(Continuação)
Esta série centra-se na conferência que, em Outubro de 1987, Karl Popper (1902-1994), veio fazer a Lisboa, correspondendo a um convite de Mário Soares, então presidente da República. A tese fulcral dessa palestra foi a defesa da democracia representativa. Doze anos depois do escaldante Verão de 1975 (que se prolongou pelo Outono), a democracia directa, alicerçada nas assembleias populares – de moradores, de trabalhadores, de militares, de estudantes, ainda surgia a muitos como a forma mais correcta de gerir a vida nacional. Para fundamentar a sua argumentação, salientou as falhas do ideal comunista (que disse ter perfilhado na juventude). Mas, o Comunismo, segundo ele não tem resposta para muitas questões filosóficas, sociais, económicas e políticas que a vida actual coloca.
Remontou à Grécia Antiga e expôs a sua teoria da democracia - A teoria clássica da democracia diz que o poder reside no povo que tem o direito de o exercer. Platão sistematizou as formas que podem revestir a Cidade-Estado: Monarquia – governo de um homem bom: Tirania (governo de um homem mau - perversão da Monarquia); Aristocracia, governo de homens bons – Oligarquia (distorção de Aristocracia, homens maus partilhando o poder); finalmente, surge a Democracia – governo de muitos homens, ou seja, do povo; para esta forma de governação, não encontrou perversão ou distorção, visto que muitos homens, formam uma «Turba», e o conceito de Democracia inclui já, a par da sua forma correcta – um bom, governo do povo, a forma perversa – o caos – a «Turba». Comprova-se que de Platão a Marx, o problema foi saber quem deve governar. Platão respondeu devem governar os melhores – os Aristocratas, os homens bons, mas nunca a Demos, a Turba. Popper terminava defendendo o sistema bipartidário em que as democracias representativas geralmente se transformam.
Noutro artigo, tinha já aludido às muitas reservas que Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), opunha ao parlamentarismo inglês em Du contrat social, ou Principes du droit politique: «O povo inglês, crê-se livre e bem se engana; só o é enquanto dura a eleição dos membros do Parlamento; assim que estes são eleitos, é um escravo, não é coisa alguma» (…) «Nas antigas repúblicas, nunca o povo teve representantes; era uma palavra desconhecida» (…)» Logo que um povo se atribui representantes, deixa de ser livre; mais, deixa de ser.» Entre as numerosas críticas ao sistema, destaco a de Cornelius Castoriadis (1922 — 1997), que, em Socialisme ou Barbarie, ,chama a atenção para o facto de o sistema de representação política tender a criar nas pessoas comuns «a convicção de que não poderiam gerir os problemas da sociedade, pois existe uma categoria especial de seres humanos dotados da competência específica de “governar”».
Mas hoje vamos tomar conhecimento de uma outras posição, a de Norberto Bobbio (1909-2004), do qual já falei quando
quisemos definir os conceitos de direita e de esquerda. Citei a sua obra Direita e Esquerda (Destra e Sinistra). Recordo que, com a ajuda de Bobbio chegámos à conclusão de que «direita» e «esquerda» não são conceitos absolutos, mas sim relativos. Não são conceitos substantivos ou ontológicos. nem qualidades intrínsecas do universo político. São locais do «espaço» político e representam uma topologia política, que nada tem a ver com a ontologia política.
Pois bem, numa outra obra O Futuro da Democracia, dedica um capítulo ao tema da “Democracia representativa e democracia directa”, onde expende a ideia de que ambos os conceitos, aparentemente antagónicos, se podem integrar num Estado representativo em que os cidadãos eleitos actuem estritamente com base na recolha da opinião dos cidadãos eleitores e respeitando a opinião das maiorias. Este modelo poria os partidos políticos á margem dos processos legislativo e executivo. Não haveria parlamento, mas sim uma estrutura que de posse das opiniões expressas pelos cidadãos, assumiria as decisões.
Porque a democracia representativa, teoricamente um governo do povo para o povo, se transformou, na prática, numa partidocracia, numa ditadura da classe política. Bipartidária, rapidamente se criam laços endogâmicos entre os dois partidos do poder e, à sombra dos parlamentos nascem verdadeiras oligarquias. O cidadão tem o direito de protestar, a imprensa é livre, mas a classe política decide tudo o que há a decidir, apoiada no mandato que o eleitorado lhe outorgou. Todos sabemos como o comportamento das massas eleitorais é condicionado pelos meios de comunicação social e como estes actuam de acordo com os interesses dos grandes grupos económicos.
A conclusão a que este raciocínio nos conduz é a de que os grandes grupos são os mesmos que estavam por detrás das ditaduras e que descobriram um método mais higiénico de conduzir os seus negócios – a democracia representativa. (Continua)
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