Segunda-feira, 30 de Maio de 2011

Maurice Allais e a Financeirização da Economia A leitura de Pierre Noel Giraud

Maurice Allais e a Financeirização da Economia
A leitura de Pierre Noel Giraud

 

Se há efectivamente uma coisa que se pode reter  da conferência de Maurice Allais  é a de que se trata de um autor nada fácil de  compreender, ele que é  o único economista francês que teve  o Prémio Nobel   em Economia, e, sobretudo, não é nada fácil  para os  economistas amadores. É por conseguinte um grande serviço que nos presta Pierre-Noel Giraud    propondo-nos  no seu livro “Le commerce des promesses : Petit traité sur la finance moderne “, “uma tradução” em linguagem acessível a todos, das propostas  de Allais que,  aliás,   encontram uma escaldante actualidade no contexto da crise que atravessamos.

 

No final dos 90, constatando  a viragem  que tinha assumido  a liberalização financeira, Allais escandalizava-se com o facto  de se permitir aos  bancos “jogar na Bolsa com os seus fundos próprios e, ainda pior, com a moeda que para o efeito criavam”. Preconizava uma separação absoluta entre a esfera da moeda e crédito relativamente à  esfera da finança de mercado, bem como uma criação monetária estritamente reservada ao banco central. Formuladas em pleno período de euforia, até porque o sistema acabava de ultrapassar  com brio a falência de LTCM, estas propostas naturalmente não foram nem  entendidas ou nem ouvidas sequer. Foram afastadas dos nossos ouvidos e dos nossos olhos  considerando-se que tais medidas bloqueariam totalmente todo e  qualquer  sistema financeiro e torná-lo-iam gravemente ineficaz. Analisemos  contudo com mais pormenor  as propostas  de Maurice Allais, porque estas  têm o mérito efectivamente de levantar as grandes questões de fundo .

 

Para Allais, no sistema actual, as crises financeiras cada vez mais violentas são inevitáveis. Uma especulação desenfreada  nos mercados financeiros, à qual os bancos eles próprios  participam maciçamente, é  com efeito, do seu ponto de vista,  inseparável das modalidades actuais de criação monetária. São estas modalidades que  ele sugere  que se reformem e de forma  radical. Maurice Allais propõe separar  os actuais bancos “universais” que, ao mesmo tempo, criam  moeda e directa e indirectamente intervêm nos mercados financeiros, em três tipos de instituições diferentes com funções  bem determinados e controlos bem precisos.                                                                                                             

 

A primeira categoria , são simples bancos de depósitos, que gerem as contas - correntes dos seus clientes. É-lhes proibido fazer crédito: nenhum crédito a descoberto sobre os depósitos é pois autorizado. A sua função é unicamente a de pagamentos, função que facturam aos depositantes: a emissão de cheques, as transferências, os pagamentos por cartão bancário, que são  conseguinte operações  facturadas ao seu preço de custo                                                                                                                                                                                                  

 

A  segunda categoria , são bancos de empréstimos. Nesta categoria os bancos de créditos. Estes  só podem conceder empréstimos  nos valores que eles próprios tenham antecipadamente levantado eles mesmos como empréstimos junto do Banco central, como   se vai ver.  Além disso, estes bancos estão  sujeito à exigência de emprestarem sobre períodos  mais “curtos” do que aqueles de que usufruem junto do banco Central, para assim se evitar o perigo do risco de liquidez.                                                                                                                                                        

 

Os bancos de créditos não  têm por conseguinte nenhum poder de criação monetário. A terceira categoria de bancos , são os bancos de negócios, que contraem empréstimos junto do público e dos bancos de créditos  para comprarem  títulos. Estes últimos são por conseguinte o equivalente dos actuais investidores institucionais.                                                                                                     

 

No esquema  de Allais , a criação monetária é reservada exclusivamente ao banco central que cria moeda emprestando aos bancos de   créditos  . É do Banco central e só deste  que a criação monetária depende exclusivamente, de que depende o ritmo de expansão dos créditos aos actores económicos, por conseguinte da massa monetária em circulação. Este ritmo é decidido pelo governo.

 

O governo fixa por conseguinte ao banco central objectivos quantitativos de expansão da massa monetária. Calcula estes objectivos de modo a que  a massa monetária aumente  a um ritmo ligeiramente superior (de 2%) ao crescimento esperado da ' actividade económica, o que faz com  que  a  inflação tolerada seja  de 2%.

 

De acordo com Maurice Allais  este sistema resolveria os problemas seguintes. O sistema de regulação  não é mais afectado pelas crises financeiras, dado que os bancos de depósitos, que asseguram os pagamentos  não fazem crédito e não investem nos mercados financeiros. Nem os bancos de depósitos nem os bancos de créditos  poderiam conhecer crises de liquidez, dado que o seu activo é pelo menos tão  líquido quanto  o seu passivo.

 

Os bancos de créditos,  se forem mal geridos e avaliarem  mal os seus riscos de crédito, podem evidentemente declarar-se  ou acharem-se em situação de falência. Mas serão retomados por bancos sãos, e estes factos  traduzir-se-ão  apenas em transferências entre accionistas e credores dos bancos, sem estar a afectar a moeda gerida pelos bancos de depósitos. Certamente, nada neste esquema impede um actor que contraia um emprestar junto de um banco de crédito  para especular sobre os mercados financeiros.                                                                                 

 

Mas Allais sublinha em primeiro lugar que os bancos eles mesmos deverão ter que contrair empréstimos  para especular, em vez de o poderem fazer como agora,  com a moeda que criam ex nihilo e sem qualquer  custo no sistema actual. Seguidamente, se, com tudo o resto igual, os  actores (bancos inclusive) querem contrair empréstimos para especular, isso  fará aumentar a taxas de juro e quanto mais  a especulação se  desenvolver , mais os recursos para especular custarão caro.

 

Maurice Allais vê aqui  um potente mecanismo de regulação da especulação, enquanto que, no sistema actual, o crédito bancário pode  alimentá-la sem qualquer travão . No seu sistema, poder-se-ia assumir riscos nos mercados financeiros apenas com uma poupança de antemão constituída, quer a sua própria  quer a poupança levantada, por empréstimo, de outros.                                                                                                        

 

Para Allais isto constitui  a garantia de um bem maior estabilidade destes mercados e por conseguinte da economia como um todo. Este esquema tornaria cada vez  mais impossível os enriquecimentos colossais e rápidos (de indivíduos ou instituições) graças a especulações felizes realizadas  com dinheiro criado  expressamente para isso, o que Allais considera  moralmente condenável.

 

Tal é a base  das reformas propostas por Allais. Prevêem outras medidas, mas o essencial é a separação e a compartimentação das actividades bancárias bem como o facto de se reservar  ao  Estado a criação monetária. O interesse destas propostas é que apontam muito claramente para a raiz da  instabilidade do sistema monetário e financeiro contemporâneo: a possibilidade para a finança de criar direitos em excesso graças a uma criação monetária pelo crédito bancário que escapa largamente ao contrô1e do Estado.


publicado por Luis Moreira às 20:00
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Segunda-feira, 23 de Maio de 2011

O testamento de Maurice Allais, por Júlio Marques Mota

Sobranceiramente ignorado  pelos meios de comunicação social, sem dúvida por causa das suas teses contra a doutrina neoliberal dominante, Maurice Allais  tornava efectiva  a cortesia e recusava todas as entrevistas. E ainda vivo uma  só entrevista e um só texto foram publicados, respectivamente  em  Fakir e em Marianne2. Aqui a publicação do texto publicado por  Marianne 2.

 

Ah, o bonito baile dos hipócritas! Ignorado enquanto vivo por todos os jornalistas económicos sem excepção, boicotado pelas cadeias de televisão enquanto que actualmente é honrado por aqueles mesmos que negavam a sua existência e olhavam  para outro lado sempre que eles publicavam um texto. Porque, recordam  estes embalsamadores à Macintosh, é mesmo assim o nosso único prémio Nobel de economia… Um economista brilhante e livre, reconhece Os Ecos que muito pouco dele se   lembraram  nas suas suas colunas! O liberal e socialista, nota Le   Figaro  como para justificar que o diário conservador lhe  tenha suprimido a sua única tribuna nos anos 90. La Voix du Nord considera Maurice Allais   um pensamento único (sim,  mas era necessário acrescentar contra O pensamento único).

Ironia da história, a morte de Maurice Allais  coincide com um momento da história económica que valida mais do que nunca as suas previsões. A guerra das moedas mostra que das três grandes zonas da economia mundial (América, Ásia, Europa)  a Europa é a  única incapaz de utilizar o seu mercado para proteger a sua moeda. Os Estados Unidos acabam de adoptar um dispositivo proteccionista para forçar a China a cessar o seu dumping monetário. Quanto à China, sabe-se e desde há  muito tempo que a sua adesão à OMC não a impediu de pisar aos seus  pés todos os princípios do comércio livre. De imediato,  a ideia proteccionista começa, ainda que timidamente, a alargar  a sua área de influência. A última convenção internacional do PS é já disso testemunho. Eis-nos pois perante o  que teria feito sorrir Maurice Allais  que fulminava frequentemente o liberalismo ingénuo dos socialistas.

 

 

 

publicado por João Machado às 23:00

editado por Luis Moreira às 22:02
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Domingo, 22 de Maio de 2011

Apresentação do Testamento de Maurice Allais, por Júlio Marques Mota. Ler amanhã às 23.00.

 

Desde que tive conhecimento do texto Testamento de Maurice Allais, o único prémio Nobel que a França teve,  publicado por Marianne 2 que procurei  obter a versão integral do  referido texto. Um amigo meu. Jean-Paul Girard trouxe-me  uma fotocópia de Marianne 2 mas em letra tão pequena que não era legível para um velho como eu. Desisti, até que anteontem,  ao procurar de novo o documento para utilizar longamente num texto que estou a escrever,  tive acesso via Internet, ao referido documento. Traduzi-o, disponibilizei-o  aos meus estudantes  e pedi que o mesmo fosse feito aos visitantes de estrolábio.

 

Conheci Maurice Allais de vários dos seus últimos livros, é um homem do mundo liberal, e eu era um dos que  o  confundia como sendo um neoliberal. Quis o acaso que eu há muitos anos ter  tido  a sorte de ler uma crónica sobre uma sua conferência feita num Grande École  comercial em que o autor com uma lucidez extrema criticava as teorias  em que se fundamentam os ideólogos da globalização e a sua posição crítica estava tão perto das que eu defendia que me espantei , como é que um neoliberal estava tão próximo das correntes mais à esquerda nesta matéria disponíveis  aos estudantes de Economia, antes  de Bolonha, antes das Universidades à Mariano Gago, claro. Daí a minha curiosidade e estas suas obras a seguir bem li e muitos extractos traduzi para colocar  nos meus pontos de exame tal era a actualidade das ideias expostas, estas obras eu continuo a recomendar  face à prática da ignorância que se faz de ontem, de hoje e de amanhã certamente , obras estas que vêm citadas no final do seu testamento. Se puderem, olhem por e para elas e não darão o tempo por perdido,

 

Aliás nesta Europa de ideias folgadas, dizem, mas bem condicionadas, garanto eu,  ainda me lembro  de um assistente alemão de nascimento e de profissão, ou seja, professor na Alemanha, entenda-se,  ter dito mais ou menos o seguinte ao professor nessa referida conferência: Professor Maurice Allais, se eu tivesse a   coragem de dizer no meu país o que o senhor aqui disse, eu não veria o meu contrato renovado!    A sua exposição tinha sido uma crítica demolidora das teorias dominantes do comércio internacional e do seu teorema de base: o teorema das vantagens comparadas, o teorema de Ricardo, de que muitos dos meus alunos terão má lembrança, por não terem  sido por este teorema  ajudados no seu desejo de passagem na disciplina. Uma questão de vantagens, ou desvantagens, mas aqui de aprender, e houve quem com este teorema ficasse de facto a perder..

 

E boa leitura do testamento de Maurice Allais vos desejo. A sua riqueza é tal, a sua actualidade será lamentavelmente ainda a de  amanhã como será igualmente ainda  a de depois de amanhã, que  dispensa todo e qualquer comentário. Deixemos apenas um lateral sobre o texto em questão. A Troika, aqui, em Atenas, na Irlanda e amanhã num outro país qualquer desta Europa agora pela incompetência  amordaçada , procura rapar do tacho que dá pelo nome de PIB a comida com que a ganância dos   grandes capitais há-de calar. Mas o tacho  é mágico : quando mais  se mete dentro dele mais ele fica a dilatar, porque com o investimento a aumentar, uma parcela do PIB,  o emprego aumenta, a riqueza a distribuir igualmente, e o tacho   fica a crescer e fica a engordar, a aumentar de volume. Mas tragédia,  se aumenta   por si só  quando o fazem inicialmente aumentar, o movimento inverso   é porém ainda mais rápido e extraordinariamente perigoso, pois o tacho diminui, por si só, em altura e em diâmetro quando dele o seu volume ficam a querer  diminuir . Se dele tiram receitas para os capitais no mundo outras coisas poderem comprar , campos de golfe, casas no Dubai ou noutras coisas  semelhantes poderem continuar a especular, é a procura interna que fica a cair, é a produção que depois fica a diminuir, é a receita do   Estado  que fica a regredir, é o desemprego a tudo poder fazer explodir . E, quando assim  é, são depois os juros da dívida pública que ficam a subir, é a Troika a mais do tacho exigir quando ele já está a diminuír,  e são os nossos liberais, esses sim neoliberais, de esquerda ou de direita chamados, a gritar pelas exportações para se procurarem salvar. Falta de memória, esqueceram-se que desarticularam  as trocas internacionais com a sua estúpida desregulação global, com a sua assassina noção de concorrência mundial que nada mais é do uma bomba atirada ao tecido produtivo dos países europeus. Leia-se pois o texto de Maurice Allais para tudo isso se poder bem compreender. E à incompetência ele chama monstruosa, até mesmo assassina.

publicado por João Machado às 23:55
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