A formação espiritual dos homens que fizeram a República não podia deixar de lhes deformar a visão de uma realidade, que olhavam com os olhos encandeados de idealistas e, no empenho em lhe dar nova modelação, de os agitar de todos os excessos – e de todos os defeitos – da combatividade apaixonada: excitabilidade que cega para a justa medida do ataque destruidor, como da actividade construtiva; desconexão de forças e descontinuidade em seu actuar, a cada passo os seus exageros provocando as reacções que as inutilizam. E ao lado ou por sobre os descomedimentos e veemências dos impulsos, uma espécie de laissez faire, laissez passer dos mais conscientes, receosos de serem subvertidos pela onda, ao tentar marcar-lhe o rumo.
Tudo isto vinha de tempos muito recuados, que remontavam ao alvorecer do liberalismo.
_________________
A Queda da Monarquia
Maria Filomena Mónica
Publicações Dom Quixote, 1987
Depois das tempestades da primeira metade do século, Portugal atravessou, entre 1850 e 1890, um período durante o qual um grupo de políticos enérgicos se entregou à exaltante tarefa de modernizar o país. O seu programa era ambicioso: tornar férteis os campos, construir caminhos-de-ferro, montar fábricas e dar educação ao povo. Sabiam que as dificuldades eram grandes, mas a marcha da Civilização era imparável, uma fé útil para quem se lançava em tais empreendimentos. Durante alguns anos, a realidade correspondeu às expectativas. O país desenvolveu-se e a população cresceu. Em 1830, os portugueses haviam sido pouco mais de três milhões; em 1900 eram cinco milhões e meio.
No entanto, Portugal não deixara de ser um país predominantemente rural e pobre. Fora de Lisboa e do Porto, não havia verdadeiramente cidades.
Documentos Para a História da Primeira República Portuguesa
Hipólito de la Torre Gomez A. H. Oliveira Marques
Perspectivas & Realidades, s. d.
O nascimento da contra-revolução foi quase imediato à proclamação da República. Não do espírito contra-revolucionário, que não podia deixar de existir, mas sim do propósito consciente de organizar um movimento capaz de deitar abaixo, quanto antes, a situação recém-criada. O período que compreende pouco menos, do que os seis primeiros meses de vida republicana assinala aproximadamente os primeiros escarcéus para estruturar a contra-revolução e, portanto, a fase preliminar dessa declaração de guerra nunca mais extinta entre República e Monarquia.
O estudo da I República Portuguesa tem dado, nos últimos anos, alguns passos importantes. A publicação de boas sínteses sobre aspectos parcelares daquele período permite aventar que se possa reescrever a história dos anos de 1910-1926 sob um prisma bem mais objectivo e rigoroso.
A formação espiritual dos homens que fizeram a República não podia deixar de lhes deformar a visão de uma realidade, que olhavam com os olhos encandeados de idealistas e, no empenho em lhe dar nova modelação, de os agitar de todos os excessos – e de todos os defeitos – da combatividade apaixonada: excitabilidade que cega para a justa medida do ataque destruidor, como da actividade construtiva; desconexão de forças e descontinuidade em seu actuar, a cada passo os seus exageros provocando as reacções que as inutilizam. E ao lado ou por sobre os descomedimentos e veemências dos impulsos, uma espécie de laissez faire, laissez passer dos mais conscientes, receosos de serem subvertidos pela onda, ao tentar marcar-lhe o rumo.
Tudo isto vinha de tempos muito recuados, que remontavam ao alvorecer do liberalismo. _________________
A Queda da Monarquia
Maria Filomena Mónica
Publicações Dom Quixote, 1987
Depois das tempestades da primeira metade do século, Portugal atravessou, entre 1850 e 1890, um período durante o qual um grupo de políticos enérgicos se entregou à exaltante tarefa de modernizar o país. O seu programa era ambicioso: tornar férteis os campos, construir caminhos-de-ferro, montar fábricas e dar educação ao povo. Sabiam que as dificuldades eram grandes, mas a marcha da Civilização era imparável, uma fé útil para quem se lançava em tais empreendimentos. Durante alguns anos, a realidade correspondeu às expectativas. O país desenvolveu-se e a população cresceu. Em 1830, os portugueses haviam sido pouco mais de três milhões; em 1900 eram cinco milhões e meio.
No entanto, Portugal não deixara de ser um país predominantemente rural e pobre. Fora de Lisboa e do Porto, não havia verdadeiramente cidades. _____________________________
Até que ponto a mudança de regime político afectou a organização e o modo de viver da sociedade portuguesa na segunda e terceira décadas deste século? Esta é quiçá a principal interrogação que se levanta aos estudiosos da Primeira República, ultrapassada que está a época em que se digladiavam apologistas e detractores de um regime cujas instituições tiveram uma vida breve, mas cujos ideais permaneceram por muito tempo no imaginário de considerável número de cidadãos.
Responder-lhe não é tarefa fácil nem isenta de algum melindre. Apesar do considerável enriquecimento da historiografia deste período, quase sempre se tende para a confrontação entre duas posições extremas que mutuamente se provocam: a dos que procuram revalorizar o contributo dos republicanos para a modernização e o progresso de Portugal e a dos que se comprazem em evidenciar a incompetência…
___________________________
Portugal – Da Monarquia para a República
Direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques
Editorial Presença, 1991
Obra fundamental da historiografia portuguesa, quer pelas novas coordenadas metodológicas que a orientam, quer pelo contributo dos mais eminentes investigadores que nela participam, esta «Nova História de Portugal», a publicar em doze volumes, constitui também um momento excepcional de reflexão sobre a sociedade e a cultura portuguesas.
Esta colecção é dirigida por Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, sendo este último o coordenador do presente volume, autor de inúmeros dos seus textos, assim do Prefácio e da Introdução - que versa sobre a situação política, económica, social, religiosa e cultural de Portugal durante a época de profundas transformações políticas que levaram ao fim do regime monárquico e à implantação da República.
Em declarações a um semanário português (Expresso, 14/08/2010), Duarte Pio de Bragança, pretendente a um trono inexistente, afirmou: “Temos uma república que não é completa, onde o povo é tratado como ignorante. A nossa democracia limita muito o direito de escolha ao não permitir que se pronunciem sobre o tipo de chefia do Estado que querem. É este um dos limites materiais da nossa Constituição”.
Também julgo a república incompleta e, em abstracto, não recusaria um referendo ao tipo de chefia do Estado.
Parece-me, aliás, evidente que a maioria dos cidadãos preferiria continuar a sê-lo a tornar à condição de súbdito e perguntados entre a república e a monarquia, apesar das revistas do mundo rosa, votaria pela república.
Disse ainda sua alteza virtual: “O que a Constituição diz é que não se pode alterar a forma republicana de governo. O que deveria dizer é que não se pode alterar a forma democrática de governo”. É simpático ver quem se quer rei pugnar pela democracia, mas se o fosse, se em monarquia, pugnaria igualmente pela consulta do povo quanto ao tipo de chefia do Estado que quer? Aceitaria uma decisão democrática, expressa pela maioria dos portugueses, que o destituísse e à monarquia?
É possivelmente verdade que presidentes há que, uma vez eleitos, gostariam de ser reizinhos, e como tal se comportam, até na corte com que se fazem rodear e nas prebendas que distribuem.
A presidência da República fulanizada não é, outrossim, a única forma de chefia presidencial e será até, talvez, menos republicana e democrática que uma presidência colegial e, na representação, rotativa.
Sim, a democracia é uma questão inacabada, sempre em construção, e actualmente sujeita à deriva não democrática duma visão reducionista e exclusivamente representativista, que exclui e expulsa a dimensão da participação e poder de decisão popular em todos os assuntos de cidadania e reconhece apenas o direito de voto quadrienal.
Mas poderá a monarquia ser mais democrática, ou sequer democrática?
Quanto à monarquia, e apesar de agora nenhum partidário da mesma se atrever, ao menos publicamente, a defendê-la sem o adjectivo de constitucional, há perguntas essenciais para as quais ainda não vi, o pretendente ou qualquer dos seus acólitos da causa real, responder satisfatoriamente.
Quem escolhe o Rei? Como é escolhido o Rei? Quem sucede ao Rei?
(Por mim, onde está rei pode ser lido rainha; podê-lo-á também para os nossos monárquicos?)
A história mostra que de pretendentes está o inferno cheio e a frequência do fratricídio na gestão do assentar no trono – com os túneis, apitos dourados e claques do seu tempo.
Admitamos que alguns monárquicos, poucos serão se alguns, defendam a eleição do Rei pelo povo; que critérios e limites estabelecem para alguém poder ser candidato? Os constitucionalmente consignados hoje ou outros e quais? Genealógicos?
Suponhamos que a monarquia era reinstaurada e até que, pasme-se, o rei era livremente escolhido pelo povo. Por quanto tempo? Poderia ser destituído pelo mesmo povo? E quando morresse ou ficasse incapaz seria o seguinte, também ele, eleito?
E uma eleição, por si, não faz uma democracia. Infelizmente, conhecem-se os exemplos de ascensão democrática ao poder rapidamente transformada em exercício autocrático, ou mesmo totalitário (neo-absolutista), do poder.
Se encontrar monarquistas defensores da eleição do rei é tarefa de mais de uma vida, ainda mais difícil, senão impossível, será encontrar algum que não afirme o carácter vitalício, inamovível e hereditário do soberano.
E estas três características são, por natureza, não democráticas – para, educadamente, não dizer anti-democráticas.
Mas imaginemos, por absurdo, que, ao contrário, democraticamente, os monarquistas – esperá-lo do pretendente seria bipolar – defendiam, ou pelo menos aceitavam, que o rei fosse eleito, que fosse periodicamente eleito por todo o povo, que o seu mandato fosse limitado e que pudesse ser destituído; então, seria um presidente ou, vá lá, um Rei-presidente.
Josep-Lluís Carod-Rovira (1952) é um político catalão, líder do partido ERC (Esquerra Republicana de Catalunya), filho de um aragonês e de uma catalã. Licenciou-se em Filologia Catalã na Universidade de Barcelona. Ainda estudante, iniciou aa sua actividade política e, por consequência, foi preso pela polícia política em 1973. A prisão acentuou a sua decisão de enveredar pela luta política no estilo «catalão», baseada no diálogo, no respeito pela diferença, no civismo.Em 1978, foi um dos signatários de um manifesto contra a Constituição espanhola, alegando que «os catalães não são espanhóis». A par da luta política, foi professor e técnico de planificação linguística da Generalitat de Catalunya. Foi também docente universitário.
Em 1987 aderiu à ERC, sendo no ano seguinte eleito deputado ao Parlamento catalão. Em 1996, Carod foi eleito secretário-geral do partido. A sua direcção tem colhido numerosos êxitos, deixando a ERC de ser uma pequena organização para se transformar num partido de referência da esquerda independentista da Catalunha.
Este vídeo gravado em Outubro de 2007 num programa da TVE -'Tengo una pregunta para usted' - põe Josep-Lluís Carod-Rovira perante 15 cidadãos que o questionam sobre os mais diverso e candentes temas relacionados com a eventual independẽncia da Catalunha. Não sendo uma novidade, elucida-nos sobre diversos aspectos. Antes de mais, a boa preparação política de Carod que, sem hesitações, responde com elegância e firmeza à perguntas. Porém, o que mais surpreende é a falta de esclarecimento dos cidadãos espanhóis em geral sobre o problema das nacionalidades de que o seu estado é continente. Diríamos mesmo que, em 2007, os espanhóis não estavam mais elucidados do que os portugueses sobre o magno problema dos eventuais separatismos. Transparece igualmente a atávica arrogãncia cídeo astelhana, visível na expressão usada pela senhora que diz «não saber, nem querer aprender catalão».
Documentos Para a História da Primeira República Portuguesa
Hipólito de la Torre Gomez A. H. Oliveira Marques
Perspectivas & Realidades, s. d.
O nascimento da contra-revolução foi quase imediato à proclamação da República. Não do espírito contra-revolucionário, que não podia deixar de existir, mas sim do propósito consciente de organizar um movimento capaz de deitar abaixo, quanto antes, a situação recém-criada. O período que compreende pouco menos, do que os seis primeiros meses de vida republicana assinala aproximadamente os primeiros escarcéus para estruturar a contra-revolução e, portanto, a fase preliminar dessa declaração de guerra nunca mais extinta entre República e Monarquia.
O estudo da I República Portuguesa tem dado, nos últimos anos, alguns passos importantes. A publicação de boas sínteses sobre aspectos parcelares daquele período permite aventar que se possa reescrever a história dos anos de 1910-1926 sob um prisma bem mais objectivo e rigoroso.