Rui de OliveiraNa habitual crónica de Esther Mucznik (E.M.) num Público de Agosto passado há uma curiosa reflexão sobre a memória do holocausto e o facto de a maioria dos grandes memoriais (museus e projectos educativos) na Alemanha só ter surgido nos últimos vinte anos, o que a leva a concluir que foi preciso o desaparecimento da geração da guerra para haver comemorações (interrogação acessória seria indagarmos se também entre nós o bloqueio da rememoração antifascista sofre do mesmo mal ?...). Daí E.M. afirmar a certeza de que “a memória só se torna colectiva e consensual quando politicamente inócua … ou seja quando se transforma em memória cultural”.
Contudo o mais curioso da crónica é a “confissão” recolhida da directora do campo de Dachau durante os últimos 30 anos a quem perguntaram : “serve todo este trabalho de memória de lição para o futuro ?” “Não sei”, respondeu, “éramos ingénuos quando clamávamos ‘nunca mais!’… mas não temos alternativa…”. Esta dúvida sincera quando associada ao dado de que 45 por cento dos visitantes do museu judaico de Berlim respondeu afirmativamente à pergunta “Crês que no teu círculo de amigos há pessoas com preconceitos contra os judeus?” pode levar alguns menos “rousseaunianos” a concluir simplisticamente que a espécie humana é má e que não há volta a dar-lhe – tente-se educá-la mas sem grandes esperanças. No entanto uma outra leitura é possível numa perspectiva histórica e essa deve confrontar não só os dirigentes de Israel, como a generalidade dos judeus.
Há certamente uma responsabilidade recente do comportamento das chefias israelitas face aos povos do Médio Oriente e em particular aos palestinianos, para justificar uma falta de simpatia ampla que engloba, porventura injustamente, a generalidade dos chamados “filhos de David”. Aquele comportamento deve ser denunciado e combatido (e está a sê-lo) sem qualquer dúvida. Mas justificar-se-ia também que a comunidade judia se interrogasse se a sua conduta de povo alegadamente “eleito” (embrião detestável do fanatismo religioso), o seu fechamento como comunidade (ilusão perigosa duma “pureza” étnica), a sua atitude de protecção excessiva dos seus membros (na sociedade americana isso é chocante, com todos os vícios das “seitas” ocultas) não contribuiu e continua a contribuir para uma difícil, senão impossível, pacificação com a restante sociedade. E aqui fica a homenagem a todos, como o recém-desaparecido Tony Judt, que souberam, apesar de judeus, distanciar-se, criticando, da deriva sionista.
Não quereria encerrar esta reflexão motivada pela crónica daquela intelectual judia tão cheia de constatações e perplexidades que cremos sinceras sem lembrar que também noutros campos, nomeadamente o islâmico (e o papel “nocivo” da religião volta aqui a preponderar), se verificam idêntico sectarismo e semelhante afirmação de falsa supremacia – só que aos olhos “ocidentais” o preconceito e o ódio, neste caso, aparecem como mais naturais …