Eu bem compreendo o Coronel Otelo Saraiva de Carvalho, tivemos uma oportunidade única para sermos um país respeitado, mais justo, mas apesar dos milhões que recebemos da UE não somos mais que um dos três países em recessão económica e para o ano vamos ser o único país em recessão em todo o mundo.( logo, cada vez mais pobre e mais injusto)
Somos o país mais pobre da UE, o mais desigual, o que cria menos riqueza e somos um fartote de gozo para toda a Europa. Percebo isso tudo, e a desilusão é muito grande, principalmente quando temos sido governados ´a vez por um partido que se diz socialista e por outro que se diz social-democrata.
Mas há muita coisa boa. Vivemos todos muito melhor que antes do 25 de Abril, a nossa esperança de vida passou de 68 anos para 79 anos, em 1974 homens e mulheres vestiam-se de preto ainda sem fazer 40 anos com a "mortalha" que os acompanharia na grande viagem. As crianças , no verão morriam como tordos por falta de saneamento básico, hoje temos um dos índices de mortalidade infantil mais baixos do mundo.
Na educação era preciso pertencer a um determinado estrato da população para ter acesso ´a escola, hoje há ensino obrigatório e a maioria dos jovens tem acesso a todos os níveis de ensino. Vivemos em democracia e não temos que olhar por cima do ombro quando emitimos opinião.
Não, Otelo, valeu a pena e está nas nossas mãos correr com esta pandilha que tem como primeiro emprego as "jotas" dos partidos e como segundo os gabinetes do Terreiro do Paço, ou da administração de uma qualquer empresa publica. Não e preciso fazer outra revolução, ou antes, preciso e´, mas passados uns anos estávamos na mesma, é preciso medir o mérito , é preciso deixarmo-nos de dogmas ideológicos que nos cegam, é preciso não ter medo, é preciso não nos vergarmos às corporações de interesses e profissionais que são hoje mais famintas do que nunca e que mamam o estado sem cessar..
E, claro, é preciso p^or freio nos dentes ao grande capital que já não recua perante os estados soberanos, destruir economias, e mandar para o desemprego milhões de pessoas.
Já provamos que somos capazes de fazer isso tudo e muito mais, mas é necessário, hoje como ontem, resistir!
«Onde estavas no 25 de Abril?», pergunta Baptista Bastos com a sua voz rouca. Oportunamente, responderei. Faz hoje 35 anos, por esta hora, uma boa parte dos portugueses sentia-se triste – a festa da liberdade acabara – falava-se no advento de uma «democracia musculada», fosse lá isso o que fosse. Um tal tenente-coronel Ramalho Eanes, que fora do meio militar ninguém conhecia, aparecia nos noticiários como o senhor desta guerra – óculos escuros, patilhas compridas, frases curtas e com uma pronúncia estranha, não auguravam nada de bom. A comparação com Pinochet era inevitável. Quem seria o «gajo» de óculos escuros? Soube-se depois que também estava ligado ao chamado «Grupo dos Nove» e que fora encarregado de encabeçar o movimento militar de 25 de Novembro.
Havia portugueses que respiravam de alívio – aquilo a que nós chamávamos «festa», chamavam eles «caos», «bagunçada», «anarqueirada»... Passados 35 anos, já é possível falar dessa data (quase) sem rancores, nem falsos clichés. O meu sentido de justiça obriga-me mesmo a saudar a transformação produzida em Eanes – o bisonho tenente-coronel é hoje um homem culto e ponderado. Seria uma opção para a Presidência. Não votaria nele, mas seria uma figura respeitável. É matéria ainda sensível, apesar da distância temporal que nos confere já uma apreciável perspectiva histórica do acontecimento. Vou cingir-me à síntese dos acontecimentos e a uma ou outra opinião pessoal, emitida sem prosápias de analista, na perspectiva do simples cidadão que tem, por enquanto, o direito, e até o dever, de opinar. Um documento emitido por oficiais da esquerda militar em 8 de Julho de 1975, em pleno «Verão Quente» - «Aliança Povo/MFA - para a construção do socialismo em Portugal», enchera de esperança o povo de esquerda. No mês seguinte, um documento provindo da esquerda moderada tentou aplacar o incêndio que lavrava de Norte a Sul – o chamado «Documento dos Nove», sem aludir ao anterior, recusava o modelo socialista da Europa de Leste, bem como o modelo social-democrata da Europa Ocidental. Propugnava um socialismo alternativo, apoiado numa democracia pluralista, respeitadora das liberdades, direitos a garantias fundamentais. Note-se que o primeiro documento também não defendia o comunismo do tipo soviético e, por isso, não colheu grande simpatia entre as hostes pecepistas; mas deu corda às esperanças da esquerda extra-parlamentar que inundou as ruas com as suas manifes entusiásticas. As posições extremavam-se. No Norte as sedes dos partidos de esquerda, eram assaltadas e destruídas. Os confrontos multiplicavam-se com o ELP (Exército de Libertação de Portugal), criado pelo inspector da PIDE, Barbieri Cardoso, presidido pelo general António de Spínola e sediado em Espanha, a levar a cabo alguams acções contra os militares e contra os partidos de esquerda. O espectro da guerra civil assolava o País. Passado um «Verão quente» e um princípio de Outono agitado, o início de Novembro fora marcado com as notícias vindas de Angola – recrudesciam os combates entre as forças do MPLA, reforçadas com unidades cubanas, e as da UNITA, apoiadas por tropas sul-africanas e mercenários portugueses. Em 11 de Novembro, foi proclamada a independência. Enquanto decorriam as cerimónias em Luanda, na presença do almirante Rosa Coutinho, que cessava as suas funções de Governador e delegava o poder nas mãos de Agostinho Neto, escutava-se nas imediações da capital o troar das peças de artilharia, pois os combates prosseguiam. Os ecos dessa luta ouviam-se também em Portugal.
No dia 12, o Palácio de São Bento, sede do Governo e da Assembleia Constituinte, era cercado pelo trabalhadores da construção civil que sequestraram os deputados durante várias horas. No dia seguinte, uma grande manifestação, com centenas de milhares de pessoas, percorria as ruas da capital, exigindo o advento do Poder Popular. No dia 20, o Governo auto-suspendeu as suas funções exigindo que as forças da ordem garantissem o normal funcionamento das instituições. No dia seguinte, no Ralis (Regimento de Artilharia de Lisboa), realizava-se um juramento de bandeira sui generis – os soldados juraram e saudaram a bandeira de punho cerrado e erguido.
A temperatura atmosférica, matizada pelo chamado «Verão de São Martinho» era amena. A temperatura política era escaldante. O abismo aproximava-se quase sem que para ele caminhássemos. No dia 25, uma gota fez transbordar a taça da paciência conservadora – o Conselho da Revolução tomou medidas que a muitos desagradaram – substituiu alguns comandantes militares, dissolveu a base-escola de pára-quedistas de Tancos. Tropas pára-quedistas ocuparam de imediato as bases da Ota, de Tancos e de Monte Real. Elementos do Ralis posicionaram-se nas principais entradas de Lisboa, controlando estrategicamente os acessos à capital.
O presidente Costa Gomes decretou o estado de sítio. Chamou Otelo Saraiva de Carvalho ao Palácio de Belém. Otelo, recorde-se, graduado no posto de general, comandava o COPCON (Comando Operacional do Continente), a força operacional mais bem apetrechada e potencial foco de uma reacção violenta e quiçá decisiva da esquerda militar. Otelo foi à reunião com Costa Gomes, sabendo que, na prática e sob outra designação, estava a ser detido, retido, impedido de actuar, use-se o eufemismo que se quiser para prisão, porque na realidade foi isso que aconteceu.
Abro um parêntesis, para contestar acusações que têm sido feitas a Otelo. Somos amigos, nessa medida serei algo suspeito. Reconhecendo que poderá não ter sido ao longo do processo revolucionário (e, sobretudo, depois) um modelo de ponderação, ao deixar-se deter em Belém, evitou uma guerra civil. Já ouvi imbecis e atrasados mentais a acusar o Otelo de estupidez. Reajo sempre mal, pois sei que lhe devemos que o 25 de Novembro não se tenha tornado numa data negra e não se tivesse saldado por muitas, muitas mortes. Otelo pediu a demissão do COPCON que ficando decapitado permitiu que o Regimento de Comandos da Amadora, quase sem constrangimentos dominasse os pontos estratégicos de Lisboa, acabando por controlar a situação. Há 35 anos, a esta hora a «festa» acabara. Voltava-se à «normalidade». Pergunto aos militares de Novembro - todos ou quase todos militares de Abril. A normalidade que temos, mais de três décadas depois, era a que sonhavam em Abril de 74? E em Novembro de 75 foi esta a normalidade que quiseram proporcionar ao País?
Eu, onde estava? Estava com mais algumas dezenas de companheiros, concentrados em local próprio, bem armados (mas mal municiados) prontos a entrar numa contenda que mal chegou a esboçar-se. Esperáva-mos ordens para partir para onde nos dissessem. Na noite de 25, uma camarada, oficial da Força Aérea, chegou com a notícia de que tudo estava perdido. Despimos os camuflados e vestimos as roupas civis que afinal eram as que nos competiam. Os militares regressavam aos quartéis. Os civis saiam dos quartéis. Começámos de imediato a dispersar de forma ordenada um a um. A tristeza era muita. A normalidade voltara.
Excepcionalmente, naquele sábado, dia 13 de Julho de 1974, não houve reuniões ou manifes. Coisa rara naquele Verão que se seguiu ao 25 de Abril. Estava com a mulher e os filhos em casa do meu compadre Joaquim Reis na Parede (eu morava perto). Estava também o Jaime Camecelha, meu amigo de infância, e a respectiva tribo. A comadre Lurdes fizera um petisco e bebíamos umas cervejas, e conversávamos animadamente, como de costume.
O televisor estava ligado, com o som baixo, e enquanto comíamos e falávamos, íamos olhando distraidamente. Estavam a transmitir uma cerimónia qualquer em directo. Reparámos que estava presente toda a Junta de Salvação Nacional. Um de nós foi subir o som. E demos atenção. O general Jaime Silvério Marques fazia um discurso oco exaltando a juventude de espírito dos membros da Junta de Salvação Nacional, todos eles oficiais generais, chamando à Junta os louros da Revolução. Nós ríamos e íamos comendo, bebendo e mandando bocas. Era a habitual conversa de chacha. Foi então que um jovem major de cabelo cortado curto, precocemente embranquecido, elevou a voz e perguntou: «-Dá-me licença, meu general?» Silvério Marques apanhado de surpresa disse que sim. Acho que foi o meu compadre quem disse, referindo-se ao major: «- Este gajo parece o Nasser!».E o «Nasser» saiu-se com esta:
Soubemos depois que aquele acto solene se destinava a graduar em brigadeiro o tal major de cabelos brancos e a nomeá-lo para comandante-adjunto de uma coisa chamada COPCON (que o MRPP dizia ser a nova PIDE). Com o discurso do empossado a cerimónia estava estragada. Os generais estavam furiosos, o monóculo do Spínola lançava chispas, a bonomia desaparecera-lhe das bochechas. Costa Gomes mantinha o seu sorriso discreto e era o único que não parecia muito incomodado. Nós os seis desatámos a bater palmas. «Embrulha!»O Joaquim Reis lançou este modismo, na época muito em voga, dirigido ao Silvério Marques que gaguejava atabalhoadamente as palavras de encerramento do acto. Nunca mais deixámos de seguir com atenção a carreira deste homem com o qual, passado relativamente pouco tempo travei uma relação de amizade. Tínhamos frequentes reuniões em Lisboa, morávamos ambos na linha de Cascais, éramos quase vizinhos (eu vivia na Parede e ele em Oeiras) e ia até sua casa no meu carro. Alternadamente seguíamos depois no carro de um ou de outro, porque, mais ainda do que agora, os tempos não estavam para despesas inúteis. Pude ver, durante esse convívio, como Otelo, ao contrário do que se diz, é uma pessoa de grande cultura, gostando de bons livros, de bom cinema, de boa música. Um militar atípico, dir-se-ia mesmo.
Mais tarde, tive o prazer de ser seu editor, publicando-lhe numa colecção dirigida pelo António Reis uma edição encadernada do seu «Alvorada em Abril». Justamente em «Alvorada em Abril», Otelo conta como, no comando clandestino instalado no Quartel da Pontinha, terminada a sua missão se sente desnecessário. É um belo momento literário – a Revolução triunfou após 48 anos de ditadura e o homem que planificou a acção e a controlou até ao fim, acha que a sua missão terminou:
«Retiro da prancheta o meu “mapa de estradas”, recolho a “ordem de operações”. Luís Macedo mandará depois arrumar a sala e Garcia dos Santos providenciará para a recolha dos rádios e telefones. Dou um último olhar pelo compartimento, apago as luzes e fecho a porta. Sou o último a sair. No quarto de oficiais, dispo a farda e visto-me à paisana. Meto no carro a pasta e o saco de napa com o uniforme e saio a porta de armas da unidade. O velho Morris 1100 rola pela fita da estrada a caminho de casa, num país diferente.» Otelo Saraiva de Carvalho foi o cérebro da Revolução de Abril, o homem que planificou toda a operação. No terreno, Salgueiro Maia foi o mais brilhante executor dessa «ordem de operações». Sabe-se que o MFA era constituído por muita gente e que todos foram importantes, mas se tivesse de escolher os nomes mais representativos desse grupo de jovens oficiais, Otelo e Salgueiro Maia seriam os eleitos. Sem hesitar.
Retirámos do “Livro do Curso 1959-60” os seguintes elementos biográficos :
Rui de Oliveira nasceu em Lisboa, em 1935 e é licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Foi assistente da cadeira de Higiene e Medicina Social (demitido em 1962 por motivos políticos); especialista em Patologia Clínica pela Ordem dos Médicos; presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos (1972/74), mandato interrompido pelo Ministério das Corporações. Desde 1972 foi Sub - Chefe e Chefe de Serviço do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, para o qual foi eleito Sub – Director até 2005.
No seu percurso cívico e político foi membro fundador da Comissão Pró - Associação dos Estudantes de Medicina de Lisboa, Secretário-Geral das Reuniões Inter-Associações (1959-60), activista da Comissão Democrática Eleitoral (C.D.E.) em 1969 e 1973, delegado do interior às II e III Conferências da Frente Patriótica de Libertação Nacional (Praga, 1963 e Argel, 1964), membro da Direcção do P.R.P. (de 1974 a 78) e membro da Comissão Central da candidatura à Presidência de Otelo Saraiva de Carvalho (1976) e da candidatura de Maria de Lurdes Pintasilgo (1986).
Foi co-fundador da revista “Questões e Alternativas” (1984-1985) e em 2008, foi co-autor da obra “Luís da Câmara Pestana, uma vida curta, uma obra enorme”.