Carlos Leça da VeigaQue relacionamento há com Goa, sabendo-se que a União Indiana é um dos maiores potentados mundiais? Quem – que governação portuguesa – exemplo lamentável, nunca nada fez com a importância mais devida para proteger, senão incentivar, o património cultural português deixado nos territórios que, anos atrás, foram chamados Estado Português da Índia? Em Goa, mais um mau exemplo da política externa portuguesa, deixou-se morrer o jornal “O Heraldo” que era, no mundo, o periódico mais antigo publicado em língua portuguesa, tudo consequência dos governantes daqui não terem sido capazes de dar-lhe o socorro financeiro mais necessário à sua sobrevivência.
O colonialismo português, mau grado muitas depredações de ordem vária (não esquecer a criminalidade do tráfico da escravatura) apesar de tudo, como fruto último duma convivência muito estreita e duma irrecusável bonomia social – afinal, um fenómeno cultural tornado histórico – gerou, contra todas as piores expectativas, bons entendimentos e companheirismos dignos, uns e outros, de reconhecimento internacional. Por desgraça, este notável capital político não têm merecido dos sucessivos governos nacionais posteriores ao 25 de Abril a atenção e o favor duma preocupação política à altura das necessidades tanto nacionais como, por igual, as de todos os novos Estados de Expressão Oficial Portuguesa, reconhecidos todos os condicionalismos e todas as particularidades próprios de cada qual.
Para que a subsistência afirmativa de Portugal, no quadro dum posicionamento internacional verdadeiramente ímpar seja, de facto, uma realidade sentida será obrigatório que tenha uma preocupação muito intensa com a possibilidade de transformar os velhos relacionamentos, com todos os novos Estados de Expressão Oficial Portuguesa, em parcerias firmes e sustentáveis, sobretudo, nas áreas da economia, da educação, da cultura, da tecnologia e da ciência. Só desta maneira, face ao mundo, conseguir-se-á a consagração duma alternativa política, cultural e social repleta das mais variadas virtudes políticas e, por isso mesmo, capazes de potenciarem as parcas possibilidades económicas portuguesas enquanto, a seu par e em contrapartida – uma contrapartida valiosa – a população portuguesa tem sectores bem habilitados capazes de facultar, com mérito reconhecido, tanto as suas disponibilidades técnico-cientificas, como as suas diferenciações profissionais.
“A cooperação deve ser progressista, quase revolucionária” na expressão do único português, o Embaixador Dr. Luís Gaspar da Silva, que entendeu, com a inteligência, a sapiência e a ponderação dignas de mencionarem-se, as formas correctas a serem adoptadas para os relacionamentos com todos os Estados, hoje em dia, congregados na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
“A importância da política de cooperação não é só o acordo económico como motivo determinador e a causa principal e única das relações diplomáticas. Ela é, essencialmente, um processo cultural que caminha para a liberdade, conduzindo à solidariedade e à autonomia moral do mundo integralmente humano” e mais, como pode ver-se na “Utopia, seis destinos”, obra publicada por aquele Senhor Embaixador, “A África deve ser considerada como ideia central da geopolítica portuguesa. Ela representa um dos vectores primaciais da nossa acção histórico-pragmática”.
Haveria de ser uma política promissora para o investimento financeiro e humano bem melhor do que aquela de subserviência manifesta mostrada face à chamada união europeia – o IV Reich – concretamente às suas potências continentais.
Tem de perguntar-se se os donativos europeus terão mais valor real que as possibilidades de trabalho – de emprego – no mundo que a História nos fez conhecer e, como assim, ser conhecidos pela História?
Dir-se-á que todas estas várias maneira de questionar ou de observar os relacionamentos com um mundo por onde os portugueses tanto passaram vivem, apenas, duma atitude populista e que não são nada mais do que isso; que nada mais conseguem vislumbrar que não sejam superficialidades; que não traduzem a complexidade dos problemas; que não levam em linha de conta as correlações de força dos relacionamentos internacionais; que o terceiro mundo é para esquecer; que não atendem aos interesses nacionais; que nada têm que ver com os propósitos da Democracia; que não estão na primeira linha das perspectivas da união europeia; que contrariam os altos desígnios dos possidentes nacionais; que são contrárias ao afluxo do investimento estrangeiro; que prejudicam a tal retoma económica que – tem de dizer-se – nos moldes políticos actuais, essa, nunca chegará; que ignoram as dificuldades da conjuntura internacional e que não atendem às prioridades da política europeia, uma política que, essa sim, tem de ser propugnada, porquanto – aqui entra o puro oportunismo e a mais estafada desonestidade política – perspectiva um eldorado infalível.
Viver-se nesta nítida dependência política imposta pelo exterior, só pode causar indignação. Quantos senti-la-ão?
Quem tem sido ludibriado é quem tem de queixar-se e de fazê-lo sustentado nas suas possibilidades próprias, com autonomia e não por intermédio de cabeças alheias. Os que tudo sabem – isto é, julgam saber – já tiveram mais de trinta anos para demonstrarem as suas falências políticas e, como assim, têm de perceber que devem sair de cena. É fundamental unir os esforços dos independentes – dos não-alinhados – para desenhar-se uma resposta da indignação nacional.
Como deixou escrito Hannah Arendt, “São os Homens que fazem milagres porque, por receberam o dom duplo da liberdade e da acção, são capazes de instaurar uma realidade que seja sua”
Carlos Leça da VeigaOs relacionamentos internacionais que mereciam preferência.“
A África deve ser considerada como ideia central da geopolítica portuguesa. Ela representa um dos vectores primaciais da nossa acção histórico-pragmática”,
Embaixador Dr. Luís Gaspar da SilvaNo passado colonial português, todos o sabem, foram cometidas muitas delapidações e desacertos impossíveis duma qualquer desculpa, porquanto, factos e atitudes tão reprováveis – quanto tão inaceitáveis – não devam ser esquecidos seja por quem delas foi vitima seja, também, por quem delas foi autor. Em quaisquer circunstâncias, hoje em dia, conscientes de mesmo sem poderem sarar-se muitos dos agravos, o devir da evolução histórica aponta, com determinação, para saber superá-los de tal modo, escorados num saudável espírito de cooperação, possam abrir-se caminhos inteiramente novos, como os benefícios bilaterais assim exigem.
Impõe-se e tem vantagens mútuas, saberem virar-se as páginas mais lamentáveis do colonialismo, tudo, sem querer aligeirar-se ou esquecer-se quanto a História registará.
Acrescente-se por, também, não dever ignorar-se que, anos atrás, nos idos de setenta, as duas maiores potências político-militares mundiais, na ânsia neocolonizadora de quererem substituir os colonizadores portugueses, tudo fizeram para criar um clima de intriga internacional suficientemente conflituoso para, desse modo, conseguirem manobrar, fazer deflagrar e alimentar, nas antigas possessões portuguesas, conflitos bélicos duma enorme dimensão com consequências humanas imensamente devastadoras e prejuízos materiais incalculáveis. Para além doutras quaisquer intenções de rapina, afastar de África os residentes portugueses é mais outra acusação que deve fazer-se aos manobradores internacionais.
Fosse por intenção deliberada das centrais de desinformação política, fosse consequência inevitável dos perigos que uma guerra comporta, o procedimento dos cidadãos portugueses radicados em África, face aos novos Estados africanos teve de tornar-se num êxodo maciço que, provavelmente não o teria sido, caso não tivesse havido ingerência bélica do exterior que levou, sem contemplações, ferro e fogo a Angola, a Moçambique e, ainda agora, à Guiné-Bissau. Não fosse assim, pode admitir-se, o fluxo migratório português para esses novos Estados, com toda a lógica, poderia ter sido muito significativo já que constituiria uma resposta apreciável para satisfazer as dificuldades laborais portuguesas e, também, é reconhecível, as carências profissionais das ex-colónias.
Conseguir-se-ão reabrir os caminhos africanos?
Conseguir-se-á regressar ao velho universalismo português?
Não parece que o eurocentrismo dominante na política portuguesa pretenda fazê-lo. Os subsídios europeus tudo pagam, dignidade inclusive.
A política portuguesa, deve querer dirigir toda a sua atenção preferencial para esse mundo imenso fora da Europa, espalhado por todos os continentes, onde, por séculos, viveram e prosperaram milhares de portugueses e que, hoje em dia, tal como para o futuro, está afirmado como sendo um espaço promissor para desenvolver-se um frutuoso entendimento cultural, económico e político cujo entrosamento, tão necessário, quanto benéfico, não tem estado a operar-se com a suficiência e a efectividade mais imperiosas.
Que mundo imenso, fruto dum relacionamento ímpar, velho de séculos, falado em português é que tem estado a perder-se?
As culpas não podem ser assacadas aos votantes portugueses, outro sim aos interesses da baixa politiquice. Sob quaisquer aspectos esse relacionamento falado em português devia ser cultivado com propósitos estratégicos de interesse reconhecidamente bilateral. Para a população portuguesa, em quaisquer circunstâncias, seria, sempre, altamente compensador sobretudo em contraponto ao europeísmo multilateral, expansionista, federalista, continental, prepotente, frustrante, interesseiro, onírico e limitador das livres decisões nacionais que, na verdade, já indigna a muitos.
Quem desbaratou a agricultura, a pesca, a industria e o comercio?
Quem aceitou aumentar o volume brutal das despesas, sobretudo, à custa das importações?
Quem prejudicou, pelo acinte e pela subserviência às ideologias mundiais antagónicas, o muito desejável relacionamento de Portugal com os Países Africanos de Expressão Oficial Portuguesa?
Quem, dessa maneira, tornou dificílimas as possibilidades de trabalho para um contingente enorme dos desempregados nacionais?
Que preocupações sérias têm sido dispensadas a Macau e a Timor, cidadelas na zona do Mundo – o oceano Pacifico – para onde caminha a força estratégica da nova era? Por pequenos que sejam esses territórios podiam e deviam ser arvorados como pontos privilegiados de observação política e de intensa intermediação cultural, exactamente, como a estratégia nacional tinha obrigação de propugnar. É errado – causa indignação – não haver uma presença portuguesa muito bem visível nessa zona do mundo.
Todos esses pequenos territórios (Macau e Timor) sejam quais forem as condições em que vivam, por seu intermédio, nos dias de hoje e no futuro, podem facultar a Portugal uma aproximação muito directa para estar presente – um privilégio – junto ao Pacifico, o novo lago em cujo torno vai estar – já está – dum lado e doutro, a sede de decisão da nova estratégia mundial.
Há patrimónios culturais que a História impede possam abandonar-se e não pode autorizar-se que uns tantos arvorados em dirigentes nacionais possam fazê-lo.
Quem não fica indignado?