Domingo, 27 de Fevereiro de 2011

Vinho : com ele me deleito – II - por Clara Castilho

O Bacanal, Goya 

                   

Quero beber! Cantar

 

asneiras

No esto brutal das bebedeiras

Que tudo emborca e faz em caco…

            Evoé Baco!

 

Lá se me parte a alma levada

No torvelim da mascarada,

A gargalhar em doudo assomo…

            Evoé Momo!

 

Lacem-na toda, multicores,

As serpentinas dos amores,

Cobras de lívidos venenos…

            Evoé Vênus!

 

Se perguntarem: que mais queres,

Além de versos e mulheres?...

- Vinhos!... o vinho que é meu fraco!...

            Evoé Baco!

 

O alfange rútilo da lua,

Por degolar a nuca nua

Que me alucina e que eu não  domo!...

            Evoé Momo!

 

A Lira etérea,  a grande Lira!...

Por que eu extático desfira

Em  seu louvor versos obscenos,

            Evoé Vênus!

 

Manuel Bandeira, 1918

 

Como nos relacionamos com a sua existência? Umas vezes bem, outras vezes mal!

E lá dizem os ditados:

“Afoga-se mais gente em vinho do que em água”.

“Quando o vinho desce, as palavras sobem”.

“Bom vinho não precisa de rolha”.

 

“Vinho madurão faz o homem brigão”.

“Quem bebe muito vinho, perde o tino”.

“Quando o vinho entra, sai a inteligência”.

 

                                               “Quando o vinho entra, os segredos saem”.

 

 

 

publicado por Carlos Loures às 11:00
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Sexta-feira, 15 de Outubro de 2010

Fernando Pessoa, Aristóteles e Manuel Bandeira - Arte Poética

Vamos hoje começar a recordar a "Maratona Poética" que organizámos. Poemas e textos sobre a Arte Poética e belíssimos quadros do Adão Cruz. Começamos com um poema de Fernando Pessoa (sob o heterónimo de Bernardo Soares), superiormente dito pelo grande actor brasileiro Paulo Autran. Aristóteles e Manuel Bandeira completam um trio fascinante.



AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.


E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.


E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.




Aristóteles
(Séc. IV a.C.)



ORIGEM DA POESIA

Parece haver, em geral, duas causas, e duas causas naturais, na génese da Poesia. Uma é que imitar é uma qualidade congénita nos homens, desde a infância (e nisso diferem dos outros animais, em serem os mais dados à imitação e em adquirirem, por meio dela, os seus primeiros conhecimentos); a outra, que todos apreciam as imitações.

Prova disto é o que se passa na realidade. Daquilo mesmo que vemos com desagrado, apreciamos contemplar a imagem muito exacta, como, por exemplo, as formas dos animais mais desprezíveis e dos cadáveres.

Outro motivo ainda é que aprender é muito agradável, não só aos filósofos, mas aos outros homens igualmente.Porém, curta é a parte que nela têm. Por isso se regozijam, ao verem as imagens, porque têm oportunidade de aprender enquanto observam, e de compreender o que cada uma representa, por exemplo, que este assim e assim é fulano. Se se der o caso de a não terem visto anteriormente, já não é a imitação que provoca o prazer, mas a execução, o colorido, ou qualquer outro motivo neste género.

Ora, como é natural em nós a imitação, a harmonia e o ritmo (pois é evidente que os metros são partes dos ritmos), de início, os que nasceram para isso, progredindo aos poucos, criaram a Poesia, a partir dos seus improvisos.

(“Poética”, 1448 b, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira).


Manuel Bandeira

(Recife 1886-Rio de Janeiro 1968)

 

POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação


_________________________________
publicado por Carlos Loures às 08:00
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Quarta-feira, 8 de Setembro de 2010

Maratona poética - Pessoa, Aristóteles e Manuel Bandeira, são os primeiros.



AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.


E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.


E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Com este poema de Fernando Pessoa (sob o heterónimo de Bernardo Soares), superiormente dito pelo grande actor brasileiro Paulo Autran, declaramos solenemente aberta a
 I Maratona Poética do Estrolabio

Aristóteles e Manuel Bandeira completam o trio com que  a inauguramos:



Aristóteles
(Séc. IV a.C.)



ORIGEM DA POESIA

Parece haver, em geral, duas causas, e duas causas naturais, na génese da Poesia. Uma é que imitar é uma qualidade congénita nos homens, desde a infância (e nisso diferem dos outros animais, em serem os mais dados à imitação e em adquirirem, por meio dela, os seus primeiros conhecimentos); a outra, que todos apreciam as imitações.

Prova disto é o que se passa na realidade. Daquilo mesmo que vemos com desagrado, apreciamos contemplar a imagem muito exacta, como, por exemplo, as formas dos animais mais desprezíveis e dos cadáveres.

Outro motivo ainda é que aprender é muito agradável, não só aos filósofos, mas aos outros homens igualmente.Porém, curta é a parte que nela têm. Por isso se regozijam, ao verem as imagens, porque têm oportunidade de aprender enquanto observam, e de compreender o que cada uma representa, por exemplo, que este assim e assim é fulano. Se se der o caso de a não terem visto anteriormente, já não é a imitação que provoca o prazer, mas a execução, o colorido, ou qualquer outro motivo neste género.

Ora, como é natural em nós a imitação, a harmonia e o ritmo (pois é evidente que os metros são partes dos ritmos), de início, os que nasceram para isso, progredindo aos poucos, criaram a Poesia, a partir dos seus improvisos.

(“Poética”, 1448 b, tradução de Maria Helena da Rocha Pereira).


Manuel Bandeira

(Recife 1886-Rio de Janeiro 1968)

 

POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação


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Daqui a uma hora, chegam mais três maratonistas - Sílvio Castro, Sophia de Mello Breyner Andresen e Pablo Neruda
publicado por Carlos Loures às 00:00
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