Vamos hoje começar a recordar a "Maratona Poética" que organizámos. Poemas e textos sobre a Arte Poética e belíssimos quadros do Adão Cruz. Começamos com um poema de Fernando Pessoa (sob o heterónimo de Bernardo Soares), superiormente dito pelo grande actor brasileiro Paulo Autran. Aristóteles e Manuel Bandeira completam um trio fascinante.
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Aristóteles (Séc. IV a.C.)
ORIGEM DA POESIA
Parece haver, em geral, duas causas, e duas causas naturais, na génese da Poesia. Uma é que imitar é uma qualidade congénita nos homens, desde a infância (e nisso diferem dos outros animais, em serem os mais dados à imitação e em adquirirem, por meio dela, os seus primeiros conhecimentos); a outra, que todos apreciam as imitações.
Prova disto é o que se passa na realidade. Daquilo mesmo que vemos com desagrado, apreciamos contemplar a imagem muito exacta, como, por exemplo, as formas dos animais mais desprezíveis e dos cadáveres.
Outro motivo ainda é que aprender é muito agradável, não só aos filósofos, mas aos outros homens igualmente.Porém, curta é a parte que nela têm. Por isso se regozijam, ao verem as imagens, porque têm oportunidade de aprender enquanto observam, e de compreender o que cada uma representa, por exemplo, que este assim e assim é fulano. Se se der o caso de a não terem visto anteriormente, já não é a imitação que provoca o prazer, mas a execução, o colorido, ou qualquer outro motivo neste género.
Ora, como é natural em nós a imitação, a harmonia e o ritmo (pois é evidente que os metros são partes dos ritmos), de início, os que nasceram para isso, progredindo aos poucos, criaram a Poesia, a partir dos seus improvisos.
(“Poética”, 1448 b, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira).
Manuel Bandeira
(Recife 1886-Rio de Janeiro 1968)
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Com este poema de Fernando Pessoa (sob o heterónimo de Bernardo Soares), superiormente dito pelo grande actor brasileiro Paulo Autran, declaramos solenemente aberta a I Maratona Poética do Estrolabio
Aristóteles e Manuel Bandeira completam o trio com que a inauguramos:
Aristóteles (Séc. IV a.C.)
ORIGEM DA POESIA
Parece haver, em geral, duas causas, e duas causas naturais, na génese da Poesia. Uma é que imitar é uma qualidade congénita nos homens, desde a infância (e nisso diferem dos outros animais, em serem os mais dados à imitação e em adquirirem, por meio dela, os seus primeiros conhecimentos); a outra, que todos apreciam as imitações.
Prova disto é o que se passa na realidade. Daquilo mesmo que vemos com desagrado, apreciamos contemplar a imagem muito exacta, como, por exemplo, as formas dos animais mais desprezíveis e dos cadáveres.
Outro motivo ainda é que aprender é muito agradável, não só aos filósofos, mas aos outros homens igualmente.Porém, curta é a parte que nela têm. Por isso se regozijam, ao verem as imagens, porque têm oportunidade de aprender enquanto observam, e de compreender o que cada uma representa, por exemplo, que este assim e assim é fulano. Se se der o caso de a não terem visto anteriormente, já não é a imitação que provoca o prazer, mas a execução, o colorido, ou qualquer outro motivo neste género.
Ora, como é natural em nós a imitação, a harmonia e o ritmo (pois é evidente que os metros são partes dos ritmos), de início, os que nasceram para isso, progredindo aos poucos, criaram a Poesia, a partir dos seus improvisos.
(“Poética”, 1448 b, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira).
Manuel Bandeira
(Recife 1886-Rio de Janeiro 1968)
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação
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Daqui a uma hora, chegam mais três maratonistas - Sílvio Castro, Sophia de Mello Breyner Andresen e Pablo Neruda