Sábado, 1 de Janeiro de 2011

Henrique Raposo responde a Jorge Coelho

Luis Moreira

Caro Dr. Jorge Coelho, como sabe, V. Exa. enviou-me uma carta, com
conhecimento para a direcção deste jornal. Aqui fica a minha resposta.
Em 'O Governo e a Mota-Engil' (crónica do sítio do Expresso), eu apontei para um facto que estava no Orçamento do Estado (OE): a Ascendi, empresa da Mota-Engil, iria receber 587 milhões de euros. Olhando para este pornográfico número, e seguindo o economista Álvaro Santos Pereira, constatei o óbvio: no mínimo, esta transferência de 587 milhões seria escandalosa (este valor representa mais de metade da receita que resultará do aumento do IVA). Eu escrevi este texto às nove da manhã. À tarde, quando o meu texto já circulava pela internet, a Ascendi apontou para um "lapso" do OE: afinal, a empresa só tem direito a 150 milhões, e não a 587 milhões.
Durante a tarde, o sítio do Expresso fez uma notícia sobre esse lapso, à qual foi anexada o meu texto. À noite, a SIC falou sobre o assunto. Ora, perante isto, V. Exa. fez uma carta a pedir que eu me retractasse. Mas, meu caro amigo, o lapso não é meu. O lapso é de Teixeira dos Santos e de Sócrates. A sua carta parece que parte do pressuposto de que os 587 milhões saíram da minha pérfida imaginação. Meu caro, quando eu escrevi o texto, o 'lapso' era um 'facto' consagrado no OE. V. Exa. quer explicações? Peça-as ao ministro das Finanças. Mas não deixo de registar o seguinte: V. Exa. quer que um Zé Ninguém peça desculpas por um erro cometido pelos dois homens mais poderosos do país.
Isto até parece brincadeirinha.
Depois, V. Exa. não gostou de ler este meu desejo utópico: "quando é que Jorge Coelho e a Mota-Engil desaparecem do centro da nossa vida política?".
A isto, V. Exa. respondeu com um excelso "servi a Causa Pública durante mais de 20 anos". Bravo. Mas eu também sirvo a causa pública. Além de registar os "lapsos" de 500 milhões, o meu serviço à causa pública passa por dizer aquilo que penso e sinto. E, neste momento, estou farto das PPP de betão, estou farto das estradas que ninguém usa, e estou farto das construtoras que fizeram esse mar de betão e alcatrão. No fundo, eu estou farto do actual modelo económico assente numa espécie de new deal entre políticos e as construtoras. Porque este modelo fez muito mal a Portugal, meu caro Jorge Coelho. O modelo económico que enriqueceu a sua empresa é o modelo económico que empobreceu Portugal.
Não, não comece a abanar a cabeça, porque eu não estou a falar em teorias da conspiração.
Não estou a dizer que Sócrates governou com o objectivo de enriquecer as construtoras.
Nunca lhe faria esse favor, meu caro. Estou apenas a dizer que esse modelo foi uma escolha política desastrosa para o país.
A culpa não é sua, mas sim dos partidos, sobretudo do PS.
Mas, se não se importa, eu tenho o direito a estar farto de ver os construtores no centro da vida colectiva do meu país.
Foi este excesso de construção que arruinou Portugal, foi este excesso de investimento em bens não - transaccionáveis que destruiu o meu futuro próximo.
No dia em que V. Exa. inventar a obra pública exportável, venho aqui retractar-me com uma simples frase: "eu estava errado, o dr. Jorge Coelho é um visionário e as construtoras civis devem ser o Alfa e o Ómega da nossa economia". Até lá, se não se importa, tenho direito a estar farto deste new deal entre políticos e construtores.


publicado por Luis Moreira às 13:00
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Terça-feira, 2 de Novembro de 2010

Esposas por correspondência

Charles Oliver Hinton & Minnie Ann Oliver North
1893 (foto de casamento) --
Tawas City, Iosco County, Michigan, EUA

Carla Romualdo

Há uns tempos descobri na internet um livro que me pareceu de grande interesse: “Histórias Verdadeiras de Noivas por Correspondência na Fronteira” (“Hearts West: True Stores of Mail-Order Brides on the Frontier”,  lançado em 2005, nos Estados  Unidos, e da autoria de Chris Enss. 

Não estivesse eu a atravessar uma cura de desintoxicação da compra compulsiva de livros e já me tinha posto a fazer contas ao câmbio do dólar para mandá-lo vir. Sendo assim, resigno-me apenas a imaginá-lo. A resenha que li interessou-me: histórias reais de casamentos acordados por correspondência no velho Oeste americano. E, ao que parece, há lá de tudo: casamentos felizes que duraram décadas mas também desilusões que levaram a moça a regressar ao fim de uma hora com o seu prometido.

Imaginem-se, caros leitores masculinos, algures no selvagem Oeste, garimpeiros sujos e solitários, à espera do golpe de sorte que vos vai fazer descobrir o Eldorado. Quando regressam para o vosso pardieiro, já noite escura, encontram quatro paredes frias e manchadas pelo fumo do tabaco, uma caçarola suja, ainda com a crosta da refeição anterior, uma cama gelada na qual nem as ceroulas de lã vos impedirão de tiritar.  E para quê tanto esforço árduo se, ainda que venham a fazer fortuna, não terão com quem partilhá-la? Que fariam, amigos leitores, num cenário destes?

Sentavam-se à luz de um coto de vela e garatujavam um anúncio. “Mineiro solitário e honesto, com boas perspectivas, procura esposa para partilhar fortuna”. E depois era esperar pelas respostas e concertar os encontros que poderiam mudar a vossa vida para sempre.


E com a chegada das noivas por correspondência, as cidades enlameadas do Oeste começaram, pouco a pouco, a mudar. Para além dos bares e dos bordéis que já existiam (ninguém disse que não havia mulheres por lá, apenas faltavam “esposas”), construíram-se casas familiares, escolas, teatros, bibliotecas, lojas, igrejas. A civilização, tal como a conhecemos. Para a maioria, o El Dorado nunca apareceu mas a vida dos garimpeiros adoçou-se bastante.

Tal método de casamento parece irracional à luz dos nossos valores actuais? Desumano? Um acordo comercial despojado de romantismo? Meus amigos, se dizem isso é porque não assistiram a um divórcio feio. Aposto que nenhum dos casamentos feitos naquelas circunstâncias e que tenha acabado mal teve um final tão feio como os casamentos em que a paixão deu lugar ao ódio. Aqueles em que as pessoas sabem demasiado bem o que fazer e dizer para magoar o outro e não se inibem de fazê-lo até à saciedade.

Leio regularmente e com o maior dos interesses a secção dos classificados de jornal normalmente designada como “Outros” e na qual cabem coisas tão díspares como a venda de uma auto-grua de lança telescópica ou o anúncio do homem de ciência que procura um sócio capitalista para desenvolver uma tecnologia de leitura das auras que permitirá conhecer a resposta a todos os mistérios que atormentam a Humanidade desde que esta surgiu sobre a face da Terra. 

É nessas páginas que normalmente se publicam os anúncios que levam por título “Cavalheiro”, e nos quais os ditos cavalheiros, habitualmente maiores de 60 anos e quase invariavelmente “com situação económica estável” procuram senhoras de idade semelhante, sem vícios nem compromissos, para relação séria.  São os nossos garimpeiros de hoje, estes a quem talvez as paixões já tenham oferecido uns quantos fracassos amorosos, e que se  resignaram a confiar no acaso,  e a esperar a esposa que lhes toque na rifa e venha, com mão suave e decidida, bater-lhes à porta de solitários empedernidos.  
publicado por CRomualdo às 19:30
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