(Continuação)
Romagem às campas dos regicidas.Segundo parece, o acordo estabelecia que os republicanos contribuíssem com os homens dispostos a sacrificar a vida (porque todos sabiam que disso se tratava) e os monárquicos com o dinheiro para reunir os meios necessários à execução do plano. Eram necessárias armas de grande qualidade e, portanto, caras.
Meses antes, ainda em 1907, a fábrica norte-americana Winchester lançara um novo modelo de carabina semiautomática, com bloco de culatra reforçado de modo a suportar o elevado calibre 351. Era uma arma de grande fiabilidade, certeira, com um acabamento de grande qualidade, com inovações muito avançadas para a época. Dava garantias de precisão e eficácia, desde que utilizada por um bom atirador, naturalmente.
O armeiro Heitor Ferreira, estabelecido no actual Largo D. João da Câmara (a loja ainda existe) encomendou, pois, à sucursal europeia da Winchester, a casa Monkt, de Hamburgo, nove carabinas desse novo modelo. Cada uma custava uma pequena fortuna.
Mal a encomenda chegou, vendeu três carabinas a gente conhecida (e rica). As vendas foram sendo registadas num livro que, durante as investigações do processo do regicídio, desapareceu. As restantes seis ficaram reservadas. A outra arma encontrada no local do atentado, a pistola FN Browning de calibre 7,65, usada pelo Alfredo Costa era igualmente de um modelo muito avançado, portátil, funcional. Foi realmente adquirida no estabelecimento de Heitor Ferreira (com o número de registo 349-432). Na foto abaixo, podemos ver uma arma destas, produzida em 1906-1908.
Há quem afirme que Afonso Costa se gabava de ter sido ele a oferecer a arma ao Costa. Vemos que, ou se trata de um mito, ou Afonso Costa mentia. Pensando bem, por que iria Afonso Costa mentir? As armas dos regicidas mortos no local, foram devidamente identificadas e conhece-se a sua proveniência. Aliás, nesta matéria, na qual o factual, o documentadmente histórico, deveria prevalecer, a relativa proximidade temporal, leva a que haja sempre quem tenha ouvido do pai, do avô, versões sem qualquer consistência. Meros boatos, como os que hoje correm sobre as personagens da política actual - porém, a estes a patina de um século confere-lhes respeitabilidade. Principalmente os monárquicos, ãpoiando a sua versão histórica em
ses, alimentam muito as suas crenças ideológicas em mitos - denegrindo as personagens republicanas e esquecendo que a queda da Monarquia se deveu sobretudo á corrupção, à incompetência, quando não mesmo à mais rasteira traição, dos políticos monárquicos. Adiante.
Resolvido o problema das armas era necessário encontrar quem as usasse. É aqui que os serviços da «Coruja», uma célula ou canteiro que funcionava fora do controlo da Alta Venda, foram requisitados. Sabe-se que, entre 28 e 31 de Janeiro, houve depois da reunião da Quinta do Ché, houve outras em que todo o plano do Regicídio foi afinado. E terá sido neste ponto que a «Coruja» entrou em cena. O que era a «Coruja»? Era, segundo tudo o indica, uma estrutura paralela à Carbonária. À frente dela estava José Maria de Sousa, António José dos Santos, Coelho Bastos e Henrique Cordeiro, os quais, depois de recrutarem numerosos adeptos, a dissolveram, integrando estes na Carbonária, o que era, afinal, o fim que se propunham. Composta por gente corajosa e exaltada, era ideal para cumprir uma missão que se sabia implicar o sacrifício da vida, pelo menos aos elementos que iam actuar à vista de todos. Portanto, os conspiradores republicanos forneceram aquilo que, brincando com coisas sérias, podemos considerar a mão-de-obra.
Segundo o historiador Mendo Castro Henriques em «Dossier Regicídio», terá sido o visconde de Pedralva a comprar as seis armas. Tentou-se depois fazer passar a ideia de que, embora o alvo da operação fosse João Franco, não tendo conseguido apanhar este, o Buíça e o Costa, tinham de motu proprio decido assassinar a família real. Como se gente tão fanaticamente cumpridora de ordens fosse capaz de decidir uma alteração tão profunda que contrariava as ordens recebidas. Aquilino Ribeiro em «Um Escritor Confessa-se» sugere que terá sido uma inspiração de momento, uma decisão dos regicidas. Não faz qualquer sentido. Uma operação prevista ao segundo, com tiros disparados de diversos pontos da praça e com uma logística complicada, que parecia estar preparada para, caso o Buíça e o Costa falhassem, haver quem levasse a missão a cabo, não se improvisa do pé para a mão.
Segundo o que tenho conseguido apurar, da parte dos republicanos não existia um ódio particular ao rei D. Carlos. Atacavam-no, insultavam-no, aproveitavam os seus mínimos deslizes, os escândalos que ele protagonizava, o despesismo de que fazia alarde… Inventavam escândalos, se fosse necessário. No entanto, não era uma questão pessoal. Fosse outro o rei e fariam o mesmo. Como se viu nos dois anos e meio em que D. Manuel reinou – não houve escândalos e nem por isso a propaganda republicana deixou de atacar o rei.
O Partido Republicano queria derrubar o regime. Se em vez de D. Carlos, estivesse um santo, um modelo de virtudes, seria transformado pela propaganda republicana num monstro. Não temos que nos admirar. Ainda hoje é assim .
Ao contrário dos republicanos, que atacavam o rei só por ele ser o representante de um regime que queriam derrubar, os monárquicos, José de Alpoim, mais do que ninguém. Odiavam profundamente a pessoa de D. Carlos. Quando numa entrevista ao diário parisiense
Le Temps, em Novembro de 1907, d. Carlos dissera ao jornalista que tinha inteira confiança em João Franco, lhe elogiara a inteligência e que fora o único político com carácter que encontrara, criara numerosos inimigos entre os monárquicos – então não havia mais ninguém com carácter?
Raul Brandão no volume I das suas «Memórias» afirma que José de Alpoim e os dissidentes forneciam bombas explosivas, armas e dinheiro aos republicanos e, cita João Chagas: «O Alpoim foi quem nos forneceu as armas para a revolução» (…) «Nós tínhamos homens, eles deram-nos armas e bons contos de réis». Como diz Miguel Sanches de Baêna na obra referida: «A sanha contra as instituições monárquicas e contra o rei não parecia ter limites». Como conta Rocha Martins em «D. Carlos», entrando Alpoim na oficina tipográfica do jornal «O Dia», de que era director, dirigiu-se ao tipógrafo Teixeira Severino e perguntou: «Vocês não acham que D. Carlos deve ser morto? E pusera-se a assobiar».
A assinatura do decreto que permitia ao governo deportar os líderes republicanos presos no dia 28, terá tido a sua importância, mas não pode ter sido decisiva. A engrenagem que conduziu ao Regicídio já estava em marcha. Não era possível da noite de 31 para a tarde de 1 de Fevereiro, ter montado todo aquele complexo sistema.
Embora seja evidente que o plano foi bem preparado, a verdade é que houve uma displicência muito grande por parte do Governo no que se refere à segurança do chefe de Estado e dos seus familiares. Não faz sentido que, com o clima pré-revolucionário que se vivia em Lisboa, o transporte se tenha feito em landau e não em automóvel fechado e com uma escolta reforçada. Nem João Franco, nem o rei acreditavam que fosse possível haver um atentado.
A verdade completa sobre o Regicídio, dificilmente virá a ser conhecida. Com o desaparecimento do respectivo processo, restam as conjecturas, as suposições, as teorias. José de Alpoim disse em diversas ocasiões «Só há duas pessoas em Portugal que sabem tudo – eu e outra». Soube-se depois que a pessoa a quem ele se referia era ao visconde da Ribeira Brava. Muito mais haveria a dizer sobre este tema.
José Fontana (1840-1876) -II
Giuseppe Silo Domenico Fontana — dito José Fontana em português — filho de Maria Clara Bertrand Bonardelli e de Giovanni Battista Fontana, nasceu em Cablio (Suíça) a 28 de Outubro de 1840 e morreu em Lisboa a 2 de Setembro de 1876, tendo conservado sempre a nacionalidade suíça, como consta no registo do funeral, realizado no Cemitério Ocidental de Lisboa (Prazeres).
Com a profissão de encadernador e depois caixeiro de livraria, entrou para o serviço da Livraria Bertrand, da qual chegou a ser sócio.
Autodidacta, extraordinariamente culto, interessado nos problemas sociais da época, acompanhou a criação das primeiras associações operárias portuguesas e foi elemento decisivo para a criação do Partido Socialista em Portugal, no seguimento das resoluções do Congresso da Internacional Operária realizado em Haia e que preconizavam a criação de partidos operários nacionais.
Muito novo ainda abandonara o seu país e viera para Portugal. Em rapaz fizera tudo o que todos fazem: namoricara, comera, bebera... Depois, pouco a pouco, à sua vivacidade enérgica aliou-se aquele tom sombrio de reflexão, que o fizera tal qual o veremos mais tarde.
Atribui-se-lhe actividades revolucionárias na terra de origem, mas desconhece-se todavia a data da sua entrada em Portugal, para onde emigrou de forma a fugir às perseguições policiais de que por certo era alvo.
Em Portugal, começou por frequentar o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, (CPMCL) aí propagandeando as teorias socialistas, nomeadamente as de Proudhon, tanto em voga na época.
Aquando da chegada a Lisboa dos delegados do Conselho Confederal Espanhol da Associação Internacional dos Trabalhadores, que se dirigiram ao CPMCL para contactarem os mais conscientes militantes desta agremiação, José Fontana destaca-se desde logo como figura de grande prestígio e audiência na massa operária do Centro Promotor.
Mas a fase federal-socializante do Centro encontra algumas resistências por parte dos republicanos, o que faz com que este se dissolva para dar lugar ao aparecimento de duas outras associações, ambas co-fundadas por José Fontana: Associação Protectora do Trabalho Nacional e, logo a seguir, aquela em que José Fontana mais se empenhou, a Fraternidade Operária, em Janeiro de 1872.
Por esta época, José Fontana liga-se a um grupo de intelectuais de que fazem parte, entre outros, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis, Eça de Queirós, Adolfo Coelho, etc., que estão na origem das Conferências do Casino Lisbonense, das quais ele, Fontana, foi a alma no que tocou à agitação e propaganda.
As Conferências do Casino podem considerar-se um manifesto de geração. Denominam-se assim por terem tido lugar numa sala alugada do Casino Lisbonense e foram uma série de cinco palestras realizadas em Lisboa no ano de 1871 pelo grupo do Cenáculo formado, por sua vez, pelas mesmas pessoas, mais ou menos, que constituem a Geração de 70.
Um grupo de jovens intelectuais do final do século XIX, liderado ideologicamente por Antero de Quental e José Fontana e do qual fizeram parte alguns dos maiores escritores da História da Literatura portuguesa, como Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Téofilo Braga e Guerra Junqueiro, formou o essencial da chamada geração de 70.
Iluminados por ideias inovadoras que beberam da cultura europeia, sobretudo da francesa, irão opor-se a um governo monárquico cada vez mais contestado nos finais do século. Racionalistas, herdeiros do positivismo de Comte, do idealismo de Hegel e do socialismo utópico de Proudhon e Saint-Simon, protagonizaram uma autêntica revolução cultural no nosso País, agitando consciências e poderes estabelecidos.
Os movimentos do Fontismo e da Regeneração acentuaram os desequilíbrios económicos crónicos da sociedade portuguesa. As dívidas ao estrangeiro contraídas para pagar as infra-estruturas, agravam a situação económica (no fim da Regeneração o País estava na falência); o falseamento das instituições, a astúcia dos políticos, a fraude e a corrupção do poder político; são os condimentos que contribuem para uma degradação acentuada do estado da Nação. Acresce ao panorama o predomínio da mentalidade rural sobre a urbana; a indústria moderna não se desenvolveu, a concorrência estrangeira derrubou a fraca indústria portuguesa e nos campos a situação era aflitiva, com o consequente aumento de emigração, sobretudo para o Brasil.
Nas Artes e nas Letras persistiu a falta de apoio que agravou as difíceis condições de vida dos Artistas. Os escritores precisavam da protecção do Estado, e este oferecia importantes cargos no Governo em troca do "controlo da pena" – e daqui surge a chamada "literatura oficial".
É contra todas estas condições (que contrastavam com o avanço no resto da Europa) que surge a Geração de 70, que, por volta de 1865, se insurge sobretudo contra o exagero caduco e balofo do gosto ultra-romântico, contra o monopólio de António Feliciano de Castilho.
Antero de Quental chamou à escola de Castilho a "Escola do Elogio Mútuo", já que os seus membros passavam o tempo a elogiar-se mutuamente, para prestígio do grupo. A Geração de 1870 defende uma maior abertura à cultura europeia, e uma reforma do País, sobretudo a nível cultural.
Denota-se no grupo a influência do socialismo utópico com laivos republicanos e uma influência francesa muito forte, de pendor anti-clerical.
São disso exemplo a Questão Coimbrã e as Conferências do Casino. Esta revolução cultural acabaria mesmo por culminar numa revolução política: a instauração da República, a 5 de Outubro de 1910.
A ideia destas palestras surgiu na casa da Rua dos Prazeres, onde na época reunia o Cenáculo. Pode definir-se o Cenáculo como um grupo de jovens escritores e intelectuais, denominados de vanguarda, que trazem de Coimbra para Lisboa a disposição boémia e tentam agitar a sociedade no que diz respeito a questões políticas e mesmo sociais, agitação esta que terá como ponto culminante as Conferências Democráticas do Casino, organizadas pelos artistas e literatos que fundam e frequentam este grupo.
Esta espécie de tertúlia, iniciada por fins de 1867, tem como seu primeiro local de reunião a casa de Batalha Reis, na Travessa do Guarda-Mor, n.º 19 hoje Rua do Grémio Lusitano, situada no cruzamento desta rua com a Rua dos Calafates, actualmente Rua Diário de Notícias, no Bairro Alto.
Por esta altura eram frequentadores desta tertúlia Salomão Saragga, José Fontana, Lobo de Moura, Mariano Machado, Manuel Machado e outros, nomeadamente Eça, Antero, Batalha Reis.
Quando Antero e Batalha Reis mudam de casa, passando a habitar uma sobreloja que dava para o Jardim de São Pedro de Alcântara as reuniões mudaram-se para a plataforma inferior desse jardim, onde Eça de Queirós os encontrou aquando do seu regresso da viagem ao Oriente para assistir à inauguração do Canal do Suez.
Mais tarde Antero e Batalha Reis mudam-se para a Rua da Cruz de Pau, n.º 20, 2º andar, ao Alto de Santa Catarina, permanecendo durante pouco tempo, mudando-se de novo para o 1º andar do n.º 63 da Rua dos Prazeres, até 1872, onde planeiam as famosas Conferências Democráticas do Casino.
Antero e Batalha Reis alugaram a sala do Casino Lisbonense, situado no Largo da Abegoaria, presentemente de Rafael Bordalo Pinheiro. No jornal "Revolução de Setembro" foi feita a propaganda a estas Conferências.
A 18 de Maio foi divulgado o manifesto, já anteriormente distribuído em prospectos, e que foi assinado pelos doze nomes que tinham intenções organizadoras destas Conferências Democráticas.
Nesse manifesto podia ler-se:
«Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve regenerar-se a organização social.
Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e o porquê dos movimentos.
Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias e a legitimidade desses interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser; como as Nações têm sido, e como as pode fazer hoje a liberdade; e, por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e todas as correntes do século.
Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.
Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada;
Procurar adquirir consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade portuguesa;
Tal é o fim das Conferências Democráticas.
Têm elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que pretendem ter uma acção – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo pública mas serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa, 16 de Maio de 1871»
Como já foi referido, José Fontana está na origem das Conferências do Casino Lisbonense, participando como principal animador no que reporta às lides da agitação e da propaganda em prol das mesmas.
É, contudo, no âmbito do movimento operário e socialista que José Fontana dedica a sua maior atenção.
Naturalmente que não sendo Portugal um país fortemente industrializado — não o é ainda hoje, como seria há 100 anos?! também nunca poderíamos ter um grande movimento sindical.
A pouco mais de um quarto de século do ano de 1900, exactamente em 1872, é quando tem lugar a criação da Federação Portuguesa da Associação Internacional de Trabalhadores (I Internacional). A A.l.T. tinha sido fundada 8 anos antes, em Londres, numa Conferência que reunira sindicalistas dos principais países da Europa e da América (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Suíça e Estados Unidos) e uma das decisões aí tomadas fora precisamente a de que em cada país se constituísse uma Federação ou uma Secção da A.I.T.
Graças ao esforço de homens como José Fontana, Antero de Quental, Azedo Gneco, Sousa Brandão, Nobre França e Batalha Reis foi possível dar esse primeiro passo de tão relevante importância na história do movimento sindical português.
Foram, de resto, estes mesmos homens que deram origem ao Partido Operário Socialista Português (POSP), fundado em 1875.
Fontana foi um activo promotor da resistência operária através de greves e coube-lhe a organização das primeiras manifestações do 1.º de Maio. Elaborou vários discursos inflamados em defesa dos seus ideais e redigiu vários folhetos de propaganda.
«A actividade o trabalho de Fontana na Fraternidade não tiveram rival. Aparecia subitamente numas poucas de reuniões na mesma noite, encontrando-se tão depressa em Alcântara como no Beato, em Santa Clara como no Poço do Bispo. Era um homem, um trabalhador às direitas!». - Recorda Luís Figueiredo, companheiro de luta.
A sua figura e capacidade oratória, tornam aos poucos carismáticas para o movimento operário e socialista português. O mesmo Luís de Figueiredo descreveu assim José Fontana: «[…] era daqueles que nunca se esquecem mais, uma vez encontrados na vida. Tinha um não sei quê de nobre e simpático que o inundava duma tonalidade doce e meiga, que o fazia atraente e vago. Quando ele falava, vagarosamente, espaçando as palavras e seguindo-as nos ares com o seu grande dedo comprido e descamado, recorrendo à parábola e pintando comovido as misérias dos operários, […] tomava um aspecto singular, como dum iluminado sonhador. Se tivesse nascido noutra época, Fontana seria, talvez, um asceta, um inspirado, tal é, pelo menos, a forma porque o reconstruo no meu cérebro, à distância de um bom par de anos».
Na luta contra as influências republicanas no seio do movimento socialista, José Fontana tomou para si o papel de dianteiro, ao denunciar os limites do republicanismo numa das assembleias operárias, em que se lutava pela autonomia do movimento socialista face ao arrastamento para que procuravam conduzi-lo: «Sou suíço, filho dessa República que apontais como modelo. Sou pois uma testemunha viva do que ela vale, e todos sabem que não sei enganar os que me escutam: pois bem, sob minha palavra de honra certifico à assembleia que na Suíça os operários sofrem tanto como em Portugal, que são tão desgraçados, tão miseráveis, tão tiranizados, como neste País monárquico, existe o grande tirano dos operários — o capital. Enquanto não houver igualdade económica, a igualdade política será uma mentira; enquanto o capital for senhor, o trabalho será escravo».
Militante da Federação da Associação Internacional dos Trabalhadores, manter-se-á afastado da corrente socialista encabeçada por Nobre França, prestando todavia, embora já doente, a sua caução à formação do Partido Operário Socialista Português e à Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa.
Irá compartilhar com Antero de Quental o papel de figura tutelar do socialismo português. Ao mesmo tempo que se desdobrava em intensa actividade «uma fatal doença que ainda muito novo se lhe alojara no corpo, caminhava também, aproveitando o cansaço daquele organismo para melhor o prostrar e vencer», diz Luís de Figueiredo referindo-se à sua morte. «Depois, num negro dia — o segundo do mês de Setembro de 1876 uma bala de revólver punha termo ao sofrimento de José Fontana.
Acabrunhado pela doença, inútil, quase morto, com a certeza irrevogável da sua condenação, Fontana foi um suicida, um tíbio, depois de ter sido um benemérito. Não foi um criminoso, nem um cobarde, porque tinha bem pago a sua dívida para com a sociedade e porque havia sido um valente e um herói».
Foi um incansável lutador pela causa do movimento operário e socialista, pronto a defender os direitos humanos das classes operárias. Atestam-no as cartas que dirigiu Karl Marx e a Frederich Engels para Londres e que se conservam hoje nos Arquivos do Instituto Internacional de História Social, em Amsterdão.
Não se preocupava com prestígio individual e, muito menos, com as vantagens que desse prestígio lhe pudessem vir. As suas preocupações centravam-se nos interesses colectivos. E, ao mesmo que defendia os direitos dos seus companheiros ensinava-os a terem consciência da sua condição de homens livres e dignos. Os seus escritos contêm estas noções de pedagogia política, de emancipação social e, por consequência, de liberdade.
As Conferências do Casino — aquelas célebres conferências que iniciaram o movimento democrático em Portugal — foram obra sua e de Antero de Quental.
No Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas eclipsava também Fontana os maiores oradores populares do seu tempo. Depois, o canhoneio da Comuna de Paris orientara-lhe as ideias, dando-lhes forma e definindo-lhes as aspirações. Fontana foi da plêiade brilhante dos que ousaram defender os incendiários de Paris, os petroleiros malditos e condenados. Era necessária coragem, talento, para o poder fazer!
Naqueles tempos a Havas mandava de lá (de Paris) uns telegramas fulminantes e terríveis, que faziam arrepiar os coiros aos paquidermes da ordem. Mulheres desgrenhadas, de rosto feroz e incendiado de cólera — umas megeras, espécie de bruxas malditas de alguns dos contos alemães, segundo diziam as gazetas indígenas — andaram por lá deitando petróleo pelas ventas. E, contudo, as francesas, as boas parisienses, essas endiabradas que me quebrariam a pena — tais elas são, as gaiatas! —, nunca tinham feito mais do que deitar por terra a fortuna de algum banqueiro baboso e apalermado, ou então cometem um desses actos de dedicação heróica que são o assombro da história.
À porta da Havanesa comentava-se isto tudo que Eça de Queirós tão bem desenhou. E olhava-se com susto para os comunistas da voga, uns leões que se davam ao chique de revolucionarismo retórico!
Imagine-se como não seria visto Fontana e os mais que tinham a coragem das convicções e a firmeza da consciência! Contudo, no Centro Promotor, Fontana despertara entusiasmo, agrupando-se à sua volta toda a mocidade lúcida daquela agremiação prestante.
Em 1872 estava iniciado na Maçonaria, figurando hoje entre os nomes ilustres da mesma.
Poucos deixaram obra escrita tão significativa. O Quarto Estado de Fontana merece uma referência à parte. Das conspirações de 1848, Fontana retira uma lição: a do valor da moderação e do reformismo. Fontana recusa claramente a tradição revolucionária. A tese central é a de que os operários só alcançariam benefícios quando fossem eles próprios a organizar a luta. Os progressos «postiços» não tinham garantias de estabilidade. Na opinião de Fontana, isto não significava que o movimento operário devesse excluir a colaboração de outras classes: significava que a luta teria de ser feita segundo os interesses da classe operária.
Para ele, as revoluções criavam o receio da desordem, facilitando assim o advento das ditaduras. Portugal deveria dar-se por feliz por não ter assistido ao «perigoso período de fermentação e utopia sectária» que correspondera a esses anos. Tinha por conseguinte a possibilidade de aprender com a Europa passando directamente à fase do associativismo sem conhecer o ciclo revolução-repressão. Maduros e sensatos, os operários não desejavam a revolução, mas antes «criar para si, dentro do mundo actual, condições mais favoráveis e ir assim correndo lentamente para a gradual transformação das imperfeitas instituições existentes». O fim, a emancipação dos trabalhadores, fornecia o meio a utilizar, as associações. Seria através destas e não com golpes e barricadas que os trabalhadores melhorariam a sua situação.
Fontana contesta a nascente civilização capitalista e o regime de salariato. Ao contrário de Marx, Fontana não olhava ambiguamente os progressos que a burguesia estava a dar ao mundo: olhava-os horrorizado. A nova sociedade era incompatível com o que ele queria. As suas teses correspondiam ao que pensavam os artesões ameaçados pela degradação dos ofícios: o progresso era uma catástrofe. Enquanto a linha do partido fosse esta, o sucesso do P. S. estava garantido.
José Fontana ainda trabalhou no Partido Socialista, mas a doença não permitiu que os seus esforços fossem de peso. Suicidou-se em 2 de Setembro de 1876 numa cave da Livraria Bertrand.
O seu funeral, civil como era de esperar, foi objecto de grandiosa manifestação. Cerca de 600 pessoas acompanharam o cortejo fúnebre, que saiu da Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa, até ao cemitério dos Prazeres, sendo aí esperado por 500 pessoas. O caixão, sem pano, levava em cima uma coroa de perpétuas, foi depositado no coval nº 4278, no meio da consternação geral. Na ocasião, Eduardo Maia e Azedo Gneco proferiram discursos alusivos à vida e obra de José Fontana.
Tinha 36 anos. Tal foi a vida de José Fontana, um dos fundadores do Partido Socialista em Portugal.