PAZ À SUA ALMA
O povo está na rua e a contestação cresce. Há mortos e feridos mas a revolução não pára. O Primeiro Ministro Britânico quer uma transição pacífica dos militares para um governo civil mas sem a participação dos Irmãos Muçulmanos.
No Bahrain, a corrida de Fórmula 1 foi cancelada devido aos protestos.
No Yemen, líderes religiosos apelam a um governo de salvação nacional.
No Irão, muitos dos revoltosos mantêm o silêncio para evitar dar pretextos aos militares de atirar a matar como já fizeram centenas de vezes.
No Egipto, há uma enorme confusão no Canal de Suez
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O jornalista pergunta:
- O que pensa da morte a senhora?
Perante o sorriso da idosa, o profissional insiste:
- Ouvi dizer que quando morrer, quer as suas cinzas espalhadas, no poço do quintal da sua casa de criança...
Novo sorriso paciente acolhe a teimosia do jovem. Um suspiro profundo descansa a tolerância.
- Posso dizer ao público a sua idade?
As perguntas multiplicam-se entre o passado e antiguidade. O futuro é só um: a morte próxima.
A velha sabe tanto da morte como o entrevistador - nada.
Quando a minha filha tinha três anos perguntou-me:
- Tu és da época dos dinossauros?
Ontem quis animar a pequena Sara, dizendo que um dia quando vivesse perto dela a levaria a dormir em minha casa.
A pequenina respondeu-me:
- Não tenho sono...
O pacóvio volta a insistir:
- Com uma idade tão avançada, pode-nos dizer o que é importante?
- Agora, que sinto o presente.
(conclusão)
No dia 29 de Outubro de 1965 regressaste à pátria. Manhã radiante de sol aquela em que, de um avião da Varig, descarregaram a urna com os teus restos mortais no Aeroporto da Portela. Definitivamente separavas-te do Brasil esse país sobre o qual, nas costas de um documento de caixa da casa Magazine Mesbla, do Rio de Janeiro, deixaste este apontamento a lápis: «Quanto a escrúpulos não foram com êles que progrediram as cidades do sul da Bahia, que se rasgaram as estradas, plantaram-se as fazendas, criou-se o comércio, construiu-se o porto, elevaram-se os edifícios, fundaram-se jornais, exportou-se cacau para o mundo inteiro. Foi com tiros e tocaias, com falsas escrituras e medições inventadas, com mortes e crimes, com jagunços e aventureiros, com prostitutas e jogadores. Com sangue e muita coragem» (BNL – espólio de AB – cota 12/883), palavras que, embora não pareça, significam amor por aquela nação.
Seja, enfim, como escreveste! Mas doze anos e dois meses após a tua partida aqui chegam os teus ossos reduzidos ao nada das tábuas de um caixão. Começa, então, o derradeiro acto do teu drama oficialmente encenado pelos representantes (ali presentes) do ministério dos Negócios Estrangeiros, da Educação Nacional, do Instituto de Alta Cultura, alguns familiares e amigos, que acidentalmente tomaram conhecimento, e dois ou três jornalistas. Diz o Diário Popular, da tarde desse dia, que depois das formalidades alfandegárias o féretro seguiria para a Igreja da Encarnação, etapa fúnebre inexistente pois ficou na alfândega entre embrulhos, malas e utensílios à espera de despacho para um cemitério, conforme noticiava o Diário de Notícias do dia 30: «Os despojos de António Botto foram sepultados no Cemitério dos Prazeres [onde repousam] ao lado de Fernando Pessoa, de João Villaret e de outros amigos de toda a vida», para sempre supunha o repórter na sua boa fé. Afinal não tinha havido igreja nem sequer enterro pois à tarde, na primeira página, o Diário Popular tratava de informar os leitores que o funeral continuava «por não se fazer» tendo apenas saído da alfândega do aeroporto «para ficar à guarda de um cemitério lisboeta». Tão depressa se entendessem as diversas entidades seriam organizadas cerimónias fúnebres com «o expressivo nacional que o grande lírico do amor indiscutivelmente merece». Sermão? Missa cantada? Bandeira nacional? Discursos e condecorações? Uma incógnita para um programa que começava mal.
Demoraram um ano e treze dias a organizar essas cerimónias. Não rias, por favor, peço-te! De certo modo terás razão, pois significava que regressavas em força e mais uma vez, como aliás era de tua natureza, disposto a provocar o escândalo. Bom, o desrespeito pela tua memória a todos indignava. Sobre a tua pessoa desapareceram as notícias e das ossadas nem rasto. Há quem diga que te atiraram para uma arrecadação do cemitério, outros - por decoro - concedem-te o direito a um gavetão anónimo e alguns dão como referência vaga uma “ausência” em parte incerta. Com o tempo a história tornou-se absurda e começou a dar origem a pressões que colocavam a ridículo as três representações oficiais (Ó Botto, até depois de morto eras incómodo!). Mas não de todo foste esquecido. Amigos teus como o Aníbal Contreiras, Mário Azenha e José Galhardo, presidente da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais, não deram tréguas às autoridades forçando-as a uma decisão definitiva.
Na verdade eles não sabiam o que fazer contigo. Não tinham vagas onde prantar os teus ossos. Molestados com a situação chamaram a Câmara para os ajudar e o município decidiu conferir-te, não uma medalha pelos bons serviços poéticos prestados à cidade, mas um gavetão escondido no cemitério do Alto de S. João. Escrevia o Diário Popular sobre esta tua aventura póstuma: «Perseguido na vida - uma vida de malfadado destino - António Botto sofre ainda, depois de morto, esperando - como que esquecido - mais de um ano por uma derradeira morada...»(Diário Popular, Lisboa 11.11.1966).
No dia de S. Martinho de 1966 - tu que nunca foste um pândego dos copos - lá recolheste à morada que te deram com a modéstia de quem havia escrito «Da vida não quero nada / De tudo me hei-de esquecer...». Começou a cerimónia no grande portão oriental numa manhã de «um sol ático brilhando sobre as colinas de Lisboa», de acordo com um descritivo jornalístico e como, certamente, terias desejado. A tua urna seguiu acompanhada pelas tais autoridades em ar solene, escritores, intelectuais, gente do teatro, familiares e um reduzido número de admiradores e amigos, alguns dos quais bateram-se incansavelmente por um funeral digno. Depositaram-te no gavetão 1952 da rua 17, escondido por detrás de altos jazigos, com a singeleza da inscrição «À memória do poeta António Thomaz Boto», com um só tê, respeitando o que havias pedido numa carta endereçada do Brasil a George Lucas, a propósito de mais uma edição de Canções: «Não ponham Boto com dois tês, já me pesam» ( Maria da Conceição Azevedo dos Santos Fernandes – Dissertação de mestrado em Literaturas Comparadas Portuguesa e Francesa, séculos XIX e XX – António Botto, Vida e Obra Lisboa 1994). Uma prova de humildade que jamais havias tido.
O teu drama encerrava-se, enfim, na singularidade do título de O Século Ilustrado: «Um poeta arquivado numa gaveta» quando, dizia, gostarias de ter ficado no talhão dos artistas no Cemitério dos Prazeres. Esta não era efectivamente a terra prometida mas a de um destino amargo que nem a morte te soube dar com a dignidade merecida. «Quero morrer em beleza», pediste numa das tuas canções, mas não foi possível António, desculpa lá.
Fim
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Nota dos coordenadores: O texto de "António Botto no Brasil", foi expressamente preparado para o nosso blogue. Estrolabio agradece a António Augusto Sales, felicita-o pela criação de uma obra de excelência e pela sua generosidade de no-la ceder.
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A Julieta do Beco das Cruzes
Aos arrancos, lá vai ela
Despedir-se do amante
Nesta manhã de Janeiro!
Coitada, morre por ele!
- Foi o seu primeiro amor
E será o derradeiro
Todas as tardes, risonha,
Ela falava com ele
Num beco escuro de Alfama.
Era ali que ela morava;
- Até que uma noite foram
Pernoitar na mesma cama.
Estou a vê-la cingida
Ao corpo delgado e quente
Desse esbelto carpinteiro!
E vejo-a, dias depois,
Nervosa, afastar-se dele
Chamando-lhe: trapaceiro.
Mais tarde ia procurá-lo
À oficina e chorosa
Seguia-o sem que ele a visse;
E naquela perdição
Adoeceu porque um dia
Com outra o viu – mas, sorriu-se;
Soube-lhe bem ser «mulher»
Do homem que apenas teve
Um desejo passageiro!
Mas, agora – cruel preço!
Dos olhos fez duas fontes
E do amor um cativeiro
Adoeceu gravemente,
Nunca mais saíu à rua,
Sempre a tossir e a sofrer…
E era a mãe que, mendigando,
De porta em porta arranjava
Qualquer coisa pra viver.
Hoje, constou-lhe que a Guerra
O chamara para as linhas
Do combate – e combalida,
Vai ao embarque levar-lhe
No silêncio de um olhar
Os restos da sua vida.
In “Canções” – “Baionetas da Morte” – livro sétimo – ed. Círculo de Leitores, Lx. 1978
Boas e Más Memórias
Vida e Obra de Um Poeta
Herberto Helder
Não descuido a minha obra. Deve-se velar por aquilo que conseguiu ascender, entre riscos e ameaças, às condições da realidade. Mas serão os meus poemas uma realidade concreta no meio das paisagens interiores e exteriores? Não possuo um só dos papéis que enchi; interessa-me a forma acabada das minhas experiências, e suas significações, mantida numa espécie de memória tensa
e límpida. Os papéis, esses, estão em França (Paris ou Marselha), na Holanda, na África do Sul. Encontram-se nas mãos de conhecidos, desconhecidos, amigos, inimigos — e cada qual saberá usar deles de modo particular e, suponho, exemplar. Tirarão daí indeclináveis razões para a moralidade dos seus pensamentos com relação a mim e a eles mesmos. Não, não sei de cor as pequenas composições de palavras. Retenho a fantasia, a objectividade delas — ponto onde me apoio para saber que sou sólido, e tenho (ou sou) uma obra. Avancei muito no conhecimento da divindade, desde o dia em que escrevi um dístico na parede de um urinol de Lisboa até à minha obra-prima (um poema dramático), oferecida com maliciosa ingenuidade a uma prostituta nas docas de Amesterdão (ela não sabia português). Um poema desesperadamente religioso que falava do corpo e da sua magnificência e perenidade.
Carlos Loures
Agatha Christie morreu em 12 de janeiro de 1976, aos 85 anos de idade. Faz hoje 35 anos. A propósito de efeméride semelhante, há dois dias falei aqui de Dashiel Hammett e dizia que ele veio impor um novo paradigma de detective privado. Referia o exemplo de Agatha Christie com o seu Hércule Poirot e a sua Miss Marple – detectives perspicazes, que vão registando pequenos pormenores (que a autora sempre facultou aos leitores) e, geralmente no último capítulo, tudo desvendam deixando-nos de boca aberta, pois o assassino é sempre a menos suspeita das personagens. Quem leu esse texto que aqui publiquei, sabe que a minha preferência vai para os detectives como Sam Spade, Philip Marlowe, Pepe Carvalho … Vão acumulando equívocos e é de equívoco em equívoco que chegam à conclusão final. São homens comuns, sem as celulazinhas cinzentas de Poirot…
Aliás, Hammett, Chandler ou Vázquez Montalbán, não construíam os seus livros com base na engenhosidade do mistério – podemos logo na primeira página saber quem é o criminoso, sem que isso retire um grama de interesse ao romance. São dois tipos de romance policial diferentes – o de Agatha Christie arquitectado de forma clássica, na linha de Conan Doyle – Hércule Poirot é um Sherlock Holmes do século XX com um toque de exotismo – por ser um belga – o Dr, Watson, o palhaço pobre da dupla, é substituído pelo capitão Arthur Hastings.
De notar que, comparando datas, Agatha Christie foi contemporânea de Dashiel Hammett e de Raymond Chandler, tendo-lhes sobrevivido. Não se pode falar de épocas diferentes, mas de opções diferentes – a escritora inglesa optou por seguir a linha sherlockiana. Fê-lo de uma forma magistral e com um êxito fabuloso – nas diferentes línguas em que os seus 80 livros foram publicados, o número de cópias atinge os quatro mil milhões de exemplares. Este número apenas é ultrapassado pela Bíblia e pelas obras de Shakespeare.
Quando digo que prefiro Sam Spade, Marlowe ou Pepe Carvalho a Hércule Poirot, não significa tal preferência que não leia e releia os livros de Christie. Anos atrás, no El Corte Inglés de Badajoz, onde parei vindo de Madrid, comprei uma edição encadernada das obras completas – os 80 romances em 27 volumes compactos, volumosos, digamos. E não descansei enquanto não os li de enfiada, embora quase todos os tivesse já lido na Colecção Vampiro.
Tinha trinta anos quando conseguiu publicar seu livro de estreia, O Misterioso caso de Styles ( The Mysterious Affair at Styles,1921). 55 anos depois escreveu o último Cai o pano (Curtain). Pelo meio ficam dezenas de obras-primas. Entre esses 78 romances do meio, há dois que prefiro – Morte no Nilo (Death on the Nile ,1937) e O Crime no Expresso Oriente. ( Murder on the Orient Express, 1934) Numa viagem ao Egipto fiz um cruzeiro tendo oportunidade de percorrer os cenários do livro e do filme que em 1978 - Morte no Nilo, realizado por John Guillermin com Peter Ustinov, David Niven, Mia Farrow e Bette Davis. Recordemos esse filme e, sobretudo, o livro.
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