “devorismo”, nele incluído os desmandos do “cabralismo” e os episódios fratricidas, imensamente debilitantes, da guerra da Maria da Fonte em 1846, como, depois, em 47, da guerra da Patuleia, qualquer das duas acabadas às mãos dos interesses do exterior, para tanto coligados.


A política nacional portuguesa – sempre vigiada de perto pelo imperialismo do “aliado” inglês – foi vitima de distorções ou de interpretações paroquiais com cujas, por necessário, falharam – teriam de falhar – as várias tentativas de intervir com autonomia política, bom grado, aceite-se, as suas boas intenções. As obras públicas do fontismo, por exemplo, se foram, de facto um beneficio inquestionável para o património nacional português, foram, em especial, um bom negócio para os estrangeiros que por cá vieram construí-las, instalá-las e explorá-las porém, bom grado tanta obra pública e tanta “modernização”, a emigração para o Brasil, bem vistas as coisas, tornou-se, na realidade, a única saída satisfatória para um contingente imenso da população que, jamais deverá esquecer-se, anos a fio, foi o produtor efectivo das remessas financeiras capazes de compensarem os gastos nacionais com as importações, uma compensação financeira de tal modo significativa, que permitiu um viver descuidado na inconsciência duma possível crise nacional de bancarrota. O historiador Oliveira Martins deixou escrito que na opinião dos capitalistas estrangeiros “Portugal pareceu por largos anos um bom país a explorar, e as bolsas estrangeiras, passando a esponja do esquecimento sobre as bancarrotas passadas, abriram os seus cofres”.

A economia do País – a que interessa, a da arraia-miúda – andou para trás e, anos após, ainda na Monarquia, quase paralisou para, depois, com a República, num novo assomo de “modernidade”, entender-se dever fazê-lo no convívio social com os vários dirigentes políticos do ocidente europeus enquanto cinquenta e cinco mil portugueses conheceram horrores inimagináveis ao obterem a sua “modernidade” na agrura das trincheiras da Primeira Grande Guerra com o que, resultado brilhante, exauridos os cofres do Estado, sem ganhos significativos no crédito político internacional, aos seus dezasseis anos de vida, a República haveria de ser liquidada pelas consequências nefastas do 28 de Maio de 1926 para, depois, durante os cinquenta anos de fascismo e da sua obra de “modernismo”, aqui e nas colónias, o País não só ficar amordaçado como, triste sina, a ser forçado a uma emigração desmesurada, a ter mortos e estropiados numa guerra injusta de treze anos para, no seu fim, aliás muito feliz, quando era esperado desistir-se da prática saloia de ter-se a todo o custo, uma “modernidade” ou um “modernismo”, copiados do que era feito lá fora, nada disso aconteceu e, ao seu invés, como está à vista, tudo tem sido gasto numa montagem da “modernização” – tão querida do montanheiro – cujos resultados consequentes, falaciosos no mais essencial, dão medida do recuo pronunciado do posicionamento do País conforme verificado em variados indicadores económicos e sociais.

Na realidade, a perspectiva daqueles racionalistas que, entre nós, reclamava a tão proclamada necessidade de “ser-se moderno” (uma cópia em pequenino do que era visto fazer-se nos estados centro-europeus em expansão) só teria tido razão de ser caso não fosse, como foi, alicerçada na transitoriedade inevitável dum positivismo exaltado, estéril e inconsequente mas sim escorada num pensamento dialéctico susceptível de levar em linha de conta – goste-se, ou não – a evolução histórica do país.

Já na época pombalina, quando eram agitadas as mais influentes recomendações para acorrer-se ao chamamento e á cópia das práticas políticas, cientificas, comerciais e industriais dalguns estados da Europa central que os intelectuais desse tempo, aqueles apontados como esclarecidos – se o eram – já tinham de ter a obrigação de saber que o passado histórico nacional – um passado imponente com um desmoronar brutal – tinha de ter reflexos inelutáveis e inexoráveis em quaisquer acontecimentos e comportamentos posteriores. Com efeito, tinham de aperceber-se da dificuldade – senão mesmo da incongruência – de ser impossível não levá-los em linha de conta quando propunham mudanças tão avançadas no remanso tradicionário da vida paroquial portuguesa.
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publicado por Carlos Loures às 21:00
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