Sábado, 22 de Janeiro de 2011

O Jantar Chinês - Maria Ondina Braga

coordenação de Augusta Clara de Matos

 

 

Quem Conta Um Conto..

Maria Ondina Braga  O Jantar Chinês

Não sei se os meus amigos já ouviram falar do Porto Interior de Macau. É como se fosse uma ou­tra cidade a balouçar no rio das Pérolas. Barcos pe­quenos e barcos grandes, ali, imensos, muito chegados uns aos outros, e as pessoas que lá vivem avançam de barco para barco como nós passeamos pelas ruas. Os barcos pequenos chamam-se sam-pans, que quer dizer três-tábuas, onde se abrigam famílias inteiras, e estão presos com varas de bam­bu enterradas na lama para que os ventos do tufão não os afundem. E os grandes, chamados juncos, são os que vão à pesca.

Ora bem, quando eu vivi em Macau, há mui­tos anos já, nos sam-pans amontoavam-se adultos e crianças quase uns por cima dos outros. E os juncos que, embora fossem barcos de pesca, serviam tam­bém de casa aos pescadores, eram conhecidos por fân-siuns, e tinham largueza.

Nesse tempo, no entanto, em Macau, todos os barcos navegavam à vela. Velas de pano remen­dado, cor de ferrugem, cor de lodo e até pretas. De qualquer modo, bonito ver essas velas desfraldadas que pareciam leques gigantes, rio fora, até ao meio do mar. Uma vista verdadeiramente extraordinária, sim, o Porto Interior, mas com um ar de velhice e de pobreza. Que nos dias de hoje é diferente. Hoje em lugar de velas, os barcos, têm máquinas a va­por.

Lembro-me de que me vieram lágrimas na primeira vez que visitei esse porto de abrigo.

Numa pequena embarcação, junto ao cais, uma velha muito velha, com um menino ao colo, chupava um comprido cachimbo de água. Subiam rolos de fumo de minúsculas chaminés de lata. Num junco, ao largo, salgava-se peixe. E então um barco-loja carregado de mercadorias: sapatos de pano, te­cidos, tachos, tigelas, bules para o chá, cestos de palha de arroz, chapéus de fibra de bambu. Barco, portanto, para fazer negócio. E para que a gente do rio não precisasse de ir à cidade comprar o que lhe fazia falta. Também outro barco, este, restaurante, a cheirar a banha de porco, a picantes e a fritos. E à proa um chinês gordo a mexer com um pau novelos de massa, que em chinês se diz min, e que fer­viam num caldeirão com chouriço-china. Era a sopa-de-fita, a sopa-de-longa-vida, que até continha miúdos de galinha ou de pato. Esse barco-restaurante movia-se igualmente entre os outros, servindo, de onde em onde, por sobre a amurada, uma tigela de canja. Ou arroz chau-chau. Ou um frasco de tau-fu-mui, a que os portugueses chamavam queijo chinês. E cartuchinhos de iau-ii, choco frito com piri-piri, ainda quente, e uma colherada de molho.

Foi então que descobri, aninhado à ré de um sam-pan, um menino a desenhar com um pincel fino os caracteres da sua língua. Entardecia. O sol poente punha na cabeça do rapazinho uma chama de ouro.

Atravessei, pois, uma prancha e, em seguida, vários barquinhos, até chegar perto dele. Atento ao trabalho, porém, ele não deu por mim. A água ma­rulhava à nossa volta, escura, limosa. Uma mulher, a dona do barco em que eu me quedara, perguntou-me:

- Que quer daqui?

Tinha uma cara larga, castanha, mal-humorada.

Mostrei-lhe uma moeda:

- Vende-me esse periquito?

Foi a primeira coisa que me lembrou. Recea­va que ela me mandasse embora e não queria, de modo algum, partir sem falar com o pequeno.

A verdade é que eu o conhecia do colégio. Pertencia à escola masculina, chamava-se Yu, que em português significa jade, uma pedra oriental muito preciosa e de cor verde.

A mulher abriu os lábios grossos num sor­riso:

- Com certeza!

Estendia a mão para o dinheiro. Escancarou depois a gaiola de vime, tirou o pássaro, entregou-mo.

O bichinho, assustado, tremia na palma da minha mão, sem tentar fugir.

Súbito, um barco, chocando com o nosso, fez-me desequilibrar. Abracei-me à mulher que ria. O passarinho, esvoaçando, foi pousar no ombro do rapaz, no barquinho ao lado.

E Yu viu-me.

- Sim-saml — gritou (sim-sam quer dizer «professora»).

E no seu português meio chinês, perguntou-me o que é que eu fazia ali.

- Vim ver-te! — respondi.

Yu mostrou os dentes todos num jeito de agrado.

- Oh, entre para a nossa casa! Para que com­prou a A-Mui o periquito? Eu podia dar-lhe um.

Começou a mostrar-me o barco. Ao centro, debaixo da cobertura de colmo em forma de túnel, o quarto dele e do avô. À proa, a cozinha, a capoei­ra com duas galinhas, uma gaiola de periquitos, um canário, o casinhoto do cão. À ré, o lugar onde ele estudava e onde recebia as visitas. O sam-pan inteiro não tinha mais de três metros. A mobília do quar­to de dormir era uma esteira no chão. Na sala das vi­sitas havia um banquinho de bambu onde Yu me convidou a sentar.

Entretanto a noite caíra. Yu apressou-se a acender o candeeiro de querosene e a ferver o chá. Falava sempre: que surpresa! O avô devia estar a chegar e ia gostar de me ver ali.

Enquanto a água aquecia, chamou o cão e obrigou-o a fazer habilidades diante de mim. De­pois, voltando ao periquito:

- Comprou-o caro, não? A-Mui só quer di­nheiro. Tem gaiola para ele? Posso fazer-lhe uma. Gosta de cana ou de fibra de palmeira?

- Como quiseres. Igual à tua, que é bonita. Eu pago-te.

- Ora, eu não sou como A-Mui...

Baixou a voz. A nosso lado, a vizinha, debru­çada do barco, lavava na água turva o arroz do jan­tar num cesto de palha fina.

O pequeno foi guardar a minha ave na gaio­la dele, para que não fugisse. Em seguida apurou o ouvido.

- Oiço a campainha do sam-lun-ché do avô.

Sam-lun-ché é um meio de transporte usado em Macau e puxado por um chinês numa bicicleta com três rodas.

Eram horas da ceia. Yu disse:

- Sim-sam, janta connosco, sim?

publicado por Augusta Clara às 14:00

editado por Luis Moreira às 01:51
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Domingo, 17 de Outubro de 2010

A Grande Muralha- 11 - Luís Moreira na China


Hoje tive a oportunidade de visitar as outrora belas e ainda luxuriantes montanhas que cercam a baia e as varias ilhas . O avanco dos prédios com 60 andares ha muito que retirou o horizonte as belas montanhas, e implacável, o cimento, so muito raramente o verde encobre uma bela moradia aqui e ali, com as suas piscinas e courts de ténis.

O passeio num barco chinês em plena baia mostrou que o mar esta tao ocupado quanto a terra, habitação e restaurantes sobre as aguas, cruzam-se com juncos chineses e magníficos iates, uns tripulados por gente chinesa, outros por ocidentais e orientais que, não obstante, nada tem a ver com os chineses.

As marcas de carros de luxo são mais que muitas, embora a opulência não se veja, como se vê em Macau, nos hotéis e casinos que ultrapassam tudo o que se possa imaginar. Há aqui algumas praias ocupadas por Filipinos e Paquistaneses que vem apanhar sol, nos fins de semana, mas tambem vi belos fatos de banho de mulheres ocidentais, com a tez branca e o cabelo loiro de inglesas e alemãs.

O Hotel onde estou, esta ligado a um centro comercial que tem a dimensão do Colombo, 600 lojas cheias de gente, da para sair do quarto e entrar no shopping sem precisar de ir a cidade. A comida já não é tão exótica como na China. Perdi quatro quilos



publicado por Luis Moreira às 14:00
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Sexta-feira, 15 de Outubro de 2010

A Grande Muralha – 9 – Luís Moreira na China


Macau, um calor sufocante espera-me nas ruas, enquanto no hotel o ar condicionado faz lembrar a Sibéria...tudo esta montado na energia, e incrível o desperdício, a opulência, "muitas e desvairadas gentes" cruzam-se aqui, para o jogo e o turismo. Deitei-me por volta da uma e quando me levantei, `as 8 horas, o jogo continuava. No nono andar ha um clube selecto que, a ver pelas meninas, deve ser muito selectivo, o elevador privativo não para...

Encontrei um jovem português com um pequeno restaurante, deixou a pátria madrasta para ter trabalho, vende "pastéis de bacalhau" e tinto, não esta nada arrependido o negocio floresce, os guias que falam português encarregam-se de levar la os compatriotas ávidos de comida portuguesa. Mais um que em vez de se lamentar e andar em manifestações a querer mais, deitou mãos ao trabalho.

O lugar está transformado por prédios cada vez mais altos e mais opulentos, embora as colunas de mármore dos casinos sejam de "plástico, pontes juntam as ilhas à China, tudo à grande e com a Fórmula 1 a ser preparada para aqui ocorrer em Novembro.

O hotel onde estou "O Grande Lisboa" é um atentado ao bom senso, a casa de banho são três compartimentos, 60 metros quadrados com um luxo incrível, desperdício, até dói, mas tu estás aí, vão perguntar vocês. Pois estou, convidado por uma daquelas associações que proliferam na nossa terra dos bem com a vida, embora eu pague, não pago nem metade do que pagaria um cliente normal. E assim Portugal, dividido ao meio entre os que tendo trabalho tem uma enormidade de mordomias, e a outra metade com vencimentos de miséria e pensões de fome. Mas quem tem dinheiro e que enche as camionetas para trazer o pessoal para as manifestações da avenida, para reivindicar para si, não para quem precisa. E a esquerda bem pensante a cavalgar o Estado Social...

Hoje chegaram aqui as noticias sobre as medidas que Sócrates jurava nunca ter que anunciar. Um Orçamento com um ataque sem igual a classe média, acabou a "grande farra", os investimentos dos mega projectos, às vezes e muito bom não ter dinheiro, não se deita fora, não se desperdiça.
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publicado por Carlos Loures às 14:06
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Terça-feira, 25 de Maio de 2010

Outra Constituição, outra Democracia, uma Terceira República – 9

Carlos Leça da Veiga

Os relacionamentos internacionais que mereciam preferência.


A África deve ser considerada como ideia central da geopolítica portuguesa. Ela representa um dos vectores primaciais da nossa acção histórico-pragmática”,


Embaixador Dr. Luís Gaspar da Silva


No passado colonial português, todos o sabem, foram cometidas muitas delapidações e desacertos impossíveis duma qualquer desculpa, porquanto, factos e atitudes tão reprováveis – quanto tão inaceitáveis – não devam ser esquecidos seja por quem delas foi vitima seja, também, por quem delas foi autor. Em quaisquer circunstâncias, hoje em dia, conscientes de mesmo sem poderem sarar-se muitos dos agravos, o devir da evolução histórica aponta, com determinação, para saber superá-los de tal modo, escorados num saudável espírito de cooperação, possam abrir-se caminhos inteiramente novos, como os benefícios bilaterais assim exigem.

Impõe-se e tem vantagens mútuas, saberem virar-se as páginas mais lamentáveis do colonialismo, tudo, sem querer aligeirar-se ou esquecer-se quanto a História registará.

Acrescente-se por, também, não dever ignorar-se que, anos atrás, nos idos de setenta, as duas maiores potências político-militares mundiais, na ânsia neocolonizadora de quererem substituir os colonizadores portugueses, tudo fizeram para criar um clima de intriga internacional suficientemente conflituoso para, desse modo, conseguirem manobrar, fazer deflagrar e alimentar, nas antigas possessões portuguesas, conflitos bélicos duma enorme dimensão com consequências humanas imensamente devastadoras e prejuízos materiais incalculáveis. Para além doutras quaisquer intenções de rapina, afastar de África os residentes portugueses é mais outra acusação que deve fazer-se aos manobradores internacionais.

Fosse por intenção deliberada das centrais de desinformação política, fosse consequência inevitável dos perigos que uma guerra comporta, o procedimento dos cidadãos portugueses radicados em África, face aos novos Estados africanos teve de tornar-se num êxodo maciço que, provavelmente não o teria sido, caso não tivesse havido ingerência bélica do exterior que levou, sem contemplações, ferro e fogo a Angola, a Moçambique e, ainda agora, à Guiné-Bissau. Não fosse assim, pode admitir-se, o fluxo migratório português para esses novos Estados, com toda a lógica, poderia ter sido muito significativo já que constituiria uma resposta apreciável para satisfazer as dificuldades laborais portuguesas e, também, é reconhecível, as carências profissionais das ex-colónias.

Conseguir-se-ão reabrir os caminhos africanos?

Conseguir-se-á regressar ao velho universalismo português?

Não parece que o eurocentrismo dominante na política portuguesa pretenda fazê-lo. Os subsídios europeus tudo pagam, dignidade inclusive.

A política portuguesa, deve querer dirigir toda a sua atenção preferencial para esse mundo imenso fora da Europa, espalhado por todos os continentes, onde, por séculos, viveram e prosperaram milhares de portugueses e que, hoje em dia, tal como para o futuro, está afirmado como sendo um espaço promissor para desenvolver-se um frutuoso entendimento cultural, económico e político cujo entrosamento, tão necessário, quanto benéfico, não tem estado a operar-se com a suficiência e a efectividade mais imperiosas.
Que mundo imenso, fruto dum relacionamento ímpar, velho de séculos, falado em português é que tem estado a perder-se?

As culpas não podem ser assacadas aos votantes portugueses, outro sim aos interesses da baixa politiquice. Sob quaisquer aspectos esse relacionamento falado em português devia ser cultivado com propósitos estratégicos de interesse reconhecidamente bilateral. Para a população portuguesa, em quaisquer circunstâncias, seria, sempre, altamente compensador sobretudo em contraponto ao europeísmo multilateral, expansionista, federalista, continental, prepotente, frustrante, interesseiro, onírico e limitador das livres decisões nacionais que, na verdade, já indigna a muitos.

Quem desbaratou a agricultura, a pesca, a industria e o comercio?

Quem aceitou aumentar o volume brutal das despesas, sobretudo, à custa das importações?

Quem prejudicou, pelo acinte e pela subserviência às ideologias mundiais antagónicas, o muito desejável relacionamento de Portugal com os Países Africanos de Expressão Oficial Portuguesa?

Quem, dessa maneira, tornou dificílimas as possibilidades de trabalho para um contingente enorme dos desempregados nacionais?

Que preocupações sérias têm sido dispensadas a Macau e a Timor, cidadelas na zona do Mundo – o oceano Pacifico – para onde caminha a força estratégica da nova era? Por pequenos que sejam esses territórios podiam e deviam ser arvorados como pontos privilegiados de observação política e de intensa intermediação cultural, exactamente, como a estratégia nacional tinha obrigação de propugnar. É errado – causa indignação – não haver uma presença portuguesa muito bem visível nessa zona do mundo.

Todos esses pequenos territórios (Macau e Timor) sejam quais forem as condições em que vivam, por seu intermédio, nos dias de hoje e no futuro, podem facultar a Portugal uma aproximação muito directa para estar presente – um privilégio – junto ao Pacifico, o novo lago em cujo torno vai estar – já está – dum lado e doutro, a sede de decisão da nova estratégia mundial.

Há patrimónios culturais que a História impede possam abandonar-se e não pode autorizar-se que uns tantos arvorados em dirigentes nacionais possam fazê-lo.

Quem não fica indignado?
publicado por Carlos Loures às 21:00
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