Segunda-feira, 25 de Outubro de 2010
Um nosso colaborador, membro da AAP, pede-nos a divulgação deste comunicado
À comunicação Social
A Associação Ateísta Portuguesa (AAP), na sequência da separação constitucional do Estado e das Igrejas e na defesa da laicidade daí decorrente, nunca se conformou com os benefícios fiscais concedidos em 1990 à Igreja católica e a sua extensão em 2001 às instituições religiosas não católicas e às instituições particulares de solidariedade social (IPSS), instrumentos de poder e de financiamento habitualmente ao serviço das diversas confissões religiosas.
Perante a crise em curso, a proposta de Orçamento do Estado (OE) de 2011 pretende retirar – e bem – os benefícios fiscais, que jamais deviam ter sido concedidos, às instituições religiosas não católicas. O que deixa a AAP perplexa e indignada é que se mantenham ainda os benefícios fiscais que privilegiam a Igreja católica.
Mantendo esta situação injusta e injustificável, o Governo acrescenta à deplorável genuflexão perante a Igreja Católica a discriminação para com todas as outras confissões religiosas. A injustiça ganha agora geometria variável, com o Estado laico a usar poder discricionário a favor de uma das confissões que disputam o mercado da fé, sem respeitar dois princípios constitucionais: o da igualdade e o da separação entre o Estado e as Igrejas.
A AAP acompanha no espanto e indignação todas as confissões religiosas não católicas e comunidades religiosas radicadas no país, bem como os institutos de vida consagrada e outros institutos que a prevista revogação dos artigos 65º da Lei de Liberdade Religiosa e 2º do Decreto-Lei n.º 20/90 remete para uma situação de desigualdade. É inadmissível que a proposta do OE 2011, pedindo tantos sacrifícios a todos os portugueses, ainda assim mantenha o Estado obrigado «à restituição do imposto sobre o valor acrescentado correspondente às aquisições e importações efectuadas por instituições da Igreja Católica», para fins religiosos, ao abrigo do Artigo 1º do Decreto-Lei n.º 20/90, cirurgicamente preservado nesta proposta.
Assim, a AAP reivindica a revogação do Decreto-Lei nº 20/90, pondo fim aos benefícios fiscais concedidos à Igreja Católica e repondo a igualdade não só entre as confissões religiosas mas também a igualdade entre todos os cidadãos, sejam leigos ou padres, deixando aos crentes o ónus da sustentação do culto sem o fazer recair sobre todos os que não se revêem nessa religião: ateus, agnósticos, cépticos e crentes de outras religiões a quem não cabe custear o proselitismo da religião que se reclama dominante.
Associação Ateísta Portuguesa – Odivelas, 25 de Outubro de 2010
Carlos Mesquita
Sem entrar na discussão se temos demasiados funcionários públicos, o facto é que somos o país europeu com mais por habitante. Em períodos de aperto nas contas públicas esses números vêm à baila pelo peso que têm no orçamento. Nos últimos 4 anos reduziram-se 42.800 lugares no funcionalismo, mas o número de pagamentos pelo Estado aumentou. Para além da administração central existem as Fundações, os Institutos, as empresas municipais, intermunicipais e regionais, as sociedades empresariais do Estado; segundo o “jornal I” o Orçamento de Estado alimenta 14 mil entidades públicas. É justo que ao mesmo tempo que se olhe para a administração pública, para saber se o problema é de gestão dos recursos humanos ou puro excesso de pessoal, não se deixe as outras entidades andar em roda livre. Ao decréscimo de funcionários públicos correspondeu um maior aumento do emprego no sector empresarial do Estado. Assim não vamos lá. E não vamos porque não há produção de riqueza, ou se quiserem, crescimento económico que alimente a máquina pesada que sucessivos governos criaram.
Tenhamos consciência que não é um problema da esquerda ou da direita, do socialismo ou do capitalismo, qualquer sistema tem de produzir para distribuir e não pode consumir mais que o que tem. A alternativa é viver de empréstimos enquanto houver quem os abone, foi o abuso dessa prática que nos trouxe até aqui.
Ao nível local os responsáveis regionais e autárquicos replicaram os vícios dos governos, criaram para além das empresas municipais que farão sentido, muitas outras que servem fundamentalmente para a desorçamentação, como já serviram para os ajustes directos e desde sempre para passar as dívidas para o Estado. Este ano descobriu-se um bolo de 400 milhões de dívida. São várias as vozes de autarcas a pedir disciplina nas empresas municipais, e alguns a denunciar as suas práticas; de Macário Correia que disse que as empresas municipais são criadas para dar emprego a políticos não eleitos, a Fernando Costa, das Caldas da Rainha, que dizia ontem “ser aí (nas empresas municipais) que o governo devia cortar” e “avaliar os ordenados que se pagam nas empresas municipais”. Também é voz popular que muitas têm servido para dar emprego a companheiros de partido ou familiares, localmente se saberá avaliar. O importante é que não é mais possível sustentar Institutos ou Empresas Municipais, ou invenções do género, que sejam inúteis ou sobreponham funções das autarquias ou da administração. Repetir ao nível local e regional a irresponsabilidade dos governos, é promover mais cortes futuros nos rendimentos dos portugueses e mais cortes nas verbas necessárias para o funcionamento das autarquias.
Sou pela autonomia do poder local, mas há abusos que têm de ser denunciados para manter o bom-nome desse poder. Há aproximadamente 2,5 empresas municipais por Câmara, 308 municípios, e cerca de 2.000 administradores; serão necessários 2.000? E todas essas empresas? Luís Filipe Menezes Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, anunciou que as sete de Gaia passam a três em Janeiro. É um bom exemplo de reestruturação mas deixa uma dúvida; se vai funcionar com três porque são agora sete? Menezes diz que isso significa menos uma dezena e meia de administradores, menos dezena e meia de carros e motoristas, racionalização de custos, racionalização ao nível da organização da gestão, chefias únicas das áreas financeiras, gestão de pessoal, contratualização, aprovisionamento.
Imagine-se uma reorganização semelhante nos milhares de entidades públicas que vivem do Orçamento de Estado, seria um corte na despesa significativo. No entanto tenho dúvidas no sucesso destas medidas, os interesses clientelares das famílias políticas tem provocado custos acrescidos nestas reestruturações. Um administrador sai de um poleiro, recebe a respectiva indemnização, e reaparece noutra instituição do Estado com igual ou superior proveito. O sistema está armadilhado, os interesses são muito poderosos. Para evitar a solução dos cortes cegos, pagando todos a gestão ruinosa de alguns, só exigindo transparência e controlando a prática dos eleitos. Se a Justiça funcionasse…
(In Semanário Transmontano 2010-10-19)
Sexta-feira, 22 de Outubro de 2010
Carlos MesquitaPescas. Os portugueses são dos maiores consumidores de peixe do mundo. Dois terços do peixe consumido em Portugal são importados. O défice desta balança comercial atingiu cerca de 350 mil toneladas em 2009, no valor de 740 milhões de euros. Importamos 1,3 mil milhões de euros de peixe, exportamos 560 milhões. Não capturamos excessivamente nenhuma das nossas principais espécies de peixe. As quotas atribuídas ao nosso país não são esgotadas, devido á abundância de algumas espécies, e ao facto de Portugal não ter navios suficientes, porque a frota tem sido desmantelada. (i/Lusa)
Cavaco Silva abriu ontem a conferência “Portugal e o Mar” dizendo que “Portugal não se pode dar ao luxo de desperdiçar um dos nossos principais recursos naturais” e precisou “face ás elevadas quantidades de consumo de peixe per capita, surpreende que não façamos mais esforços para aumentar a sua produção. Para um país que tem, impreterivelmente, de reduzir as suas importações e aumentar as suas exportações, dá para reflectir”.
Como o nosso presidente está surpreendido e nos pede para reflectir – reflictamos.
Este presidente não é o mesmo Cavaco Silva que foi primeiro-ministro? E não foi no seu governo que começaram e foram determinantes os incentivos ao abate de barcos de pesca? Como aliás ao abandono dos campos. É preciso ter uma grande lata para estar surpreendido pelos resultados das políticas que preconizou.
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Lobos. Soube agora com o Orçamento de Estado (O.E.), o valor da indemnização aos concessionários da A24 pelo chumbo do Ministério do Ambiente ao traçado da via, para proteger segundo dizem o habitat de sete lobos em Trás-os-Montes. Desde 2003/2004 acompanhei e escrevi vários artigos na imprensa regional sobre as vicissitudes desta obra, crucial para a região. Foram pagos á Norscut 320 milhões de euros em 2008.
No O.E 201, estão inscritos 536 milhões devidos aos sindicatos bancários (BES, CGD e BCP) associados aos concessionários que avançaram com o pagamento à Aenor (216 milhões) e à Nortscut (A24).
No caso que conheço melhor, a indemnização é devida ao atraso do funcionamento da estrada. Não sei se está contabilizado nesta verba o desvio feito da serra do Alvão para a da Falperra, para o projecto ser aprovado, cujo viaduto sobre o vale de Vila Pouca de Aguiar custou 100 milhões de euros. É uma obra colossal com 1.350 metros de comprimento 32 pilares 30 andares de altura, leva os automobilistas para uma estrada de montanha, perigosíssima no inverno. Tudo isso para a estrada não passar por uma ponta da Rede Natura. É bom que os portugueses saibam que entre meio e um por cento do aumento do IVA, em 2011 é devido a esta despesa dita ambiental. Quanto custa não incomodar sete lobos, que parece que só são quatro, e já li que é só um?
Jon Stewart, actor e apresentador do Daily Show vai promover no fim deste mês uma manifestação a que chama “rally to restore sanity”.
Devíamos associar-nos, em nome do regresso de algum bom senso.
Segunda-feira, 4 de Outubro de 2010
Carlos MesquitaO pacote de austeridade anunciado pelo governo não surpreende quem olha a realidade da vida económica e financeira do país. Tive ocasião de escrever que não percebia porque cá não eram tomadas nenhumas medidas, quando países europeus com problemas semelhantes o faziam. Quando Sócrates dizia que não era preciso aumentar impostos, escrevi que só acreditava nisso quem gostava de andar enganado. Os portugueses gostam de ser enganados? Penso que não, mas acreditam em milagres; mesmo os ateus crêem que alguma coisa irá acontecer para impedir o inevitável.
A divida externa e o deficit das contas públicas não param de subir, os juros da divida são incomportáveis, o crescimento económico é demasiado lento, e os portugueses, com muito ou pouco poder de compra, recusam alterar o seu modo de vida.
Agora diz-se que as medidas são duríssimas, é preciso perguntar, comparado com o quê? A verdade, e nós já vivemos essa situação, é que se tivéssemos escudos em vez de euros, já teriam desvalorizado tornando as importações mais caras, e a inflação nesta situação de pré-bancarrota seria galopante, engolindo boa parte dos ordenados e pensões de reforma.
Nunca saberemos se os remédios do PEC II, de Maio/Junho, bastavam para resolver o problema de 2010, nem sequer se o governo acreditava nisso, os credores e a Sra. Merkel, chanceler da Alemanha e arredores, exigiram medidas com visibilidade e impacto, elas aí estão para serenar os mercados, e consequentemente permitir financiar a economia portuguesa viciada em empréstimos externos.
Sem ir às medidas em concreto, parece que o encaixe do Estado com o fundo de pensões da PT dá uma folga (mesmo incluindo a despesa extraordinária dos submarinos) que permitiria não afectar os mais pobres e de menores rendimentos do trabalho. Para além de serem medidas anti-sociais, esses sectores não gastam em bens supérfluos, compram no mercado interno, fazem mexer a economia local. No fim do ano, quando se souber como foi a execução orçamental, se verá se foi errado economicamente (socialmente é) reduzir o poder de compra das classes mais baixas.
Mas o maior problema é as medidas agora tomadas serem, em princípio, recessivas, podendo levar à retracção do consumo e investimentos privados. Não é fácil conciliar a austeridade com a promoção do crescimento económico, e mais difícil será sem investimento público produtivo.
Como a banca já disse que vai reflectir nos clientes os “sacrifícios do sector financeiro” (o que esperavam?) eram preferíveis normas apertadas para os empréstimos particulares e fazer depender as ajudas do Estado ao sector, do volume de crédito às empresas.
Entretanto podemos ir falando do redimensionamento do Estado, do número de deputados, câmaras, juntas de freguesia, governadores civis, assessores, estudos externos etc. e dizendo o que deve fechar, reduzir ou implodir. Toda a gente tem ideias de como limitar o despesismo do Estado, até no papel higiénico, que tendo duas faces só usam uma.