Quinta-feira, 24 de Fevereiro de 2011

Uma polémica surrealista

 

 

 

 

 

 

 

Carlos Loures

 

Em 1965 tive uma polémica com Mário Cesariny de Vasconcelos que me valeu a excomunhão do movimento surrealista. Cerca de dois anos antes, enviara ao Jornal de Letras e Artes, de Azevedo Martins, uma série de artigos sob o título «Demónios do Absurdo». Neles, em prosa surrealizante, exaltava figuras como as de Alfred Jarry, Jean-Arthur Rimbaud e Isidore Ducasse, Comte de Lautréamont, todos eles precursores do movimento lançado em 1924 pelo manifesto redigido por André Breton. O jornal não publicou nem (contra o que era habitual) me devolveu os textos. Protestei, não me responderam e eu esqueci o assunto. Até porque me envolvi numa alhada política que, em Janeiro de 1965, me levou à prisão. A polícia supunha-me um passarão importante, abusou dos esquemas habituais de «persuasão» e, depois, desiludida, vendo que não tinha «matéria» para me levar a tribunal, ao fim de três meses pôs-me na rua. Na realidade, eu era um elemento sem qualquer importância – distribuíra uns panfletos com a prosa do «Chico» Martins Rodrigues, recolhera uns fundos e pouco mais.

 

Vinha de muito mau humor e, colaborando no suplemento literário do Jornal de Notícias (na altura dirigido por Nuno Teixeira Neves) com uma crónica semanal sobre poesia, canalizei para essa croniqueta semanal todo o meu ódio ao estúpido sistema e a quantos, nomeadamente escritores supostamente de esquerda, pactuavam com o statu quo. – mais ou menos o que agora faço aqui, mas com a fúria dos vinte e poucos anos. A censura cortava muito, mas o que passava era mesmo assim excessivo – marxismo-leninismo, em estado puro e primário, sob a forma de crítica poética. Foi então, quando se comentava no pequeno planeta português das letras a minha fúria antifascista, concordando uns e discordando a maioria, que o Jornal de Letras e Artes resolveu pegar nos textos (quatro ou cinco) que lhes enviara e os publicou com todo o destaque na primeira página e com títulos (tirados do texto, mas escolhidos a dedo). O meu lirismo marxista-leninista sofreu um rude golpe. Os meus «apoiantes», a malta do «escacha-pessegueiro», ficaram desiludidos – «Mais um a baldar-se!», pensaram.

 

Fiz então uma carta para o Jornal de Letras e Artes a pôr os pontos nos is – deixara de ser surrealista, o jornal manipulara as coisas, etc. O Mário Cesariny de Vasconcelos, o papa do surrealismo português, não me perdoou e numa carta, que o jornal publicou verberava a minha abjuração, acusando-me de me ter aburguesado. Vi-me obrigado a responder. Com o mau humor decorrente da porrada que levara e das longas noites de insónia forçada, não estava com paciência para aturar reprimendas de quem, merecendo-me o respeito devido a um grande poeta, passava os dias no café ou nos transportes públicos a tentar engatar marinheiros (Cesariny tinha um grande fascínio pelas fardas). E, isto é que conta, no intervalo destas coisas, escrevia a sua maravilhosa poesia.

 

Enfim, foi um corte completo. O meu nome que até então, figurava nas publicações surrealistas, foi limpo numa manobra que faz lembrar as técnicas da Checa, limpando Trotsky e outros elementos inconvenientes das fotografias históricas. Coisa que nada me preocupou. De facto, Cesariny tinha toda a razão. Nada tenho a ver com o surrealismo, embora tenha promovido e editado uma das poucas revistas que o movimento produziu. Explico como aconteceu essa revista, a Pirâmide», num depoimento prestado ao Daniel Pires. Note-se que o Benjamim Marques, um talentoso artista plástico, cujo rasto perdi (sei que foi para França ainda nos anos 60), no único registo gráfico que existe do grupo do Gelo, um desenho em que retratou as pessoas que o compunham, não me incluiu, embora não se tenha esquecido de uma rapariga, a Tininha (que por gralha passou à posteridade como «Fininha», uma jovem da mais antiga corporação profissional do mundo, que trabalhava no Ritz Club, e às vezes passava ali pelo café, mas que , de modo algum, era um elemento do grupo).

 

Por outro lado, designa o João Fernandes, um membro tão respeitável como os outros, por «João Zanaga» uma alcunha que aludia a um estrabismo que, ouvi dizer, corrigiu depois com uma cirurgia. O pormenor curioso é que eu, que fui excluído, e o João Fernandes que foi alcunhado, éramos, em todo o grupo, as pessoas que o Benjamim Marques melhor conhecia. Priváramos durante muitos anos, entre a infância e a adolescência no Ateneu, onde estudámos juntos. Falta também no retrato o João Vieira que era já um pintor com algum nome. Uma forma de acertar contas com inimigos de infância e concorrentes? Talvez, pois, apesar de tudo, não acredito que o Cesariny lhe tivesse guiado a mão e na altura em que o desenho foi feito eu não caíra ainda em desgraça.

 

Abro aqui um parêntesis, porque já que estou a falar de uma excomunhão, lembro-me da ameaça de uma outra. O Raul Leal (1886-1964) o mais velho elemento do grupo, era uma figura muito curiosa. Colaborador do «Orpheu», amigo de Fernando Pessoa, escandalizara a Lisboa do primeiro quarto do século XX ao assumir a sua homossexualidade no panfleto Sodoma Divinizada (1923). Hoje seria uma coisa vulgar, mas naquela altura era quase inconcebível (não a homossexualidade, mas a sua assunção). Foi atacado por todos os sectores de opinião, valendo-lhe a defesa que dele fez Pessoa. Vinha de uma família rica, era formado em Direito e ocupava as funções de Governador do Banco de Portugal. O escândalo foi enorme, proporcional à sua notoriedade social. Constou mesmo que iria ser excomungado. Considerando-se o profeta de uma nova religião, proferiu uma frase que ficou famosa: «Se o Papa me excomungar, eu excomungo o Papa!».

 

Apesar desta escaramuça, seria ingratidão não reconhecer que foi com os mestres do surrealismo que, mal ou bem, aprendi a escrever, embora os meus temas sejam realistas. Há mesmo quem me considere um neo-realista e, dando força a essa classificação, ainda há meses animei uma sessão no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira. Porém, a minha prosa tenta fugir à crueza estilística que tipifica esse movimento, embora a maioria dos neo-realistas tenha feito o mesmo (mas muito melhor do que eu) – Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca e até um dos patriarcas, Soeiro Pereira Gomes, por exemplo, escreveram furtando-se a essa aridez formal que apenas Alves Redol nos seus primeiros livros e alguns epígonos seguiram. No entanto, apesar deste corte de relações que durou para sempre, pois Cesariny tinha mau feitio e o meu também não é dos melhores (o papa excomungou-me e eu excomunguei o papa). apesar disso, dizia, nunca me esqueci, nem esquecerei de que Mário Cesariny de Vasconcelos foi um grande poeta, um dos maiores do seu tempo.

publicado por João Machado às 16:00

editado por Luis Moreira às 03:43
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Terça-feira, 12 de Outubro de 2010

Uma polémica surrealista

Carlos Loures

Em 1965 tive uma polémica com Mário Cesariny de Vasconcelos que me valeu a excomunhão do movimento surrealista. Cerca de dois anos antes, enviara ao Jornal de Letras e Artes, de Azevedo Martins, uma série de artigos sob o título «Demónios do Absurdo». Neles, em prosa surrealizante, exaltava figuras como as de Alfred Jarry, Jean-Arthur Rimbaud e Isidore Ducasse, Comte de Lautréamont, todos eles precursores do movimento lançado em 1924 pelo manifesto redigido por André Breton. O jornal não publicou nem (contra o que era habitual) me devolveu os textos. Protestei, não me responderam e eu esqueci o assunto. Até porque me envolvi numa alhada política que, em Janeiro de 1965, me levou à prisão. A polícia supunha-me um passarão importante, abusou dos esquemas habituais de «persuasão» e, depois, desiludida, vendo que não tinha «matéria» para me levar a tribunal, ao fim de três meses pôs-me na rua. Na realidade, eu era um elemento sem qualquer importância – distribuíra uns panfletos com a prosa do «Chico» Martins Rodrigues, recolhera uns fundos e pouco mais.

Vinha de muito mau humor e, colaborando no suplemento literário do Jornal de Notícias (na altura dirigido por Nuno Teixeira Neves) com uma crónica semanal sobre poesia, canalizei para essa croniqueta semanal todo o meu ódio ao estúpido sistema e a quantos, nomeadamente escritores supostamente de esquerda, pactuavam com o statu quo. – mais ou menos o que agora faço aqui, mas com a fúria dos vinte e poucos anos. A censura cortava muito, mas o que passava era mesmo assim excessivo – marxismo-leninismo, em estado puro e primário, sob a forma de crítica poética. Foi então, quando se comentava no pequeno planeta português das letras a minha fúria antifascista, concordando uns e discordando a maioria, que o Jornal de Letras e Artes resolveu pegar nos textos (quatro ou cinco) que lhes enviara e os publicou com todo o destaque na primeira página e com títulos (tirados do texto, mas escolhidos a dedo). O meu lirismo marxista-leninista sofreu um rude golpe. Os meus «apoiantes», a malta do «escacha-pessegueiro», ficaram desiludidos – «Mais um a baldar-se!», pensaram.

Fiz então uma carta para o Jornal de Letras e Artes a pôr os pontos nos is – deixara de ser surrealista, o jornal manipulara as coisas, etc. O Mário Cesariny de Vasconcelos, o papa do surrealismo português, não me perdoou e numa carta, que o jornal publicou verberava a minha abjuração, acusando-me de me ter aburguesado. Vi-me obrigado a responder. Com o mau humor decorrente da porrada que levara e das longas noites de insónia forçada, não estava com paciência para aturar reprimendas de quem, merecendo-me o respeito devido a um grande poeta, passava os dias no café ou nos transportes públicos a tentar engatar marinheiros (Cesariny tinha um grande fascínio pelas fardas). E, isto é que conta, no intervalo destas coisas, escrevia a sua maravilhosa poesia.

Enfim, foi um corte completo. O meu nome que até então, figurava nas publicações surrealistas, foi limpo numa manobra que faz lembrar as técnicas da Checa, limpando Trotsky e outros elementos inconvenientes das fotografias históricas. Coisa que nada me preocupou. De facto, Cesariny tinha toda a razão. Nada tenho a ver com o surrealismo, embora tenha promovido e editado uma das poucas revistas que o movimento produziu. Explico como aconteceu essa revista, a Pirâmide», num depoimento prestado ao Daniel Pires. Note-se que o Benjamim Marques, um talentoso artista plástico, cujo rasto perdi (sei que foi para França ainda nos anos 60), no único registo gráfico que existe do grupo do Gelo, um desenho em que retratou as pessoas que o compunham, não me incluiu, embora não se tenha esquecido de uma rapariga, a Tininha (que por gralha passou à posteridade como «Fininha», uma jovem da mais antiga corporação profissional do mundo, que trabalhava no Ritz Club, e às vezes passava ali pelo café, mas que , de modo algum, era um elemento do grupo).

Por outro lado, designa o João Fernandes, um membro tão respeitável como os outros, por «João Zanaga» uma alcunha que aludia a um estrabismo que, ouvi dizer, corrigiu depois com uma cirurgia. O pormenor curioso é que eu, que fui excluído, e o João Fernandes que foi alcunhado, éramos, em todo o grupo, as pessoas que o Benjamim Marques melhor conhecia. Priváramos durante muitos anos, entre a infância e a adolescência no Ateneu, onde estudámos juntos. Falta também no retrato o João Vieira que era já um pintor com algum nome. Uma forma de acertar contas com inimigos de infância e concorrentes? Talvez, pois, apesar de tudo, não acredito que o Cesariny lhe tivesse guiado a mão e na altura em que o desenho foi feito eu não caíra ainda em desgraça.

Abro aqui um parêntesis, porque já que estou a falar de uma excomunhão, lembro-me da ameaça de uma outra. O Raul Leal (1886-1964) o mais velho elemento do grupo, era uma figura muito curiosa. Colaborador do «Orpheu», amigo de Fernando Pessoa, escandalizara a Lisboa do primeiro quarto do século XX ao assumir a sua homossexualidade no panfleto Sodoma Divinizada (1923). Hoje seria uma coisa vulgar, mas naquela altura era quase inconcebível (não a homossexualidade, mas a sua assunção). Foi atacado por todos os sectores de opinião, valendo-lhe a defesa que dele fez Pessoa. Vinha de uma família rica, era formado em Direito e ocupava as funções de Governador do Banco de Portugal. O escândalo foi enorme, proporcional à sua notoriedade social. Constou mesmo que iria ser excomungado. Considerando-se o profeta de uma nova religião, proferiu uma frase que ficou famosa: «Se o Papa me excomungar, eu excomungo o Papa!».

Apesar desta escaramuça, seria ingratidão não reconhecer que foi com os mestres do surrealismo que, mal ou bem, aprendi a escrever, embora os meus temas sejam realistas. Há mesmo quem me considere um neo-realista e, dando força a essa classificação, ainda há meses animei uma sessão no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira. Porém, a minha prosa tenta fugir à crueza estilística que tipifica esse movimento, embora a maioria dos neo-realistas tenha feito o mesmo (mas muito melhor do que eu) – Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca e até um dos patriarcas, Soeiro Pereira Gomes, por exemplo, escreveram furtando-se a essa aridez formal que apenas Alves Redol nos seus primeiros livros e alguns epígonos seguiram. No entanto, apesar deste corte de relações que durou para sempre, pois Cesariny tinha mau feitio e o meu também não é dos melhores (o papa excomungou-me e eu excomunguei o papa). apesar disso, dizia, nunca me esqueci, nem esquecerei de que Mário Cesariny de Vasconcelos foi um grande poeta, um dos maiores do seu tempo.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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Domingo, 25 de Julho de 2010

Natália - uma deusa em Alfama


Carlos Loures


Diz Mário Cesariny de Vasconcelos, entrevistado por Carlos Câmara Leme para o Público, em Março de 2003: «A primeira vez que vi a Natália Correia foi no São Carlos. Eu estava na galeria ela no segundo balcão. Quando? Ui! Aí pelos anos 1950. Apesar de já não ter muito afecto a senhoras, ia caindo para o lado do espectáculo de beleza que ela apresentava. Era quase extra-humana, era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel Ângelo. Era uma coisa impressionante. Mas era também uma mulher de um desdém muito grande. Cheguei a julgá-la assexuada ou frígida mas parece que não era bem isso…». Isto, atenção, foi o Cesariny quem disse ( e quando Cesariny diz «parece que não era bem isso», está a dizer que a Natália, ao contrário do Mário, tinha bastante afecto a senhoras). Agora a minha história.

Andava por Alfama numa véspera de Santo António. Foi, salvo erro em 1958. Estava com um grupo de frequentadores do Gelo. Subitamente, num daqueles pequenos largos onde afluem estreitas ruas medievais, surgiu uma deusa. Como costuma acontecer quando contactamos divindades, fiquei siderado ou como disse o Cesariny, ia caindo para o lado. Havia um coreto com músicos, um céu de bandeirinhas e flores de papel colorido, fumo de sardinhas assadas… – o Santo António , mas tudo isso se esfumou e ali estava eu feito estátua olhando a deusa que se aproximava. E vinha na minha direcção. Vi que não vinha sozinha, um homem trigueiro, de bigodes escuros, vestido muito formalmente, acompanhava-a. Nem o vi. Deixem-me descrevê-la: não era muito alta, de formas generosas, sem sombra de obesidade, um rosto oval onde luziam dois olhos escuros, de um brilho ironicamente inteligente. Linda, se é que me entendem.


Como continuava, com o seu acompanhante a vir na nossa direcção, o meu embaraço crescia na medida em que a distância diiminuia. Até que chegaram junto de nós. Beijou as faces dos meus três amigos e esperou que me apresentassem. O que fizeram enquanto eu continuava em estado cataléptico. Um deles, deu-me uma cotovelada e lá me aproximei. Estendeu-me a mão. Mirava-me com o olhar divertido de quem sabia o que me ia na mente. E depois apresentou-nos o seu acompanhante. Era o senhor embaixador da República Árabe Unida, uma federação de estados de existência efémera, constituído pelo Egipto, pela Síria e pelo Iémen. Trocámos frases de circunstância em francês, que era o inglês de há cinquenta anos. E a deusa foi-se embora levando o embaixador, dando-me à despedida um beijo na face, olhando-me sempre com o ar trocista de quem me lia a mente. Foi-se, perdeu-se no meio daquela multidão de pobres mortais. Um dos amigos, deu-me um encontrão e disse-me:

- Acorda rapaz! Olha que ela podia ser tua mãe!

Talvez pudesse, com alguma boa vontade, pois tinha mais 14 anos e uns meses do que eu. Mas não era. Tinha um nome:

Natália. Natália Correia.

Desiludiu-me quando aderiu ao PPD. Mas nunca me desiludiu como como intelectual. À sua beleza exterior, correspondia uma grande beleza interior. Não tinha papas na língua, embora deputada de um partido conservador. Quando em 1982, na Assembleia da República, o deputado Jorge Morgado lembrou que a Igreja Católica proíbe o aborto por entender que o acto sexual tem como objectivo único a procriação, Natália, respondeu:

Já que o coito diz Morgado
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menino ou menina
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca,
sendo só pai de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou parca ração! uma vez.
E se a função faz o órgão diz o ditado
consumado essa excepção,
ficou capado o Morgado.

Nunca fui frequentador do seu «Botequim». Quis sempre preservar a visão que me surgiu em pleno Santo António, como uma deusa. Embora, com a tal boa vontade, pudesse ser minha mãe. Já repararam que esta questão não tem sentido, pois todas as mulheres podiam ser sempre nossas mães, tias, irmãs, filhas, primas…

É a síndrome do incesto a atacar.

Deixo-vos com a voz de Natália Correia lendo o seu poema «Defesa do Poeta», num serão gravado (em 1971?) em casa de Amália Rodrigues, com a presença desta, de Vinicius de Moraes, de David Mourão-Ferreira, de José Carlos Ary dos Santos.

publicado por Carlos Loures às 12:00
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Sexta-feira, 21 de Maio de 2010

A Pirâmide


Grupo Surrealista de Lisboa -I (Exposição dos Surrealistas, Junho/Julho, 1949).
Na foto, da esquerda para a direita: Henrique Risques Pereira, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa, Pedro Oom, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Carlos Eurico da Costa e Fernando Alves dos Santos.

Carlos Loures

A revista «Pirâmide» da qual, entre Fevereiro de 1959 e Dezembro de 1960, se publicaram três números, e da qual fui um dos coordenadores, teve uma história curta, mas atribulada. Na Primavera de 1958, passei a frequentar o Café Gelo, onde se reunia o grupo dos surrealistas, com figuras como Mário Cesariny, Luiz Pacheco, Raul Leal, António José Forte, Ernesto Sampaio, Virgílio Martinho e tantos outros, surrealistas ou não. Havia os que não eram tão assíduos, como o João Vieira, o Gonçalo Duarte, o Mário Henrique Leiria, o Manuel D’Assumpção e muitos outros.

Participara na edição de um «poema-manifesto» - “O Menino que não saltou a Cancela”, coisa incipiente, reflectindo a confusão que me ia na cabeça: leituras apressadas, de Marx, Sartre, Breton, alguma determinação antifascista e pouco mais. Porém, o opúsculo serviu de cartão de ingresso naquela tertúlia tão elitista como permissiva. Bastava ser-se um pouco louco, ou mesmo apenas fingi-lo, para se ser aceite. A figura dominante era Cesariny, que funcionava como aglutinador de personalidades tão diferentes como Luiz Pacheco, Herberto Hélder, Raul Leal, Manuel de Castro, António José Forte, Ernesto Sampaio e outros. O deus tutelar, António Maria Lisboa, que morrera em 1953, deixando uma obra reduzida em extensão, mas plena de sugestões geniais.



Um depoimento que prestei ao Daniel Pires para o seu «Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa», diz o essencial. Daí transcrevo algumas linhas: «Com a impaciência, o pragmatismo e o voluntarismo próprios de quem quer resolver a sua confusão interior pela ordenação do mundo exterior, nós, os recém-chegados ao grupo, entendemos que era importante que aquela reunião quotidiana de talentos se traduzisse em algo de concreto - uma revista. A ideia foi acolhida com alguma ironia pelos elementos mais parasitários e com entusiasmo pelos mais valiosos, nomeadamente por Cesariny, que sugeriu o título e que organizou verdadeiramente o primeiro número, o mais ortodoxo dos três que se publicaram.» (…)
«Dadas as vicissitudes de um grupo tão heterogéneo como aquele, onde a intriga representava um papel determinante, o segundo número, surgido em Junho de 1959 (quatro meses depois do primeiro), representava já uma contestação à “liderança” de Cesariny. «O número 3, publicado em Dezembro de 1960, estava já quase totalmente esvaziado do inicial conteúdo surrealizante. É, no entanto, o mais autêntico, pois é o único em que ninguém nos “segurou a mão”. Aliás, foi já realizado fora do grupo do Gelo, com gente que parava uns metros adiante, no Café Restauração». Grupo constituído pelo Alfredo Margarido, Edmundo Bettencourt, Manuel de Castro e outros.




Por mérito dos «conselheiros», a Pirâmide, apresentou colaboração literária notável. Entre outros, Antonin Artaud, «O Teatro e a Ciência» ; António Maria Lisboa, «Aviso a Tempo por Causa do Tempo»; Mário Cesariny de Vasconcelos, «Mensagem e Ilusão do Acontecimento Surrealista»; Herberto Hélder, «Poema»; Luiz Pacheco, «O Surrealismo e Sátira» e «A Pirâmide e a Crítica» ; Pedro Oom, «Um Ontem Cão»; Raul Leal, «Psaume»; Virgílio Martinho, «A Propósito do Movimento 57» Apresentou ainda colaboração literária inédita de Alfredo Margarido, Ángel Crespo, Manuel de Castro, Edmundo Bettencourt e de Ernesto Sampaio, bem como reproduções de obras de Amadeo de Souza-Cardoso e Manuel D’Assumpção. Eu colaborei com uma colagem no número 2 e, no número 3, com uma «Carta aos Ladrões de Fogo».

A crítica instalada não recebeu muito bem a revista. À direita. suspeitava-se que aqueles poemas estranhos e aqueles textos desconexos não podiam ser coisa boa. Pela esquerda, gente na sua maior parte, ligada ainda que só ideologicamente ao Partido Comunista, a recepção foi ainda pior. Havia velhas contas a ajustar com os surrealistas e a «Pirâmide» veio mesmo a calhar. João Gaspar Simões, um homem com quem podia não se concordar, mas que teve um papel extremamente positivo na divulgação da literatura portuguesa, nomeadamente de Fernando Pessoa que apenas era conhecido por uma elite, dedicou-nos uma crítica dura na sua página literária do Diário de Notícias. Mais incisivo foi António Ramos de Almeida que, no Jornal de Notícias, ia ao ponto de chamar a polícia ou alguém com um colete de forças.

Luiz Pacheco respondeu-lhes num vigoroso e satírico artigo publicado no número dois. Um dia destes, volto a este assunto.
publicado por Carlos Loures às 12:00
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