Domingo, 14 de Novembro de 2010

Teatro em Portugal / Teatro Português (3)

(Continuação)

António Gomes Marques


V

Ao falar do Teatro Português e do Teatro em Portugal indispensável se torna falar dos textos (ou será que devemos dizer «pré-textos»?).

Quando se aborda este tema, logo se perceberá a razão por que faço esta distinção: Teatro Português – Teatro em Portugal. De facto, a larga maioria dos textos representados nos palcos portugueses ou nos espaços onde se dão as representações não são de autores portugueses.



Será que haverá muitas pessoas no nosso país que a si mesmas tenham posto esta questão? Há já muito tempo, coloquei-a a um homem do teatro português e a resposta que obtive deixou-me a pensar, de tal maneira que ainda hoje tendo a dar-lhe razão, embora a isso, por enquanto, não tenha chegado. Eis o que me foi dito: «Oh, António, encenar autores portugueses levanta um problema complicado, é muito difícil ver primeiro as suas peças lá fora!» Deixo a pergunta a todos vós: será que aquele homem de teatro tinha razão? É evidente que aquela afirmação peca por exagero e hoje já vai havendo companhias a apresentar peças de autores portugueses e encenadas por portugueses; poucas, é certo, mas já vai acontecendo. Mas não resisto a deixar a provocação, que me dá um certo gozo.

Ainda outra provocação, esta bem mais apropriada. Não caberia ao Ministério da Cultura criar condições para que as estruturas apoiadas fossem levadas a incluir na sua programação textos de autores portugueses? Note-se que recuso a imposição, mas há «mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau», como costuma dizer o povo português.

No n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei que venho referindo, que trata de apoios complementares, diz-se:

O Ministro da Cultura fixa anualmente, sob proposta do IA, uma verba para apoios complementares à actividade artística principal nas áreas definidas no n.º 1 do artigo 1.º, aos criadores singulares para a edição e formação artística, e às entidades de criação para a edição, formação artística e reequipamento.

Ou seja, quase podemos dizer que só falta na legislação privilegiar como apoio complementar o levar à cena de textos de autores portugueses ou até, o que não me chocaria, textos de autores de língua portuguesa. Nenhuma estrutura teatral ficaria obrigada a encenar estes textos, mas tinham assim mais uma opção de ver aumentado o apoio do Ministério da Cultura.

Sei que alguns perguntarão. «Mas onde estão esses textos?» É chegado o momento de voltar a Almeida Garrett, que escreveu o que hoje ainda, infelizmente, se justifica escrever:

Os leitores e os espectadores de hoje querem pasto mais forte, menos condimentado e mais substancial; é povo, quer verdade. Dai-lhe a verdade do passado no romance e no drama histórico – no drama e na novela da actualidade oferecei-lhe o espelho em que se mire a si e ao seu tempo, a sociedade que lhe está por cima, abaixo, ao seu nível – e o povo há-de aplaudir, porque entende: é preciso entender para apreciar e gostar.

Procurai pois bem nos textos publicados, que são até muitos, e nos textos que esperam, ao menos, publicação e verão que encontrarão alguns textos com as características de que fala Garrett e muitas razões para levar alguns à cena. A prática daí resultante contribuirá também para melhores textos, mais ricos tecnicamente, e, no fim, todos ficaremos a ganhar, a começar pelo Teatro Português. E, quanto a mim, não haveria mais necessidade de invocar a actualidade de Almeida Garrett se se fizesse o que aqui preconizo.

É um facto que a larga maioria dos textos levados à cena no nosso país é de origem estrangeira. É um direito que assiste às estruturas e, graças a esse trabalho, têm-se visto alguns bons espectáculos servidos por textos de autores contemporâneos, alguns dos quais ainda jovens; no entanto, gostaria de ver os grandes textos do teatro mundial a ser representados com mais assiduidade em Portugal. Claro, bem sei, alguns desses grandes textos exigem encenações dispendiosas e grandes actores, mas, caramba, não será possível representar, por exemplo, Shakespeare sem grandes cenários? É evidente que tal exigiria excelentes actores e não menos excelentes encenadores, assim como bons técnicos, nomeadamente bons técnicos de luzes. Não será possível juntar uns e outros na cena portuguesa? Claro que sim, que os há, tornando-se apenas necessário que haja menos capelinhas e mais cooperação.

Sobre o teatro lírico não tenho muito para dizer, culpa minha, dado não o acompanhar com tanta atenção como à restante actividade teatral portuguesa. No entanto, com a nomeação de Mário Vieira de Carvalho para Secretário de Estado da Cultura, fiquei mais esperançoso e, naturalmente, mais atento.

Apesar de um pouco distanciado, sempre foi minha convicção de que os interesses instalados nesta área teatral necessitavam de quem fosse capaz de os enfrentar e de definir um rumo, menos elitista do que aquele que os referidos interesses sempre impuseram, nascendo em mim alguma expectativa aquando da nomeação daquele musicólogo.

Não serei, pelas razões já apontadas, o melhor dos críticos; no entanto, com as alterações que Mário Vieira de Carvalho conseguiu imprimir, naturalmente com o apoio da então Ministra Isabel Pires de Lima, julgo estar em condições de poder dizer que alguns indicadores justificaram aquela expectativa. O Teatro Nacional de S. Carlos conquistou novos públicos graças ao trabalho do novo Director Artístico, Christoph Dammann, não me parecendo que a qualidade artística tenha diminuído, conhecendo-se apenas reacções negativas dos melómanos que com o TNSC tinham uma «relação centenária», como a actual Ministra da Cultura referiu, representativos daqueles interesses de que acima falo, naturalmente preocupados com a possibilidade de os novos públicos conquistados não terem possibilidade de usar os mesmos perfumes. Vou referir apenas alguns dos números relacionados com a actividade daquele Director Artístico do Teatro Nacional de S. Carlos, que permitem alguma reflexão:

Temporada 2006/2007 n.º total de espectadores: 31.402

Temporada 2007/2008 n.º total de espectadores: 47.036

Temporada 2008/2009 n.º total de espectadores: 74.348

Outro número fundamental para melhor se ajuizar acerca das alterações conseguidas é relativo ao orçamento, o qual diminuiu, entre 2007 e 2009, 1,6 milhões de euros, recordando que o orçamento do TNSC foi, em euros, de 5,8 milhões em 2007, de 4,8 milhões em 2008 e de 4,2 milhões em 2009.

Com a nova política definida pela actual Ministra da Cultura para o teatro lírico, quanto é que o Estado vai passar a pagar por cada espectador?

Com o novo Director Artístico, Martin André (contra o qual nada me move e não é ele que agora critico, o que posso vir a fazer mais tarde, embora não o deseje), espero que o trabalho positivo que aquele teatro lírico vinha desenvolvendo não tenha retrocessos. Talvez a Ministra não dure o tempo suficiente para destruir uma obra positiva que naquele teatro se vinha implantando.

(Continua)
publicado por Carlos Loures às 21:00
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Sábado, 13 de Novembro de 2010

Teatro em Portugal / Teatro Português (2)

António Gomes Marques

(Continuação)

III

O Decreto-Lei n.º 225/2006, de 13 de Novembro, articulado com a Portaria n.º 1321/2006, de 23 de Novembro, «estabelece o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado, através do Ministério da Cultura, a entidades ou pessoas singulares que exercem actividades de carácter profissional de criação ou de programação nas áreas da arquitectura e do design, das artes digitais, das artes plásticas, da dança, da fotografia, da música, do teatro e das áreas transdisciplinares», como pode ler-se no Artigo 1.º do citado Decreto-Lei.

Dos objectivos, definidos no Artigo 3.º, destaco o que se diz nas alíneas:

a) Assegurar o acesso público aos diversos domínios da actividade artística, concorrendo para a promoção da qualidade de vida, da cidadania e da qualificação das populações;

b) Descentralizar e dinamizar a oferta cultural, corrigindo as assimetrias regionais, e promover a actividade artística como instrumento de desenvolvimento económico e de qualificação, inclusão e coesão sociais;

Ao analisar-se a distribuição das verbas destinadas a tais apoios, apenas no que ao Teatro respeita, verifica-se de imediato que as grandes fatias são distribuídas a estruturas sediadas em Lisboa e Porto, com realce para a capital. Se as estas verbas juntarmos os orçamentos dos Teatros Nacionais de Lisboa e Porto, então a diferença, para o que resta dos dinheiros públicos para o território nacional, começa a ser escandalosa a política de distribuição. Se o critério que seguirmos para este nosso juízo for a divisão em Grande Lisboa, Grande Porto e restante país, então o resultado obtido torna-se inqualificável, sobretudo quando os objectivos fixados são os que transcrevemos do Artigo 3.º do Decreto-Lei.

uero com isto dizer que as estruturas daquelas duas cidades recebem dinheiro a mais? De modo nenhum. A verdade é que o dinheiro para a cultura é insignificante e os vários Governos no pós-25 de Abril são muito criativos a produzir legislação e muito pouco interessados, se pensarmos apenas na prática, no real desenvolvimento cultural do país. Para que não haja comparações indevidas, é bom não esquecer que é só este período do pós-25 de Abril que estou a analisar.

Claro que a distribuição dos dinheiros pelas várias estruturas também é demonstrativa de vários compadrios, de grandes injustiças e, podemos mesmo dizer, que algumas dessas estruturas estão a receber apoios que a legislação, se aplicada com rigor, talvez não permita.

Deixo esta questão para outro momento, não só por não estarem aqui representadas todas as estruturas que recebem apoio, muito ou pouco que seja, e também por não querer provocar uma discussão que dificilmente acabaria durante este Congresso e que poderia até gerar conflitos insanáveis.

IV

Voltando à questão principal, que é a incapacidade do Ministério da Cultura para descentralizar, dinamizar a oferta cultural e corrigir as assimetrias regionais, é bom lembrar o preâmbulo do referido Decreto-Lei quando se propõe, com a legislação em vigor, valorizar a rede de cine-teatros e outros equipamentos culturais, que inclua a residência permanente ou periódica de entidades de criação artística, assim como promover a fixação de entidades de criação e produção artísticas no interior. Escreve-se ali também que se visa favorecer a articulação entre o apoio às artes e outras políticas sectoriais.

Analisando o que realmente acontece no país, logo se poderá concluir que de boas intenções está o inferno cheio.

Não conheço toda a rede de cine-teatros existente no país, referida naquele preâmbulo, mas admito que em tais espaços predomina o chamado teatro à italiana, até por a maioria desses espaços me parecer ser constituída por recuperações de antigos cine-teatros. Em Portugal, também há poucos arquitectos virados para a criação de outro tipo de espaços, mas ainda estão a tempo de aprender com o que fez Nuno Teotónio Pereira em Algés, onde criou o célebre 1.º Acto.

A técnica e as tecnologias admitem novas possibilidades e, ao conceber-se um espaço teatral, hoje, há que pensar em dar a mesma importância à acústica, à luz, ao movimento e à óptica e não esquecer que a cena exige, ou pode exigir, uma outra dimensão e a imaginação dos criadores não pode ver-se limitada por um palco à italiana.

Estarei a ser muito exigente? Haverá criadores, alguns entre nós neste momento, que dirão: «quem me dera ter sempre um palco à italiana!». No entanto, insisto, ninguém me tira da cabeça que com o dinheiro que se tem gasto em alguns destes teatros se poderia ter feito bem melhor. Os Recreios da Amadora é um bom exemplo, assim como me parece que com o dinheiro gasto na recuperação do Teatro Nacional D. Maria II se poderia ter feito trabalho de melhor qualidade, mais adequado à prática teatral e a um total aproveitamento das salas se tivesse havido a humildade de ouvir as pessoas que do teatro fazem profissão.

O que se quer hoje é um espaço em transformação que possa modificar-se segundo as necessidades do momento (a história da Igreja mostra como deve fazer-se: veja-se as transformações que a arquitectura das igrejas tem sofrido, servindo as necessidades e o espírito do tempo – Brasília, Macedo de Cavaleiros, ...). Não se pretendem espaços de betão gigantesco, mas também não se pretendem espaços reduzidos que não permitam a apresentação de bons espectáculos. Lembro-me bem das dificuldades para meter no palco dos Recreios da Amadora o «Tio Vânia», espectáculo estreado na Malaposta, pelo Centro Dramático Intermunicipal Almeida Garrett.


Outro aspecto a ter em conta é o conforto do espectador, e deste conforto o mais importante tem a ver com a possibilidade de apresentar o melhor espectáculo possível. Se o espaço para a cena é, evidentemente, fundamental em qualquer espaço teatral, é indispensável ter outros locais de trabalho: área administrativa, área de ensaios, oficinas, camarins, gabinete para o(s) Director(es), etc. E, pergunto: não deveria também o conforto oferecido ao espectador ser levado em conta aquando da atribuição dos apoios às várias estruturas?

(Continua)
publicado por Carlos Loures às 21:00
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